RESUMO
O óleo de silicone é um importante tampão utilizado na retinopexia cirúrgica de casos graves de descolamento de retina. O aumento da pressão intraocular e o desenvolvimento de glaucoma secundário são frequentes complicações da sua utilização. A depender do período de aparecimento, diversos mecanismos justificam a ocorrência de tais complicações. Compreender os fatores de riscos e a patogênese do aumento da pressão intraocular associada a aplicação de óleo de silicone em cirurgia retiniana ajuda a orientar o tratamento adequado para cada paciente. O objetivo deste artigo é revisar a literatura sobre a patogenia, a incidência, os fatores de risco e o tratamento desta condição clínica.
Óleos de silicone; Glaucoma; Cirurgia vitreorretiniana; Retina; Malha trabecular
ABSTRACT
Silicone oil has been an important intraocular tamponade in retinopexy in cases of complicated retinal detachment surgery. The increase of intraocular pressure and development of secondary glaucoma are a known complication of its use. A variety of mechanisms have been proposed for the pathogenesis, depending on the onset. This article aims to review the literature about pathogenesis, the incidence and risk factors, as well as the treatment of this pathology.
Silicone oils; Glaucoma; Vitreoretinal surgery; Retina; Trabecular meshwork
INTRODUÇÃO
O óleo de silicone (polidimetilsiloxano) é um polímero sintético linear feito de unidades repetidas de siloxano (Si-O) e quimicamente semelhante à borracha de silicone, exceto que as cadeias de polímero de óleo de silicone (OS) não são reticuladas e são mais curtas que as da borracha.(1)
O OS foi introduzido pela primeira vez na cirurgia vitreorretiniana por Cibis et al.(2,3) em 1962, proporcionando tamponamento interno por injeção intravítrea.(4) Seu uso recuperou popularidade na década de 1980 com a popularização da vitrectomia via pars plana (VVPP) e foi aprovado pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos para uso intraocular em 1997.(5)
Devido à sua alta tensão superficial, o OS recobre as roturas retinianas e previne a transição de fluido para o espaço subretiniano, por meio de defeitos retinianos, facilitando o processo de adesão coriorretiniana. Além disso, o OS limita a disseminação livre de células proliferativas e mediadores bioquímicos por meio da cavidade vítrea, atuando como um preenchedor de espaço. Em olhos com retinopatia diabética proliferativa, ele também possui função de hemostasia.(6)
O OS tem sido associado a complicações, incluindo catarata, ceratopatia, emulsificação de óleo na câmara anterior e glaucoma.(7-9) O glaucoma secundário pode ocorrer em qualquer momento no período pós-operatório e variar de aumento leve e transitório a picos muito altos e sustentados da pressão intraocular (PIO) – e, como consequência, neuropatia óptica e perda visual.(10,11) O aumento da PIO pode ocorrer por diversos mecanismos.
PATOGÊNESE
O glaucoma pode se desenvolver após buckling escleral, endofotocoagulação e VVPP, com ou sem OS.(12,13) Diversos mecanismos de aumento da PIO secundária ao OS têm sido relatados. São diferenciados em duas entidades: hipertensão ocular no pós-operatório recente e glaucoma de aparecimento tardio.
A patogênese relacionada ao aumento precoce da PIO pode estar relacionada a: exacerbação de um glaucoma preexistente não detectado,(14) inflamação induzida pelo procedimento cirúrgico,(15) secundário ao uso de corticoides no pós-operatório,(16) migração do OS para a câmara anterior causando infiltração da malha trabecular(17)e bloqueio pupilar.(18)
A migração do OS para a câmara anterior é uma grave complicação, principalmente nos casos de óleos mais pesados, devido a sua hidrodinâmica. Uma gota maior que o diâmetro pupilar, em sua passagem para câmara anterior, pode induzir ao bloqueio pupilar, impedindo a drenagem do humor aquoso. Isso acontece, geralmente, em pacientes que necessitam ficar em posição supina por períodos prolongados.(19) O fechamento angular secundário ocorre, mais frequentemente, em pacientes afácicos, contudo, há relatos em pacientes fácicos e pseudofácicos. Nesses casos, a fragilidade zonular seria a principal causa.(20)
Entre os mecanismos envolvidos no aumento tardio da PIO, encontram-se: infiltração da malha trabecular por bolhas de OS,(21) inflamação crônica,(22) fechamento angular por sinéquias, rubeosis iridis, migração de OS emulsificado para a câmara anterior(23) e glaucoma idiopático, provavelmente, primário.(18)
Além da neuropatia óptica causada pelo aumento da PIO, também pode acontecer lesão ao nervo óptico, devido à toxicidade pelo OS. A patogenia ainda é discutida, porém acredita-se que o OS possa dificultar ou até impedir a troca de oxigênio entre a superfície retiniana e o humor vítreo, causando danos permanentes às células do nervo óptico.(24)
Alguns autores referem que o aumento da PIO pode ser o fator responsável pela migração do OS da cavidade vítrea para dentro do nervo óptico, em um mecanismo similar à atrofia cavernosa do nervo óptico de Schnabel,(25) em que acontece entrada de mucopolissacarídeos no nervo óptico em olhos não vitrectomizados e com PIO elevada.
Contudo, alguns estudos trazem a hipótese de um mecanismo de transporte ativo.(26,27) Um modelo semibiológico demonstrou que a pressão, isoladamente, não parece ser a única responsável pela passagem de OS para dentro do nervo óptico.(26) Questiona-se também a possibilidade de um dano ao nervo óptico contralateral, caso o OS atinja o quiasma óptico.
GLAUCOMA INDUZIDO POR ÓLEO DE SILICONE DE INÍCIO TARDIO
Incidência e fatores de risco
A verdadeira incidência de glaucoma após injeção de OS é difícil de ser obtida. Em 1965, Cibis et al.(2) foram os primeiros a descrever o aumento da PIO após injeção de OS na cirurgia de descolamento de retina, com incidência variando de 2,2% em 6 meses, até 56% em 8 meses. Desde então, muitos outros autores relataram diferentes incidências, variando de 20% a 50%,(24,28) sendo que tais valores vêm se apresentando menores em relatos mais recentes, com incidências de 3% a 30%, possivelmente devido às melhorias na técnica cirúrgica e na prática clínica.(17)
Há relatos de elevação da PIO em 61,5% dos olhos após 1 semana, em 28,7% dos olhos de 1 a 6 semanas e em 9,8% dos olhos após 6 semanas. Um ano após a cirurgia, a taxa cumulativa estimada de hipertensão ocular foi de 28,4%.(29) A elevação da PIO imediatamente após à injeção de OS também é um importante fator de risco associado à diminuição da acuidade visual. Picos pressóricos >25mmHg foram detectados em 73% dos pacientes que relataram perda visual. Também foi descrito que a presença de valores de PIO de 21mmHg em duas visitas consecutivas ou valor de 25mmHg em uma única avaliação podem ser considerados importante fator de risco para a redução da acuidade visual.(30) Muitos fatores pré e pós-operatórios podem levar ao aumento da PIO. Fatores pré-operatórios que influenciam na elevação da PIO são alta miopia, afacia, diabetes, histórico de uveíte ou de trauma, cirurgia vitreorretiniana prévia e glaucoma preexistente.(17) Os fatores pós-operatórios incluem hifema (39% dos casos), bloqueio pupilar, rubeosis iridis, sinéquias anteriores, uso prolongado de esteroides tópicos no pós-operatório e presença de OS emulsificado na câmara anterior.(29)
Hipertensão ocular pré-operatória
O histórico de glaucoma é considerado importante fator de risco para elevação da PIO. Uma coorte de 272 pacientes apontou a presença de um histórico de hipertensão ocular ou glaucoma pré-operatório em 5,9% dos pacientes.(29) Foi descrito que pacientes com elevação pós-operatória precoce da PIO tinham PIO pré-operatória mais alta de forma estatisticamente significativa e tendiam a ser mais jovens.(31) Além disso, os pacientes que apresentaram aumento pressórico após 6 semanas tinham valores pré-operatórios de PIO maiores do que aqueles que desenvolveram elevação da PIO após 1 semana de cirurgia, podendo então haver diferentes mecanismos patogênicos envolvidos.
Cristalino
Pacientes com cirurgia de catarata prévia foram mais propensos a desenvolver aumento da PIO após 6 semanas de cirurgia e tinham mais gotas de OS na câmara anterior.(31)
Um estudo de longo prazo descreveu incidência de hipertensão de início tardio em pacientes com ângulo aberto de 15% em pacientes não fácicos contra 1,4% em pacientes fácicos após VVPP.(32) A afacia representa importante fator de risco para glaucoma de ângulo aberto após injeção de OS, aumentando o risco em dez vezes.(33) O Silicone Study relatou que todos os olhos afácicos apresentaram elevação da PIO. O motivo pode ser o fato de que o cristalino impede a passagem de OS para a câmara anterior. Na verdade, uma maior quantidade de OS emulsificado foi encontrada em olhos afácicos, enquanto era pequena ou inexistente em olhos fácicos.(34) No entanto, estudo de acompanhamento de longo prazo indicou que a presença do cristalino não previne o desenvolvimento de glaucoma.(35) Foi relatado que, com o tempo, glóbulos espumosos de silicone emulsificado podem atravessar a barreira protetora do cristalino em muitos olhos, induzindo a elevação da PIO.(36)
Diabetes mellitus
A influência do diabetes na elevação da PIO após a injeção de OS foi estudada extensivamente, mas ainda é controversa. deCorral et al. mostraram que a elevação pressórica secundária à injeção de OS é independente de condições sistêmicas, como diabetes mellitus.(22) Outros autores sugeriram que pacientes com histórico de diabetes tiveram risco menor de aumento da PIO no pós-operatório em comparação com os não diabéticos.(31) Por outro lado, também houve associação significativa entre diabetes mellitus e glaucoma induzido pelo OS.(17,33) Framme et al.(35) corroboraram o pensamento de que, em olhos com doenças vasculares sistêmicas, como diabetes, a elevação da PIO pode danificar um nervo óptico já previamente comprometido, resultando em perda da função visual.
ÓLEO DE SILICONE NA CÂMARA ANTERIOR
A presença de OS na câmara anterior, que deve ser pesquisada pelo exame biomicroscópico (Figura 1) e pela gonioscopia (Figura 2), pode contribuir significativamente para o aumento da PIO.(33)
Apresentações biomicroscópicas do óleo de silicone (OS) na câmara anterior. Em A observa-se gota de OS de baixo peso molecular. Em B, notam-se diversas gotas de OS de alto peso molecular na região inferior e gotículas de OS emulsificado formando nível na região superior da câmara anterior. O OS pode permanecer aderido à íris mesmo após lavagem da câmara anterior, como observado em C.
Gonioscopia de pacientes com óleo de silicone (OS) na câmara anterior. Em A observa-se gota de OS e pequena quantidade de OS emulsificado na região angular superior. Em B nota-se grande quantidade de gotículas de OS emulsificado no ângulo.
Há relatos de que 43% dos pacientes com glaucoma secundário à injeção de OS apresentavam gotículas de OS no ângulo da câmara anterior.(37)Hipotetiza-se que gotículas de OS obstruam mecanicamente a malha trabecular, bloqueando a via de drenagem do humor aquoso.(38) No entanto, apesar da presença de emulsificação de OS na câmara anterior ou no ângulo, pressões normais já foram documentadas nesses olhos.(33)
Outros estudos sugerem pouca ou nenhuma relação entre o OS emulsificado na câmara anterior e glaucoma.(9,38) Segundo os autores, a elevação da PIO provavelmente não estaria relacionada à presença de emulsificação de OS, mas poderia ser secundária a outros mecanismos.
INFLAMAÇÃO OCULAR
Evidências sugerem que essa reação provavelmente possa persistir mesmo após a remoção do OS, podendo contribuir para o aumento da PIO.(39)A porcentagem de pacientes com inflamação ocular descrita na literatura varia de 3% a 41% em 4 meses a partir da injeção do OS.(40)
Foi descrito que pacientes portadores do HIV apresentam PIO menor do que pacientes sem HIV, com menor aumento da PIO no primeiro dia pós-operatório. A possível explicação seria a diminuição da resposta inflamatória devido ao comprometimento do sistema imunológico em pacientes HIV positivos.(41)
PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DO ÓLEO DE SILICONE
Diferentes tipos de OS estão atualmente disponíveis para uso na cirurgia vitreorretiniana, podendo ser classificados em agentes tamponantes “mais leves que a água” e “mais pesados que a água”.(6) O OS convencional, que apresenta uma densidade menor que a da água, fornece um bom suporte para a retina superior. O OS pesado, com densidade maior que a água, proporciona um tamponamento pós-operatório eficaz dos quadrantes inferiores.(42)
Além disso, novos OS com cadeias de silicone de alto peso molecular, resultando em viscosidade geral de 2000 cSt, têm sido amplamente utilizados, combinando a vantagem do menor risco de emulsificação com a facilidade de injeção e remoção, principalmente quando se utilizam instrumentos minimamente invasivos.(6)
Foi reportado que o OS pesado apresentou risco maior de hipertensão ocular pós-operatória em comparação ao OS convencional.(43) Por essa razão, um aumento pressórico acaba sendo uma complicação comum após vitrectomia pars plana e tamponamento com OS pesado. Wolf et al.(43) mostraram que a PIO pós-operatória aumentou mais de 30mmHg em quatro (12%) dos 33 olhos tratados com Oxane® HD (OS 5000 cSt + olefina parcialmente fluorada; Bausch Lomb, Estados Unidos). Em outro estudo piloto, envolvendo 42 casos recrutados entre Rotterdam e Liverpool, o Densiron® 68 (perfluorohexiloctano + OS 5000 cSt; Fluoron Co, Neu-Ulm, Alemanha) foi usado em pacientes com descolamento de retina. Em uma semana e um mês após a injeção do OS pesado, seis pacientes (14%) tiveram aumento da PIO e, três meses após a remoção do óleo, três pacientes (7%) apresentaram PIO superior a 30mmHg.(44)
DURAÇÃO DO TAMPONAMENTO PELO ÓLEO DE SILICONE
Muitos estudos relataram que o aumento da PIO não é influenciado pela duração do tamponamento pelo OS.(18,30) A emulsificação do OS desempenha papel importante no aumento da PIO após a cirurgia de descolamento de retina, mas não está relacionado com a duração do tamponamento.(18) De acordo outro estudo, o início do processo de emulsificação do OS varia de 4,3 a 5 meses.(9) No entanto, enquanto o tamponamento estiver em vigor, os pacientes com OS emulsificado tendem a apresentar valores de PIO ligeiramente mais elevados do que pacientes sem emulsificação.(18)
Nowack et al.(45) descreveram a normalização da PIO após a remoção do OS emulsificado, a menos que outras complicações, como neovascularização da íris ou glaucoma de ângulo fechado, estivessem presentes.
OUTROS FATORES CIRÚRGICOS
Hipotonia ocular ou PIO cronicamente elevada são complicações bem conhecidas no uso de OS como tamponante em cirurgias de descolamentos de retina complicados com proliferação vitreorretiniana (PVR).(37) Foi relatado que pacientes com PVR apresentam valores médios de PIO pós-operatória acima de 40mmHg.(36) Esses valores foram encontrados também em pacientes submetidos a laser intraoperatório para tratamento de PVR, sugerindo que esse tratamento também possa ter impacto no aumento da PIO pós-operatória. Remanescentes de OS de cirurgias prévias podem estar repetidamente em contato com substâncias de limpeza e altas temperaturas para esterilização. Isso pode causar a quebra da extremidade das longas cadeias de polidimetilsiloxano com formação de oligossiloxano resultante. Esses remanescentes de oligossiloxano podem persistir nos tubos e instrumentos, sendo mobilizados na cavidade vítrea dos pacientes durante os procedimentos cirúrgicos consecutivos.(46)
TRATAMENTO
O tratamento clínico é, geralmente, a primeira opção para reduzir a PIO. Inicia-se com cicloplégicos e corticoides para diminuir a inflamação, associados a fármacos que reduzem a produção ou aumentam a drenagem do humor aquoso. O uso de medicações tópicas e sistêmicas controlou a PIO em 30% a 78% dos olhos em estudos prévios.(17,33)
Apesar de alguma controvérsia provocada pelo entendimento antigo de que o mecanismo de ação seria incompatível com os mecanismos de elevação da PIO nos olhos com OS, os análogos de prostaglandina demonstraram eficácia e segurança nesses pacientes, sem diferença significativa quanto a inflamação, quando comparados com betabloqueadores, como maleato de timolol.(29)
Em casos de bloqueio pupilar, além do tratamento clínico, torna-se necessária a realização de iridotomia periférica a laser ou iridectomia cirúrgica, ambas inferiores. Uma iridotomia às 12h não é recomendada, pois a gota de óleo tende a ficar atrás do diafragma da íris superiormente e bloquearia a iridotomia.(47) A iridotomia deve ser feita de forma profilática em pacientes afácicos e pseudofácicos. Em alguns casos, a posição de olhar pra baixo pode reverter o bloqueio pupilar.(31)
Se houver falha no tratamento da PIO clinicamente, deve-se considerar a retirada do OS. Sua retirada melhora o controle pressórico na maioria dos pacientes, mas aumenta o risco do descolamento de retina.(18)
Budenz et al. avaliaram o desfecho da intervenção cirúrgica para glaucoma secundário em 43 olhos submetidos a vitrectomia com OS.(48) O sucesso foi atingido em 69%, 60%, 56% e 48% dos olhos em 6, 12, 24 e 36 meses, respectivamente. O tratamento cirúrgico consistiu na retirada de OS isoladamente em 74% dos pacientes; a cirurgia de glaucoma (trabeculectomia com ou sem agentes antifibróticos, implante de drenagem e/ou implante de Schocket modificado) foi realizada associada à retirada de OS em 19% dos pacientes. Os autores referiram que pacientes que realizaram apenas a retirada de OS para controle da PIO eram mais propensos a manter PIO elevada e, possivelmente, necessitar de uma cirurgia para glaucoma, enquanto pacientes que realizaram cirurgia combinada de retirada de óleo e cirurgia de glaucoma eram mais propensos a desenvolver hipotonia. Flaxel et al. relataram persistência da PIO elevada em todos os 62 olhos estudados após retirada de OS isoladamente.(38)
Existem vários fatores que justificam o aumento da PIO mesmo após retirada de OS. Primeiro, o edema da malha trabecular, resultado da inflamação pós-operatória; segundo, o efeito mecânico da solução salina balanceada durante a retirada do OS, que pode dividir as gotas de óleo em gotas ainda menores, que seriam mais prováveis de obstruir a malha trabecular.(49)
TRABECULECTOMIA
O manejo cirúrgico nos pacientes com glaucoma secundário a OS deve ser avaliado individualmente de acordo com a função visual e estágio do glaucoma, a avaliação gonioscópica, a PIO e a viabilidade da conjuntiva. Com relação aos tipos de cirurgia para glaucoma que podem ser realizadas, sabe-se que a cirurgia filtrante convencional (trabeculectomia) tem um papel limitado em pacientes que foram submetidos à vitrectomia pars plana e à injeção de OS.(37)A trabeculectomia é tecnicamente mais difícil, devido à cicatriz conjuntival proveniente da cirurgia vitreorretiniana. Além disso, observa-se maior reação inflamatória tecidual relacionada à migração do OS para a região subconjuntival, via óstio da trabeculectomia (Figura 3A), Relatos de baixo prognóstico no longo prazo de trabeculectomias com mitomicina em pacientes submetidos à vitrectomia pars plana associada a OS são bem reconhecidos.(49,50)
Gonioscopia de pacientes submetidos à trabeculectomia (A) e implante de drenagem (B). Mesmo após a lavagem pode-se observar gotículas de óleo de silicone na câmara anterior, permanecendo próximas à inserção da íris na parede angular (seta amarela), no óstio da trabeculectomia (seta azul) ou na ponta do implante de drenagem mesmo implantado no quadrante nasal inferior.
IMPLANTES DE DRENAGEM
Os implantes de drenagem fornecem boa opção cirúrgica como tratamento cirúrgico de primeira escolha e também para casos refratários a outros procedimentos cirúrgicos prévios.(38) Todavia, existe a possibilidade do OS migrar para a ponta do implante (Figura 3B) e penetrar no tubo.(50,51). Al-Jazzaf et al. realizaram implante de tubo de Ahmed na região inferior, para reduzir a chance de o OS obstruir o tubo.(16) Eles encontraram probabilidade de sucesso de 86% em 6 meses e de 76% após 1 ano da cirurgia. Portanto, recomenda-se o implante de tubos de drenagem para glaucoma nos quadrantes inferiores, preferencialmente nasal inferior, em pacientes com OS.(51)
De qualquer forma, a chance de falha das cirurgias filtrantes é maior que em pacientes sem OS devido à maior reação inflamatória e ao aumento da fibrose, pela migração do OS para os espaços subtenoniano e subconjuntival.(51)
TRABECULOPLASTIA SELETIVA A LASER E CIRURGIAS MINIMAMENTE INVASIVAS
Mais recentemente, Zhang et al. reportaram controle da PIO e redução do número de colírios por 12 meses após a aplicação de trabeculoplastia seletiva a laser (SLT) em pacientes com glaucoma de ângulo aberto induzido por OS. Assim, a SLT pode ser uma opção, com menor morbidade, antes da indicação do tratamento cirúrgico nesses pacientes.(52)
As cirurgias minimamente invasivas (MIGS) têm sido reservadas para glaucoma primário de ângulo aberto em fase inicial, havendo poucas evidências em glaucomas refratários. Há escassa literatura sobre trabeculotomia transluminal assistida por gonioscopia (GATT), reportando controle da PIO com esse procedimento.(53)
CICLOFOTOCOAGULAÇÃO
Nos casos em que o paciente apresenta baixo prognóstico visual, procedimentos ciclodestrutivos podem ser utilizados para diminuir a PIO. Ciclodiodo mostrou menores taxas de complicações quando comparado com ciclocrioterapia.(54) Ciclofotocoagulação transconjuntival com laser diodo mostrou boa taxa de sucesso, porém alta taxa de retratamento. Mais de 50% dos pacientes necessitaram de uma segunda intervenção para obter bom controle pressórico após 1 ano.(55,56)
Também têm sido demonstradas a segurança e a efetividade da ciclofotocoagulação transescleral com laser diodo micropulsado para controle de glaucomas refratários, incluindo secundários a OS.(57,58)Outra opção é a endociclofotocoagulação, mais limitada pelo custo.
CONCLUSÃO
A necessidade do uso de óleo de silicone associado à vitrectomia pars plana pode ocasionar glaucoma secundário de ângulo aberto ou fechado. Entender sua patogenia é essencial para direcionar o melhor tratamento.
Retirada do óleo de silicone, implantes de drenagem e procedimentos ciclodestrutivos são as principais opções para o controle pressórico. Contudo, o tratamento ainda apresenta baixa eficácia e pior prognóstico quando comparado a pacientes com glaucomas primários.
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Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
18 Maio 2022 -
Aceito
23 Maio 2022