Open-access Tumor de hipófise em paciente com hidrocefalia: um desafio diagnóstico

Pituitary tumor in a patient with hydrocephalus: a diagnostic challenge

RESUMO

A hidrocefalia é definida como a dilatação ventricular pelo aumento da pressão intraventricular e intracraniana quando não tratada ou por insucesso do tratamento. Muitas vezes, leva ao dano das vias ópticas, podendo causar atrofia óptica, devido à proximidade dessas vias com o ventrículo lateral quando ocorre a dilatação. Assim como a hidrocefalia pode levar à atrofia óptica, outras patologias também podem. Tumores hipofisários compartilham desse mesmo sinal, além de causar hemianospsia bitemporal quando o tumor comprime quiasma óptico. Ademais, a hemianopsia bitemporal é o distúrbio visual mais comum encontrado em pacientes com tumor de hipófise. Os tumores de hipófise, por exemplo, geram manifestações clínicas que podem estar relacionadas à disfunção da glândula ou aos efeitos mecânicos da expansão tumoral. Sinais e sintomas visuais estão mais ligados ao efeito mecânico do tumor. Assim, muitas vezes, o paciente procura o oftalmologista antes do endocrinologista. Neste caso, analisaremos uma paciente portadora de hidrocefalia que apresentava, concomitantemente, um tumor hipofisário, e a investigação oftalmológica fez toda a diferença no tratamento da paciente.

Hidrocefalia; Hipófise; Neoplasias hipofisárias; Hemianopsia; Atrofia óptica

ABSTRACT

Hydrocephalus is defined as ventricular dilation caused by increased intraventricular and intracranial pressure when untreated or due to treatment failure. Optical pathways can often cause optic atrophy due to the proximity to the lateral hazard when dilation occurs. Hydrocephalus can lead to optic atrophy, as well as other pathologies. Pituitary tumors share this same sign, in addition to causing bitemporal hemianopia when it compresses the optic chiasm. In addition, bitemporal hemianopia is the visual disturbance most commonly found in patients with pituitary tumors. Pituitary tumors, for example, have clinical manifestations that may be related to gland dysfunction, or to mechanisms of tumor expansion. Visual signs and symptoms are more linked to the mechanical effect of the tumor. Therefore, the patient usually seeks the ophthalmologist before the endocrinologist. In this case, we analyzed a patient with hydrocephalus who presented, at the same time, a pituitary tumor, and the ophthalmological investigation made all the difference in the treatment of the patient.

Hydrocephalus; Pituitary gland; Pituitary neoplasms; Hemianopsia; Optical atrophy

INTRODUÇÃO

A hidrocefalia é definida como a dilatação ventricular pelo aumento da pressão intraventricular e intracraniana quando não tratada ou por insucesso do tratamento. Essa condição apresenta diversas etiologias, porém estas compartilham da mesma fisiopatologia, que gera um aumento da quantidade de líquido cefalorraquidiano intraventricular. As alterações oftalmológicas acontecem por causa da proximidade das vias ópticas ao ventrículo lateral, que, ao se dilatar, pode causar dano a essas vias. Dentre as alterações estruturais, a atrofia óptica é marcante e aparece por isquemia do nervo óptico, compressão quiasmal e degeneração transináptica.(1)

Assim como a hidrocefalia pode levar à atrofia óptica, outras patologias também podem. Os tumores de hipófise, por exemplo, geram manifestações clínicas que podem estar relacionadas à disfunção da glândula ou aos efeitos mecânicos da expansão tumoral.(2)Sinais e sintomas visuais estão mais ligados ao efeito mecânico do tumor. Além disso, estudo recente mostrou que aproximadamente 41% dos pacientes com tumor de hipófise chegam a procurar um médico primeiramente por queixas relacionadas à visão.(3)

A hemianopsia bitemporal é o distúrbio visual mais comum encontrado em pacientes com tumor de hipófise. Esse padrão ocorre quando as fibras nasais, que passam no corpo do quiasma óptico, são acometidas por compressão do tumor.(3) O exame fundoscópico desses pacientes pode revelar atrofia óptica, vista como palidez do disco óptico, ou papiledema. A atrofia óptica é mais comum e decorre da compressão ao nervo óptico a longo prazo. Em contrapartida, o papiledema é extremamente raro e ocorre quando a expansão tumoral é muito significante.(4)

Assim, a palidez do disco óptico, indicando atrofia óptica, é mais um achado do que um diagnóstico. Quando identificada, uma explicação ou causa subjacente deve ser buscada. Por isso, o objetivo deste trabalho é mostrar a importância de um diagnóstico diferencial em uma paciente com história de hidrocefalia que desenvolveu tumor de hipófise, duas patologias que se assemelham em sinais e sintomas, dificultando o diagnóstico precoce do tumor.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metropolitana de Santos, sob CAAE 54324121.7.0000.5509.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 28 anos, branca, auditora, vem para avaliação oftalmológica de rotina, sem queixas atuais. Referia hidrocefalia aos 2 anos de idade, sem seguimento neurológico desde os 15 anos.

Ao exame: acuidade visual sem correção (AVsc) 20/20 em ambos os olhos (AO). Biomicroscopia sem alterações. Pressão intraocular (PIO) de 15 e 16mmHg. A fundoscopia mostrou nervo óptico pálido com bordos nítidos e regulares com rima 360º e escavação fisiológica em AO. O campo de confrontação expôs perda de campo bitemporal AO. Reflexo pupilar mostrou olho direito (OD) direto 3+ e consensual 4+ e olho esquerdo (OE) direto 4+ e consensual 3+. Não foi visualizado defeito pupilar aferente relativo (DPAR). A movimentação ocular extrínseca estava preservada.

Campo visual 24-2 mostrou boa confiabilidade, evidenciando hemianopsia bitemporal (Figura 1), e retinografia colorida demonstrou nervo óptico pálido com bordos nítidos e regulares com rima 360º e escavação fisiológica AO (Figura 2). A ressonância magnética evidenciou acentuada ventriculomegalia supratentorial e imagem cística em glândula pineal com diferencial cisto neuroglial e pineocitoma (Figura 3A e 3B). Paciente foi, então, encaminhada a neurologista para avaliação.

Figura 1
Campo visual 24-2 Humphrey evidenciando hemianopsia bitemporal.

Figura 2
Retinografia colorida demonstra nervo óptico pálido com bordos nítidos e regulares com rima 360º e escavação fisiológica em olho direito e olho esquerdo.

Figura 3
(A) Ressonância magnética evidencia acentuada ventriculomegalia supratentorial, além de imagem cística em glândula pineal com diferencial cisto neuroglial e pineocitoma, mostrado na seta. (B) Acentuada ventriculomegalia.

Paciente retorna 4 meses após cirurgia neurológica de exérese de tumor hipofisário com queixa de desvio ocular em OD. Ao exame oftalmológico: AVsc: 20/20 AO. Foi visualizada uma restrição de abdução do OE, aventando a hipótese de uma paralisia de VI nervo craniano. A conduta foi expectante em seguimento conjunto com neurologista.

DISCUSSÃO

Os tumores da glândula pituitária se apresentam, quase sempre, com cefaleia de difícil controle e diminuição da acuidade visual.(5-8)Representam 7 a 17,8% dos tumores intracranianos e, geralmente, levam à hemianopsia bitemporal, poupando a visão central. A clínica é resultante da compressão ou destruição das fibras que passam pelo centro do quiasma óptico, causando diminuição da acuidade visual e, também, palidez do disco óptico.(6,9-11)

A palidez de nervo óptico indicando atrofia óptica foi de suma importância para a investigação de uma causa subjacente para o achado, a qual poderia estar ligada tanto à hidrocefalia quanto à expansão do tumor hipofisário. Sabe-se que 50% dos pacientes com tumor de hipófise, com alterações na campimetria, evoluem com atrofia óptica em algum momento, e ocorrem especialmente quando diagnosticada antes da cirurgia, como no nosso caso.(9) Estudos evidenciam que o diagnóstico precoce dos tumores hipofisários favorecem um melhor prognóstico de recuperação oftalmológica, o que permitiu, no nosso relato, uma abordagem cirúrgica evitando piora da perda de visão.(12,13)

É importante salientar a correlação clínica dos dados campimétricos com o aspecto fundoscópico ocular, a fim de facilitar o raciocínio de um diagnóstico diferencial. Embora sejam detectados por outros especialistas, como neurologistas ou endocrinologistas, os pacientes portadores de tumores na hipófise, pelas alterações visuais que apresentam, procuram, quase sempre, os oftalmologistas. Ademais, outros sintomas que nos ajudariam a diagnosticar o tumor não estavam presentes, como diplopia, paralisia de nervos oculomotores ou até mesmo nistagmo e proptose, nos casos mais graves.(14)

Neste presente relato, pelo fato de a paciente apresentar um diagnóstico de hidrocefalia e uma história compatível com o exame, a suspeita tumoral poderia passar desapercebida, por isso a avaliação oftalmológica foi imprescindível para a elucidação diagnóstica.

REFERÊNCIAS

  • 1 Moore A. Hydrocephalus. In: Taylor D, ed. Pediatric ophthalmology. London: Blackwell Science; 1990. p. 731-9.
  • 2 Arafah BM, Nasrallah MP. Pituitary tumors: pathophysiology, clinical manifestations and management. Endocr Relat Cancer. 2001;8(4):287-305.
  • 3 Ogra S, Nichols AD, Stylli S, Kaye AH, Savino PJ, et al. Visual acuity and pattern of visual field loss at presentation in pituitary adenoma. J Clin Neurosci. 2014;21(5):735-40.
  • 4 Cruysberg JRM, Pinckers A. Acquired color vision defects in compressive optic neuropathy. Neuroophthalmol. 1982;2(3):169–81.
  • 5 Jain IS, Gupta A, Khuarana GS, Khosla VK. Visual prognosis in pituitary tumors. Ann Ophthalmol. 1985;17(7):392-6.
  • 6 Lundström M. Atrophy of optic nerve fibres in compression of the chiasm. Observer variation in assessment of atrophy. Acta Ophthalmol (Copenh). 1977;55(2):217-26.
  • 7 Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica: 1999.
  • 8 Poon A, McNeill P, Harper A, O’Day J. Patterns of visual loss associated with pituitary macroadenomas. Aust N Z J Ophthalmol. 1995;23(2):107-15.
  • 9 Ribeiro BB. Macroadenoma hipofisário: alterações campimétricas visuais. Rev. bras.oftalmol. 2014;73(2):120-2.
  • 10 Haymaker W, Anderson E. Disorders of the hypothalamus and pituitary gland. In: Baker AB, Baker LH, eds. Clinical neurology. Philadelphia: Harper & Row; 1981. v. 2; Chapt 28.
  • 11 Casarin P, Lague Júnior PA, Castagno VD, Vilela MA. Distúrbio visual campimétrico associado a adenoma de hipófise e acromegalia. Rev Med UCPEL. 2004;2(1):24-6.
  • 12 Blaauw G, Braakman R, Cuhadar M, Hoeve LJ, Lamberts SW, Poublon RM, et al. Influence of transsphenoidal hypophysectomy on visual deficit due to a pituitary tumour. Acta Neurochir (Wien). 1986;83(3-4):79-82.
  • 13 Gruber H, Schindler E, Kitz K. [Visual field fluctuations in necrotic hypophyseal adenoma]. Klin Monbl Augenheilkd. 1986;189(3):249-50. German.
  • 14 Pereira A, Monteiro ML. Proptose causada por adenoma pituitário gigante: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(4):485-8.
  • Instituição de realização do trabalho: Hospital Oftalmológico Visão Laser, Santos, SP, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: não financiado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    7 Mar 2022
  • Aceito
    15 Ago 2022
location_on
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro