ARTIGO
Negociação coletiva: tratamento teórico e prática
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
Professora Adjunta do Departamento de Ciências Administrativas da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG
RESUMO
Este texto apresenta uma abordagem teórica do processo de negociação coletiva, contribuindo para uma análise mais completa sobre o assunto. Também relata resultados de pesquisa realizada em Minas Gerais com representantes patronais, sindicais e do governo, mostrando um processo em evolução, o exercício da aprendizagem, contradições esperadas. Os resultados estimulam uma reflexão sobre a necessidade de profissionais e acadêmicos da área de Recursos Humanos desenvolverem modelos e propostas, tomando como referência de ação o contexto das relações de trabalho.
Palavras-chave: Conflito, regulação de conflitos, relações de trabalho, negociação coletiva, gestão da força de trabalho.
ABSTRACT
This paper presents a theoretical approach to social bargaining wich complements the current analysis on that subject. It also presents results derived from a research developed in Minas Gerais, which show a process in evolution which its learning practice and expected contradictions.
The results of this research point out to the need of further investigation by academics and professionals of human resources in order to elaborate specific models in accordance to brazilian circunstances in the context of labor relations
Key words: Conflict, regulation of conflicts, labor relations, collective bargaining, human resources management.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO NO BRASIL1 1 . Este artigo é resultado da segunda parte da pesquisa Relações de Trabalho em Minas Gerais: Uma Configuração do Processo de Negociação Coletiva, financiada pelo CNPq e finalizada em março de 1990. Gostaria de agradecer e registrar a participação de bolsistas de Iniciação Científica e de alunos da disciplina Relações de Trabalho, do Curso de Administração da UFMG, Renata de Magalhães Gaspar, Adriana Ventola, Maria de Fátima Pereira Rossi, Marcelo Gouvea Teixeira e Alessandra Alves Pedrosa, nessa fase da pesquisa.
A análise da prática da negociação coletiva entre patrões e empregados na sociedade brasileira envolve preliminarmente uma mínima e essencial compreensão das características corporativistas do sistema de relações profissionais, ainda vigente no País. Destaca-se, principalmente, como a negociação coletiva se insere no âmbito desse sistema, enquanto prevista pela lei e enquanto prática dos atores sociais diante das possibilidades de ação permitidas por esse mesmo sistema.
Primeiramente, convém explicitar que o sistema brasileiro de relações profissionais foi desenvolvido com o claro objetivo de mediar os conflitos inerentes às relações sociais de produção, através de três linhas estratégicas:
a) obscurecendo-os sob a égide da cooperação de classes;
b) retirando-os do ambiente do local de trabalho para remetê-los para a instância do legal, no interior da Justiça do Trabalho; e
c) apoiando-se numa certa antecipação e outorga embutida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Dessa forma, percebe-se um desestímulo ao desenvolvimento da prática da negociação coletiva através do poder normatizador do Estado, que numa considerável abrangência busca prever, evitar e mediar o conflito ao estabelecer uma legalidade nas relações de trabalho (CLT), e através da definição da Justiça do Trabalho como instância última para a "solução" dos conflitos.
Além desse caráter inibidor quanto à concretização do potencial inerente ao processo da negociação coletiva, deve-se considerar, ainda, que o sistema influencia o comportamento dos grupos de interesses, ao ensejar possibilidades alternativas de ação.
Inseridos neste contexto, os atores sociais/grupos de interesses passaram a considerar o possível comportamento dos tribunais e a jurisprudência para a determinação de suas estratégias e táticas na mesa de negociações. A CLT e a Justiça do Trabalho são vistas como meios de manobra, instrumentos táticos utilizados conforme a conveniência para se alcançar objetivos desejados. As partes, então, tentam explorar as vantagens comparativas do exercício da negociação ou de se recorrer à Justiça do Trabalho.
Verifica-se que é comum as partes recorrerem à Justiça do Trabalho, através do dissídio, quando desejam usufruir do amparo legalinstitucional que proporciona a legitimação da reivindicação ou a legitimação da negativa. Isto ocorre devido a uma certa previsibilidade nas decisões da Justiça do Trabalho, e também à quase inexistência de custos ou penalidades de se promover o impasse, recorrendo-se ao dissídio.2 2 . Para uma visão mais completa do assunto ver PASTORE, José & ZYLBERSTAJN, Hélio. Administração do conflito trabalhista no Brasil. São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas/USP, 1977.
Na prática, em matéria de negociação coletiva e do tratamento institucional dos conflitos nas relações de trabalho, pode-se falar da existência de dois mundos. O que se refere ao sistema formal, privilegiando os procedimentos legais, e que se mantém desde 1943, com pouco espaço para a regulação dos conflitos entre os grupos de interesses, seja a nível individual ou coletivo. O outro espaço é a prática desenvolvida e em desenvolvimento em vários setores econômicos, caminhando-se em direção da negociação direta e da colocação em prática de outros mecanismos de regulação de conflito.
A partir de 1979, percebe-se uma disposição, principalmente por parte dos trabalhadores, de buscar o entendimento direto. É interessante observar que, a cada momento, novas categorias se agregam a esse grupo que, com avanços e refluxos, busca a trajetória da negociação.
A CLT, em relação aos trabalhadores, dá o monopólio da negociação aos sindicatos. Do lado dos empresários, ela pode ser realizada diretamente por uma só empresa, ou através de seus sindicatos congregando mais de uma empresa, como são os casos das federações representantes das classes econômicas.
A partir da pauta de reivindicações enviada pelo sindicato representante da categoria profissional à empresa empregadora e/ou ao sindicato representante da categoria econômica, existe uma sistemática que estabelece a trajetória de uma negociação coletiva no Brasil.
As principais modificações trazidas pela Constituição de 1988 à negociação coletiva ocorreram, não quanto ao processo em si, mas quanto à posição em que se realinham as forças dos protagonistas no conflito entre capital e trabalho, diante dos novos direitos e garantias definidos pela Constituição.
Pelo texto constitucional, não é prevista a intervenção do Ministério do Trabalho, através das Delegacias Regionais do Trabalho, como mediador nas mesas de negociação entre empregados e empregadores, a exemplo do que a Consolidação das Leis do Trabalho prevê. Uma outra modificação relaciona-se à possibilidade das partes poderem eleger árbitros para dar tratamento aos conflitos trabalhistas, se frustrada a negociação coletiva. No entanto, a Justiça do Trabalho permanece com seus poderes de julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores.
A partir de 5 de outubro de 1988, as convenções coletivas passam a ter força de lei perante a Justiça do Trabalho, a qual terá que respeitar as disposições mínimas convencionais, quando do julgamento de dissídios coletivos. Essa modificação assegura aos trabalhadores não só a manutenção de conquistas anteriores, como possibilita a liberação de suas forças para concentrarem-se em ampliá-las ou em obter outras conquistas, abrindo a possibilidade de quebrar uma tática comumente usada pelos empregadores, que é a de restringir efetivamente a negociação a itens econômicos.
A Constituição de 1988 registrou e refletiu o cenário político nacional que, de uma forma breve e sucinta, era formado pela existência de um acúmulo de forças da classe trabalhadora, que pressionava no sentido de obter novos direitos e poderes, no que foram obstadas em parte pelos setores dominantes, que então se reorganizavam. Não obstante, o novo patamar em que se reorganizaram as forças do capital e do trabalho é marcado por uma maior liberdade para os protagonistas do conflito entre capital e trabalho. No entanto, podemos afirmar, com Leoncio Martins Rodrigues, que "na verdade, com a Constituição de 88, os sindicatos adquiriram autonomia, mas os trabalhadores não adquiriram liberdade de organização".3 3 . RODRIGUES, Leôncio M. O sindicalismo corporativo no Brasil: fatores de persistência, possibilidades de mudança, 1989, p.29 (mimeo).
O PROCESSO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA: TRATAMENTO TEÓRICO
O reconhecimento das divergências de interesses ou da desigualdade de poder inerente às relações de trabalho é o primeiro passo rumo à possibilidade de institucionalização do conflito, e também às formas mais eficientes de tratá-lo.
A conseqüência importante, e provavelmente não suficientemente entendida, da institucionalização do conflito é que, na medida da existência do reconhecimento da legitimidade dos grupos em conflitos, ela favorece a redução de parte das incertezas nas relações de trabalho, possibilitando um processo de regulação sistemático. Ou, mais especificamente, a "aceitação" dos conflitos pela sociedade e pela organização, institucionalizando-os, torna-se uma forma de controle desses conflitos.
A regulação do conflito retém a idéia de se manter em equilíbrio e de assegurar o funcionamento de um sistema complexo, povoado pelas divergências de interesse e desigualdades na alocação do poder. As formas de regulação são dependentes das relações de poder e adaptadas às características sociais, culturais e políticas dos grupos de interesses. Assim, os processos de regulação, por definição, são temporários e provisórios, sofrendo mudanças não somente em função das alterações nas situações econômicas e políticas, mas, sobretudo, do momento em que as relações de poder se modificam.
Enfim, numa situação em que se considera a manutenção do sistema social vigente, o essencial das relações de trabalho nas estruturas sociais de produção passa a ser a regulação dessas relações, através de diversas formas de racionalidade ao nível da organização, do grupo e do indivíduo. Os processos de regulação relacionam-se a objetivos, que não se excluem mutuamente, de:
controle do conflito (ocultar, prever, prevenir, antecipando-os através de diversos processos contemplados pelas políticas de pessoal);4 4 . MELO, Marlene Catarina de Oliveira Lopes. Les moyens et les procédures de traitement des conflits dans de grandes intreprises brésiliennes. Paris, Tese de Doutorado, Univ. de Paris IX, Dauphine, 1983; e participação como meio não institucionalizado de regulação de conflitos. In: FLEURY, Maria Tereza & FISCHER, Rosa Maria (Orgs.). Processos e relações do trabalho no Brasil. São Paulo, Atlas, 1985, p.161-78.
contrato entre as partes através da negociação (procedimentos de institucionalização);
mudanças estruturais.
Numa primeira análise, identifica-se a impossibilidade de separar a negociação do conflito. Não há o que negociar se as duas partes estão inteiramente de acordo. Negociar supõe um mínimo de conflito entre os grupos de interesses e se fundamenta em identificações diferentes dos grupos em questão.5 5 . LAUNAY, Roger. La négociation -approche psychosociologique. Paris, Interprise Moderne D'Edition, 1987.
No entanto, o processo de negociação, por sua própria essência, exige que haja reconhecimento da outra parte (grupo de interesses), como legítima, atribuindo-lhe um mínimo de existência, identidade e de poder. Isto resulta do fato de que negociar é ter também um projeto em comum.
Buscamos sistematizar essa situação, recolocando os principais pontos da análise: não se pode negar que a vida quotidiana nas organizações seja também uma ação comum, pontuada de colaboração. Não se pode, no entanto, concluir que os interesses comuns predominam, ou que se regulam essas divergências, por exemplo, quando se comunica suficientemente bem. Considerando o conflito entre capital e trabalho inerente ao processo de produção, uma das formas mais usuais de regulação vem sendo a negociação social.
Os primeiros acordos coletivos apareceram nas últimas décadas do século passado, em geral nas indústrias com forte implantação sindical e, na maioria dos casos, no momento de acerto face a uma greve.
Observa-se então que aqueles que "podem" negociar são os que se organizam, se reagrupam, recriam formas de manifestação do interesse coletivo e de forças de pressão, questionando a autoridade do poder central ou estabelecido.
Como objeto de estudo, a negociação vem permitindo o desenvolvimento de diversas apreciações e utilização de diferentes paradigmas teóricos relativos à sua significação, aos processos empregados, ao papel dos atores (grupos de interesses) envolvidos, à extensão e definição do negociável.
Ao lado de trabalhos de reflexão, de análise teórica, de apresentação de resultados de pesquisa, tem surgido um número significativo de manuais práticos. A maioria deles, com destaque para os americanos, visam a fornecer meios para conduzir uma negociação, destacando o plano das condições materiais, a preparação, as táticas, os comportamentos, os rituais a serem observados e as estratégias. Essas obras, apoiando-se em exemplos práticos, se enquadram na visão normativa dos livros de receitas, preconizando uma moral de "confiança no homem e naquilo que ele tem de bom, capaz de fazer desenvolver um sistema melhor".
Um outro tipo de contribuição, de aporte americano, relaciona-se com a teoria dos jogos, que, a partir de 1960, vai dar uma "configuração científica" a uma corrente de pesquisas sobre a negociação.6 6 . Sobre a teoria dos jogos, ver, entre outras, SCHELLING, T. The strategy of conflict. Cambridge, Harvard University Press, 1960.
Através da teoria dos jogos, pode-se fornecer modelos simplificados de negociação, apoiando-se nos postulados da racionalidade dos atores e num conjunto de convenções arbitrárias com o objetivo de modelar estratégias e prever resultados.
Apesar da contribuição para a sistematização do suporte teórico para a análise do processo de negociação, é necessário levantar restrições a essa corrente de estudos.
Reynaud7 7 . ADAM, G. & REYNAUD, G. D. Conflits du travail et changement social. Paris, PUF, 1978. aponta três tipos de correções ao esquema proposto pela teoria dos jogos. Inicialmente, só se pode analisar de forma mais correta um jogo se os dados desse jogo apresentam uma certa estabilidade. Ora, as disputas, os atores e as regras, componentes da negociação coletiva, tornam bastante complicado o jogo social embutido num processo de negociação. A cada fase do processo, os atores mudam ou podem mudar, as disputas se transformam, alianças diferentes podem acontecer, as regras do jogo também mudam. Sem dúvida, o esquema estático do jogo torna-se inadequado a esta prática social.
O segundo ponto a considerar diz respeito à pluralidade das racionalidades. Essa pluralidade de racionalidade explica uma das características da negociação: os atores buscam obter o melhor resultado possível no interior das regras existentes e, em alguns casos, ao mesmo tempo, buscam modificar as regras, não apenas porque elas lhes trazem vantagens, mas, principalmente, para que essas regras estejam mais de acordo com suas racionalidades. Pode-se mesmo dizer que o produto de uma negociação constitui-se principalmente de regras estabelecidas.
A terceira anotação relaciona-se à disputa central em um processo de negociação. São os interesses dos grupos em questão, acrescidos do sistema de regras existentes, que refletem as relações de poder existentes. O que se negocia "são as futuras posições de poder de cada um".8 8 . Idem, ibidem, p. 126. Neste caso, este encontro entre grupos sociais (ou representando-os), possuindo objetivos e racionalidades distintas, com suas reservas de poder, começa a se distanciar do paradigma da teoria dos jogos.
Percebe-se, então, que uma negociação é um momento difícil, mas também revelador, onde se identificam combate e adaptação mútua, luta e acordo, oposição profunda de racionalidades e compromisso de convivência. A partir desse panorama geral, pode-se levantar pontos mais precisos de identificação e análise da negociação social, favorecendo uma melhor compreensão dessa prática social.
A negociação é um fato tipicamente humano, como já assinalado por outros autores, cujos componentes essenciais, identificados numa situação de negociação, agrupam-se em torno da noção de atores, da noção de divergência e da noção da busca de um arranjamento.9 9 . DUPONT, C. La négociation: conduite, théorie, applications. Paris, Dalloz, 1982.
A negociação social reúne pelo menos dois atores (parceiros/adversários/protagonistas/interlocutores/representantes com mandato etc). Duas ou mais pessoas, duas ou várias delegações, dois ou mais grupos, que se situam na maioria dos casos em duas condições:
a) Participação voluntária: enquanto relação entre dois ou vários atores, a negociação social evidencia o fenômeno da participação voluntária. Baseando-se no princípio de que ninguém é obrigado a negociar e, principalmente, permanecer na situação de negociador, a opção de não negociar e a existência de "pontos de ruptura" permitem manter em equilíbrio a condição da participação voluntária.
b) Participação por representação: a noção de ator exige clareza de sua composição. A maioria das negociações supõe uma atividade de representação ou de delegação. Assim, a questão do mandato e da delegação trazem características e influências importantes na condução de negociações.
A noção de divergência, causa da negociação, diz respeito à inerência do conflito nas relações sociais estruturadas, e pode ser vista quanto aos aspectos da manifestação do conflito, que podem ser explicitados segundo a natureza das divergências (de interesses, de objetivos, de métodos, de status e papéis, de interpretação de fatos, de valores etc). Aqui também se configuram as outras opções, além da negociação para regular conflitos. Isto significa que a negociação não é a forma exclusiva de regulação, estando quase sempre associada a outras formas de tratamento de conflitos.
O terceiro componente que caracteriza em definitivo a situação de negociação é a busca efetiva e mútua de um "arranjamento". Duas idéias estão embutidas nesse componente:
a) uma vontade de se chegar a um resultado aceitável; e
b) o arranjamento buscado é suscetível de ser realizado de formas diferentes. Isto se deve a diferentes variáveis, entre elas a natureza da disputa (da divergência), a atitude das partes e as relações de força.
Assim, a negociação social pode ser definida como aquela que se passa entre os grupos de interesses, a diversos níveis, buscando rearranjar, modificar, reinterpretar, criar regras e normas que enquadram as relações de trabalho e o espaço social. Estando profundamente enraizada num contexto de relação social, essa ação visa, de forma particular, ao ajustamento de regras referentes a essa relação. A negociação coletiva será institucional se se desenrola através de instâncias oficialmente definidas, podendo, e devendo, no entanto, ocorrer a nível do quotidiano como prática ou exigência das situações de trabalho.
O objetivo explícito de uma negociação coletiva é de se chegar a um acordo. Isto não equivale à criação de uma harmonia ou consenso, mas principalmente colocar-se de acordo sobre um mínimo aceitável por uns e um máximo tolerado pelos outros. Além do mais, a negociação social não pode ser reduzida a uma negociação de contrato ou ao ajustamento de posições divergentes sobre um dado problema. Ao centro dessa atividade, situa-se uma relação definida pela posse ou não dos meios de produção e/ou de decisão, e por uma organização do processo de trabalho.
Não existe um modelo de negociação social. Cada negociação se inscreve dentro de realidades particulares e se explica segundo a situação concreta de cada caso. Cada negociação, então, é única, não se repetindo, seja na sua forma ou no seu resultado. Essa situação é decorrente de alguns fatores básicos:
a) todo processo de negociação social é caracterizado por variáveis ideológicas, contextuais e institucionais. No campo das variáveis ideológicas, as posições se situam entre os pólos da ideologia da luta de classes e da gestão racional dos conflitos, resultando em negociação à dominante distributiva (idéia de regulação) até a negociação à dominante integrativa (idéia de conciliação). As variáveis contextuais são as mais estudadas, apontando a influência de certos dados exteriores sobre a instauração e o desenrolar da negociação. Quanto às variáveis institucionais, elas determinam o enquadramento jurídico e regulamentar, influenciando ao mesmo tempo os procedimentos e as práticas. Neste ponto é bom lembrar que não existe uma possibilidade real de se concretizar uma negociação coletiva sem o pleno direito do exercício de greve;
b) a negocição social tem como uma disputa generalizada o poder, seja para conservá-lo ou acrescê-lo. O que se busca, na verdade, é a melhoria das partes ou dos grupos de interesse em questão, na sua relação de força;
c) a negociação é um processo dinâmico, constituindo-se na última fase das etapas de manifestação do conflito nas relações de trabalho, o que significa que imediatamente após a assinatura do acordo, ou mesmo antes dele, haverá um retorno ao estado inicial de manifestação do desacordo ou divergência de interesses.10 10 . Consideramos o conflito possuindo uma certa continuidade evolutiva, o que permite identificar, para efeitos de análise, as seguintes fases: manifestação do desacordo ou divergência de interesses; sentimento de insatisfação ou malestar social; reconhecimento da situação e organização da ação/reação; manifestação explícita e proposição; negociação; retorno ao estado de desacordo ou de divergência de interesses. Lembramos que, a cada fase, pode ocorrer a intervenção de processos de regulação implícita ou informal com conseqüente retorno ao estado inicial.
A negociação coletiva, seja curta ou prolongada, passa por um certo número de fases que se repetem, como se seguissem algumas regras, compondo uma espécie de liturgia com seus ritos próprios. Pode-se distinguir na negociação as fases de inventário dos pontos de litígio, de reconhecimento das possibilidades de negociação, do desenlace do processo e da conclusão ou do momento onde os negociadores sentem ter atingido um ponto de não-retorno.
Também há de se considerar que o desenvolvimento e o resultado de uma negociação, em termos de processo, são diretamente influenciados pela confrontação das estratégias utilizadas no curso da ação. A estratégia se articula em torno dos seguintes fatores de base: a questão em divergência (ou a disputa), as tensões e as relações de força. As questões divergentes (ou as disputas entre os grupos de interesses) no processo de negociação determinam o grau de engajamento, de motivação e de energia das partes, e ainda definem a lógica da negociação. Para Dupont, o ponto importante não está em saber se os atores sociais em face de uma negociação adotam ou não estratégia(s) consciente(s), mas em examinar a relação da estratégia com os fatores determinantes apontados acima.11 11 . Dupont completa sua análise de determinação das estratégias na negociação social, dizendo que os atores sociais podem adotar estratégias mais ou menos detalhadas, explícitas e refletidas, mas, como em assunto de decisão, não ter uma estratégia é em si já ter adotado uma. Ver DUPONT, C. Op. cit., pp.221-2. De maneira rápida, pode-se dizer que as técnicas e táticas utilizadas na negociação coletiva se referem a processos de coerção, de dissimulação, de persuasão e de acomodação.
Um dos elementos importantes do processo de negociação é a reivindicação. A compreensão da configuração reivindicativa pede que se estabeleça a relação entre a reivindicação e as condições nas quais tais reivindicações foram produzidas. A reivindicação não é isolável, nem do conjunto que constitui as características do sistema de relações de trabalho nem das circunstâncias econômicas, sociais e políticas que favoreceram a sua aparição. Elas são, ainda, ao mesmo tempo, moduláveis na sua expressão imediata e representativa das aspirações de categoria, ou da classe trabalhadora, fornecendo dados de tendência indicativa do conjunto reivindicativo.
Enquanto componente central do processo de negociação, as disputas entre os grupos de interesse raramente são totalmente reveladas, pois, além de seu conteúdo explícito, combinam entre si a realidade e o simbolismo, o instante presente e o projeto futuro. Outro ponto de análise refere-se à transformação das disputas (manifestadas explicitamente nas reivindicações) no curso da negociação. Acontece mesmo que certas disputas chegam a se deslocar numa variação e com uma imprevisibilidade surpreendentes. Esses deslocamentos podem surgir do desenrolar espontâneo da negociação, como podem fazer parte de uma elaboração estratégica.
Em síntese, a negociação social se instala num espaço onde sua originalidade está na ambigüidade de seus fins, na legitimidade da própria negociação enquanto prática de regulação de conflito, na sua instabilidade, e, conseqüentemente, numa grande indeterminação. Trata-se, portanto, de um procedimento social suficientemente imbuído de ideologia e de história, e por isso contínuo, inacabado e sempre renovável.
UM ESTUDO EMPÍRICO DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO EM MINAS GERAIS
O Brasil não tem experiência acumulada e nem tradição em negociação coletiva. Em Minas Gerais, as coisas não se passaram de forma diferente. As práticas gerenciais ainda se agrupam em torno de um estilo autocrático, com o exercício de comunicações unidirecionais descendentes, mostrando bem as dificuldades de se manter permanente o processo de negociação ao longo do ano.
Por outro lado, os trabalhadores do Estado de Minas Gerais têm demonstrado fases de mobilização e organização em algumas categorias. Observa-se um movimento novo em fábricas, empresas (principalmente de prestação de serviços) e sindicatos. Mas não se pode fazer uma generalização sobre o movimento sindical mineiro para o conjunto do Estado.12 12 . Para uma visão mais completa do movimento sindical mineiro, ver, entre outros, LE VEN, Michael Marle. "Movimento operário e sindical, 1972-85". In: POMPERMAYER, Malori J. (org.) Movimentos sociais em Minas Gerais, emergência e perspectivas. Belo Horizonte, UFMG, 1987. Existe ainda um significativo peso morto de diretorias sindicais. Encontram-se as categorias mais avançadas e politizadas nos grandes centros urbanos ou em regiões de grandes concentrações industriais.
As percepções de representantes patronais, representantes sindicais e representantes do governo sobre a prática da negociação coletiva no Estado mostram um processo em evolução, a busca e o exercício da aprendizagem e contradições esperadas.13 13 . Foram realizadas 29 entrevistas entre representantes patronais, sindicais e do governo, com vivência na prática da negociação, com a intenção de levantar a caracterização e a evolução do processo. Os dados obtidos pelas entrevistas foram analisados utilizando procedimentos de tratamento de dados qualitativos, buscando, através de um resumo das respostas de cada um dos entrevistados, recompor os Itens que caracterizassem e informassem sobre os diversos ângulos do tema, colocando-os num quadro comparativo. A partir dessa fase, foram elaboradas tabelas, possibilitando a recomposição dos itens discriminados pelos entrevistados e sua freqüência em porcentagem correspondente. A soma das freqüências relativas pode ser superior a 100%, já que foram considerados todos os itens discriminados por cada entrevistado. As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 1989.
Os entrevistados, de uma forma geral, apresentaram definições de negociação coletiva segundo a estrutura básica: a existência de divergências entre capital e trabalho, sendo a negociação um espaço para tratar essas divergências, mostrando a fase em que se encontra o sistema brasileiro de relações profissionais: a da institucionalização do conflito.
As percepções complementares, ou aquilo que é destacado na conceituação da negociação coletiva, são decorrentes da prática e vivência do entrevistado no assunto, bem como da sua inserção profissional ou social, resultando num posicionamento ideológico, identificando, na prática, uma das variáveis que caracterizam o processo de negociação, ou seja, todo processo de negociação social é caracterizado por variáveis ideológicas, contextuais e institucionais.
Se "a negociação coletiva é um jogo de força", onde "quem estiver melhor preparado tem mais chance de vencer" (representante sindical), o acordo, no entanto, é destacado pelos entrevistados, pois é "a oportunidade que as partes têm de convergir" (representante sindical), constituindo-se mesmo num "processo onde capital e trabalho procuram estabelecer um contrato mínimo que regulamente as suas relações" (representante sindical), "feito através de representantes legais das duas partes, estabelecendo as regras de convívio entre capital e trabalho por um período estipulado" (representante patronal).
Pode-se identificar três componentes integrantes e implícitos ao processo de negociação coletiva, analisando-se o discurso dos entrevistados em relação à conceituação da negociação:
a) a necessidade da cooperação, apesar das divergências entre as partes;
b) a oportunidade de reversão do contrato individual; e
c) o momento de reflexão e organização do grupo de interesses.
Assim, a negociação coletiva é colocada "como um processo normal, natural entre duas partes que são antagônicas no processo de negociação, mas que têm que trabalhar em conjunto o restante do período" (representante patronal). Percebe-se nessa colocação, os dois componentes existentes nas relações de trabalho, ou nas relações de trabalho assalariado: as divergências de interesses e a necessidade de um mínimo de cooperação para a existência da ação coletiva.
O segundo integrante implícito da negociação diz respeito à "ocasião que se tem de reverter situações do contrato individual, que são impostas ao trabalhador no momento em que ele está entrando na empresa" (representante sindical), e cuja situação, pelas suas próprias características, traz ao novo empregado em admissão desigualdades de condições para negociar com o seu empregador. Essa análise está integrada ao conceito da negociação, que a coloca como sendo o processo "em que o sindicato dos trabalhadores e o empregador/sindicato dos empregadores tentam estabelecer normas que tenham validade para a(s) categoria(s) profissional(is), ali envolvidas na negociação, sendo, portanto, um momento de criação de novos direitos" (representante sindical).
O terceiro ponto constitutivo do processo da negociação refere-se ao espaço de reflexão, análise e organização e/ou reorganização do grupo de interesses. É interessante notar que apenas representantes sindicais abordaram essa questão durante as entrevistas. Assim, foi afirmado que "a negociação tem sido o momento para parar e pensar sobre a situação da categoria, onde se faz uma reflexão sobre a organização e as necessidades da categoria ... Funciona como um momento onde a categoria se vê enquanto trabalhador, luta, organiza, discute dentro das empresas, discute formas de organização para alcançar os objetivos pretendidos" (representante sindical).
A opinião da maioria dos empregadores entrevistados vai de encontro à concepção teórica da negociação coletiva quando se fala que "a situação de negociação é da busca efetiva e mútua de um arranjamento", e uma das idéias embutidas nisso, é, justamente, "uma vontade de se chegar a um resultado aceitável".
O componente material do processo de negociação é a reivindicação. Desenvolvemos, então, uma classificação levando em consideração outros estudos, que permitissem acompanhar a evolução das reivindicações, bem como das conquistas dos trabalhadores ao longo de um certo período. O conteúdo das reivindicações pode ser agrupado em seis categorias complementares: Remuneração, Condições de Trabalho, Assuntos e Direitos Sindicais, Organização e Representação dos Empregados no Interior da Organização, Normas e Poder Disciplinar da Organização, e Organização e Controle do Processo de Produção.
Ao analisarmos as respostas dos entrevistados sobre as reivindicações prioritárias, percebemos a configuração de perfis diferentes segundo as colocações dos representantes dos empregadores e dos empregados (ver figuras 1 e 2). E bom lembrar que a pesquisa foi realizada em 1989.
As reivindicações prioritárias da categoria, na análise dos representantes patronais são: aumento de salário (100%), reajuste (81%) saúde do trabalhador (64%), duração e controle da extensão do trabalho (35%), segurança no trabalho (33%), hora-extra (17%), reposição de perdas (17%), gratificações (17%), condições de higiene no trabalho (17%) e alimentação (17%). As reivindicações prioritárias apresentadas somente pelo empregador foram referentes a: reposição de perdas, gratificações, participação nos lucros, hora-extra, redução da jornada de trabalho, cumprimento do que está na Constituição, condições de higiene no trabalho.
Os representantes sindicais listam as seguintes reivindicações prioritárias da categoria: saúde do trabalhador (91,2%), reajuste (83,8%), aumento de salário (83,0%), segurança no trabalho (33,0%), delegado sindical na empresa (25,0%), salários indiretos e benefícios (10,8%). As reivindicações prioritárias apresentadas somente pelos líderes sindicais foram: reajuste mensal, aumento de gratificações/comissões, retorno de férias, assistência médica e dentária, instalação de banheiros, delegado sindical nas empresas, liberação de dirigentes sindicais, democratização da CIPA e Comissão de Fábrica.
De acordo com nosso aporte teórico, as reivindicações sobre condições de trabalho e saúde do trabalhador, seguem, numa escala ascendente, e não exclusiva, aquelas relativas à remuneração. O próprio contexto legal, a realidade econômica e social do País, o discurso das elites econômicas e governamentais, apontam e reforçam o peso das reivindicações econômicas, ou seja, as relativas ao campo da remuneração como objeto privilegiado das negociações, ou repetindo a terminologia de uso constante, "das campanhas salariais".
É interessante a observação de Castoriadis,14 14 . CASTORIADIS, Cornélius. A experiência do movimento operario. São Paulo, Brasiliense, 1985, 248. a respeito da ocorrência de greves justificadas pelas condições de trabalho, no início da década de 70, na Europa, pois "as empresas constatam que não podem mais atenuar esse conflito, mediante a concessão de aumentos salariais". Também Claus Offe15 15 . OFFE, Clauss. "Trabalho: a categoria-chave da sociologia". RBCS, 4(10), jan. 1985. aponta a década de 70 como sendo o momento onde a força de trabalho torna-se mais sensível e crítica às fadigas físicas e psicológicas, e seus conseqüentes riscos de saúde e de desqualificação, resultando no aumento da reivindicação sindical.
Vê-se, assim, que 20 anos depois, sindicalistas e empregadores, em Minas Gerais, começam a dar uma ênfase mais sistemática às condições de trabalho e saúde do trabalhador, demonstrando o estágio de desenvolvimento econômico, político e social das relações de trabalho em geral, refletido no conteúdo das negociações.
Nas reivindicações relativas a normas e poder disciplinar da organização, a parte referente à estabilidade no emprego merece significativo destaque por ambas as partes. Os representantes sindicais ainda apontam como reivindicação prioritária da categoria nesse grupo questões relativas ao plano de cargos e salários. E interessante notar que em relação à organização do trabalho e controle da produção, apenas os sindicalistas, e mesmo assim em baixo percentual, apontam alguma reivindicação prioritária da categoria.
Juntamente com as reivindicações prioritárias, existem conquistas que são consideradas mais significativas para a categoria. Para os representantes dos empregados as mais importantes são: melhoria nas condições de trabalho (31%), gratificações (23%), reajuste salarial (15%), retorno de férias (15%), creche (15%), segurança no trabalho (15%), comissão de fábrica (15%), estabilidade para gestante (15%), e prioridade variando segundo a categoria (15%). Os sindicatos ainda apontam como conquistas para a categoria o piso salarial (8%), auxílio educação (8%), auxílio transporte (8%), cesta básica (8%), assistência médica (8%), adicionais (8%), redução da jornada de trabalho (8%), turno de seis horas (8%), hora itinerante (8%), fornecimento de leite (8%), implantação de restaurante (8%), CIPA (8%), estabilidade geral (8%), admissão através de concurso (8%), readmissão de diretores sindicais (8%), e comissão paritária para discussões (8%).
Do ponto de vista dos empregadores (50%) e dos representantes do governo (75%), o reajuste salarial é a conquista mais significativa para a categoria.
Novamente, deparamo-nos com um contraste de opiniões, ocorrendo fato semelhante em relação às reivindicações prioritárias. Os patrões estão muito ligados à idéia de que os empregados consideram somente a questão da remuneração como sendo importante. Naturalmente não se pode negá-la, principalmente quando se tem uma estrutura de distribuição de renda como a brasileira. Na opinião dos empregadores, as outras conquistas mais importantes para as respectivas categorias são condições de trabalho (17%), turno de seis horas (8%), implantação de regime interno (8%), hora-extra (17%), cesta básica (8%), assistência médica (8%), refeição (8%), acrescentados da uberdade sindical, do direito de greve (17% cada um), estabilidade geral (17%), estabilidade para empregados em vias de aposentar-se (17%), negociações ao longo do ano (8%), piso salarial (8%), auxílio educação (8%), auxílio transporte (8%), comissão paritária para discussões (8%) e estabilidade para gestantes (8%). Nota-se nessa análise dos entrevistados uma mistura entre conquistas nas mesas de negociação e mudanças constitucionais.
Na verdade, as conquistas mais importantes variam de acordo com cada categoria e em cada momento, demonstrando resultados de evoluções e de mudanças nas relações de força.
A tabela 1 mostra os principais fatores que levam uma negociação ao sucesso. Os sindicalistas apontam a mobilização da categoria (58%), um bom preparo dos negociadores (33%), bom senso de ambas as partes (17%), perspicácia (17%), e vontade de realizar um acordo (17%). Para os empregadores os principais fatores são: vontade de realizar um acordo (50%), diálogo aberto entre as partes (17%), conjuntura econômica do País estável (17%), gerar confiança na outra parte (17%) e credibilidade perante a parte adversa (17%). E para os representantes do governo, a vontade de realizar um acordo (75%) e o bom senso de ambas as partes (50%).
Em relação aos fatores que levam ao insucesso de uma negociação coletiva, é curioso notar que somente os representantes sindicais apontam entre estes fatores a falta de mobilização da categoria (42%), e a falta de preparo dos sindicatos (42%). A intransigência das partes e o despreparo emocional e intelectual do negociador conduzem ao insucesso de uma negociação, de acordo com os empregadores (27% e 18% respectivamente), segundo os representantes sindicais (25% para cada item) e o governo (50% e 25%). A falta de confiança entre as partes, assim como a agressão mútua, crise econômica do país, a desonestidade e má fé, tratamento de questões particulares, falta de cumprimento de itens negociados, interferência da oposição sindical, colocações mal feitas pelo negociador, falta de diálogo entre as partes e boatos da imprensa são os outros fatores de insucesso apresentados pelos entrevistados.
As atitudes necessárias para um bom negociador, na opinião dos empregadores, são: ser paciente (42%), ser uma pessoa simples (25%), er disponível (25%), conquistar a confiança da parte alheia (17%), ser honesto (25%), demonstrar segurança (17%) e ter bom conhecimento de Direito do Trabalho (17%). Segundo um representante patronal, o negociador "tem que ser capaz, tolerante, estar pronto para ouvir, ser paciente, e ter disponibilidade. Mas, além de tudo, ser uma pessoa extremamente simples". Para os sindicalistas e os representantes do governo, é muito importante conhecer bem as questões a serem negociadas (61,5% e 50%, respectivamente), e estar bem preparado (46% e 50%). Os empregadores ainda acrescentam que é necessário ter sensibilidade para captar as fraquezas, forças, e intenções da parte adversa (25%) e impor-se (17%), sendo que 31% dos sindicalistas entrevistados concordam com essas mesmas opiniões.
Quando nos reportamos à dinâmica do processo de negociação coletiva, e se os entrevistados a consideram satisfatória ou não, as opiniões se dividiram em "sim", "não", e em termos.
Entre os entrevistados que responderam que não estão satisfeitos com a dinâmica do processo de negociação coletiva, ou o estão em termos, foram indicadas certas alterações para o melhor andamento do processo. Os representantes sindicais apresentaram as seguintes propostas: que a política de intervenção do governo seja menos atuante (38%), que o processo de negociação seja direto e constante entre empresa e empregados (23%), que haja investimento no desenvolvimento econômico do País (15%), que a negociação coletiva seja nacional e unificada (15%), e que seja regulamentado o direito de greve e a organização sindical (15%). No Brasil, "não existe uma tradição de negociação, então ela fica limitada à data base ou aos momentos de conflito, que são normalmente momentos difíceis de se negociar.O processo de negociação, no meu entender, deveria ser permanente" (representante sindical).
Grande parte dos representantes do governo também concorda que o processo de negociação coletiva entre empresa e empregado, deve ser constante (50%). A negociação coletiva "deve ser um processo, não um ato único, isolado. Deve transcorrer através de conversas e discussões, onde o sindicato tenha acesso aos livros da empresa, à situação da empresa" (representante do governo). Acham também que a política de interferência do governo deve ser menos atuante (25%) e que deve haver um desenvolvimento da arbitragem (25%).
Segundo os representantes patronais, a sinceridade (55%), o conhecimento geral da situação (55%) e a estratégia definida a partir do operariado e do contexto (55%) são as estratégias essenciais para se ter sucesso numa situação de negociação. As outras estratégias apontadas foram: conhecimento das negociações anteriores (18%), conhecimento técnico específico (18%), vontade de negociar (18%), preparação dos negociadores (18%), negociação permanente (27%), coerência (9%), tranqüilidade na mesa de negociação (18%), capacidade de persuasão (9%) e manutenção de certa proximidade da empresa com o sindicato (9%).
Os representantes dos empregados consideram as estratégias essenciais como sendo: a organização sindical (55%), a mobilização da categoria (55%), conhecimento geral da situação (33%) e conhecimento técnico específico (33%). Acrescentam a negociação permanente, a capacidade de persuasão, pressão do governo e do congresso, política de desgaste da imagem da empresa e diálogo (não apelar para a Justiça do Trabalho), com 11% de manifestação cada uma. Os representantes do governo ainda acrescentam a suspensão da reunião de negociação pelo preposto da empresa (25%) e a manutenção da intransigência e relutância em atender reivindicação concebível (25%).
Quanto às principais estratégias adotadas pelo sindicato num processo de negociação, elas não estão claramente definidas, de acordo com os entrevistados. Para os empregadores (30%), os empregados (36%) e o governo (67%), a estratégia depende de cada sindicato e do momento em que se realiza a negociação. Isto mostra bem que as negociações não se repetem na sua forma e na sua estratégia (ver as principais estratégias adotadas pelo sindicato na tabela 2). Para negociar é essencial que "se organizem os trabalhadores, analisem a conjuntura atual, conheçam-se os contratos, os estoques da empresa, isso é uma estratégia fundamental para a negociação" (representante sindical).
Tratando-se das estratégias adotadas pelo patronato, notamos, novamente, que elas não são claramente reveladas. De acordo com os representantes patronais, as suas principais estratégias adotadas são: mostram que a empresa está em má situação financeira, elaboram uma contraproposta abaixo do que podem dar, antecipam as reivindicações, a estratégia utilizada depende do momento e das reivindicações, não existem estratégias, utilizam da abundância da mão-de-obra, tentam persuadir os trabalhadores através do diálogo, utilizam técnicas apresentadas por consultores na área, e mantêm a categoria calma (ver tabela 3). Na opinião de um empregador, a principal estratégia utilizada pelo patronato é ir ao "outro extremo; se se pede muito, não se oferece nada. Até chegar u uma posição racional; e mostrar os dados da situação da empresa, de outros dissídios, e de negociações que já ocorreram."
Por sua vez, os representantes sindicais apontam, como uma forte tendência, que a estratégia principal do patronato é a elaboração de uma contraproposta bem abaixo do que podem conceder (50%). É comum os patrões "começarem a levar a discussão de que eles estão mal, que a culpa é do governo. Como se, nós, patrões e empregados, tivéssemos boa vontade, mas o governo e a atual política fossem os únicos empecilhos. £ falam demais da situação econômica ruim; £ todas as vezes que eu negociei até hoje, a empresa estava sempre quase falida e em situação dramática" (representante sindical). Acrescentam, ainda, outras estratégias não citadas pelos empregadores: não cumprem o que está na lei, procuram criar um clima fraternal, desviar a atenção quando eles começam a perder, criar discórdia no interior da categoria, repressão psicológica, e repressão policial. Um outro sindicalista presta o seguinte depoimento sobre as estratégias utilizadas pelo patronato: "A repressão psicológica, de colocar anúncios em rádios, que agride a liberdade do trabalhador de fazer a greve, os carros de som, a repressão policial que é usada sempre para defender os interesses do patrão, vêm com a cara de defender a ordem pública, mas na realidade acabam defendendo os interesses do patrão".
Os representantes do governo ainda apontam que os empregadores costumam não negociar com a categoria parada (33%). E, normalmente, os patrões utilizam a "contraproposta bem abaixo, para depois ir cedendo cláusulas que não sejam as econômicas, que vão afetar mais diretamente o caixa" (representante do governo).
Os sindicatos têm se apresentado cada vez mais atuantes e reivindicativos, exercendo um papel primordial no fomento da negociação coletiva. Para os empregadores, as principais funções dos sindicatos são: a defesa dos interesses da categoria (67%), não se envolver em questões políticas (50%), incentivar a produtividade e o progresso profissional dos trabalhadores (33%), e lutar por melhores salários (25%). Contrapondo-se às opiniões dos empregadores, os sindicalistas acham que os sindicatos devem: promover a conscientização política da categoria (54%), lutar por melhores salários (38%) e por melhores condições de trabalho (23%) (ver tabela 4).
É interessante analisar a percepção da questão de atuação política do sindicato. Os representantes patronais acham que os sindicatos não devem se envolver com questões políticas, exatamente o oposto da principal função dos sindicatos na opinião deles próprios. De acordo com um representante patronal, eles não querem "um sindicato político defendendo a categoria, pois cada um pode ter sua linha partidária, sem que isso venha a afetar seu relacionamento. O sindicato deve preocupar-se com a saúde da empresa, tem que estimular o bom trabalho e a produtividade." Por outro lado, para os sindicalistas, a função dos sindicatos é a de "politizar os trabalhadores, sem com isso politizá-los para uma corrente. Politizar do ponto de vista de compreender a conjuntura atual e de conscientizá-los de sua real situação." (representante sindical).
Foi abordado o fato de o movimento sindical estar avançando dentro do processo de negociação coletiva, o que obteve confirmação de todos os entrevistados. Assim, as conquistas obtidas pelos sindicatos, que lhes permitem um maior "poder de barganha", para os representantes sindicais, são: a possibilidade de mobilização da categoria (42%), renovação e liberação dos dirigentes sindicais (25%), troca de informações com os demais sindicatos (17%), celebração de um acordo nacional (17%) e liberdade sindical (17%). O poder dos sindicatos está intimamente ligado ao "poder de mobilização da categoria, que é bem maior do que no passado. Há renovação das diretorias, enfim, acabaram os sindicatos com diretores impostos. Todos já foram, de alguma maneira, purificados pelo voto direto dos associados" (representante sindical).
Para os representantes patronais, o poder dos sindicatos provém do treinamento especializado para negociadores (42%), de sua assessoria econômica e jurídica (25%), de informações sobre a empresa e seu plano de ação (17%), troca de informações com os demais sindicatos (25%) e mobilização da categoria (17%). Mas, de acordo com um representante patronal, "a partir da hora que o sindicato entra numa linha ideológica, ele deixa de contribuir para o processo". Para 50% dos representantes do governo, o poder de barganha dos sindicatos se dá através da mobilização da categoria e de sua assessoria econômica e jurídica.
Seguindo a mesma linha, perguntamos aos entrevistados o que tem favorecido o patronato na ampliação ou manutenção do "poder de barganha". As respostas não foram claramente definidas. Para os empregadores, o poder de barganha do patronato consiste em: preposto da empresa bem treinado (18%), troca de informações com outros países (18%), conscientização da importância da mão-de-obra (18%), poder de demitir (9%), antecipação ao sindicato no levantamento das necessidades do trabalhador (9%), mais respeito aos sindicatos (9%), maior abertura ao diálogo (9%), melhor estudo da pauta de reivindicações (9%), demonstração da real situação da empresa (9%), uma contraproposta bem elaborada (9%), conseguir negociar sem que haja paralisação (9%) e apresentação, também pelas empresas, de pautas de reivindicação (9%).
Para representantes do governo, somente quatro itens foram abordados, cada um com 25%: preposto da empresa bem treinado, antecipação ao sindicato no levantamento das necessidades do trabalhador, os empresários estão se abrindo ao diálogo e melhor estudo da pauta de reivindicações.
Contrastando com a unanimidade dos entrevistados de que o movimento sindical tem avançado, nem todos têm opinião clara em relação ao patronato. E os que concordam que o patronato avançou, acham o avanço do movimento sindical bem superior a estes, pois "a atitude do patronato se caracteriza como sendo reativa, quando deveria ser proativa" (representante patronal).
UM NOVO ESPAÇO PARA ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS
A análise da prática da negociação coletiva no Estado de Minas Gerais, mostra que os discursos dos negociadores aproximam-se bastante do conteúdo de seus pares em outros Estados e do prescrito em trabalho de natureza diversa em voga nos dias atuais. No entanto, a análise do processo mostra avanços ainda acanhados, onde persiste um patronato conservador e resistente a mudanças inadiáveis e, ainda, parte significativa de um sindicalismo sem organização, sem planejamento e com experiência de mobilização ainda pequena.
No entanto, a negociação coletiva é uma realidade em inúmeros acordos e convenções assinados. Mas, só muito recentemente, ela tem se tornado, ou começado a se tornar, realidade como processo e resultado. Basicamente, grande parte delas trata de negociação salarial, mesmo assim ainda muito limitada, observando uma evolução lenta. Mesmo assim, essa evolução é provocada pela ação dos sindicatos mais organizados e com maior capacidade de mobilização.
A questão que realmente deve ser colocada face ao crescimento da força política e econômica de vários sindicatos de trabalhadores é a necessidade de profissionais pesquisadores, acadêmicos da área de administração de recursos humanos desenvolverem atuação, propostas e modelos mais adequados ao novo contexto. Já não é suficiente descaracterizar o conteúdo das reivindicações apresentadas, desqualificar a organização dos trabalhadores, enfim mascarar uma realidade.16 16 . COSMO, José Roberto. "O papel do gerente frente às novas relações do trabalho". RH -Informação profissional de recursos humanos, São Paulo, Associação Brasileira de Recursos Humanos, nº 3, jan. 1990. Além disso, falta, ainda, um maior amadurecimento dos empregadores para encarar essa nova realidade, tendo por referência o contexto das relações de trabalho. Funcionalmente (e estrategicamente), é preciso dar toda atenção ao relacionamento empregado /empresa.
Apesar de mudanças e etapas vencidas pela área, predomina ainda na maioria das empresas brasileiras um processo de administração de recursos humanos cartorial, burocrático e reprodutor de parcelas de práticas desenvolvidas em outros contextos econômicos, políticos, sociais e culturais, às vezes com um discurso inovador, mas com práticas de décadas. Observa-se uma forte ênfase em técnicas e procedimentos sem situar bem a questão básica da inserção do empregado nas relações capital X trabalho. Na verdade, "o pessoal de recursos humanos está muito mais parado do que devia estar nesta questão. Coisas que ha dez anos não se pensava que pudessem ocorrer, estão aí. A área de recursos humanos é muito alienada; estou falando dos profissionais de modo geral, sabendo que existem alguns assessores de recursos humanos e assessores de relações sindicais, e algumas empresas que estão mais na frente" (representante patronal).
As relações de trabalho abrangem uma área conceituai multidisciplinar. Enquanto enfoque operacional17 17 . Para estudo e análise operacional das relações de trabalho, devem ser tomadas as relações que se estabelecem na e para a realização do processo de trabalho. Nesta concepção, as relações de trabalho incluem a divisão do trabalho, a gerência da força de trabalho, as condições de trabalho e o processo de regulação dos conflitos inerentes a estrutura social de produção. Essas variáveis constituem o campo de análise das relações de trabalho, sendo imbricados e inter-relacionados, mas configurando-se em momentos precisos e privilegiados da relação de poder entre os grupos de interesse dentro de uma organização. , acreditamos ser este o arcabouço para o desenvolvimento de uma tecnologia gerencial mais avançada para a gestão da força de trabalho e da competência do profissional, definindo, assim, o espaço e orientando a elaboração de instrumental para a atuação da área de administração de recursos humanos nas organizações.
As transformações sociais, políticas, tecnológicas, econômicas e culturais em curso, determinando necessidade de adaptações por parte das organizações para garantir sua sobrevivência e capacidade competitiva, são elementos que nos convidam a um sério questionamento do modelo dominante da gestão dos recursos humanos.
Estando as relações de trabalho regidas pelas relações de poder entre os grupos de interesses no interior da organização, a mobilização dos trabalhadores determina parcelas significativas de como acontecem, na prática, os vários momentos das relações de trabalho. Enfim, as relações entre empregado(s) e empregador(es) se traduzem por uma lógica dupla, permanente e contraditória de afrontamento, negociação ou acomodação/aceitação. A contradição, estando presente em todo sistema das relações coletivas de trabalho, acaba por constituir-se numa combinação de posição irredutível com uma negociação permanente de compromissos em relação aos processos de regulação adotados.
Ora, mesmo que insuficientemente dito, sabe-se que as ações da função de pessoal se centram em dois campos: o de adequar a força de trabalho aos objetivos da organização e o de controlar o conflito nas relações de trabalho.
A análise da prática organizacional relativa à função pesssoal e da sua evolução (ou mutação), nos revela que se trata de resultados da relação de poder dos atores sociais (grupos de interesse) nas organizações.
Com essas considerações, acreditamos que o desenvolvimento da tecnologia gerencial mais avançada para a gestão da força de trabalho, e a competência do profissional, deverão passar pela concepção do espaço para a atuação da administração de recursos humanos, inserida na perspectiva conceituai das relações de trabalho, revendo práticas e discursos.
- 2. Para uma visão mais completa do assunto ver PASTORE, José & ZYLBERSTAJN, Hélio. Administração do conflito trabalhista no Brasil. São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas/USP, 1977.
- 3. RODRIGUES, Leôncio M. O sindicalismo corporativo no Brasil: fatores de persistência, possibilidades de mudança, 1989, p.29 (mimeo).
- 4. MELO, Marlene Catarina de Oliveira Lopes. Les moyens et les procédures de traitement des conflits dans de grandes intreprises brésiliennes. Paris, Tese de Doutorado, Univ. de Paris IX, Dauphine, 1983;
- e participação como meio não institucionalizado de regulação de conflitos. In: FLEURY, Maria Tereza & FISCHER, Rosa Maria (Orgs.). Processos e relações do trabalho no Brasil. São Paulo, Atlas, 1985, p.161-78.
- 5. LAUNAY, Roger. La négociation -approche psychosociologique. Paris, Interprise Moderne D'Edition, 1987.
- 6. Sobre a teoria dos jogos, ver, entre outras, SCHELLING, T. The strategy of conflict. Cambridge, Harvard University Press, 1960.
- 7. ADAM, G. & REYNAUD, G. D. Conflits du travail et changement social. Paris, PUF, 1978.
- 9. DUPONT, C. La négociation: conduite, théorie, applications. Paris, Dalloz, 1982.
- 14. CASTORIADIS, Cornélius. A experiência do movimento operario. São Paulo, Brasiliense, 1985, 248.
- 15. OFFE, Clauss. "Trabalho: a categoria-chave da sociologia". RBCS, 4(10), jan. 1985.
- 16. COSMO, José Roberto. "O papel do gerente frente às novas relações do trabalho". RH -Informação profissional de recursos humanos, São Paulo, Associação Brasileira de Recursos Humanos, nº 3, jan. 1990.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Dez 1991