Resumo
Em função do caráter recente de sua adoção, pouco se sabe ainda sobre o desempenho de projetos de parcerias público-privadas (PPP) e seus condicionantes. O presente estudo tem por objetivo investigar o comportamento das PPP e suas variações contratuais na provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014 numa perspectiva comparada às modalidades de provisão pública tradicional e estritamente privada. Para tanto, utilizou-se uma abordagem metodológica qualitativa, inserida numa perspectiva exploratória por meio de estudo de casos múltiplos. Os resultados sugerem que os projetos de PPP geraram value for money para a administração pública brasileira, sobretudo referente aos aspectos de prazo, custos, receitas diversificadas e processo licitatório em decorrência das estruturas de incentivos oriundas dos contratos de PPP e da própria flexibilidade gerencial inerente aos atores privados.
Palavras-chave: parcerias público-privadas; valor adicional; estruturas de incentivos; megaeventos esportivos.
Resumen
Debido al carácter reciente de su adopción, aún se conoce poco sobre lo desempeño de proyectos de Asociaciones Público-Privadas (PPP) y sus condiciones. El presente estudio tiene como objetivo investigar el comportamiento de las PPP y sus variaciones contractuales en la provisión de los estadios deportivos para el Mundial Fifa Brasil 2014 bajo una perspectiva comparada a las modalidades de provisión pública tradicional y estrictamente privada. Para este propósito, se utilizó un enfoque cualitativo, incluido en una perspectiva exploratoria a través del estudio de casos múltiples. Los resultados sugieren que los proyectos de PPP generan un valor agregado para la administración pública brasilera, principalmente con relación a plazos, costos, ingresos diversificados e proceso licitatorio como consecuencia de las estructuras de incentivos provenientes de los contratos de PPP y de la propia flexibilidad gerencial, inherentes a los actores privados.
Palabras clave: asociaciones público-privadas; valor agregado; estructuras de incentivos; megaeventos deportivos.
Abstract
Due to its recent adoption, little is known about the performance of public-private partnerships (PPP) and their determinants. The present study aims to investigate the behavior of PPP and their contractual variations in the provision of sports arenas for the 2014 Fifa World Cup in Brazil, using a comparative perspective on traditional public and private provision modes. The research adopts a qualitative approach with an exploratory perspective and multiple case studies. The results suggest that, for Brazilian public administration, PPP presented good value for money, especially in terms of the time schedule, costs, diversified revenues and bidding process as a result of incentive structures coming from PPP contracts and private partner flexibility.
Keywords: public-private partnerships; value for money; incentive structures; mega sporting events.
1. Introdução
Recentemente, estudiosos da área de administração pública e estratégia vêm chamando a atenção para a interdependência entre atores públicos e privados e sobre a necessidade de compreensão dos mecanismos que podem levar a melhores (ou piores) padrões de desempenho (Mahoney, Mcgahan e Pitelis, 2009; Bel, Brown e Warner, 2014). Figuram nessa seara as diversas formas colaborativas entre agentes governamentais e atores privados para a provisão de serviços de utilidade pública, tais como parcerias público-privadas (PPP). Fomentadas sob os ventos das reformas liberalizantes empreendidas ao longo das últimas décadas, as PPP são um fenômeno relativamente recente que ainda carecem de maior esclarecimento, sobretudo no que tange à avaliação do desempenho e de seus condicionantes (Forrer et al., 2010; Kivleniece e Quelin, 2012). Naturalmente, o Brasil não é exceção e muito embora alguns trabalhos recentes tenham abordado a questão das PPP no país (Peci e Sobral, 2007; Thamer e Lazzarini, 2015), pouco se sabe ainda sobre os resultados concretos das experiências brasileiras.
Como forma de preencher essa lacuna, o presente estudo objetiva investigar o comportamento das PPP utilizadas para a construção e reforma dos estádios utilizados na Copa do Mundo Fifa 2014, numa perspectiva comparada à provisão pública tradicional e à provisão estritamente privada. A temática reveste-se de importância na medida em que ainda não são claros os mecanismos que afetam o desempenho de PPP no Brasil e a real pertinência de formas não estatais na provisão de equipamentos de infraestrutura. Mesmo no âmbito internacional são raros os trabalhos que abordam a provisão de equipamentos esportivos e culturais sob a ótica das PPP (Cabral e Silva Jr., 2013). Em que pesem as contribuições do presente estudo para a literatura de administração pública, estratégia em organizações e gestão esportiva, convém ressaltar que não é objetivo dos autores debater a pertinência ou não da realização de megaeventos esportivos. O objetivo restringe-se ao entendimento das implicações decorrentes das formas de provisão escolhidas, tomando como princípio que a decisão para a realização de eventos como a Copa do Mundo foi exogenamente determinada.
No caso brasileiro, a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo Fifa 2014, em outubro de 2007, colocou o país em posição de destaque no cenário internacional em função da elevada visibilidade do evento, inequivocamente objeto de interesse por parte de muitos países nas últimas décadas. Eventos esportivos dessa natureza, no entanto, geralmente exigem elevados investimentos para construção ou adequação de uma série de equipamentos, notadamente estádios de futebol e infraestrutura complementar. Diante disso, frequentemente são necessários aportes governamentais por meio do envolvimento em suas diferentes esferas. Após a definição das 12 cidades-sede do torneio em maio de 2009, a disponibilização de estádios em padrões de excelência tornou-se uma demanda latente diante do estado decadente das praças esportivas brasileiras. De fato, nove de 12 estádios de futebol brasileiros escolhidos para sediar o megaevento esportivo possuíam antigas infraestruturas com idade média de utilização de aproximadamente 55 anos.1 Seguindo a tradição de outros megaeventos esportivos (Roche, 2000; Cabral e Silva Jr., 2013; Preuss, Solberg e Alm, 2014), o setor público teve um papel preponderante na provisão de nove dos 12 estádios previstos para sediar os jogos do megaevento, com destaque para a utilização da modalidade de PPP para a provisão de cinco dos 12 estádios de futebol.
Para cumprir os objetivos propostos, lança-se mão de uma pesquisa qualitativa, inserida numa perspectiva exploratória e comparativa por meio de estudo de casos múltiplos nos cinco estádios providos por PPP para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014 (Belo Horizonte, Fortaleza, Natal, Recife e Salvador). Comparam-se tais iniciativas com os estádios providos sob a lógica das modalidades pública tradicional (Brasília, Cuiabá, Manaus e Rio de Janeiro, construído sob a modalidade tradicional e posteriormente concedido à iniciativa privada) e estritamente privada (Curitiba, Porto Alegre e São Paulo). As instâncias metodológicas da pesquisa de campo e seus resultados são apresentados após breve discussão teórica relacionada com o estado da arte das literaturas sobre PPP e megaeventos esportivos, realizada a seguir.
2. Megaeventos esportivos: o papel do Estado
Megaeventos esportivos são eventos de grande porte que envolvem participantes de diferentes localidades e são realizados em um curto período de tempo (Florek, Breitbarth e Conejo, 2008). Em linhas gerais, eventos esportivos de grande porte envolvem elevados investimentos em infraestrutura (Malfas, Theodoraki e Houlihan, 2004), assumindo muitas vezes um importante papel no desenvolvimento urbano e contribuindo para a geração de potenciais legados nas regiões onde são sediados (Gursoy e Kendall, 2006).
A literatura sobre megaeventos esportivos, no entanto, não apresenta um consenso acerca do escopo dos potenciais legados, o que dificulta a mensuração das dimensões afetadas pelos megaeventos (Preuss, 2007). Nessa perspectiva, Preuss (2007) define legado como toda mudança na estrutura - seja ela planejada ou não planejada, positiva ou negativa, tangível ou intangível - criada para e pelo megaevento esportivo que permanece no longo prazo após a realização do próprio evento. A ideia de legado, no entanto, geralmente é pensada como algo sempre positivo, o que pode representar um equívoco. Isso porque, a depender das circunstâncias em que o megaevento é realizado, legados negativos podem também ser gerados (Pillay e Bass, 2008). Como exemplos de legados negativos sobressaem-se na literatura: elevados custos de construção dos equipamentos esportivos, investimentos em estruturas desnecessárias e endividamento do setor público (Roche, 2000; Malfas, Theodoraki e Houlihan, 2004; Gursoy e Kendall, 2006).
Preuss, Solberg e Alm (2014), nesse contexto, demonstram que a Copa do Mundo Fifa é um megaevento esportivo que exige investimentos substanciais tanto na construção de novos estádios quanto na provisão de infraestrutura no entorno de tais equipamentos esportivos. Nesse contexto, as arenas reformadas ou construídas para esse megaevento são geralmente consideradas um legado, uma vez que a intervenção (reforma ou construção) na infraestrutura do equipamento esportivo é muitas vezes viabilizada apenas em função do evento (Fifa, 2011). Algumas cidades-sede, entretanto, já possuem uma infraestrutura que lhes possibilitam realizar grandes eventos esportivos com um nível muito baixo de investimento, ao passo que outras cidades necessitam investir substancialmente em sua infraestrutura para alcançar os padrões exigidos pela Fifa, cujo nível de exigência cresce a cada ano em função de sua curva de aprendizagem na realização de cada evento.
No entanto, em função da necessidade de elevados investimentos, Roche (2000) destaca que muitas vezes é necessário o envolvimento de instituições do setor público e organizações do setor privado na organização e preparação desses eventos, no intuito de que sejam combinados esforços para realizá-los com sucesso. Siegfried e Zimbalist (2000) demonstram, entretanto, que os subsídios públicos destinados para a construção de novas arenas esportivas são comumente justificados com base no argumento de que benefícios econômicos serão gerados para a economia local. No entanto, a demanda futura para uso de tais equipamentos esportivos possui um elevado grau de incerteza e risco, uma vez que existe correlação positiva entre a qualidade/desempenho do clube e a demanda para compra de ingressos de estádios (Forrest e Simmons, 2002). Mules (1998), por outro lado, argumenta que investimentos públicos para a execução de megaeventos esportivos podem também ser justificados em função da possibilidade de ocorrência de falhas de mercado, sobretudo devido à presença de bens públicos e externalidades que estão frequentemente associadas com os efeitos de longo prazo de megaeventos dessa natureza, o que pode desestimular investimentos por parte da iniciativa privada. Muitos governos, dessa forma, têm subsidiado a construção de arenas esportivas para a utilização de equipes esportivas profissionais, alegando que tais projetos geram valiosos bens públicos e externalidades positivas para a economia local, embora esses benefícios sejam difíceis de mensurar (Johnson e Whitehead, 2000). Nesse diapasão, uma das formas encontradas por governos para minorar os gastos públicos sem comprometer a realização do evento se dá por meio de parcerias público-privadas (PPP), as quais devem, em tese, equilibrar a construção dos equipamentos, seu uso durante o evento e, talvez, mais importante, sua sustentabilidade no longo-prazo (Cabral e Silva Jr., 2013). Tais formas são debatidas a seguir.
3. PPP na provisão de infraestrutura e serviços públicos
Diversos arranjos contratuais entre instituições públicas e organizações privadas podem ser adotados na provisão de bens e serviços públicos, incluindo equipamentos esportivos. Diante disso, os governos passaram a buscar novas modalidades de provisão, mediante o envolvimento da iniciativa privada na provisão de bens e serviços públicos e, nesse contexto, surgem as PPP como um arranjo organizacional híbrido formado entre o setor público e a iniciativa privada. Duas dimensões são essenciais na compreensão do potencial das PPP: value for money e incentivos.
3.1 Value for Money
A implantação de projetos de PPP no setor de infraestrutura, segundo Marques e Berg (2011), tem gerado muitos benefícios em termos de eficiência e qualidade na provisão de bens e serviços públicos. Isso porque a atuação conjunta da iniciativa privada com o setor público pode gerar um maior value for money2 quando comparado com a forma de provisão pública tradicional (European Commission, 2003; IMF, 2004; World Bank, 2012). A comparação dos benefícios da intervenção econômica entre a provisão pública tradicional e a provisão privada tem sido objeto de um contínuo debate, uma vez que as PPP têm sido vistas como uma modalidade de provisão que proporciona um salto qualitativo no esforço para combinar os pontos fortes do setor público e do setor privado (Hodge e Greve, 2007).
O uso da PPP, no entanto, deve também estar relacionado com a racionalidade econômica proporcionada pela interação de ambos os parceiros público e privado (Grimsey e Lewis, 2005; Välilä, 2005). O papel do parceiro privado é acrescentar valor para que o arranjo público-privado seja economicamente superior à oferta pública tradicional. A mensuração do value for money, de acordo com a European Commission (2003), geralmente utiliza a técnica de avaliação comparativa entre o menor Valor Presente Líquido (VPL) de desembolsos gerado pelo projeto na modalidade PPP e pela provisão pública tradicional, o que normalmente é chamado de public sector comparator (PSC). Segundo Grimsey e Lewis (2005), o conceito de PSC tem sido muito adotado como um teste para saber se um projeto de PPP atinge um menor VPL dos desembolsos, quando comparado com o projeto implantado pela modalidade de provisão pública tradicional. Em síntese, verifica-se que a modalidade de PPP demonstra vantagens econômicas se, ao final da análise de value for money, o arranjo público-privado apresentar os seguintes fatores na provisão do bem/serviço público: (1) custos reduzidos; (2) menor prazo de implantação; (3) melhor qualidade; (4) melhor alocação de riscos; e (5) geração de novas receitas diversificadas (European Commission, 2003; IMF, 2004; World Bank, 2012).
3.2 Incentivos em PPP
Os aspectos contratuais de uma PPP favorecem a geração de incentivos na execução do projeto, uma vez que o parceiro privado é incitado a adotar uma visão holística de todo o ciclo de vida do projeto, estimulando a eficiência e a melhor qualidade na prestação do serviço público (Hart, 2003). Nessa perspectiva, verifica-se que algumas fontes de incentivos (propriedade do ativo, integração da construção/operação e alocação de riscos) podem adicionar valor em um projeto de PPP, uma vez que podem afetar a eficiência produtiva na provisão do bem e serviço público (Hart, 2003; European Commission, 2003; World Bank, 2012).
A primeira potencial fonte de incentivos refere-se à propriedade do ativo. Na PPP, o parceiro privado pode deter elevadas parcelas do direito de propriedade do ativo ao longo do ciclo de vida do projeto. A concentração de direitos de propriedade e de decisão na esfera do parceiro privado favoreceria a eficiência produtiva (redução dos custos de operação), sobretudo em ambientes de incompletude contratual (Tirole, 1999; Hart, 2003). Nesse caso, o parceiro privado possuiria motivações extras para realizar novos investimentos em busca de melhorar seu desempenho produtivo. No entanto, as inovações para melhorar a eficiência em custos podem se dar em detrimento da redução da qualidade (Hart, Shleifer e Vishny, 1997), o que exige mecanismos de monitoramento por parte do poder púbico para coibir comportamentos autointeressados por parte de atores privados (Cabral, Lazzarini e Azevedo, 2010).
Já com relação à segunda potencial fonte de incentivos, observa-se que modalidades de PPP em que há maior integração de atividades por parte do setor privado favorecem a eficiência produtiva (European Commission, 2003; IMF, 2004; World Bank, 2012). De acordo com Hart (2003), as modalidades BOT e DBOT estão associadas ao fato de o parceiro privado ser o responsável ao mesmo tempo pela construção do equipamento e operação do serviço público, o que é comumente chamado de modalidade bundling. Nessa perspectiva, de acordo com o World Bank (2012), a integração completa (bundling) possibilitada pelas PPP estimula o parceiro privado a finalizar cada uma das fases do projeto (construção, operação e manutenção) com mais eficiência operacional, minimizando os custos totais gerados na provisão do equipamento e serviço público. Na verdade, a integração entre construção e operação cria incentivos adicionais para mitigar comportamentos que levam à deterioração na qualidade ex post (Cabral e Saussier, 2013).
Por fim, a terceira potencial fonte de incentivos reside na alocação e distribuição de riscos e benefícios entre as partes. De acordo com Bing e colaboradores (2005), o ente público deve identificar os riscos inerentes ao projeto de PPP, estabelecendo os problemas mais relevantes para cada etapa, a probabilidade de ocorrência de cada evento de risco e as potenciais consequências financeiras. Isso é necessário para que o ente público responsável possa definir o tipo e a quantidade de riscos que devem ser transferidos para o parceiro privado. Nessa seara, uma das principais fontes de riscos em projetos de PPP é o risco de demanda (IMF, 2004; World Bank, 2012). Objeto de rigorosa análise por parte dos financiadores de projetos de PPP, as incertezas associadas à demanda suscitam a oferta por parte do setor público de garantias mínimas de fluxo de caixa para tornar projetos de PPP mais atrativos sob o ponto de vista da sustentabilidade econômica (Cabral e Silva Júnior, 2013).
4. Metodologia
A abordagem metodológica utilizada nessa pesquisa caracteriza-se essencialmente como qualitativa, inserida numa perspectiva exploratória, comparativa e analítica descritiva (Flick, 2004; Poupart et al., 2010). Isso porque não se objetiva medir variáveis, mas sim realizar análises de fenômenos organizacionais relacionados com as fases de implantação e gestão dos projetos de PPP (quadro 1) adotados na provisão de arenas esportivas da Copa do Mundo Fifa Brasil 2014.
Verificou-se que os avanços na análise de value for money sugerem que os aspectos qualitativos na comparação de projetos e as avaliações após a assinatura do contrato proporcionam a análise de dados mais precisos, assim como a sistematização do aprendizado futuro para elaboração e execução de novos projetos de PPP (Coscarelli et al., 2014). Complementarmente, a abordagem metodológica de estudo de casos foi utilizada visando aprofundar os conhecimentos acerca das semelhanças e diferenças dos projetos de PPP, visando sedimentar o conhecimento empírico por meio da sistematização teórica da temática do presente estudo (Yin, 2001). Nessa perspectiva, o percurso metodológico para a coleta e o tratamento dos dados seguiu quatro fases: análise documental, entrevistas semiestruturadas, observação participante em eventos públicos relacionados com a Copa Fifa 2014 e análise de conteúdo.
Com relação à coleta de dados secundários, adotou-se inicialmente a análise documental exploratória referente a todas as arenas esportivas (pública, privada e PPP), destacando-se os seguintes documentos: editais de licitação e contratos dos projetos de PPP e obras públicas; propostas econômicas dos vencedores das licitações; planos de negócio; estudos de viabilidade econômica; indicadores de desempenho dos projetos; contratos de financiamentos; relatórios de balanço geral da Copa; relatórios de órgãos de controle externo; entre outros.
Na fase de coleta dos dados primários, foram realizadas 30 entrevistas semiestruturadas3 junto aos agentes públicos e privados envolvidos na execução da construção das 12 arenas esportivas (16 gestores públicos e 14 gestores privados), totalizando a gravação de 28 horas e 48 minutos de áudio de entrevistas. Já a escolha dos atores-chave entrevistados realizou-se com base em critérios de posição formal ocupada nas instituições públicas e privadas envolvidas na gestão dos projetos (quadro 2). Naturalmente, a disponibilidade dos informantes privilegiados limitou a expansão da amostra, o que foi compensado pela análise documental.
Após a etapa de coleta de dados, utilizou-se a análise de conteúdo como técnica para tratamento de dados, combinando o material bibliográfico, as fontes documentais e as transcrições das entrevistas realizadas. Por fim, adotou-se a triangulação de dados para aumentar a confiabilidade dos achados da pesquisa (Bardin, 2009), assim como foi utilizado o software NVivo 10 for Windows para codificação, análise e operacionalização da análise de conteúdo, conforme demonstra o quadro 3.
5. Casos estudados
5.1 Contexto e necessidade pública dos projetos de PPP
Os projetos de PPP analisados (tabela 1) se assemelham em algumas características do processo licitatório (modalidade de licitação e de concorrência) e diferem em outros aspectos (capacidade, prazo de concessão e valor do contrato).
Com relação à necessidade pública das PPP, a pesquisa revelou que os principais aspectos motivadores para a implantação dos projetos estão relacionados com: (1) expectativa de gerar potenciais legados para a cidade-sede e estado; e (2) viabilização de construção e/ou reforma de modernas arenas esportivas multiuso para atender aos requisitos técnicos do caderno de encargos da Fifa. Já com relação às razões da escolha da modalidade de PPP, destacam-se dois fatores: (1) a ausência de recursos financeiros públicos para investimentos diretos; e (2) a busca de melhor value for money para a administração pública estadual.
5.2 Gestão e alocação de riscos
Quanto ao processo de alocação de riscos, verifica-se que diferentes foram os arranjos organizacionais entre o setor público e a inciativa privada, sobretudo no que se referem aos riscos de construção (prazo de implantação e custo de provisão) e aos riscos de operação dos estádios (risco de demanda). Desta forma, chama a atenção o fato de que, em dois dos cinco projetos de PPP, o ente público compartilhou tais riscos, assumindo uma maior carga de riscos em relação aos demais estados (tabela 2).
Adicionalmente, três dos cinco projetos de PPP que apresentaram os melhores padrões de desempenho em termos de cumprimento de prazo e custos (Arena Mineirão, Arena Castelão e Arena das Dunas) são projetos para os quais o poder concedente atribuiu 100% da carga dos riscos de construção ao parceiro privado. De forma contrária, os dois projetos de PPP (Bahia e Pernambuco) que tiveram o pior desempenho nesses dois indicadores, se comparado com os demais projetos de PPP analisados, são os projetos em que os entes públicos assumiram uma maior carga desses riscos em relação aos demais estados. A implicação foi clara: desembolsos públicos adicionais não previstos inicialmente para os governos estaduais de Bahia e Pernambuco. Já com relação à operação dos estádios, verifica-se que a maior assunção dos riscos de demanda por parte do poder concedente baiano e pernambucano contribui para o potencial aumento dos desembolsos públicos futuros, caso os parceiros privados não aufiram o fluxo de caixa mínimo estabelecido no contrato de PPP (tabela 3). Por outro lado, o alto grau de risco assumido por atores privados nas arenas de Belo Horizonte, Natal e Fortaleza pode ensejar revisões contratuais futuras, em caso de a demanda real não garantir viabilidade econômico-financeira, no limite fazendo com que os governos desses estados assumam a totalidade da operação e todo seu ônus, caso os parceiros privados não encontrem o equilíbrio financeiro na empreitada. A pesquisa demonstrou que todos os projetos de PPP avaliados adotaram mecanismos para compartilhamento de ganhos adicionais (quadro 4), em caso de a demanda real estar acima do projetado inicialmente, o que pode contribuir para a redução dos desembolsos públicos futuros via deduções na contraprestação pública.
5.3 Modelagem financeira
Sobre a modelagem financeira das PPP, nota-se também que diferentes foram os arranjos organizacionais entre as partes (quadro 5).
Com base no quadro 5, observa-se que, em três das cinco PPP analisadas, os parceiros privados ficaram responsáveis por um baixo aporte de recurso financeiro em relação ao custo total da PPP (Bahia e Pernambuco) ou por nenhum aporte de recurso financeiro (Ceará), o que representa um contrassenso à lógica da modalidade de PPP, uma vez que nesse tipo de arranjo público-privado se espera uma maior participação do parceiro privado no aporte de recursos financeiros. Nessa perspectiva, com base nos casos estudados, constata-se que o poder concedente assumiu quase a totalidade (Bahia e Pernambuco) ou a totalidade dos custos de provisão dos equipamentos públicos esportivos (Ceará). Mesmo nos casos em que o parceiro privado ficou responsável pelo financiamento para cobrir 100% dos custos totais de provisão das arenas esportivas (Minas Gerais e Rio Grande do Norte), verifica-se que na modelagem operacional de ambos os contratos de PPP foi estabelecido um mecanismo de contraprestação pública que possibilita a cobertura de quase a totalidade dos custos de provisão de tais equipamentos esportivos. Com relação à estrutura das garantias oferecida aos parceiros privados, destacam-se os casos das PPP de Pernambuco e Ceará que adotaram como mecanismo de garantia o pagamento de 75% e 100%, respectivamente, dos custos de construção de seus estádios. Por conta disso, tais experiências de certa maneira contradizem o argumento de escassez de recursos financeiros públicos evocados pelos entes públicos para justificar a escolha da modalidade de PPP. Já com relação à metodologia para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, destaca-se que Bahia e Pernambuco utilizaram como mecanismo a própria modelagem de compartilhamento dos riscos de demanda, o que cria incentivos adicionais para a geração de receitas adicionais no equipamento para além do futebol, tais como shows e eventos corporativos. No entanto, tais mecanismos para compartilhamento do risco de demanda podem contribuir para o incremento adicional do desembolso de recursos públicos futuro, em caso de não atingimento ex post do limite mínimo da garantia de demanda ao longo da execução contratual, se caracterizando em um potencial risco para a administração pública em função da possibilidade de aumento do endividamento público futuro (Cabral e Silva Jr., 2013).
5.4 Modelagem operacional
No que se refere à modelagem operacional das PPP, a pesquisa demonstra também que diferentes foram os arranjos organizacionais entre as partes, especialmente em relação aos mecanismos de pagamento da contraprestação pública (fixa e variável). Em três dos cinco projetos de PPP (Bahia, Minas Gerais e Natal), os entes públicos adotaram a contraprestação fixa para amortização dos custos de financiamento e a contraprestação variável para amortização de parte dos custos operacionais das arenas esportivas. Por outro lado, nos demais projetos de PPP (Pernambuco e Ceará), os entes públicos adotaram apenas o mecanismo de contraprestação variável para amortizar parte dos custos operacionais, já que os custos fixos foram quitados no momento da entrega da obra. No que diz respeito aos mecanismos para avaliação do desempenho do parceiro privado, verifica-se que potenciais implicações negativas podem surgir ao longo da execução contratual em função da atual metodologia de avaliação que apresenta baixa penalização ao parceiro privado, em caso de uma eventual avaliação insatisfatória futura (tabela 4).
Em suma, a lição que pode ser extraída de todos os casos estudados é que a existência de variações contratuais apresentadas entre as PPP, como demonstrado anteriormente em relação às dimensões da alocação de riscos, modelagem financeira e modelagem operacional, influencia no desempenho de tais projetos e, consequentemente, na geração de value for money para a administração pública, resultando nas seguintes implicações: (1) aumento nos custos de provisão em consequência da elevada assunção de riscos por parte de alguns entes públicos; (2) aumento no endividamento público nos casos em que o estado assumiu a quase totalidade ou a totalidade do financiamento do projeto; e (3) baixo potencial de punição do parceiro privado em relação à possibilidade de uma eventual ineficiência na prestação do serviço público, nos casos em que os entes públicos não adotaram mecanismos de mensuração de desempenho adequados.
6. Discussão
6.1 Avaliação do value for money dos projetos de PPP
O primeiro indicador a ser analisado refere-se ao prazo de implantação, o qual é considerado como um fator crítico de sucesso de projetos de infraestrutura, tendo em vista que o não cumprimento do cronograma de execução pode influenciar no aumento dos custos de provisão (Cabral e Silva Jr., 2013). Nesse contexto, observa-se que os projetos de PPP tiveram melhores desempenhos no que se refere ao prazo de entrega dos estádios, quando comparado com as arenas totalmente estatais e com as arenas estritamente privadas, com exceção ao projeto de PPP da Bahia, que apresentou um leve, porém pouco relevante atraso (tabela 5).
Cabe destacar que a Arena Fonte Nova foi o único projeto de PPP que ultrapassou o prazo de implantação inicialmente previsto em função de novas exigências por parte da Fifa, cujo lançamento (ano 2011) do novo caderno de encargos ocorreu após a assinatura do contrato dessa PPP (ano 2010), acarretando em aumento dos custos do projeto. Por outro lado, chama a atenção o fato de que as PPP de Pernambuco e Ceará finalizaram a obra antes do prazo previsto, em função da decisão política de seus governadores no sentido de antecipar o prazo de construção do estádio para se candidatarem como cidade-sede da Copa das Confederações da Fifa 2013. Tal antecipação não estava prevista e contribuiu para o aumento dos custos da PPP de Pernambuco. Já com relação à Arena Mineirão e à Arena das Dunas, observa-se que ambos os projetos conseguiram finalizar a obra dentro do prazo estabelecido no cronograma inicial, o que pode ser justificado pela modelagem contratual de ambas as PPP.
Em suma, pode-se inferir que as PPP foram mais rápidas na execução dos projetos em virtude da flexibilidade e da agilidade gerencial do parceiro privado, aliadas ao forte envolvimento e participação do poder público na execução dos projetos (Grimsey e Lewis, 2002). Este último aspecto fica evidente nos projetos estritamente privados da Arena Corinthians e da Arena da Baixada, os quais, apesar de possuírem os mesmos benefícios de uma PPP relacionados com a flexibilidade e a agilidade gerencial do ator privado, obtiveram atrasos significativos em seus cronogramas de implantação. Os resultados do estudo sugerem que a impossibilidade de o setor público tomador de financiamento em projetos estritamente privados pode impactar no processo de captação de recursos de grande porte, gerando consequentemente atrasos na execução do projeto. Já com relação aos projetos públicos, constata-se que a rigidez gerencial imposta pela Lei no 8.666/1993 em obras públicas gerou atrasos e aumento dos custos dos projetos.
{...} Nós apenas conseguimos acelerar o cronograma da obra por que era uma PPP. Se fosse uma obra via Lei 8.666, a gente não ia ter tempo de executar o projeto com agilidade, pois não teríamos flexibilidade para adaptar o processo de construção implantando modernas técnicas de engenharia que não haviam sido previstas inicialmente {...}. {Gestor privado #9}
Já com relação ao indicador de custos de provisão, fator crítico na provisão de serviços de infraestrutura (Välilä, 2005), analisam-se aqui o cumprimento dos custos inicialmente previstos e o indicador de custo por assento (tabela 6).
Com base na tabela 6, destaca-se o fato de que duas das três arenas esportivas construídas sob a lógica privada (Arena Beira-Rio e Arena da Baixada) apresentaram um menor custo de provisão por assento, quando comparadas com as arenas esportivas construídas sob a lógica da PPP e sob a lógica da provisão pública tradicional. No entanto, deve-se levar em conta o menor grau de intervenção física nesses projetos de reforma em relação a outros projetos em que novos equipamentos foram erguidos. Já no que diz respeito à comparação entre os projetos de PPP e os projetos de provisão pública tradicional, pode-se inferir que as PPP obtiveram um melhor desempenho no que se refere ao indicador de custo por assento e ao cumprimento do orçamento inicialmente previsto. Cabe destacar que a Arena Mané Garrincha e a Arena Maracanã, ambos os estádios reformados sob a modalidade de provisão pública tradicional, foram os estádios que obtiveram os maiores custos de provisão, respectivamente, assim como ambos apresentaram indícios de superfaturamento de acordo com órgãos de controle externo (TCDF, 2013; TCU, 2013). A PPP do Maracanã referiu-se somente à etapa de operação. No entanto, em que pesem as evidências de custos acima do orçamento e dos indícios de superfaturamento por parte de algumas arenas públicas, cabe ainda ressaltar que os custos de provisão dos estádios brasileiros são condizentes com os custos de estádios similares no exterior construídos para a Copa do Mundo Fifa na Alemanha em 2006, muito provavelmente por conta da incansável atuação dos órgãos de controle brasileiros (Cabral e Silva Jr., 2014). Tais autores, a partir de uma análise comparativa dos projetos relativamente similares dos estádios providos em ambos os megaeventos esportivos (modalidade de construção e porte/capacidade do estádio) e levando em consideração a correção das taxas de inflação e distorções cambiais Euro/Real no período entre 2006 e 2013 (tabela 7), constataram que o estádio de Munique teve um custo maior (EUR 5.782 por assento) do que a arena estritamente privada do Corinthians (EUR 4.330 por assento), assim como o estádio de Colônia (EUR 5.227 por assento) teve um custo superior ao custo da arena PPP Fonte Nova (EUR 4.950 por assento). Por outro lado, tais autores ainda demonstram que mesmo a arena estritamente pública da Amazônia (EUR 5.500 por assento), cujo orçamento real foi acima do previsto, possui um custo de provisão condizente com os estádios construídos na Alemanha. Já a arena estritamente pública de Brasília (EUR 7.000 por assento) foi o estádio de maior custo e com o pior desempenho em termos de custos, quando comparado com os estádios de ambos os países, demonstrando que há um indicativo de que no Brasil as arenas estritamente públicas possuem custos mais elevados do que as arenas estritamente privadas ou construídas em regime de PPP, o que está alinhado com os resultados encontrados no presente estudo.
Com base no indicador de receitas diversificadas, verifica-se que as arenas PPP e as arenas privadas apresentam um grande potencial para geração de receitas operacionais alternativas (figura 1), ao passo que as arenas esportivas sob a gestão pública tradicional não podem cobrar outras receitas adicionais na exploração comercial do equipamento público, devido aos limites impostos pela Lei Federal no 8.666/1993. Dessa forma, os atores privados podem reduzir as incertezas associadas às receitas operacionais oriundas da bilheteria de futebol (Cabral e Silva Jr., 2013). A obtenção de tais receitas requer uma estrutura empresarial, cujas competências são raramente encontradas no seio da administração pública tradicional, o que demonstra o potencial das PPP comparativamente à provisão pública tradicional.
Por fim, ainda no âmbito da discussão sobre value for money e com base nos casos estudados, constata-se que os processos licitatórios das PPP apresentaram na maioria dos casos um menor tempo de execução em relação à provisão pública tradicional, quando analisada a diferença de tempo entre a data de publicação do edital de licitação e a data de assinatura do contrato para construção das arenas esportivas (tabela 8). Cabe ressaltar que as arenas Fonte Nova e Mineirão foram as únicas arenas em regime de PPP que adotaram o mecanismo de inversão entre as fases licitatórias da habilitação e do julgamento das propostas técnica/econômica, o que está apenas previsto na Lei da PPP no 11.079/2004 e pode contribuir para acelerar o processo licitatório, uma vez que é possível analisar apenas a habilitação do licitante vencedor. Nesse caso, na hipótese de não aprovação do licitante vencedor, analisam-se as propostas subsequentes. Tal expediente constitui-se numa vantagem econômica na execução de um projeto de infraestrutura por meio de PPP, uma vez que o prazo de execução total de um projeto influencia diretamente seus custos de provisão (Grimsey e Lewis, 2002), o que é um fator essencial no contexto de megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo Fifa caracterizada por um rígido calendário que precisa ser rigorosamente cumprido para que as competições sejam realizadas a termo (Fifa, 2011).
Outra potencial vantagem das PPP observada em relação às obras públicas tradicionais diz respeito ao fato de que todos os editais de PPP foram na modalidade de concorrência internacional, possibilitando que os consórcios licitantes se associassem a empresas estrangeiras detentoras de expertise em gestão de arenas esportivas multiuso, o que de certa forma contribui para maximizar o potencial de geração de value for money ex post ao longo da execução contratual de tais projetos. Já no caso das arenas esportivas construídas sob a lógica da provisão pública tradicional, a modalidade de licitação adotada em todos os casos foi a concorrência nacional e sem a possibilidade de se ter um gestor internacional com expertise em gestão de arenas multiuso, visto que a Lei no 8.666/1993 impõe o próprio estado como responsável pela gestão operacional do equipamento público esportivo, o que por outro lado contribui para minimizar o potencial de geração de value for money ex post para a administração pública.
Já com relação ao nível de competitividade nas licitações investigadas que é considerado como um fator crítico de sucesso em projetos de infraestrutura (Tiong, 1996), com base nos casos estudados, verifica-se que existe uma relação entre a quantidade de empresas/consórcios licitantes e o valor do orçamento inicial previsto para os equipamentos públicos esportivos (tabela 9), como pode ser observado nos casos das arenas PPP (Castelão e Pernambuco) que tiveram uma maior concorrência e os menores custos por assento inicialmente previstos entre as arenas PPP, bem como em relação à arena estritamente pública Mané Garrincha que teve a maior concorrência e o menor custo por assento inicialmente previsto entre as arenas estritamente públicas, apesar de seu custo real por assento ter sido o maior entre todas as arenas do megaevento esportivo. A exceção fica com a arena Pantanal que, mesmo com a segunda maior quantidade de empresas/consórcios licitantes, apresentou o maior custo por assento inicialmente previsto entre as arenas estritamente públicas.
Com base ainda na tabela 9, pode-se inferir que a baixa concorrência, observada nos demais casos das arenas PPP e arenas estritamente públicas, contribuiu para minimizar o potencial de geração de value for money para a administração pública na fase de construção dos equipamentos públicos esportivos. Os resultados da pesquisa, dessa maneira, demonstram indícios de que os custos por assento inicialmente previstos poderiam ter sido minimizados, em caso de uma eventual maior competitividade nos processos licitatórios investigados.
Nesse cenário, a pesquisa sugere que os projetos de PPP analisados contribuíram para a geração de um maior value for money para a administração pública brasileira, sobretudo no que se refere aos aspectos de prazo, custos, receitas diversificadas e processo licitatório (tempo de execução e modalidade de concorrência internacional).
6.2 Implicações das estruturas de incentivos na execução dos projetos de PPP
Os resultados sugerem que as estruturas de incentivos contratuais encontradas nos projetos de PPP contribuem para a geração de value for money para a administração pública. Isso porque na modalidade totalmente estatal tais incentivos não são previstos nos contratos de obras públicas, os quais são elaborados com base na Lei no 8.666/1993. A ideia central que emana da figura 2 decorre da inspeção dos resultados anteriormente apresentados.
O direito de propriedade do ativo concedido ao parceiro privado ao longo da execução contratual contribui para o ganho de flexibilidade gerencial na gestão do contrato (Hart, Shleifer e Vishny, 1997), uma vez que a concessionária possui uma margem de autonomia para a execução da construção e operação do estádio, sem a necessidade de procedimentos licitatórios para cada tipo específico de investimento. Isso estimula a realização de novos investimentos no equipamento público esportivo por parte do parceiro privado, em função de sua maior autonomia para solucionar potenciais contingências que possam ocorrer durante a construção e a operação do estádio, o que também minimiza os potenciais riscos oriundos da possibilidade de incompletude contratual na execução do contrato (Tirole, 1999). De modo contrário, isso não é possível de ser realizado nas arenas esportivas sob a modalidade de provisão pública tradicional, tendo em vista a necessidade de realização de procedimentos licitatórios para cada tipo de produto/serviço contratado, conforme determina a Lei Federal no 8.666/1993, o que se configura na ausência de flexibilidade contratual na implantação do projeto (Brito e Silveira, 2005). Por exemplo, no caso específico das arenas esportivas construídas sob a modalidade pública tradicional (Arena Brasília, Arena da Amazônia, Arena Pantanal e Arena Maracanã), diversas licitações foram realizadas para contratação de diferentes objetos contratuais, o que contribuiu para ocorrência de atrasos no cronograma de implantação e, consequentemente, aumento nos custos de provisão dos projetos públicos.
{...} Como trata-se de uma PPP e a responsabilidade da execução do projeto é nossa como parceiro privado, então tínhamos flexibilidade e agilidade para executar a obra. Se o projeto fosse pela Lei 8.666, esse processo seria engessado, pois teríamos que solicitar ao governo aprovação de cada mudança que eventualmente precisássemos fazer ao longo do projeto, o que poderia atrasar em meses {...}. Então, podemos atribuir nossa eficiência aos aspectos da flexibilidade para executar a engenharia e à estrutura do contrato de PPP {...}. {Gestor privado #9}
Com relação aos incentivos contratuais oriundos da modalidade bundling (integração da construção e operação da arena esportiva sob a responsabilidade de um único agente) e da mensuração de desempenho do parceiro privado executor do contrato (Hart, 2003; European Commission, 2003; IMF, 2004; World Bank, 2012; Cabral e Saussier, 2013), verifica-se que os parceiros privados dos cinco projetos de PPP receberam um maior incentivo para melhorar o desempenho nos indicadores de prazo de implantação e de custos de provisão dos estádios. Isso porque o baixo desempenho da concessionária na construção e/ou operação do equipamento público influencia no valor do pagamento da contraprestação pública variável, a qual pode sofrer redução a depender do desempenho mensurado, em que pesem os problemas identificados e apresentados na seção que trata sobre os casos estudados. Diferentemente, as arenas esportivas construídas sob a modalidade pública tradicional se caracterizam pela modalidade unbundling, já que o agente privado responsável pela construção do estádio (via procedimento licitatório da Lei Federal no 8.666/1993) é diferente do agente que irá operar o equipamento esportivo, o próprio ente público. Logo, o consórcio construtor do estádio não aufere benefícios nem sanções futuras decorrentes de seu desempenho na construção do estádio, o que não cria nenhum tipo de mecanismo de incentivo para um melhor desempenho na fase de construção do equipamento público (Hart, 2003).
{...} Na fase de construção do estádio, a gente tinha a possibilidade de obter tanto penalidades quanto bônus. Embora essas penalidades não sejam imediatamente financeiras, isso pode penalizar durante a operação futura do equipamento. Então, verificamos que não poderíamos apenas pensar na construção do equipamento, mas sim pensar tanto na construção quanto na operação ao longo da concessão {...}. {Gestor privado #5}
Com relação ao crítico processo de compartilhamento de riscos entre as partes (Oudot, 2005), tem-se que diferentes foram os arranjos organizacionais, sobretudo os relacionados com os riscos de construção (prazo de implantação e custo de provisão) e operação dos equipamentos públicos esportivos (risco de demanda). Diante disso, embora esta análise não tenha caráter amostral e nem seja conclusiva, pode-se inferir que quatro variáveis influenciaram no processo de alocação de riscos entre as partes (quadro 6). Nesse contexto, a pesquisa sugere que uma adequada distribuição dos riscos do projeto de PPP entre as partes potencializa a geração de valor público adicional na interação entre os parceiros público e privado, assim como favorece na geração de melhor desempenho na execução do projeto, sobretudo em virtude de incentivos positivos (em caso de entrega da obra dentro do prazo/custos e/ou cumprimento dos indicadores de operação) e penalizações contratuais (em caso contrário às situações apresentadas anteriormente).
{...} Na PPP, se nós dividimos os riscos de forma que não sobrecarregue nenhum dos parceiros, ambas as partes se empenharão de forma mais equilibrada e equitativa no sucesso da implantação do empreendimento {...}. {Gestor público # 1}
Quadro resumo das principais variáveis que influenciaram na alocação de riscos dos projetos de PPP
Já no que diz respeito ao compartilhamento de ganhos econômicos, constata-se que os projetos de PPP possuem mecanismos para estimular a redução da contraprestação pública ao longo da execução contratual dos projetos, de modo que, quanto maiores os ganhos auferidos pelos parceiros privados, menores serão os pagamentos da contraprestação pública em função da possibilidade de compartilhamento das receitas operacionais entre as partes, em caso de o parceiro privado obter receitas operacionais acima de um determinado limite previsto nos projetos de PPP, apesar dos potenciais problemas identificados e já discutidos sobre as Arenas Fonte Nova e Arena Pernambuco. Por conta disso, infere-se que essa modalidade de provisão contribui para uma maior eficiência alocativa do recurso público por parte do poder concedente e para uma maior eficiência produtiva por parte dos parceiros privados, em função da melhor alocação de riscos entre as partes (Oudot, 2005; Bing et al., 2005). Por outro lado, os projetos executados sob a lógica da gestão pública tradicional não possuem nenhum tipo de mecanismo contratual que estabeleça a possibilidade de diminuição de pagamentos públicos ao longo da operação do equipamento público (Brito e Silveira, 2005).
{...} Das várias vantagens da PPP, uma que a gente pode citar é que, dependendo do desempenho do parceiro privado, o Estado pode reduzir seu desembolso na contraprestação pública ao longo do contrato, em função da possibilidade de compartilharmos os ganhos adicionais com o parceiro privado {...}. {Gestor público #4}
Nessa perspectiva, a pesquisa sugere que o melhor desempenho das PPP em termos dos indicadores de value for money analisados pode ser justificado em função das estruturas de incentivos, sobretudo flexibilidade e menos restrições impostas ao parceiro privado na execução do contrato, o que encontra alinhamento com a literatura sobre PPP (European Commission, 2003; World Bank, 2012).
7. Considerações finais
Com base no debate sobre a eficiência pública e privada na provisão de bens e serviços públicos, o presente estudo buscou investigar o comportamento das PPP utilizadas para a construção dos estádios utilizados na Copa do Mundo Fifa 2014, numa perspectiva comparada à provisão pública tradicional e à provisão estritamente privada. Nessa perspectiva, embora não possa ser considerada uma panaceia, pode-se inferir que os projetos de PPP adotados na provisão das novas arenas esportivas geraram um melhor value for money para a administração pública no que diz respeito aos indicadores analisados, destacando-se a celeridade e os menores custos quando comparados com a modalidade de provisão pública tradicional, o que pode ser justificado em função das estruturas de incentivos identificadas nos cinco contratos de PPP investigados.
Nesse contexto, os resultados do presente estudo contribuem para o crescente debate relacionado com as interações público-privadas em curso nas áreas de administração pública e estratégia em organizações (Mahoney, Mcgahan e Pitelis, 2009). Algumas implicações teóricas e práticas podem ser delineadas a partir da presente investigação. Mais especificamente, o exame das PPP em estádio de futebol no Brasil: pode contribuir como parte do aprendizado de agentes públicos e privados na estruturação e entrega de futuros projetos de PPP, ou seja, as experiências e competências acumuladas pelos atores envolvidos na estruturação de projetos no âmbito de estádios de futebol são passíveis de serem exploradas em outros serviços de utilidade pública, permitindo a geração de valor público (Kivleniece e Quelin, 2012). Além disso, as PPP aqui analisadas podem proporcionar spillover para outros projetos do setor público e privado por meio do acúmulo de competências idiossincráticas relacionadas com o gerenciamento de interações público-privadas (Cabral, Lazzarini e Azevedo, 2013).
No entanto, caso não sejam bem planejadas e elaboradas, com base no exame da experiência dos estádios de futebol, infere-se que as PPP podem potencialmente apresentar impactos negativos para a administração pública, destacando-se a possibilidade de: (1) alteração da estrutura ótima de financiamentos em função da criticidade do cronograma de prazo na implantação dos projetos, o que nos casos estudados é oriunda do rígido calendário da Copa do Mundo Fifa 2014 que influenciou negativamente os indicadores de value for money (prazo e custos) de alguns projetos; (2) maior assunção de riscos do projeto por parte do poder concedente em função do rígido calendário, deixando os governos numa posição desfavorável em termos de barganha junto aos parceiros privados; (3) maior endividamento público em função do baixo aporte de recursos financeiros privados em relação ao custo total das PPP; (4) aumento dos custos iniciais dos projetos em função da baixa concorrência nos processos licitatórios, o que implica a necessidade de melhorar as estruturas de incentivos para aumentar a atratividade das PPP na percepção da iniciativa privada; e (5) necessidade de construir competências no setor público para monitorar o comportamento e avaliar o desempenho efetivo das PPP. Futuros trabalhos focalizando experiências de PPP em outros setores podem verificar se as proposições anteriores são conformadas ou refutadas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Aug 2017
Histórico
-
Recebido
23 Dez 2015 -
Aceito
07 Out 2016