Open-access Possível interferência da antitoxina tetânica pré-existente, na vacinação antitetânica

Possible interference of pre-existing tetanus antitoxin in antitetanus immunization

Resumos

Estudou-se qual a possível interferência no desenvolvimento da imunidade antitetânica ativa em cobaias e camundongos, filhos de fêmeas vacinadas contra o tétano em diferentes épocas durante o período da prenhês. Verificou-se que a vacinação das fêmeas, em gestação não interferiu, negativamente, no desenvolvimento da imunidade ativa dos animais filhos, quando submetidos à vacinação ao redor de 60 dias após o nascimento. A presença de baixos níveis de anticorpos circulantes, recebidos congenitamente, parece ter, em determinadas condições, estimulado a resposta imunitária quando, posteriormente, os animais filhos foram vacinados contra o tétano. Sugere-se que o complexo antígeno-anticorpo formado seja capaz de melhorar a resposta imunitária induzida pelo toxóide.

Tétano; Antitoxina tetânica; Toxóide tetânico


Possibility of interference in the development of active antitetanic immunity was studied in the offspring of guinea pigs and mice whose mothers had received antitetanic vaccine during different periods of pregnancy. Vaccination of the females during pregnancy did not interfere negatively in the development of active immunity in their offspring when the latter were vaccinated about 60 days after birth. The presence of small amounts of circulating antibodies, congenitally received, seems, under certain conditions, to stimulate the immune response upon posterior vaccination against tetanus. This suggests that the acquired antigen-antibody complex heightens the immune response induced by the toxoid.

Tetanus; Tetanus antitoxin; Tetanus toxoid


ARTIGO ORIGINAL

Possível interferência da antitoxina tetânica pré-existente, na vacinação antitetânica

Possible interference of pre-existing tetanus antitoxin in antitetanus immunization

Rosalvo GuidolinI; Flávio ZelanteI; Elide H. G. Rocha MedeirosII; Paulo Roberto Vitali LacretaIII

IDo Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Ciência de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – Cidade Universitária – Caixa Postal 4365 – 01000 – São Paulo, SP – Brasil

IIDo Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina – Rua Botucatu, 720 – 04023 – São Paulo, SP – Brasil

IIIDo Departamento de Produção Biológica da Syntex do Brasil Indústria e Comércio Ltda. – Rua Maria Candida, 1813 – 02071 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

Estudou-se qual a possível interferência no desenvolvimento da imunidade antitetânica ativa em cobaias e camundongos, filhos de fêmeas vacinadas contra o tétano em diferentes épocas durante o período da prenhês. Verificou-se que a vacinação das fêmeas, em gestação não interferiu, negativamente, no desenvolvimento da imunidade ativa dos animais filhos, quando submetidos à vacinação ao redor de 60 dias após o nascimento. A presença de baixos níveis de anticorpos circulantes, recebidos congenitamente, parece ter, em determinadas condições, estimulado a resposta imunitária quando, posteriormente, os animais filhos foram vacinados contra o tétano. Sugere-se que o complexo antígeno-anticorpo formado seja capaz de melhorar a resposta imunitária induzida pelo toxóide.

Unitermos: Tétano, cobaias e camundongos. Antitoxina tetânica. Toxóide tetânico.

ABSTRACT

Possibility of interference in the development of active antitetanic immunity was studied in the offspring of guinea pigs and mice whose mothers had received antitetanic vaccine during different periods of pregnancy. Vaccination of the females during pregnancy did not interfere negatively in the development of active immunity in their offspring when the latter were vaccinated about 60 days after birth. The presence of small amounts of circulating antibodies, congenitally received, seems, under certain conditions, to stimulate the immune response upon posterior vaccination against tetanus. This suggests that the acquired antigen-antibody complex heightens the immune response induced by the toxoid.

Uniterms: Tetanus, guinea pigs and mice. Tetanus antitoxin. Tetanus toxoid.

INTRODUÇÃO

Quando da reinoculação de um antígeno, os anticorpos circulantes autógenos correspondentes irão, normalmente, inativá-lo total ou parcialmente. Todavia, Regamey 11 verificou que a administração simultânea de antitoxina tetânica heteróloga e toxóide tetânico raramente determina falhas na indução da imunidade ativa. No entanto, a antitoxina sendo homologa e adquirida passivamente, parece, segundo o autor, determinar uma inativação parcial do toxóide com mais freqüência.

Moloney 9, pelo contrário, acredita que o complexo antígeno-anticorpo formado com o anticorpo heterólogo ou mesmo homólogo, potencializaria a ação do toxóide.

Este fenômeno poderia estar condicionado a um aproveitamento imunogênico mais eficiente do antígeno. Sell e col.14, acreditam numa possível ação estimulante de anticorpos pré-existentes, em baixos títulos.

Moloney 9 sugere que a administração de 50 U de antitoxina tetânica homóloga, injetada em seqüência à primeira dose do toxóide, melhora os títulos de anticorpos autólogos.

Baseados nestas considerações, resolvemos verificar, experimentalmente, qual a possível interferência no desenvolvimento da imunidade antitetânica ativa em cobaias e camundongos, filhos de fêmeas vacinadas contra o tétano em diferentes épocas durante o período de prenhês.

MATERIAL E MÉTODOS

Toxóide tetânico *

Foi purificado pelo ácido tricloroacético 1 e adsorvido ao fosfato de alumínio 7, tendo sido testado, obedecendo aos requisitos da Farmacopéia Brasileira 4.

Animais

Cobaias – 64 fêmeas, nunca antes acasaladas, pesando 500 ± 50 g. Após o acasalamento, foram divididas em quatro grupos de 16 animais e inoculadas por via subcutânea com o toxóide tetânico, segundo o esquema seguinte:

Grupo I: 20 dias após o acasalamento receberam 1 ml do toxóide. O mesmo esquema foi repetido no 27° dia após a primeira dose.

Grupo II: 35 dias após o acasalamento receberam 1 ml do toxóide, seguindo-se o mesmo esquema no 13° dia após a primeira dose.

Grupo III: 50 dias após o acasalamento receberam 1 ml do toxóide e o mesmo esquema foi repetido no 7° dia após a primeira dose.

Grupo IV (controle): 16 fêmeas não vacinadas contra o tétano que foram simplesmente acasaladas e os seus filhos utilizados como controle.

Cobaias filhos

A média de filhotes por parto foi de dois, e foram aproveitados os filhos que nasceram até o 72° dia após o acasalamento. Ao 65° dia de idade, duas cobaias filhas de cada grupo foram sangradas por punção cardíaca, e a mistura de partes iguais de seus soros foi testada para pesquisa de anticorpos antitetânicos pelo método de Rosenau e Anderson 12. As cobaias filhas restantes, em número variável de um grupo para outro, entre 15 e 25 animais, receberam por via subcutânea, 1 ml do mesmo toxóide tetânico. No 30° dia após a vacinação, os animais ao redor de 400 g foram todos sangrados por punção cardíaca. Os seus soros foram misturados em partes iguais, respeitando-se os grupos pré-estabelecidos, e as misturas foram testadas quanto à presença de anticorpos antitetânicos 12.

Os filhos das fêmeas não vacinadas (grupo IV) foram submetidos ao mesmo tratamento anterior e testados da mesma forma.

Camundongos

Foram utilizadas 50 fêmeas adultas jovens, pesando 20 ± 2 g. Após o acasalamento, foram divididas em dois grupos de 25 animais e inoculadas, por via subcutânea, com 0,5 ml do toxóide, de acordo com o que se segue:

Grupo I: inoculados um dia após o acasalamento.

Grupo II: inoculados 10 dias após o acasalamento.

Grupo controle da atividade da toxina (GCT) – 5 filhos de mães não vacinadas, com 30, 44 e 49 dias de idade, também receberam 1 DMM camundongo de toxina tetânica por via subcutânea, a fim de ser comprovada a atividade tóxica.

Grupo controle da resposta imune (GCR) – 20 camundongos, com 60 dias de idade, filhos de mães não vacinadas, receberam por via subcutânea, 0,5 ml do toxóide. No 30° dia após a vacinação, os animais foram sangrados por punção cardíaca e, na mistura de partes iguais de seus soros, foram pesquisados anticorpos tetânicos 12.

RESULTADOS

Pelos resultados da Tabela 1, verifica-se que a vacinação das fêmeas durante o período de gestação não interferiu, negativamente, no desenvolvimento da imunidade ativa, induzida por uma dose de 1 ml do toxóide nas cobaias filhas, quando a vacina foi administrada 65 dias após o nascimento. Estes resultados parecem indicar, ainda, que a vacinação das fêmeas no período aproximadamente mediano da gestação seria capaz de melhorar o título antitóxico dos filhos submetidos à vacinação posterior.

Os dados constantes da Tabela 2 mostram que a vacinação dos camundongos fêmeas não interferiu, negativamente, com a capacidade produtora de anticorpos dos filhos quando submetidos à vacinação com o toxóide tetânico 60 dias após o nascimento. Pelo contrário, esta situação parece estimular o desenvolvimento da imunidade ativa dos camundongos filhos.

DISCUSSÃO

Na profilaxia do tétano, a aplicação da técnica de soro-vacinação é recomendada desde que certos princípios sejam obedecidos 2,3,5,8,10,13.

Alguns autores 9,11 mostraram variados graus de inibição da resposta antitetânica ativa com o emprego da soro-vacinação. No entanto, títulos protetores considerados satisfatórios são obtidos com a inoculação da segunda dose de toxóide. Apesar da existência de anticorpos autólogos, esta medida é sempre recomendada na profilaxia do tétano, principalmente quando da aplicação do soro simultaneamente. Nestas condições, os anticorpos antitetânicos adquiridos congenitamente, segundo as nossas presentes observações, parecem não interferirem no desenvolvimento da imunidade ativa induzida posteriormente pelo toxóide tetânico.

Por outro lado, deve ser destacado em nossos resultados que tanto cobaias como camundongos, filhos de mães vacinadas contra o tétano, em determinadas fases da gestação, quando inoculados com o toxóide tetânico, apresentaram títulos de anticorpos específicos iguais ou mais elevados, se comparados com aqueles obtidos pela inoculação do mesmo antígeno em animais controles, filhos de mães não vacinadas. Nestas espécies de roedores, como também no homem 6, ocorre a passagem de IgG transplacentária conferindo ao recém-nascido anticorpos antitetânicos circulantes em níveis considerados protetores, durante algum tempo.

Quando a vacinação das cobaias fêmeas foi realizada na fase intermediária da gestação – vacinação primária no 35° dia da gestação e a dose de reforço no 48° dia – apresentou resultados mais satisfatórios. Os filhos destas fêmeas, quando vacinados no 65° dia após o nascimento (período em que o título de anticorpos circulantes era igual ou menor que 0,001 U), apresentam título médio praticamente duas vezes superior àqueles apresentados pelos controles.

Quanto aos camundongos, um fenômeno semelhante foi também observado, isto é, os filhos de mães vacinadas responderam melhor ao estímulo imunogênico induzido pelo toxóide. No entanto, quer nos parecer não ter havido uma variação semelhante aquela observada nas cobaias. Todavia, deve ser destacado que as fêmeas receberam apenas uma dose de toxóide tetânico.

A explicação do fenômeno pareceu-nos estar contida no trabalho de Sell e col.14 que afirmaram que a ocorrência de uma resposta imune mais elevada, particularmente quando se trata de antígenos solúveis, estaria condicionada à presença de anticorpos remanescentes devidos à resposta primária. Estes anticorpos formariam um complexo com o antígeno reintroduzido, potencializando a sua ação.

Especificamente para o tétano, a observação de Moloney 9 em humanos, mostrou que a inoculação de 50 U de antitoxina tetânica homóloga foi capaz de melhorar a resposta imunitária induzida pelo toxóide.

A técnica por nós utilizada, embora não nos habilitando a comprovar ausência de anticorpos circulantes de origem materna nas cobaias filhas, mostrou serem eles inferiores a 0,001 U; mesmo assim, seriam suficientes para a formação do complexo antígeno-anticorpo 14.

Fato semelhante parece ter ocorrido com os camundongos pois, com exceção dos filhos de mães vacinadas, no 10° dia após o acasalamento e no 30° dia após a administração do toxóide (Tabela 2), os demais animais não resistiram à intoxicação determinada pela inoculação de 1 DMM de toxina tetânica.

Recebido para publicação em 31/10/1980

Aprovado para publicação em 08/12/1980

Referências bibliográficas

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  • *
    Preparado pela Syntex do Brasil Ind. e Com. Ltda.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 1981

    Histórico

    • Aceito
      08 Dez 1980
    • Recebido
      31 Out 1980
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