Resumos
Foram determinados os níveis de metemoglobina em 116 crianças (idade média de 15 meses) do Estado de São Paulo (Brasil). Dois grupos foram formados: Grupo 1, por 92 crianças que consumiam água com teores de nitrato inferiores ao limite de 10 mg N/litro; e Grupo 2, por 24 crianças que bebiam água de poço com níveis de nitratos superiores ao permitido. A metemoglobinemia média do Grupo 1 (0,56%) mostrou-se estatisticamente diferente e inferior (alfa = 0,05) à do Grupo 2 (0,76%).
Metemoglobinemia; Nitratos; Água
Methemoglobin levels were determined in the blood samples of 116 children (average age, 15 months) living in the State of S. Paulo (Brazil). Blood from two groups was analyzed: Group 1 was formed by 92 children who drank water with nitrate levels below 10 mg N/liter; whereas Group 2 was formed by 24 children who drank well water with nitrate above the level permitted. The methemoglobin average for Group 1 (0.56%) was statistically different and less that for Group 2 (0.76%).
Methemoglobin; Nitrates; Water
ARTIGO ORIGINAL
Metemoglobinemia e nitrato nas águas
Methemoglobin and nitrate levels in drinking water
Nilda Gallego Gándara de Fernícola; Fausto Antonio de Azevedo
Da Divisão de Toxocologia e Ecotoxicologia da CETESB
RESUMO
Foram determinados os níveis de metemoglobina em 116 crianças (idade média de 15 meses) do Estado de São Paulo (Brasil). Dois grupos foram formados: Grupo 1, por 92 crianças que consumiam água com teores de nitrato inferiores ao limite de 10 mg N/litro; e Grupo 2, por 24 crianças que bebiam água de poço com níveis de nitratos superiores ao permitido. A metemoglobinemia média do Grupo 1 (0,56%) mostrou-se estatisticamente diferente e inferior (a = 0,05) à do Grupo 2 (0,76%).
Unitermos: Metemoglobinemia. Nitratos. Água.
ABSTRACT
Methemoglobin levels were determined in the blood samples of 116 children (average age, 15 months) living in the State of S. Paulo (Brazil). Blood from two groups was analyzed: Group 1 was formed by 92 children who drank water with nitrate levels below 10 mg N/liter; whereas Group 2 was formed by 24 children who drank well water with nitrate above the level permitted. The methemoglobin average for Group 1 (0.56%) was statistically different and less that for Group 2 (0.76%).
Uniterms: Methemoglobin. Nitrates. Water.
INTRODUÇÃO
A função biológica da hemoglobina é o transporte do oxigênio aos tecidos. Na sua molécula existem quatro átomos de ferro no estado de oxidação 2+. Sua forma oxidada (Fe 3+) é a metemoglobina, um pigmento de côr marron-esverdeada, que não transporta oxigênio. Portanto, a presença de metemoglobina em quantidades elevadas é incompatível com a vida.
Os eritrócitos contêm normalmente pequenas quantidades de metemoglobina, resultantes da oxidação espontânea. Por isso, eles dispõem de dois sistemas enzimáticos que reduzem a metemoglobina à hemoglobina 6: diaforase I (que utiliza NADH como coenzima) e diaforase II (que usa NADPH como coenzima).
Há um grande número de substâncias capazes de produzir a metemoglobina 2, entre as quais: nitritos, cloratos, fenacetina, acetanilida, sulfanilamida, nitrobenzeno, quinonas, anilina e corantes diversos 6.
As crianças pequenas são mais susceptíveis que os adultos à formação de metemoglobina, devido a fatores como: (a) sua ingestão total de líquidos por kg de peso corporal é cerca de 3 vezes maior que a do adulto 12; (b) a secreção gástrica ácida é incompleta e faz com que o pH estomacal fique entre 5 e 7, o que permite a adaptação de bactérias redutoras de à parte alta do trato gastrintestinal 12 e assim o nitrito resultante é absorvido; (c) a hemoglobina fetal (hemoglobina F) é mais facilmente convertida à metemoglobina do que a adulta (hemoglobina A) e as crianças pequenas têm consideráveis quantidades da hemoglobina F; (d) as crianças menores, por deficiência de algumas enzimas, têm maior dificuldade para reduzir a metemoglobina.
Vários casos fatais de metemoglobinemia já foram verificados com crianças de menos de 6 meses, que beberam água de poço com alto conteúdo de nitrato 8.
O mecanismo bioquímico de oxidação da hemoglobina pelo nitrito não está ainda totalmente esclarecido 6. Provavelmente ocorra a passagem do nitrito a nitrato, juntamente com transformação da oxiemoglobina em hidróxido de metemoglobina e redução da água, conforme a equação:
A concentração fatal de metemoglobina é da ordem de 70%. A níveis inferiores de 50% os sinais e sintomas de anóxia podem ser observados 6.
As variáveis envolvidas no desenvolvimento dos casos de metemoglobinemia infantil são de 3 tipos: as que condicionam a quantidade de nitrato ingerida; as que influem na redução bacteriana de a ; e as que implicam no equilíbrio bioquímico entre hemoglobina e metemoglobina.
Do ponto de vista prático, as medidas preventivas dirigem-se ao controle das doses de , principalmente na água de beber. A elevação dos teores de nitratos nas águas subterrâneas indica, fundamentalmente, a influência de fatores externos como: esgotos domésticos (fossas, etc.), lixo, fertilizantes agrícolas ou despejos industriais 11.
A OMS 9 recomendou como aceitável, para a Europa, a faixa de 50 100 mg /litro de água de beber, mas colocou como padrão o valor de 50 mg /L, equivalente a 11,3 mg de nitrogênio/L. No Brasil, a Portaria n° 13, de 15.01.76, do Ministério do Interior, fixou em 10 mg N/L o padrão de nitratos para água bruta. O Decreto Federal n° 79.397, de 09.03.77, e a Portaria n° 56, de 14.03.77, do Ministério da Saúde, estabeleceram em 10 mg N/L o padrão de nitratos para água tratada 11.
Campbell 3, já em 1952, faz menção a vários casos de metemoglobinemia infantil, em diversas partes do mundo, atribuídos à ingestão de águas com nitratos. Lee 8, em sua revisão, relaciona a metemoglobina, principalmente em crianças, à presença de nitratos e nitritos em alimentos e água de beber.
Para crianças com até 3 meses, uma dose diária de 10 a 15 mg /kg pode produzir metemoglobinemia acima dos valores normais 12. Tal dose pode ser conseguida quando as crianças recebem leite em pó preparado com água que contém 50 mg /L e fervida por longo tempo. O problema pode ser agravado com a administração de vegetais ricos em nitratos 4,12.
Cerca de 15% da quantidade de água fornecida às populações do Estado de São Paulo pelos sistemas municipais provêm de poços profundos. Praticamente metade da população, tanto nas comunidades rurais como urbana, serve-se de poços rasos para obtenção de água 10. Considerando estes dados e mais o aumento contínuo da poluição, o risco para a Saúde Pública tem crescido, constituindo-se atualmente num fato que precisa ser avaliado 10. A possível poluição por nitratos se enquadra perfeitamente neste painel.
O objetivo deste trabalho foi de estudar os níveis de metemoglobinemia em crianças de até 2 anos que consumiam água de poço com teores de nitratos superiores ao limite de 10 mg N/L 10 e compará-los com aqueles de crianças nas mesmas condições, mas que consumiam água com as concentrações de nitratos dentro do padrão referido.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostras de águas de poço de distintas regiões do Estado de São Paulo (Fig. 1) foram colhidas em frascos plásticos com ácido sulfúrico como conservante e as concentrações de nitratos determinadas conforme técnica da American Public Health Association 1.
A população infantil estudada foi dividida em dois grupos:
Grupo 1 92 crianças brancas, sem qualquer manifestação de doença na ocasião da coleta, de até 2 anos de idade, consumidoras de água com teores de nitratos inferiores ao limite de 10 mg N/L.
Grupo 2 24 crianças brancas, sem qualquer manifestação de doença na ocasião da coleta, de até 2 anos de idade, consumidoras de águas de poço com níveis de nitratos superiores ao permitido, conforme revelaram as análises prévias.
A metemoglobina foi determinada nas amostras de sangue, segundo a técnica de Hegesh e col.7.
RESULTADOS
Na Tabela 1 são apresentadas as concentrações de nitratos nas águas de poço colhidas em diferentes localidades do Estado de São Paulo.
Na Tabela 2 são fornecidas as metemoglobinemias médias dos dois grupos de crianças estudadas.
DISCUSSÃO
Foram determinadas as concentrações de nitratos em 110 amostras de águas de poço, das quais 23 superaram o limite de 10 mg N/L (Tabela 1). A incidência não muito elevada (21%) de amostras que excederam o padrão faz supor que a poluição das águas de poços por nitratos não constitui um problema tão freqüente na região da Grande São Paulo.
A técnica de Hegesh e col.7 utilizada, é uma modificação da de Evelyn e Malloy 5. A estabilidade conseguida na conservação da amostra (por período de até 24 horas) e a alta precisão fazem com que esta técnica seja capaz de detectar pequenos aumentos dos níveis de metemoglobina.
A metemoglobinemia média encontrada no Grupo 2 é superior e estatisticamente diferente (ao nível de a = 0,05) daquela do Grupo 1 ("t" calculado = 2,228; "t" crítico = 1,98).
Shuval e Gruener 11 analisaram amostras de sangue de 2.473 crianças de áreas com águas de elevado conteúdo médio de nitrato (50 90 mg/L) e não encontraram diferença em relação àquelas de regiões com águas de baixo nível de nitratos (5 mg/L). A explicação sugerida pelos autores foi que apenas pequena porcentagem das crianças (6%) consumiam apreciável quantidade de água, usada na preparação do leite em pó. As restantes ou eram alimentadas pelas mães, ou consumiam leite de vaca. Por outro lado, a 87% das crianças eram administrados alimentos ricos em vitamina C, sucos cítricos ou tomates, que atuam como redutores da metemoglobina.
No nosso trabalho, 66% das crianças do Grupo 1 ingeriam suco de laranja diariamente.
CONCLUSÕES
1. É de grande importância o conhecimento dos teores de nitratos das águas consumidas pela população. Como ficou bem evidenciado na execução deste trabalho, grande parte da população do Estado de São Paulo serve-se de águas de poços a respeito das quais inexistem informações, o que pode representar potencialmente um grande risco para a população.
2. Foi encontrada uma diferença estatisticamente significante (a nível de a = 0,05) entre a metemoglobinemia média (0,56%) do Grupo 1 (crianças que consomem águas com nitratos abaixo do limite de 10 mg N/L) e a metemoglobinemia média (0,76%) do Grupo 2 (crianças que consomem águas de poços com nitratos acima do limite). Apesar de mais elevados, os níveis de metemoglobinemia das crianças constituintes do Grupo 2 não representam problema para a saúde, já que se encontram na faixa de valores considerados normais. Mesmo assim deve-se enfatizar a prevenção da poluição das águas por nitratos, pois seu aumento fatalmente ocasionará problemas para a saúde pública, principalmente levando-se em consideração o desvio padrão bem mais elevado do Grupo 2, indicativo de uma maior proporção de valores extremos.
3. A média da metemoglobinemia do Grupo 1 (0,56%; n = 92) poderá ser uma informação de grande utilidade para trabalhos posteriores e parece ser, entre nós, o primeiro registro desse tipo até agora feito.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a colaboração da Fundação de Assistência à Infância de Santo André (FAISA), em São Paulo, em nome da sua Superintendente, Dra. Maria Aparecida Sampaio Zacchi, na coleta das amostras do presente trabalho e à técnica química Cláudia Benincasa pela execução das análises.
Recebido para publicação em 08/09/1980
Aprovado para publicação em 08/12/1980
Trabalho realizado na Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB). Diretoria de Tecnologia e Desenvolvimento Av. Prof. Frederico Hermann Jr., 345 05459 São Paulo, SP Brasil
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Nov 2005 -
Data do Fascículo
Abr 1981
Histórico
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Aceito
08 Dez 1980 -
Recebido
08 Set 1980