Resumos
OBJETIVO: Desenvolver e testar um instrumento para avaliação do nível de conhecimento do paciente sobre a prescrição de medicamentos. MÉTODOS: O estudo foi realizado com usuários cadastrados nas Unidades de Estratégia de Saúde da Família de Santa Cruz do Sul, RS, recrutados por amostragem consecutiva. Foram considerados nome do medicamento, indicação terapêutica, dose, horários de administração, forma de utilização, duração do tratamento, atitude no caso de esquecimento de doses, possíveis efeitos adversos e interações. Cada item da escala foi ponderado segundo importância para a utilização segura do medicamento prescrito. O questionário foi testado por meio de entrevistas com os usuários em 2006 e pela análise de 320 prescrições. Foram calculadas estatísticas descritivas, razões de prevalências e qui-quadrado para variáveis categóricas e teste de Tukey para comparação de médias. RESULTADOS: O nível de conhecimento da terapia medicamentosa foi considerado bom para 11,3% dos entrevistados, regular para 42,5% e insuficiente para 46,3%. Os maiores níveis de conhecimento foram observados nos horários de administração, indicação terapêutica e duração do tratamento. Os menores níveis ocorreram em dose, efeitos adversos e o que fazer no caso de esquecimento de uma ou mais doses do medicamento. CONCLUSÕES: O instrumento proposto permitiu examinar a magnitude da lacuna existente entre o que o paciente deve saber e o que ele realmente sabe sobre seus medicamentos. Assim, é possível detectar focos de prevenção, educação e acompanhamento para evitar problemas relacionados à utilização não segura dos medicamentos.
Pacientes; Conhecimentos; Atitudes e Prática em Saúde; Prescrições de Medicamentos; Atenção Primária à Saúde; Questionários
OBJETIVO: Desarrollar y testar un instrumento para evaluación del nivel de conocimiento del paciente sobre prescripción de medicamentos. MÉTODOS: El estudio fue realizado con usuarios catastrados en las Unidades de Estrategia de Salud de la Familia de Santa Cruz do Sul, Sur de Brasil, reclutados por muestreo consecutivo. Se consideraron nombre del medicamento, indicación terapéutica, dosis, horarios de administración, forma de utilización, duración del tratamiento, actitud en el caso de olvido de dosis, posibles efectos adversos e interacciones. Cada ítem de la escala fue ponderado según importancia para la utilización segura del medicamento prescripto. El cuestionario fue testado por medio de entrevista en los usuarios en 2006 y análisis de 320 prescripciones. Se hicieron cálculos estadísticos descriptivos, tasas de prevalencias y chi-cuadrado para variables categóricas y prueba de Tukey para comparación de promedios. RESULTADOS: El nivel de conocimiento de la terapia medicamentosa fue considerado bueno para 11,3% de los entrevistados, regular para 42,5% e insuficiente para 46,3%. Los mayores niveles de conocimiento fueron observados en los horarios de administración, indicación terapéutica y duración del tratamiento. Los menores niveles ocurrieron en dosis, efectos adversos y qué hacer en caso de olvido de una o más dosis del medicamento. CONCLUSIONES: El instrumento propuesto permitió examinar la magnitud de la laguna existente entre lo que el paciente debe saber y lo que él realmente sabe sobre sus medicamentos. Así, se pudo detectar focos de prevención, educación y acompañamiento para evitarse problemas relacionados con la utilización no segura de los medicamentos.
Pacientes; Conocimientos; Actitudes y Práctica en Salud; Prescripciones de Medicamentos; Atención Primaria de Salud; Cuestionario
OBJECTIVE: To develop and test an instrument to evaluate patients' level of knowledge about drug prescription. METHODS: This study was conducted with users registered with the Family Health Strategy clinics of the city of Santa Cruz do Sul, Southern Brazil, selected by consecutive sampling. Name of the medication, therapeutic indication, drug dosage, times of administration, forms of use, duration of treatment, attitude when doses are missed, possible adverse effects and interactions were included in this study. Each item of the scale was weighted, according to the importance for safe prescribed drug use. The questionnaire was tested by applying an interview to users in 2006 and by analyzing 320 prescriptions. Descriptive statistics, prevalence ratios and chi-square test were calculated for categorical variables and the Tukey test was calculated to compare means. RESULTS: The level of knowledge about drug therapy was considered good in 11.3% of participants, fair in 42.5%, and insufficient in 46.3%. The highest levels of knowledge were observed in times of administration, therapeutic indication and duration of treatment. The lowest levels occurred in drug dosage, adverse effects and attitude when one or more drug doses are missed. CONCLUSIONS: The proposed instrument enabled the analysis of the magnitude of the gap existing between what the patients must know and what they actually know about their medications. Thus, key aspects of prevention, education and follow-up can be detected to avoid problems associated with unsafe drug use.
Patients; Health Knowledge; Attitudes, Practice; Drug Prescriptions; Primary Health Care; Questionnaires
ARTIGOS ORIGINAIS
Instrumento para avaliação do nível de conhecimento da prescrição na atenção primária
Instrumento para evaluación del nivel de conocimiento de la prescripción en la atención primaria
Samanta Etges FröhlichI; Tatiane da Silva Dal PizzolII; Sotero Serrate MengueII
IPrograma de Pós-Graduação em Epidemiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil
IIDepartamento de Medicina Social. UFRGS. Porto Alegre, RS, Brasil
Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Samanta Etges Fröhlich R. Visconde do Herval, 556 Apt. 304 Menino Deus 90130-150 Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: sasafras@terra.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Desenvolver e testar um instrumento para avaliação do nível de conhecimento do paciente sobre a prescrição de medicamentos.
MÉTODOS: O estudo foi realizado com usuários cadastrados nas Unidades de Estratégia de Saúde da Família de Santa Cruz do Sul, RS, recrutados por amostragem consecutiva. Foram considerados nome do medicamento, indicação terapêutica, dose, horários de administração, forma de utilização, duração do tratamento, atitude no caso de esquecimento de doses, possíveis efeitos adversos e interações. Cada item da escala foi ponderado segundo importância para a utilização segura do medicamento prescrito. O questionário foi testado por meio de entrevistas com os usuários em 2006 e pela análise de 320 prescrições. Foram calculadas estatísticas descritivas, razões de prevalências e qui-quadrado para variáveis categóricas e teste de Tukey para comparação de médias.
RESULTADOS: O nível de conhecimento da terapia medicamentosa foi considerado bom para 11,3% dos entrevistados, regular para 42,5% e insuficiente para 46,3%. Os maiores níveis de conhecimento foram observados nos horários de administração, indicação terapêutica e duração do tratamento. Os menores níveis ocorreram em dose, efeitos adversos e o que fazer no caso de esquecimento de uma ou mais doses do medicamento.
CONCLUSÕES: O instrumento proposto permitiu examinar a magnitude da lacuna existente entre o que o paciente deve saber e o que ele realmente sabe sobre seus medicamentos. Assim, é possível detectar focos de prevenção, educação e acompanhamento para evitar problemas relacionados à utilização não segura dos medicamentos.
Descritores: Pacientes. Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde. Prescrições de Medicamentos. Atenção Primária à Saúde. Questionários.
RESUMEN
OBJETIVO: Desarrollar y testar un instrumento para evaluación del nivel de conocimiento del paciente sobre prescripción de medicamentos.
MÉTODOS: El estudio fue realizado con usuarios catastrados en las Unidades de Estrategia de Salud de la Familia de Santa Cruz do Sul, Sur de Brasil, reclutados por muestreo consecutivo. Se consideraron nombre del medicamento, indicación terapéutica, dosis, horarios de administración, forma de utilización, duración del tratamiento, actitud en el caso de olvido de dosis, posibles efectos adversos e interacciones. Cada ítem de la escala fue ponderado según importancia para la utilización segura del medicamento prescripto. El cuestionario fue testado por medio de entrevista en los usuarios en 2006 y análisis de 320 prescripciones. Se hicieron cálculos estadísticos descriptivos, tasas de prevalencias y chi-cuadrado para variables categóricas y prueba de Tukey para comparación de promedios.
RESULTADOS: El nivel de conocimiento de la terapia medicamentosa fue considerado bueno para 11,3% de los entrevistados, regular para 42,5% e insuficiente para 46,3%. Los mayores niveles de conocimiento fueron observados en los horarios de administración, indicación terapéutica y duración del tratamiento. Los menores niveles ocurrieron en dosis, efectos adversos y qué hacer en caso de olvido de una o más dosis del medicamento.
CONCLUSIONES: El instrumento propuesto permitió examinar la magnitud de la laguna existente entre lo que el paciente debe saber y lo que él realmente sabe sobre sus medicamentos. Así, se pudo detectar focos de prevención, educación y acompañamiento para evitarse problemas relacionados con la utilización no segura de los medicamentos.
Descriptores: Pacientes. Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud. Prescripciones de Medicamentos. Atención Primaria de Salud. Cuestionario.
INTRODUÇÃO
No Brasil há dificuldade na obtenção de medicamentos, subutilização de classes terapêuticas específicas e consumo irracional de novidades farmacêuticas.14 Somam-se a isso distorções de elementos que compõem a cadeia medicamentosa e o uso inadequado de medicamentos.13 O cumprimento da prescrição de medicamentos é parte integrante da assistência clínica de qualidade e objeto para avaliação e melhora.4 Esse cumprimento está relacionado ao nível de informação do paciente em relação à sua terapêutica.5,15 O conhecimento do paciente sobre a prescrição pode refletir a comunicação entre médico e paciente, as diferenças culturais e de linguagem existentes entre eles.
As informações ao paciente devem ser fornecidas preferencialmente por escrito, pois ele pode esquecê-las ou não entendê-las adequadamente, o que dificultaria o cumprimento da terapêutica.16 Estudos mostram que essas informações incluem: nome do genérico ou fantasia do medicamento, indicação, dose, horários e modo de administração, duração do tratamento, o que fazer em caso de esquecimento de uma ou mais doses, possíveis interações com alimentos ou outros medicamentos, efeitos adversos significativos, riscos de dependência e armazenamento correto.1,7,20,21,a
A não-compreensão da prescrição pode decorrer da falta de informações17 ou da falha na interpretação e na leitura, ou por experiências passadas do paciente com relação ao medicamento.11 Dúvidas em relação à prescrição podem fazer com que o indivíduo sinta-se desmotivado, altere-a segundo seus critérios ou deixe de realizá-la. Além do diagnóstico correto e da prescrição adequada, o paciente deve possuir informações necessárias para utilizar os medicamentos conforme a intenção do profissional, operacionalizada por meio de receita médica.6
Recomenda-se que o paciente receba informações sobre a identidade do medicamento (nome genérico e fantasia), a indicação terapêutica, a administração (dose, horários de administração, modo de administração), a duração do tratamento, efeitos adversos importantes e precauções, entre outros.1,21,a a German Foundation for International Development. Report of the 1o International Seminar on Improving Acess to Drug Information in Developing Countries; Berlin, Germany; 1995.
Visando identificar a lacuna que pode representar a diferença entre a utilização segura do medicamento e a não-adesão ao tratamento, o objetivo do presente estudo foi desenvolver e testar um instrumento para a avaliação do nível de conhecimento da prescrição pelo paciente na atenção primária.
MÉTODOS
Uma revisão de literatura foi realizada para o desenvolvimento da ferramenta de avaliação do nível de conhecimento da prescrição de medicamentos por parte dos pacientes.
Elaborou-se um questionário com vista a um modelo empírico fundamentado em um modelo teórico, conforme proposto por Presser et al12 (2004) (Anexo Anexo ). Esse instrumento foi aplicado por estudantes de Farmácia previamente treinados em entrevistas face a face.
Os sujeitos do estudo foram usuários cadastrados nas Unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil. O município era servido por oito unidades de ESF, em diferentes bairros, que atendiam 8.149 famílias e 28.863 usuários até setembro de 2006 (24,1% da população total).b b Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Sul. Secretaria Municipal da Saúde. Plano Municipal de Saúde de 2006. Santa Cruz do Sul; 2006[cited 2006 Sep 15]. Availale from: http://www.pmscs.rs.gov.br/index.php?acao=areas&areas_id=17 A educação em saúde era realizada nos atendimentos de grupos que englobam pacientes hipertensos, diabéticos, gestantes, mães de crianças com baixo peso, além dos programas de saúde da mulher, saúde da criança, adolescentes, alcoolistas, terceira idade e planejamento familiar.b b Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Sul. Secretaria Municipal da Saúde. Plano Municipal de Saúde de 2006. Santa Cruz do Sul; 2006[cited 2006 Sep 15]. Availale from: http://www.pmscs.rs.gov.br/index.php?acao=areas&areas_id=17
O estudo incluiu pessoas com as seguintes características: ter acima de 18 anos, aceitar fazer parte do estudo, ser capaz de se comunicar adequadamente, ter utilizado um dos serviços médicos do ESF no período da coleta de dados e ter recebido uma prescrição médica a cumprir. Por meio de amostragem consecutiva, foram entrevistados os usuários que atendiam aos critérios de inclusão e que se encontravam disponíveis após a consulta.
As respostas das questões foram transcritas e comparadas com a prescrição médica. Os itens não expressos na prescrição (indicação terapêutica, o que fazer no esquecimento de doses, efeitos adversos e interações) foram baseados na publicação da United States Pharmacopeia Drug Information (USP DI).19 As respostas dos entrevistados foram classificadas de acordo com o nível de coincidência com a prescrição e nessa publicação19 em: 1) não sabe, 2) acha que sabe (resposta errada) e 3) sabe.
O nome do medicamento foi considerado certo quando pronunciado corretamente ou de forma semelhante ao nome genérico ou fantasia de qualquer produto comercializado no Brasil com a substância ativa em questão. A indicação terapêutica foi avaliada como adequada quando havia concordância com a classe terapêutica do medicamento (diferenças entre terminologia técnica e popular não foram consideradas). A dose foi considerada correta quando ocorria concordância entre a resposta do paciente e a quantidade a ser administrada em cada horário. Além das unidades do Sistema Internacional, as respostas em unidades de dosificação, por exemplo, "um comprimido", foram classificadas como certas. Os horários, modo de administração e duração do tratamento (concordância entre a resposta do paciente e o caráter agudo ou crônico do tratamento prescrito) foram analisados na prescrição e, na ausência de informações nessas fontes, na literatura farmacológica.17 Para os itens não expressos na prescrição, foram consideradas corretas as respostas em que ocorria pelo menos um efeito adverso do medicamento e qualquer cuidado adequado relatado quanto ao esquecimento de doses e interação com alimento e/ou medicamentos.
A interpretação da existência de concordância entre as respostas dos pacientes e as informações presentes na prescrição e nas monografias dos medicamentos foi feita independentemente por dois revisores. Em casos de discordância, um terceiro revisor foi consultado.
A escala foi construída de forma a ponderar cada item de acordo com a importância para a utilização segura do medicamento. Os itens indispensáveis para o paciente identificar e administrar o medicamento receberam maior pontuação. Foram atribuídos dois pontos se o usuário realmente soubesse responder o nome do medicamento, a dose, a forma de administração e a freqüência da administração. As informações não diretamente relacionadas com a administração do medicamento, mas que poderiam ser importantes para a adesão ao tratamento, receberam menor pontuação. Foi atribuído um ponto se o usuário soubesse responder a indicação terapêutica, a duração do tratamento, algum efeito adverso, alguma interação com alimentos ou outros medicamentos e o que fazer no caso de esquecimento de uma ou mais doses. O nível de conhecimento da prescrição de medicamentos foi obtido somando-se os acertos e considerando os pesos {fórmula matemática: escore = [q1 + q3 + q4 + q6 (x2)] + (q2 + q5 + q7 + q8 + q9)}.
Foram atribuídos pontos de corte com base em estudos similares,7,16,20 e o paciente foi classificado em uma das seguintes situações:
-
menos de oito pontos: nível insuficiente (o usuário não tem condições de utilizar o medicamento com segurança);
-
de oito a dez pontos: nível regular (o usuário tem condições de usar o medicamento de forma segura em ausência de intercorrências);
-
11 pontos ou mais: nível bom (o usuário apresenta condições de utilizar o medicamento de forma segura sob qualquer circunstância).
O nível bom, correspondente a no mínimo 11 pontos, implicava acerto de pelo menos três questões fundamentais e de todas as demais, ou de todas as questões fundamentais e pelo menos três secundárias. Os demais níveis foram criados com o mesmo fundamento. O nível insuficiente correspondeu a menos da metade dos itens fundamentais e dos itens secundários.
A complexidade da prescrição foi avaliada por um método desenvolvido e validado por George et al3 (2004) com base na forma farmacêutica, freqüência de dosagem e informações adicionais da prescrição de medicamentos.
A relação entre o nível de conhecimento e a complexidade da prescrição foi dada pela dicotomização do nível de conhecimento em baixo (menos de oito pontos) e alto (de oito a 13 pontos). A complexidade da prescrição também foi dicotomizada em baixa (até sete pontos pela escala de George et al3) e alta (acima de sete pontos). Calculou-se a prevalência do alto nível de conhecimento para prescrições de alta e de baixa complexidade e obteve-se a razão de prevalência entre elas.
Foi realizada análise da associação entre nível de conhecimento da prescrição e a escolaridade utilizando o teste do qui-quadrado de Pearson. As variáveis nível de conhecimento e escolaridade foram dicotomizadas em: baixo (menos de oito pontos) e alto (de oito a 13 pontos) e baixa (Ensino Fundamental incompleto) e alta (a partir de Ensino Fundamental completo), respectivamente.
O teste de Tukey foi utilizado para comparar as médias do nível de conhecimento para as principais classes de medicamentos prescritos.
As análises estatísticas descritivas e explanatórias foram realizadas no SPSS 13.0. Foram estimadas freqüências, médias, desvio-padrão, prevalências, razões de prevalências e qui-quadrado para variáveis categóricas e teste de Tukey para comparar diferentes médias.
O estudo foi aprovado pela Secretaria de Saúde de Santa Cruz do Sul (ofício 530/SMS/2005/PF) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (número 2005450). Os usuários participaram deste estudo mediante leitura e assinatura do Termo de Consentimento Informado.
RESULTADOS
Do total de 383 usuários abordados, 47 não aceitaram participar do estudo (12%). Dos 336 que responderam ao questionário, 320 (95%) mostraram a prescrição médica.
Trata-se de população jovem, com alta prevalência de mulheres, da cor branca e que viviam em companhia do cônjuge. O nível socioeconômico da amostra era baixo, representado pela baixa escolaridade e renda (Tabela 1).
Mais da metade (59,7%) dos entrevistados afirmou ter usado o medicamento anteriormente. Os horários de administração, indicação terapêutica e duração do tratamento foram considerados pouco deficientes de informação (Tabela 2). Praticamente metade da população apresentava dúvidas com relação ao nome do medicamento e a como utilizá-lo. A dose a utilizar, os possíveis efeitos adversos, as interações e o que fazer ao se esquecer de tomar uma ou mais doses foram as informações mais deficientes. Dos 16,2% pacientes que acertaram a resposta sobre os efeitos adversos do medicamento prescrito, 65,4% apresentaram o efeito em questão.
Na classificação do nível de conhecimento do primeiro medicamento da prescrição recebida, 11,3% entrevistados apresentaram nível bom, 42,5% regular e 46,3% insuficiente. A média do nível de conhecimento foi insuficiente (7,5 pontos; DP = 2,6). Para os pacientes que utilizaram o medicamento anteriormente, 12,2% obtiveram nível bom de conhecimento da prescrição, 48,2%, regular e 39,6%, insuficiente. Para os pacientes que nunca tinham utilizado o medicamento prescrito, 8,6% apresentaram nível bom, 31,0% regular e 60,4% insuficiente.
Entre os usuários, 72,0% responderam que não necessitavam de mais informações para realizar o tratamento. Dos 28,0% que admitiram desejar mais informações, 94,7% queriam saber sobre as interações; 92,6% sobre efeitos adversos; 90,4% sobre duração do tratamento; e 87,2%, sobre como tomar o medicamento.
O teste qui-quadrado indicou associação entre nível de conhecimento da prescrição e escolaridade (X2 = 0,79, p = 0,04), em que baixa escolaridade esteve associada com baixo conhecimento da prescrição.
Entre as prescrições mais complexas (acima de sete pontos), 49,6% dos usuários possuíam alto nível de conhecimento. Entre as menos complexas (até sete pontos), 64,2% apresentaram alto nível de conhecimento. A razão de prevalências entre esses valores foi de 0,77 (IC95%: 0,61;0,97): usuários com prescrições mais complexas têm probabilidade 23% menor de apresentar alto nível de conhecimento do que os indivíduos com prescrições menos complexas.
A média do nível de conhecimento dos usuários, por classe terapêutica de medicamentos, é apresentada na Tabela 3. A comparação das médias do nível de conhecimento para as principais classes terapêuticas foi realizada pelo teste de Tukey (Tabela 4). Os resultados expressam diferença estatisticamente significativa entre os níveis de conhecimento de medicamentos de uso contínuo e os de uso eventual.
DISCUSSÃO
Foi proposto um instrumento para a avaliação do nível de conhecimento da prescrição de medicamentos por usuários das unidades de ESF. Uma escala ponderada por item foi construída de acordo com a importância para a utilização segura do medicamento.
A alta prevalência de mulheres entrevistadas pode decorrer do fato de serem mais atentas aos sinais e sintomas de uma doença e possuírem maior iniciativa em procurar serviços médicos. Os homens podem utilizar menos os serviços do ESF do que as mulheres por estarem inseridos em maior grau na população economicamente ativa, uma vez que a maioria da população feminina entrevistada era dona de casa. Percebe-se o baixo nível socioeconômico da amostra estudada, caracterizado pela baixa escolaridade e renda.
Segundo os parâmetros estudados, praticamente metade da amostra estudada não tem condições de realizar a terapia medicamentosa com segurança, e apenas um em cada dez entrevistados apresenta condições em fazê-lo. Esses resultados são preocupantes, visto que mais da metade dos indivíduos havia utilizado o medicamento anteriormente e os pacientes que utilizaram previamente o medicamento apresentaram nível de conhecimento levemente superior.
Os horários de administração, indicação terapêutica e duração do tratamento foram considerados pouco deficientes de informação. Mais da metade da população apresentava dúvidas sobre o nome do medicamento e a forma de utilizá-lo. Poucos usuários sabiam a dose prescrita, os possíveis efeitos adversos, as interações e o que fazer em caso de esquecimento de uma ou mais doses. Essas informações devem ser incluídas nas rotinas dos médicos e farmacêuticos para a utilização do medicamento de forma segura.
A atribuição de baixo nível de conhecimento a respeito da dose pode ter ocorrido pela rigidez da análise dos dados. Entretanto, o paciente deve estar certo da dose que deve utilizar, haja vista os tipos diferentes de dose existentes. Esse resultado também pode estar relacionado à dificuldade de memorização, pois, quando a compreensão das instruções para utilização de medicamentos envolve a integração de informações qualitativas e quantitativas, erros de interpretação são mais suscetíveis a ocorrer.11
A maioria dos usuários que sabia da existência dos efeitos adversos provocados pelo medicamento já os havia apresentado. Lapsos de memória quanto à prescrição e a pressão sofrida pelos médicos para atender maior número de pacientes em curto período podem contribuir para os baixos resultados no nível de informação sobre a prescrição.
Em um estudo semelhante realizado por Silva et al16 (2000), 31% dos entrevistados não acertaram o nome do medicamento prescrito; 19% erraram a indicação; 19%, a dose; e 31%, a freqüência da administração prescrita. Com relação à duração do tratamento, 69% dos pacientes sabiam por quanto tempo usar o medicamento; 31% sabiam de precauções durante o tratamento; e 20% sabiam da existência de efeitos adversos. Em pesquisa realizada com pacientes acima de 16 anos de 15 centros de saúde do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal em 2001, menos de um em cada cinco pacientes entendia qual medicamento era prescrito e como utilizá-lo.9
Muitos usuários diziam saber as respostas dos itens, mas a resposta não era correta em alguns casos, especialmente quanto à conduta a ser realizada no caso de esquecimento de uma ou mais doses do medicamento. Isso sugere que os pacientes agem freqüentemente de forma inadequada, o que pode resultar em doses diárias altas ou baixas, em efeitos adversos - muitas vezes não identificados pelos pacientes - ou, ainda, falta de efeito do medicamento na morbidade em questão. Os outros itens apresentaram índices de erros, mostrando que os entrevistados acreditavam saber as respostas ou as respondiam sem pensar, para não admitir seu desconhecimento.
Apesar do nível de conhecimento insatisfatório, somente um em cada quatro pacientes admitiu necessitar de mais informações para realizar o tratamento. Na pesquisa realizada por Jenkins et al8 (2003), 5% dos entrevistados desejavam mais informações sobre o tratamento medicamentoso, especialmente sobre a forma de tomar o medicamento, tempo de utilização e interações medicamentosas, também relatado no presente estudo. Bonner & Carr2 (2002) observaram que 18% dos pacientes solicitavam informações sobre os medicamentos aos farmacêuticos - especialmente sobre sintomas, mudanças na terapia medicamentosa e uso correto do medicamento.
Os usuários que possuem no mínimo o Ensino Fundamental completo apresentam níveis de conhecimento mais alto do que os indivíduos com escolaridade menor. Quanto maior a escolaridade, mais fácil a compreensão das instruções orais e escritas dos aspectos relacionados com o medicamento.6,10,15,18,20 Além disso, a grande diferença entre a escolaridade do paciente e a do médico pode desestimular questionamentos ao médico sobre o tratamento.6,15,18,20
Em prescrições mais complexas, observou-se que há maior número de informações a serem assimiladas, o que pode dificultar a memorização das instruções.
Quando avaliado o conhecimento dos medicamentos de acordo com as classes terapêuticas, observa-se que para medicamentos de uso contínuo, como os cardiovasculares, o nível de conhecimento é significativamente maior. Por outro lado, o conhecimento é significativamente menor para medicamentos de uso eventual, como antiinfecciosos e medicamentos para o sistema respiratório. O maior nível de conhecimento deve-se à utilização do medicamento em questão por longo período ou sugere maior cuidado dos usuários com o uso de medicamentos. A participação dessa população em grupos de discussão oferecidos pelas Unidades de ESF pode auxiliar na educação em saúde.
O instrumento proposto mostrou prevalência de praticamente 50% dos usuários no nível insuficiente. Essa alta freqüência pode não ser útil para eleger em qual paciente intervir para o aumento da qualidade no tratamento. Uma alternativa de classificação seria a criação de um nível crítico de informação, correspondente a um conjunto de pontos em que todas as informações essenciais estivessem erradas, ou um ponto de corte no quartil inferior na distribuição do nível de conhecimento. No primeiro caso, seriam considerados críticos em conhecimento da prescrição os que somassem pontos iguais a cinco ou menos - incluindo 20,0% da amostra estudada -, e no segundo caso, seis pontos ou menos.
Este estudo apresenta algumas limitações. A seleção apenas do primeiro medicamento da prescrição pode não refletir o nível de conhecimento do paciente em relação ao conjunto de medicamentos prescritos. O primeiro medicamento tende a expressar o principal tratamento do motivo da consulta médica, e os demais podem ser coadjuvantes (mesmo que de igual importância terapêutica). Acredita-se que as pessoas tendem a recordar melhor ou o médico detém maior atenção ao primeiro medicamento da prescrição, superestimando o escore da escala. Em algumas situações, em que o paciente utiliza apenas um medicamento e o identifica pela apresentação, o nome do medicamento é uma informação menos importante do que para o paciente que usa dois ou mais medicamentos - assim, há impossibilidade de abrangência do escore utilizado.
Apesar dessas limitações discutidas, o instrumento utilizado permite detectar a magnitude da lacuna existente entre o que o paciente deve saber sobre os seus medicamentos e o que ele realmente sabe. Para indivíduos que necessitam de maior atenção aos aspectos farmacológicos do tratamento, devem ser priorizados a prevenção, educação e o seu acompanhamento. Na amostra analisada, a educação dos usuários com relação ao tratamento medicamentoso de suas doenças proposta pela ESF ainda não encontra reflexo no conhecimento que os usuários apresentam em relação aos seus medicamentos. Para mudar esse cenário, é preciso colaboração, comunicação e profissionais com postura pedagógica para formar um construto coletivo que incorpore a atenção e o desejo de compartilhar. O monitoramento da prescrição e a educação necessária aos usuários previnem problemas relacionados aos medicamentos, além de realçarem resultados terapêuticos e econômicos para o usuário e para a sociedade.
Para aperfeiçoar seu desenvolvimento, o instrumento deve ser testado com todos os medicamentos da prescrição ou por sorteio em regiões com perfis epidemiológicos semelhantes, como forma de validação. O questionário poderá então ser utilizado em estudos para monitoramento da prescrição e dos pacientes.
Recebido: 29/5/2009
Aprovado: 19/8/2010
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Anexo
Anexo
Anexo - Clique para ampliar Anexo
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Anexo
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Jan 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010
Histórico
-
Aceito
19 Ago 2010 -
Recebido
29 Maio 2009