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Adiaspiromicose humana: lesões cicatriciais em linfonodos do mediastino

Human adiaspiromycosis: cicatricial lesions in mediastinal lymph nodes

Resumos

Em paciente de 60 anos, sexo masculino, com diagnóstico radiográfico de massa tumoral no pulmão direito - depois reconhecida, por meio de biópsia transbrônquica, como de natureza maligna -, não se descobriu qualquer evidência tomográfica de metástases a distância. Resolveu-se então, para fins de estadiamento da neoplasia, obter material de linfonodos mediastinais. O exame microscópico desse material não demonstrou invasão neoplásica, mas revelou a presença de granulomas em avançado estádio de fibrose, contendo raras estruturas redondas, vazias, de parede espessa e, quase sempre, colapsada, que foram reconhecidas como adiaconídios de Emmonsia crescens. Havia ainda, nos cortes histológicos, grande quantidade de pigmento antracótico.

Adiaspiromicose; Emmonsia crescens; Micose pulmonar


Chest roentgenogram of a sixty-year-old male patient, revealed a tumoral mass in the right lung, that was later demonstrated by transbronchial biopsy, to be a bronchogenic adenocarcinoma. There was no tomographic evidence of distant metastasis, however, in order to assess the mediastinal involvement for staging of the tumor, biopsies from the regional lymph nodes were obtained. Microscopic examination of the sample tissues failed to show any metastatic lesion, but, unexpectedly, revealed the presence of cicatricial granulomas in an advanced stage of fibrosis. They contained a few round, empty and collapsed corpuscles, limited by a thick PAS-positive, membrane. These structures were identified as adiaconidia of Emmonsia crescens, the etiological agent of human adiaspiromycosis. In the tissue sections, a large amount of carbon dust (anthracosis) was also seen.

Adiaspiromycosis; Emmonsia crescens; Pulmonary mycosis


RELATO DE CASO CASE REPORT

Adiaspiromicose humana: lesões cicatriciais em linfonodos do mediastino

Human adiaspiromycosis: cicatricial lesions in mediastinal lymph nodes

Mário A.P. Moraes; Maria Iolanda Gomes

Centro de Anatomia Patológica do Hospital Universitário de Brasilia, Brasília, DF

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Mário A.P. Moraes Centro de Anatomia Patológica/HUB Via L2 Norte, SGAN 604/605, Módulo C. 70840-050 Brasília, DF Fax: 55 61 448-5388 e-mail: caphub@unb.br

RESUMO

Em paciente de 60 anos, sexo masculino, com diagnóstico radiográfico de massa tumoral no pulmão direito - depois reconhecida, por meio de biópsia transbrônquica, como de natureza maligna -, não se descobriu qualquer evidência tomográfica de metástases a distância. Resolveu-se então, para fins de estadiamento da neoplasia, obter material de linfonodos mediastinais. O exame microscópico desse material não demonstrou invasão neoplásica, mas revelou a presença de granulomas em avançado estádio de fibrose, contendo raras estruturas redondas, vazias, de parede espessa e, quase sempre, colapsada, que foram reconhecidas como adiaconídios de Emmonsia crescens. Havia ainda, nos cortes histológicos, grande quantidade de pigmento antracótico.

Palavras-chaves: Adiaspiromicose. Emmonsia crescens. Micose pulmonar.

ABSTRACT

Chest roentgenogram of a sixty-year-old male patient, revealed a tumoral mass in the right lung, that was later demonstrated by transbronchial biopsy, to be a bronchogenic adenocarcinoma. There was no tomographic evidence of distant metastasis, however, in order to assess the mediastinal involvement for staging of the tumor, biopsies from the regional lymph nodes were obtained. Microscopic examination of the sample tissues failed to show any metastatic lesion, but, unexpectedly, revealed the presence of cicatricial granulomas in an advanced stage of fibrosis. They contained a few round, empty and collapsed corpuscles, limited by a thick PAS-positive, membrane. These structures were identified as adiaconidia of Emmonsia crescens, the etiological agent of human adiaspiromycosis. In the tissue sections, a large amount of carbon dust (anthracosis) was also seen.

Key-words: Adiaspiromycosis. Emmonsia crescens. Pulmonary mycosis.

A adiaspiromicose é uma doença fúngica sistêmica, de localização pulmonar, na qual os microrganismos responsáveis, pertencentes ao gênero Emmonsia, não se reproduzem na forma tecidual. Os elementos contagiantes (conídios), produzidos pela forma saprofítica ou miceliana do fungo, pelo seu pequeno tamanho (2 a 4µm), uma vez inalados, alcançam facilmente os alvéolos pulmonares. Ai, por influência certamente da temperatura corporal, aumentam de volume, transformando-se em corpúsculos esféricos, de membrana espessa – os adiaconídios. Eles podem atingir 500µm ou mais de diâmetro na espécie E. crescens, encontrada no homem.

Embora não se reproduzam nos tecidos, os conídios de E. crescens, ao se desenvolverem, provocam uma reação inflamatória, de natureza exsudativo-granulomatosa, por parte do hospedeiro, cuja intensidade está relacionada com o número de conídios inalados. A reação é individual (em torno de cada conídio), mas em exposições maciças, pode haver confluência das lesões e, desse modo, vastas áreas dos pulmões ficam comprometidas. Casos de óbito, devidos a exposições assim, com exensas condensações, já foram referidos1 3. Com a morte dos adiaconídios – por encerramento do ciclo vital, depois de alguns meses nos tecidos, as alterações inflamatórias declinam e começa a cicatrização. Fibrose concêntrica é o processo mais comum quando há formação de granulomas. A regressão natural das lesões, na maioria dos casos, faz da adiaspiromicose uma infeçcão autocurável, que pode mesmo passar despercebida nas formas leves, isto é, com poucos adiaconídios.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 60 anos, solteiro, agricultor, natural do estado de Pernambuco, ex-tabagista, veio à consulta em janeiro de 2003, por causa de dor no tórax, tosse e hemoptises, manifestações surgidas havia cerca de dois meses. Uma radiografia do tórax revelou massa tumoral (8x6cm) no lobo superior do pulmão direito. Tomografias computadorizadas do crânio, abdome e tórax não evidenciaram metástases, porém mostraram nódulo hipodenso na adrenal esquerda. Em fevereiro, uma biópsia transbrônquica da massa pulmonar teve como resultado histopatológico adenocarcinoma moderadamente diferenciado. Já o exame do material obtido por biópsia, guiada por tomografia computadorizada, da adrenal não confirmou a existência de metástase.

Ainda em fevereiro, com a finalidade de estadiamento da neoplasia, foram feitas biópsias dos linfonodos mediastinais, em vários níveis, por mediastinoscopia. O material, assim obtido, falhou em demonstrar a presença de metástases, mas nos cortes histológicos, ao lado de intensa antracose, havia lesões nodulares, granulomatosas, com fibrose concêntrica na periferia (Figura 1). Em algumas delas descobriram-se corpúsculos redondos, vazios, alguns já em colapso, com membrana espessa, PAS-positiva e que também se deixava impregnar pela prata-metenamina (Grocott) Figura 2. Podiam alcançar 400µm de diâmetro e foram identificados, pela forma e tamanho, como adiaconídios de E. crescens, agente da adiaspiromicose humana.



DISCUSSÃO

No presente caso de adiaspiromicose humana, já em fase de cicatrização, descoberto acidentalmente, a presença do fungo, sem dúvida, passaria despercebida no paciente não fossem as manifestações devidas à neoplasia pulmonar. Como os granulomas pareciam estar todos no mesmo estádio evolutivo, em regressão, é de supor-se que o inóculo tenha sido único e limitado. A exposição teria ocorrido alguns meses antes, por já estarem todos em fase avançada de cicatrização. A maneira como os conídios chegaram aos linfonodos mediastinais, tal como já referido anteriormente2, em caso que envolvia os linfonodos hilares, tem explicação na intensa antracose observada nesses órgãos (Figura 3). É provável que os macrófagos alveolares, atraídos pelas partículas de carvão dentro dos alvéolos pulmonares – o paciente era tabagista e só parou de fumar quando lhe surgiram as manifestações da doença principal – , também fagocitassem os conídios do inóculo, transportando-os depois para os linfonodos, onde eles se transformariam em adiaconídios.


Recebido para publicação em 11/9/2003

Aceito em 5/3/2004

  • 1. Moraes MAP, Almeida MC, Raick AN. Caso fatal de adiaspiromicose pulmonar humana. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 31:188-194, 1989.
  • 2. Moraes MAP, Gomes MI, Vianna LMS. Adiaspiromicose pulmonar: achado casual em paciente falecido de febre amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 34:83-85, 2001.
  • 3. Peres LC, Figueiredo F, Peinado M, Soares FA. Fulminant disseminated pulmonary adiaspiromycosis in humans. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 46:146-150, 1992.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Mário A.P. Moraes
    Centro de Anatomia Patológica/HUB
    Via L2 Norte, SGAN 604/605, Módulo C.
    70840-050 Brasília, DF
    Fax: 55 61 448-5388
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Aceito
      05 Mar 2004
    • Recebido
      11 Set 2003
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