Resumos
Tatus têm sido envolvidos na transmissão da hanseníase e considerados como fonte de Mycobacterium leprae em muitas publicações. Médicos de partes dos EUA consideram o contato com tatus um fator de risco para hanseníase. Entretanto, há um desafio associado ao papel do tatu na perpetuação da hanseníase no Continente Americano. Foi pesquisada a presença de anticorpos anti-PGL-I em tatus selvagens de áreas endêmicas em hanseníase do Estado do Espírito Santo, Brasil, através de ELISA realizado em amostras de soro de 47 animais. Elisa positivo foi encontrado em 5 (10.6%) tatus. Tatus infectados podem ter algum papel na transmissão da hanseníase disseminando bacilos no meio ambiente, talvez tornando mais difícil a interrupção da cadeia de transmissão e redução do número de casos novos de hanseníase. A técnica de ELISA é um eficiente método para investigação soroepidemiológica da presença do Mycobacterium leprae em tatus.
Mycobacterium leprae; Hanseníase; Tatu; ELISA; PGL-I
Armadillos have been involved in leprosy transmission and are considered a source of Mycobacterium leprae in numerous reports. Clinicians from certain areas of the USA consider contact with armadillos a risk factor for leprosy. However, there is a challenge associated with the role of wild armadillos perpetuating human leprosy in the American Continent. The presence of anti-PGL-I antibodies was investigated in wild nine-banded armadillos from leprosy-endemic areas in State of Espirito Santo, Brazil, by ELISA performed on serum samples from 47 armadillos. Positive ELISA was obtained from 5 (10.6%) armadillos. Infected armadillos may play some role in leprosy transmission, disseminating bacilli in the environment, perhaps making it more difficult to interrupt transmission and reduce the number of new leprosy cases. ELISA is an efficient tool for seroepidemiological investigations of Mycobacterium leprae in armadillos.
Mycobacterium leprae; Leprosy; Armadillos; ELISA; PGL-I
ARTIGO
Pesquisa de anticorpos anti PGL-I através de ELISA em tatus selvagens do Brasil
Patrícia D. DepsI,II; João Marcelo A.P. AntunesI; Carlos FariaIII; Samira Bührer-SékulaIV; Zoilo P. CamargoV; Diltor V. OpromolaVI; Jane TomimoriVII
IDepartmento de Medicina Social, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
IIDepartmento de Infectologia e Doenças Tropicais, London School of Hygiene & Tropical Medicine, Londres
IIIDepartmento de Patologia, Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia, Vitória, ES, Brasil
IVKIT Biomedical Research, Royal Tropical Institute, Amsterdam, The Netherlands e Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil
VDepartmento de Biologia Celular, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
VIInstituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP, Brasil
VIIDepartmento de Dermatologia, Universidade Federal De São Paulo, São Paulo, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Patrícia Duarte Deps Centro de Ciências da Saúde/Departamento de Medicina Social/ UFES Av. Marechal Campos 1468, Maruípe 29040-090 Vitória-ES, Brasil Tel: 55 27 3335-7210; Fax: 55 27 3335-7226 e-mail: pdeps@uol.com.br; patricia.deps@lshtm.ac.uk
RESUMO
Tatus têm sido envolvidos na transmissão da hanseníase e considerados como fonte de Mycobacterium leprae em muitas publicações. Médicos de partes dos EUA consideram o contato com tatus um fator de risco para hanseníase. Entretanto, há um desafio associado ao papel do tatu na perpetuação da hanseníase no Continente Americano. Foi pesquisada a presença de anticorpos anti-PGL-I em tatus selvagens de áreas endêmicas em hanseníase do Estado do Espírito Santo, Brasil, através de ELISA realizado em amostras de soro de 47 animais. Elisa positivo foi encontrado em 5 (10.6%) tatus. Tatus infectados podem ter algum papel na transmissão da hanseníase disseminando bacilos no meio ambiente, talvez tornando mais difícil a interrupção da cadeia de transmissão e redução do número de casos novos de hanseníase. A técnica de ELISA é um eficiente método para investigação soroepidemiológica da presença do Mycobacterium leprae em tatus.
Palavras-chaves:Mycobacterium leprae. Hanseníase. Tatu. ELISA. PGL-I.
Apesar da hanseníase ter diminuído em todos os países endêmicos, no Brasil o número anual de casos novos tem mantido quase o mesmo nos últimos 5 anos 29. O Estado do Espírito Santo está localizado na Região Sudeste do Brasil e é classificado como de alta prevalência para a hanseníase18.
A transmissão da hanseníase e fontes do Mycobacterium leprae tem sido assunto de muitos manuscritos, mas a transmissão a partir de pacientes multibacilares não tratados para indivíduos susceptíveis é considerada, pela maioria dos hansenologistas, como a única forma possível de adquirir a hanseníase.
Tatus selvagens do centro-sul dos Estados Unidos da América (EUA) albergam uma infecção natural pelo Mycobacterium leprae 25 e naquela região médicos consideram o contato com tatus um fator de risco para hanseníase17. Entretanto, há um desafio associado com o papel dos tatus selvagens ajudando a perpetuar a hanseníase em seres humanos neste Hemisfério. Além dos EUA26 27 28, infecção pelo Mycobacterium leprae em tatus selvagens tem sido relatado no México1, Argentina15, e no Brasil5 6 7 8.
Há controvérsias se os tatus são fontes de Mycobacterium leprae e se contribuem para a transmissão da hanseníase no Brasil5 6 7 8.
Atualmente, os tatus são considerados importantes como modelo experimental de infecção pelo Mycobacterium leprae, e a principal fonte de bacilos utilizados na pesquisa da hanseníase para pesquisa e finalidades diagnósticas24. Em tatus experimentalmente infectados, a infecção pelo Mycobacterium leprae pode ser detectada pela técnica de PCR12 5, autópsia12 28, sorologia usando ELISA23, teste do fluxo lateral (ML Flow)7, e histopatologia12 28.
Glicolipídio fenólico-1 (PGL-I) é um antígeno altamente específico do Mycobacterium leprae10, e é conhecido por aumentar a produção, predominantemente, anticorpos IgM contra o trissacarídio terminal. Tatus multibacilares têm uma forte resposta com a produção de anticorpos contra o Mycobacterium leprae. Em animais experimentalmente infectados, o momento da detecção dos anticorpos está altamente correlacionado com a carga bacteriana nos tecidos dos animais e eles persistem por todo curso da doença20 23. A maioria dos animais experimentalmente infectados desenvolve infecção generalizada com aproximadamente 1012 bacilos que podem ser encontrados principalmente no fígado e baço num período de 18-2413 24 meses após a inoculação.
Este artigo é referente ao nosso primeiro estudo que foi realizado na área rural do Estado do Espírito Santo, Brasil, onde ainda muitos tatus de nove-bandas (chamados de tatu galinha ou tatu peba) têm sido capturados, abatidos e consumidos.
MATERIAL E MÉTODOS
Quarenta e sete tatus (nove-bandas) selvagens, da espécie Dasypus novemcinctus foram investigados a procura de infecção natural pelo Mycobacterium leprae. Os animais foram capturados por um biotécnico na área rural do Estado do Espírito Santo, localizado na região Sudeste do Brasil no período de 2001-2002. Os tatus foram transportados da área rural para o cativeiro localizado na Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. Após, eles foram cuidados por 3-4 dias e então eles foram submetidos a anestesia com uma mistura de cloridrato de tiletamina e cloridrato de zolazepan (Ketamine® and Zoletil®). Sexo e peso foram anotados, e um completo exame físico foi feito na pele, nariz, orelhas, patas procurando por lesões, e os linfonodos foram palpados procurando por linfadenopatias. O sangue foi coletado através de punção intracardíaca ou femoral, e após a centrifugação, o soro foi separado e estocado a -20ºC para testes sorológicos.
ELISA para detecção de anticorpos IgM contra o PGL-I do Mycobacterium leprae foi realizado basicamente como descrito anteriormente3 usando NT-P-BSA como análogo semi-sintético do PGL-I. NT-P-BSA (0.0023 µg de açúcar/ml) foi diluído em tampão volátil de acetato de amônia carbonado (pH 8.2). Foi usado 0.1µg/ml de albumina de soro bovino (BSA) como controle. Em resumo, as placas de ELISA foram bloqueadas por 60 minutos com 100µl de BSA 1% (m/v) em PBS. Antes do uso, as placas foram lavadas 4 vezes com PBST, e foram adicionados 100µl de solução bloqueadora PBS 1% (m/v) BSA por poço. Após uma hora de incubação a 37ºC, foram adicionadas 50µl por poço de amostra diluída a 1:100 em PBST contendo 10% (V/V) de soro normal de cabrito (NGS). Em todas as placas foram usados soro padrão, controles positivo e negativo, e as amostras foram testadas em duplicata. Após 1 hora de incubação, os poços foram lavados 4 vezes. Anti-IgM humana conjugada a peroxidase (Cappel/Organon Teknika®, Turnhout, Belgium) diluída a 1:10000 em PBST 10% NGS foi adicionado (50µl por poço). Após uma hora de incubação a 37ºC o procedimento de lavagem foi repetido e 50µl do substrato líquido Sigma 3,3',5,5'- tetramethyl-benzidine (TMB) foi adicionado a cada poço. Após incubação por 15 minutos, em temperatura ambiente e ao abrigo da luz, as reações colorimétricas foram paradas adicionando 50µl de 0.5M ácido sulfúrico e realizada leitura em densidade ótica (DO) de 450nm quando o soro padrão atingisse um valor de 0.6. O valor de cut-off para positividade foi uma DO de 0.200.
Aspectos éticos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Brasil) e tem licença do IBAMA para captura e coleta de materiais em animais selvagens, número 018/2001.
RESULTADOS
Tatus foram capturados na área rural em 6 diferentes cidades do Estado do Espírito Santo: Cariacica (Hospital Colônia Pedro Fontes), Guarapari, Muniz Freire, Serra (Reserva Ambiental da CST) e Vila-Velha.
Apesar de 66 tatus terem sido capturados, amostras de sangue foram coletadas apenas de 47 tatus, os quais foram incluídos na análise sorológica. O peso variou de 350 a 5200gr, 24 eram machos (51%). Dentre os achados clínicos inespecíficos foi evidenciada a presença de nódulos e úlceras em 17 (36%) animais.
ELISA foi realizado em soro de 47 animais e anticorpos anti PGL-I foram detectados em 5 (10,6%). A média dos valores de absorbância do soro de cada ELISA está apresentada na Figura 1. Entre os 5 animais com ELISA positivos, 4 apresentaram úlceras e/ou nódulos (Tabela 1). Escoriações nas orelhas, nariz e patas estavam presentes em 42 animais. Linfonodos inguinais estavam aumentados em ambos os lados de um animal.
DISCUSSÃO
Achados clínicos da infecção pelo Mycobacterium leprae em tatus não são freqüentes. A hanseníase em tatus se manifesta de forma similar a forma virchowiana da doença nos seres humanos. Entretanto, aproximadamente apenas 5% dos tatus naturalmente infectados desenvolvem sinais clínicos como linfadenomegalia, nódulos cutâneos e tumorações no exame físico ou aumento dos linfonodos e hepato-esplenomagalia na necropsia. Bacilos são encontrados na maioria das vísceras dos tatus28.
Neste estudo, o único animal em que os linfonodos foram palpáveis, também tinha o maior nível de anticorpos anti PGL-I (animal F005), os outros 3 animais (F002, F007, M017) apresentaram lesões clínicas (úlceras).
A freqüência de positividade em anticorpos neste estudo foi de 10,6%, percentual menor do que quando foi utilizado o teste do ML Flow (29,7%)7 em animais da mesma área, e também menor do que o encontrado no estudo com tatus da Louisiana e Texas (16%)22. Entretanto, no presente estudo, alguma destruição de antígenos pode ter ocorrido durante o transporte do soro congelado de Vitória para São Paulo.
Anos depois da primeira demonstração de que tatus de nove-bandas (tatu-galinha) poderiam ser infectados experimentalmente pelo Mycobacterium leprae14, foi encontrado também que tatus selvagens de partes do Sudeste dos EUA poderiam também carrear a infecção natural. O sorodiagnóstico através da detecção de anticorpos anti PGL-I em tatus foi possível a partir da descoberta da reação cruzada entre a IgM dos tatus e a humana20 21, e reação cruzada destas IgM com outras proteínas dos tatus não foram detectadas com o conjugado peroxidase-anti IgM humana. O sorodiagnóstico tem sido usado para detecção de infecção experimental em tatus utilizados em pesquisa. Entretanto, a sorologia também pode ser uma importante ferramenta em estudos epidemiológicos para detecção de infecção pelo Mycobacterium leprae em tatus selvagens7 9 22.
Antígenos PGL-I são altamente específicos do M. leprae2 e resultados falso-positivos causados por uma resposta de anticorpos não específica de tatus a infecção por micobactérias atípicas não são relatados24.
Detecção de IgM anti PGL-I pelo ELISA em pacientes MB varia de 85% a 100%, e em pacientes PB de 5% a 34%4 11 16. Estas diferenças entre as duas formas polares ocorrem porque a forma virchowiana (MB) apresenta deterioração da imunidade celular, uma alta carga antigênica e alto níveis de anticorpos, e a forma tuberculóide (PB) apresenta parâmetros de imunidade celular intactos, raros bacilos e pouca ou nenhuma elevação dos níveis de anticorpos. Este aspecto particular da hanseníase em duas formas polares faz com que a sorologia seja principalmente designada para o diagnóstico das formas MB19.
Hanseníase PB em tatus pode significar infecção subclínica uma vez que poucos animais desenvolveram sinais clínicos de hanseníase, e quando o fazem são consideradas da forma virchowiana (MB). Interpretações de ELISA positivo e negativo foram baseados em estudo de absorção, alcançando sensibilidade de 89% e aparente especificidade de 100% para detecção da infecção pelo Mycobacterium leprae tanto em seres humanos quanto em tatus.
Hanseníase em tatus selvagens é considerada de transmissão zoonótica e o risco relativo para humanos dependeria de variações de fatores do hospedeiro e probabilidade de indivíduos susceptíveis terem alguma interface com tatus infectados8 22. Ainda, outras espécies de tatus além do Dasypus novemcinctus não foram analisadas, apesar de existirem várias outras espécies descritas no Estado do Espírito Santo.
Mais estudos deveriam ser desenhados com a finalidade de estudar o relacionamento entre hanseníase e tatus selvagens no Brasil, principalmente em áreas endêmicas para hanseníase. Tatus infectados pelo Mycobacterium leprae poderiam disseminar os bacilos no meio ambiente, tornando mais difícil a interrupção da cadeia de transmissão da hanseníase e a eliminação da doença no Brasil.
AGRADECIMENTOS
Este estudo teve o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq (401026/2005-1), American Leprosy Missions e a Fundação de Apoio à Ciência e a Tecnologia do Espírito Santo-FAPES-FUNCITEC (31181570/2005). O autor JMAPA recebeu apoio finaceiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES.
APOIO FINANCEIRO
Este estudo teve o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq (401026/2005-1), American Leprosy Missions e a Fundação de Apoio à Ciência e a Tecnologia do Espírito Santo-FAPES-FUNCITEC (31181570/2005). O autor JMAPA recebeu apoio finaceiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jul 2009 -
Data do Fascículo
2008