Acessibilidade / Reportar erro

Aplicação clínica do ultra-som intracoronário

Atualização

Aplicação Clínica do Ultra-Som Intracoronário

Alexandre Abizaid, Gary S. Mintz, Andrea S. Abizaid, Lowell F. Satler, Jeffrey J. Popma, Augusto D. Pichard, Roxana Mehran, Kenneth M. Kent, Martin B. Leon

Washington, DC - EUA

Angiografia coronária é o método padrão para avaliar a doença arterial coronária e guiar intervenções. No entanto, a angiografia por ser apenas um luminograma exibe algumas limitações: 1) a aterosclerose é uma doença da parede arterial que compromete o lúmen apenas no seu estágio mais avançado e 2) a angiografia fornece apenas uma sombra gráfica da anatomia intraluminal coronária que, na realidade, é tridimensional e extremamente complexa.

Com a finalidade de superar algumas destas limitações, foram desenvolvidas novas modalidades de imagem, destacando-se, entre elas, o ultra-som intracoronário (UIC).

Ao contrário da angiografia, o UIC é uma técnica tomográfica que permite o estudo in vivo, da parede vascular normal, dos componentes da placa aterosclerótica, das mudanças quantitativas e qualitativas que ocorrem no ateroma em várias circunstâncias: pós-intervenção coronária na progressão da doença e na ocorrência do fenômeno da reestenose.

Além do mais, esta técnica permite excelente visibilização das hastes de aço inoxidável dos stents, relativamente pouco radioluscentes, mas intensamente ecoluscentes. O uso do UIC foi, inicialmente, por investigacão. Mais recentemente, várias instituições tem enfatizado o uso do UIC para guiar procedimentos invasivos. Nesta revisão focalizaremos o uso clínico do UIC.

Utilização do ultra-som intracoronário antes da intervenção percutânea

Antes do procedimento, o intervencionista deve decidir: 1) se existe significativo comprometimento do lúmen arterial; 2) se há características específicas orientando a seleção ou a contra-indicação de uma determinada estratégia terapêutica; 3) uma vez optado por intervir, escolher o adequado tamanho do instrumental. Pós-intervenção é imperativo determinar: se o resultado é adequado e se existe alguma complicação que possa comprometer o sucesso do procedimento ou predizer reestenose.

Mensurações do lúmen - As mensurações dos diâmetros luminais por meio do UIC (área de secção transversal (AST) e diâmetros mínimo e máximo da luz) já foram validadas in vitro 1. Não existe perfeita correlação entre UIC e angiografia coronária quantitativa quanto ao cálculo dos diâmetros luminais 2. Além disso, lesões angiograficamente ambíguas ou intermediárias são definidas de maneira inequívoca pelo UIC por meio da relação entre as áreas de secção transversais no local da lesão e na porção normal do vaso 2.

Características específicas das lesões - A detecção de lesões calcificadas por meio do UIC já foi validada in vitro 1. O UIC é capaz de detectar cálcio duas vezes mais freqüentemente do que a angiografia. A sensibilidade da angiografia não excede 80%, exceto na presença de calcificação, abrangendo os quatro quadrantes (>270º de circunferência). Além disso, a angiografia exibe 10% de falso positividade 3. A presença de cálcio, especialmente o focal, é uma determinante importante de dissecções após angioplastia 4. O cálcio angiograficamente invisível, porém evidente por meio do UIC, é forte preditor de sucesso após aterectomia direcional 5. Aterectomia rotacional pode ser a escolha preferencial para lesões intensamente calcificadas. O UIC pode determinar a localização (superficial ou profunda) e a distribuição (lesão alvo ou segmento de referência) do cálcio 3. A presença significativa de cálcio proximal à lesão alvo, pode limitar a passagem do instrumental, como por exemplo, os cateteres de aterectomia direcional ou stents montados em bainhas protetoras. Por outro lado, durante a aterectomia direcional, os cortes podem ser operados por meio do UIC e da angiografia, conhecendo-se as mensurações da espessura da placa e a relação entre ramos adjacentes com a excentricidade da lesão 6.

Finalmente, lesões morfologicamente incomuns podem ser esclarecidas por meio do UIC. Dois exemplos notáveis são: 1) aneurismas versus pseudoaneurismas e 2) trombos que são, na verdade, defeitos de enchimento devido à presença de cálcio (fig. 1) 7.


Tamanho do vaso - A definição de segmento de referência pelo UIC é dada por meio da identificação da região de aspecto o mais normal possível até 10mm proximal à lesão, porém, distal à emergência de algum ramo calibroso. Menos de 10% dos segmentos de referência são completamente normais; a média de área da secção transversal da artéria ocupada pela placa, é acima de 50%. As medidas dos diâmetros de referência por meio do UIC são consistentemente maiores do que aquelas por meio da angiografia quantitativa, com uma diferença média da 0,5mm, permitindo uma seleção mais precisa do tamanho do balão ou do instrumental a ser utilizado e possibilitando, portanto, a obtenção de maiores diâmetros finais sem aumentar os índices de complicações. Quando os diâmetros de referência medidos pelo UIC são menores do que aqueles medidos pela angiografia quantitativa, os vasos são tipicamente calcificados. Nesta situação, a superdimensão do instrumental pode acarretar em complexas dissecções. Este fenômeno foi comprovado pelo estudo CLAUT (Clinical Outcomes Ultrasound Trial) 8.

Extensão da lesão - A técnica da utilização do transdutor montado em um aparelho com tração motorizado (validado in vivo 9) permite a mensuração da extensão da lesão e da distância entre a lesão e um determinado ramo secundário ou entre a lesão e o óstio da coronária. É, portanto, precisa a aferição da extensão da lesão e, em conseqüência, a orientação do número de stents necessários para cobri-la. Estes stents devem se ancorar nas extremidades dos segmentos normais, evitando-se, sempre, o aprisionamento de ramos adjacentes.

Reestenose dos stents - Existem duas causas de reestenose dos stents: 1) implante inadequado, que raramente ocorre com a técnica da liberação com alta pressão; 2) proliferação do tecido neointimal 10. A reestenose focal dos stents pode ser tratada, com sucesso, por meio de angioplastia com cateter balão. Entretanto, a de aspecto difuso é mais problemática, exibindo elevada reincidência da reestenose após o tratamento com balão. Estratégias abrasivas (excimer laser e rotablator) estão sendo testadas no tratamento da reestenose difusa dos stents. No entanto, o efeito deletério destas técnicas utilizadas em stents mal expandidos ainda é desconhecido. O uso de UIC para determinar adequada expansão e aposição das hastes dos stents deve ser incentivado antes de se optar por qualquer técnica abrasiva.

Utilização do ultra-som intracoronário após intervenção percutânea

Preditores de reestenose - Os preditores ultra-sonográficos de reestenose são mais sensíveis do que os angiográficos; em lesões que não receberam stents, o preditor mais importante pelo UIC é a área da placa residual 11. A placa residual pode influir negativamente no remodelamento arterial, principal mecanismo de reestenose em lesões não tratadas com stents 12. Portanto, não é apenas importante obter o maior lúmen possível, mas também, a menor área de placa residual possível. O valor preditivo deste parâmetro foi comprovado na fase II do Guide Trial 13 e em dois estudos que utilizaram UIC para guiar aterectomia direcional (OARS - Optimal Atherectomy Restenosis Study) 14 e ABACAS (Adjunt Balloon Angioplasty Coronary Atherectomy Study) 15 nos quais a área da placa residual foi preditor de reestenose.

Mensurações

Dimensões finais - Os objetivos ultra-sonográficos para implante ótimo dos stents em artérias coronárias nativas são: 1) AST mínima do stent >80% da AST do segmento de referência ou AST mínima do stent >7,0mm²; 2) completa aposição das hastes do stent contra a parede do vaso. Mesmo após angioplastia adjunta com alta pressão, 40% dos casos requerem insuflações adicionais (pressões mais elevadas ou balões maiores) com a finalidade de obtenção destes objetivos. Uma vez atingidos os objetivos ultra-sonográficos, os índices de reestenose clínica são em torno de 10%, independentemente das características do paciente, da lesão ou tipo de tratamento utilizado antes do implante do stent (aterectomias direcional ou rotacional, laser ou balão) 10.

Complicações

Complicações decorrentes de procedimentos invasivos são uma realidade. Dissecções arteriais são detectadas por meio do UIC duas vezes mais freqüentemente do que por meio da angiografia (fig. 2). No entanto, é importante ressaltar que dissecções que ocorrem atrás das placas calcificadas, podem estar camufladas pela sombra acústica provocada pela presença do cálcio e, assim, não serão detectadas pelo UIC. Perfurações arteriais e hematomas intramurais podem ser identificados, de maneira precisa, por meio do UIC.


Conclusões

Algumas limitações ainda existem para a incorporação do UIC na rotina dos procedimentos intervencionistas. O custo relativamente elevado (US$ 600 por cateter), complexidade do equipamento e necessidade de treinamento para interpretação das imagens, representam as principais limitações do método. No entanto, baseado nos benefícios citados, o Washington Hospital Center, gradualmente incorporou o UIC na rotina do laboratório de hemodinâmica, acumulando, até o presente momento, mais de 9.000 exames realizados nos últimos cinco anos. Vários estudos randomizados, comparando o UIC e a angiografia, já estão sendo realizados com intuito de provar o real custo-benefício do UIC.

Washington Hospital Center - Washington

Correspondência: Alexandre Abizaid, MD - Intravascular Ultrasound Imaging Catheterization Laboratories - Washington Hospital Center - 110 Irving Street - Washington, DC - 20010 - USA

Recebido para publicação em 17/4/97

Aceito em 6/8/97

  • 1. Nishimura RA, Edwards WD, Warnes CA et al - Intravascular ultrasound imaging: in vitro validation and pathologic correlation. J Am Coll Cardiol 1990; 16: 145-54.
  • 2. Mintz GS, Painter JA, Pichard AD et al - Atherosclerosis in angiographically normal coronary artery reference segments: an intravascular ultrasound study with clinical correlations. J Am Coll Cardiol 1995; 25: 1479-85.
  • 3. Mintz GS, Popma JJ, Pichard AD et al - Patterns of calcification in coronary artery disease: a statistical analysis of intravascular and coronary angiography in 1155 lesions. Circulation 1995; 91: 1959-65.
  • 4. Fitzgerald P, Ports T, Yock P - Contribution of localized calcium deposits to dissection after angioplasty. An observational study using intravascular ultrasound. Circulation 1992; 86: 64-70.
  • 5. Matar FA, Mintz GS, Pinnow E et al - Multivariate predictors of intravascular ultrasound endpoints after directional coronary atherectomy. J Am Coll Cardiol 1995; 25: 318-24.
  • 6. Mintz GS, Popma JJ, Pichard AD et al - Limitations of angiography in the assessment of plaque distribution in coronary artery disease: a systematic study of target lesion eccentricity in 1446 lesions. Circulation 1996: 93: 924-31.
  • 7. Duissaillant GD, Mintz GS, Pichard AD et al - Intravascular ultrasound identification of calcified intraluminal lesions misdiagnosed as thrombi by coronary angiography. Am Heart J
  • 8. Stone GW, Linnemeir T, St Goar FG et al - Improved outcome of balloon angioplasty with intracoronary ultrasound guidance-core lab angiographic and ultrasound results from the CLOUT study. J Am Coll Cardiol 1996; 27: 115A.
  • 9. Fuessl RT, Mintz GS, Pichard AD et al - In vivo validation of intravascular ultrasound length measurements using a motorized transducer pullback device. Am J Cardiol 1996; 77: 1115-18.
  • 10. Hoffmann R, Mintz GS, Dussaillant GR et al - Patterns and mechanisms of instent restenosis: A serial intravascular ultrasound study. Circulation 1996; 94: 1247-54.
  • 11. Mintz GS, Popma JJ, Pichard AD et al - Intravascular ultrasound predictors of restenosis following percutaneous transcatheter coronary revascularization. J Am Coll Cardiol 1996; 27: 1678-87.
  • 12. Mintz GS, Popma JJ, Pichard AD et al - Arterial remodeling after coronary angioplasty: A serial intrascular ultrasound study. Circulation 1996; 94: 35-43.
  • 13. The Guide Trial investigators. Stanford University, Stanford CA. IVUS - Determined predictors of restenosis in PTCA and DCA: Final report from the Guide trial, phase II. J Am Coll Cardiol 1996; 27: 156A.
  • 14. Popma JJ, Baim DS, Kuntz RE et al - Early and late outcomes in the optimal atherectomy restenosis study (OARS). J Am Coll Cardiol 1996; 27: 291A.
  • 15. Suzuk T, Kato O, Fujita T et al - Initial and long-term results of the adjunctive balloon angioplasty following coronary atherectomy study (ABACAS). J Am Coll Cardiol 1997; 29: 68A.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2001
  • Data do Fascículo
    Out 1997

Histórico

  • Aceito
    06 Ago 1997
  • Recebido
    17 Abr 1997
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br