Resumos
OBJETIVO: Avaliar pelo Doppler-ecocardiograma alterações cardíacas, estrutural e/ou funcionais, que podem surgir nos jovens normotensos com história familiar de hipertensão arterial sistêmica (HAS). MÉTODOS: Estudo prospectivo realizado com 62 jovens normotensos entre 15 e 30 anos, sendo 32 filhos de hipertensos (grupo 1) e 30 filhos de normotensos (grupo 2) comparáveis quanto à pressão arterial, superfície corporal, freqüência cardíaca, idade e sexo. Após exame clínico, todos realizaram Doppler-ecocardiograma para avaliar as estruturas cardíacas e a função ventricular esquerda (sistólico e diastólica). RESULTADOS: A fração de encurtamento sistólico do ventrículo esquerdo (VE) foi significativamente maior no grupo 1 - valor médio de 38,03±4,95% - do que no grupo 2 - 34,7±4,48 % (p<0,01). O tempo de desaceleração mitral (TD) variou de 85 a 160ms - médio de 116,47±16,99ms - no grupo 1 e de 100 a 220ms - médio de 126,73±26,66ms - no grupo 2 (p<0,05). Houve correlação entre o índice de massa do VE e o diâmetro do átrio esquerdo (AE) no grupo 1 (r= 0,514, p<0,01). CONCLUSÃO: Os filhos de hipertensos, quando comparados com filhos de normotensos, exibem exacerbação da função sistólica do VE, semelhante ao que ocorre na fase inicial da HAS ou na HAS "borderline", mesmo que não haja hipertrofia do VE ou aumento dos níveis pressóricos. O TD mitral (mais curto no grupo 1) foi o único parâmetro de função diastólica do VE que diferiu nos 2 grupos analisados. A correlação entre o índice de massa do VE e o diâmetro do AE nos filhos de hipertensos sugere que o AE se modifica de acordo com as alterações funcionais e hemodinâmicas do VE.
Doppler-ecocardiograma; fatores genéticos; normotensos
PURPOSE: Evaluate functional and/or structural cardiac changes in young normotensive subjects with a family history of hypertension. METHODS: Prospective study was performed with 62 normotensive persons, ages 15 to 30 years, divided in 32 children of hypertensive patients (group 1) and 30 children of normotensive persons (group 2) comparable in blood pressure, body surface area, heart rate, age and sex. After clinical examination, all underwent Doppler-echocardiogram to evaluate cardiac structure and left ventricular (LV) systolic and diastolic function. RESULTS: Systolic LV fractional shortening was increased in group 1 when compared with group 2 (38.03±4.95% and 34.7±4.48%, respectively - p<0.01). Mitral deceleration time (DT) ranged from 85 to 160ms - mean values 116.47±16.99ms - in group 1 and from 100 to 220ms - mean values 126.73±26.66ms - in group 2 (p<0.05). A correlation between LV mass and left atrium (LA) diameter was noted in group 1 (r = 0.514, p<0.01). COCLUSION: Children of hypertensive patients show increased LV function, similar to what occurs in early hypertension and in borderline hypertension, even when there is no evidence of LV hypertrophy or high blood pressure. Mitral DT (shorten in group 1) was the only diastolic parameter that differed in the groups. The correlation between LV mass and LA dimension suggests that LA size could be related to functional and hemodynamic LV changes.
Doppler-echocardiogram; genetic factors; normotensive persons
Artigo Original
Avaliação Morfo-Funcional Cardíaca em Jovens Normotensos, Filhos de Hipertensos. Estudo Doppler-Ecocardiográfico Prospectivo
Cristina Maria Sousa de Almeida, Aristarco Gonçalves de Siqueira-Filho, Maurício Bastos de Freitas Rachid, Jamil Rachid, César Selem Kamel
Rio de Janeiro, RJ
OBJETIVO: Avaliar pelo Doppler-ecocardiograma alterações cardíacas, estrutural e/ou funcionais, que podem surgir nos jovens normotensos com história familiar de hipertensão arterial sistêmica (HAS).
MÉTODOS: Estudo prospectivo realizado com 62 jovens normotensos entre 15 e 30 anos, sendo 32 filhos de hipertensos (grupo 1) e 30 filhos de normotensos (grupo 2) comparáveis quanto à pressão arterial, superfície corporal, freqüência cardíaca, idade e sexo. Após exame clínico, todos realizaram Doppler-ecocardiograma para avaliar as estruturas cardíacas e a função ventricular esquerda (sistólico e diastólica).
RESULTADOS: A fração de encurtamento sistólico do ventrículo esquerdo (VE) foi significativamente maior no grupo 1 - valor médio de 38,03±4,95% - do que no grupo 2 - 34,7±4,48 % (p<0,01). O tempo de desaceleração mitral (TD) variou de 85 a 160ms - médio de 116,47±16,99ms - no grupo 1 e de 100 a 220ms - médio de 126,73±26,66ms - no grupo 2 (p<0,05). Houve correlação entre o índice de massa do VE e o diâmetro do átrio esquerdo (AE) no grupo 1 (r= 0,514, p<0,01).
CONCLUSÃO: Os filhos de hipertensos, quando comparados com filhos de normotensos, exibem exacerbação da função sistólica do VE, semelhante ao que ocorre na fase inicial da HAS ou na HAS "borderline", mesmo que não haja hipertrofia do VE ou aumento dos níveis pressóricos. O TD mitral (mais curto no grupo 1) foi o único parâmetro de função diastólica do VE que diferiu nos 2 grupos analisados. A correlação entre o índice de massa do VE e o diâmetro do AE nos filhos de hipertensos sugere que o AE se modifica de acordo com as alterações funcionais e hemodinâmicas do VE.
Palavras-chave: Doppler-ecocardiograma, fatores genéticos, normotensos
Morpho-Functional Cardiac Evaluation in Young Normotensive Children of Hypertensive Patients. A Prospective Doppler-Echocardiographic Study
PURPOSE: Evaluate functional and/or structural cardiac changes in young normotensive subjects with a family history of hypertension.
METHODS: Prospective study was performed with 62 normotensive persons, ages 15 to 30 years, divided in 32 children of hypertensive patients (group 1) and 30 children of normotensive persons (group 2) comparable in blood pressure, body surface area, heart rate, age and sex. After clinical examination, all underwent Doppler-echocardiogram to evaluate cardiac structure and left ventricular (LV) systolic and diastolic function.
RESULTS: Systolic LV fractional shortening was increased in group 1 when compared with group 2 (38.03±4.95% and 34.7±4.48%, respectively - p<0.01). Mitral deceleration time (DT) ranged from 85 to 160ms - mean values 116.47±16.99ms - in group 1 and from 100 to 220ms - mean values 126.73±26.66ms - in group 2 (p<0.05). A correlation between LV mass and left atrium (LA) diameter was noted in group 1 (r = 0.514, p<0.01).
COCLUSION: Children of hypertensive patients show increased LV function, similar to what occurs in early hypertension and in borderline hypertension, even when there is no evidence of LV hypertrophy or high blood pressure. Mitral DT (shorten in group 1) was the only diastolic parameter that differed in the groups. The correlation between LV mass and LA dimension suggests that LA size could be related to functional and hemodynamic LV changes.
Key-words: Doppler-echocardiogram, genetic factors, normotensive persons
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) pode produzir diversas conseqüências funcionais e estruturais cardíacas 1. Dentre elas, a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) é fator de grande importância, porque está associada às mudanças hemodinâmicas e é, comprovadamente, um preditor independente de morbidade e mortalidade cardiovasculares 2-4. A detecção destas alterações, através de métodos diagnósticos não invasivos e facilmente disponíveis, permite um tratamento diferenciado da HAS, com provável modificação do seu prognóstico.
A história familiar de HAS é fator predisponente para elevação da pressão arterial (PA) e para alterações estruturais e hemodinâmicas, que podem preceder o diagnóstico de HAS 5-9. O enfoque destes indivíduos deve ser diferente para prevenir o aparecimento de HAS e, talvez, modificar a sua história natural.
As alterações na função diastólica do ventrículo esquerdo (VE) também são encontradas em jovens normotensos, parentes de hipertensos e sem outros fatores que pudessem ocasionar tais achados 6,10-14. Portanto, antes do surgimento da HAS, diagnosticada clinicamente através dos níveis pressóricos, podem ocorrer anormalidades funcionais e/ou estruturais cardíacas.
O objetivo deste trabalho foi tentar detectar alterações cardíacas que possam ocorrer em indivíduos jovens e saudáveis, com predisposição genética para HAS no futuro (filhos de hipertensos), comparando-os com um grupo de indivíduos também normais, mas sem qualquer história familiar de HAS. Com isso, talvez possa se estabelecer um diagnóstico mais precoce, e interferir no curso da doença e no seu prognóstico.
Métodos
Estudo prospectivo, realizado entre agosto/94 e fevereiro/95, composto por 62 indivíduos, profissionais de saúde ou seus familiares, separados conforme a história familiar de HAS. Os critérios de inclusão foram: janela ecocardiográfica adequada (visualização satisfatória das estruturas cardíacas pelo Doppler-ecocardiograma), idade entre 15 e 30 anos, ausência de doença conhecida e PA normal (pressão arterial sistólica (PAS) <140mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) <90mmHg) 15 e os de exclusão: janela ecocardiográfica inadequada, presença de arritmia, presença de HAS ou de qualquer outra doença conhecida e história familiar de HAS duvidosa.
Os dois grupos foram submetidos a exame clínico em que se avaliou: freqüência cardíaca (FC), PA e área de superfície corporal (ASC); esta última, calculada a partir da fórmula proposta por Rachid e col 16,17. A PA foi medida com o indivíduo em decúbito dorsal e após cerca de 5min de repouso, considerando-se a PAD como sendo a fase 5 dos sons de Korotkoff 18. Doppler-ecocardiograma foi realizado e analisado por dois observadores, no mesmo dia da avaliação clínica, com aparelho Siemens Sonoline, usando transdutor de 3,5mHz e com Doppler pulsátil e contínuo. As variáveis analisadas foram: diâmetro do átrio esquerdo (AE), índice de massa do VE calculado pela equação de regressão de Devereux 19 e pela fórmula do cubo 20, fração de encurtamento sistólico (FES), velocidade e área das ondas E e A, relação entre as velocidades e as áreas destas ondas, tempo de desaceleração (TD) e tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV). Todas as medidas foram feitas conforme normas da Sociedade Americana de Ecocardiografia (SAE) 21.
A análise estatística foi feita através dos testes "t" de Student para comparação das variáveis com distribuição normal e através de Mann-Whitney para as variáveis assimétricas. As variáveis categóricas foram comparadas empregando-se os testes do qui-quadrado e de probabilidades exatas de Fisher quando apropriados. Nas correlações entre as variáveis contínuas, foram empregados os coeficientes de correlação de Pearson e de Spearman. O valor de p que caracterizou significância estatística foi <0,05.
Resultados
Foram estudados 62 indivíduos, sendo 32 com história familiar positiva para HAS (grupo 1) e 30 com história familiar negativa para HAS (grupo 2) (gráfico 1). No grupo 1, 21 (65,6%) eram do sexo feminino e 11 (34,4%) do sexo masculino. A idade variou de 16 a 30 (média 23,91±4,14) anos. A média da PAS no grupo 1 foi de 112,5±8,8mmHg, com variação de 90 a 130mmHg. A PAD oscilou entre 60 e 80mmHg, com média de 74,37±6,69mmHg (tab. I). No grupo 2, 12 (40%) indivíduos pertenciam ao sexo masculino e 18 (60%) ao feminino. A idade variou de 17 a 29 (média 24,07±3,63) anos e a média da PAS foi de 109,67±10,66mmHg. A PAD variou de 60 a 90mmHg com média de 71±8,85mmHg (tab. I). Não houve diferença estatística na análise destes parâmetros demográficos entre os dois grupos estudados.
O diâmetro do AE e o índice de massa do VE não mostraram diferenças entre os grupos 1 e 2 (NS). O índice de massa do VE foi calculado pela fórmula de Troy e pela equação de regressão de Devereux. No grupo 1, o diâmetro do AE foi de 20 a 41mm (média de 31,75±4,87mm), o índice de massa do VE pela fórmula de Troy foi de 54,2 a 138g/m2 (média de 86,82±18,03g/m2) e pela equação de Devereux foi de 43,33 a 109,75g/m2 (média de 68,98±14,39g/m2) (tab. I). No grupo 2, o diâmetro do AE foi de 25 a 39mm (média de 32,03±3,33mm), o índice de massa do VE pela fórmula de Troy foi de 57,6 a 151,5g/m2 (média 92,64±23,41g/m2) e pela equação de regressão de Devereux foi de 45,99 a 120,51 g/m2 (média 73,61±18,74 g/m2) (tab. I).
Função diastólica - De todos os parâmetros analisados, o único que mostrou diferença significativa entre os grupos foi o TD mitral, que no grupo 1 variou de 85 a 160ms, com valor médio de 116,47±16,99ms e no grupo 2, de 100 a 220ms com valor médio de 126,73±26,66ms (p<0,05) (gráficos 2 e 3). No grupo 1, a velocidade da onda E variou de 57 a 108cm/s (média 81,69±13,79cm/s) e a velocidade da onda A de 33 a 71cm/s (média 45,87±7,68cm/s). No grupo 2, a velocidade da onda E foi de 53 a 105cm/s (média 79,8±11,83cm/s) e a velocidade da onda A de 29 a 78cm/s (média 45,3±10,17cm/s) (tab. I).
Função sistólica - Esta análise foi feita através da FES do VE, que variou no grupo 1 de 30 a 51%, com valor médio de 38,03±4,95% e no grupo 2, de 27 a 44%, com uma média de 34,7±4,48% (p<0,01) (gráficos 4 e 5).
Além desta comparação, foi avaliada a possível correlação entre as diversas variáveis, dentro de cada grupo isolado. Observou-se correlação significativa entre o diâmetro do AE e o índice de massa do VE (r=0,514 e p<0,01) e a velocidade da onda E (r=0,351 e p<0,05), apenas no grupo 1.
Discussão
A história familiar de HAS é um fator predisponente para o desenvolvimento de HAS e deve ser dada maior atenção aos indivíduos com esta característica. Os comportamentos metabólico, endócrino, hemodinâmico e estrutural cardíaco diferenciados nos indivíduos com história familiar de HAS, podem produzir alterações marcantes no ecocardiograma, antes mesmo do diagnóstico de HAS ser estabelecido e, assim, modificar a conduta quanto ao tratamento farmacológico e não farmacológico. Por ser a HAS uma doença altamente prevalente e de distribuição mundial, é importante buscar alterações precoces para que o diagnóstico e o tratamento sejam adequados e o prognóstico possa ser modificado.
Os indivíduos estudados tinham idade, sexo, PA, FC e ASC semelhantes, não havendo diferenças significativas entre eles, caracterizando, portanto, uma população homogênea que pôde ser comparada.
A faixa etária entre 15 e 30 anos foi escolhida para afastar qualquer influência da idade na PA, na massa do VE e no relaxamento diastólico do VE. Idades mais avançadas podem apresentar aumento da massa do VE, sem uma causa específica, apesar de ser freqüente o aparecimento de doença coronária ou hipertensiva 15,22-25. A idade também pode influenciar na PA e no relaxamento diastólico 24,26, este último por aumento da PA ou da massa do VE. Tem sido, portanto, observada alteração no relaxamento do VE, independente destes fatores. No presente estudo, ambos os grupos foram compostos por jovens, o que exclui esta possibilidade.
A indexação da massa do VE pela ASC foi utilizada com o objetivo de diminuir sua influência neste parâmetro, que é um dos principais critérios utilizados para definição de HVE. Esta correção pareceu adequada para a análise dos grupos estudados, pois não havia obesos, não necessitando, pois, indexação para altura. A massa do VE foi calculada baseando-se na fórmula proposta por Troy e col 20 e padronizada pela SAE, por Devereux (conforme a Convenção de Penn) 21 e na equação de regressão de Devereux e Reicheck 27. Esta equação foi estabelecida para corrigir os possíveis erros encontrados quando se obtém medidas do VE de acordo com a SAE. Segundo Devereux e Reicheck 27, estas medidas eram mais fidedignas ao se excluir o endocárdio das medidas de espessura das paredes do VE (Convenção de Penn). Porém, esta forma de obtenção não é utilizada na prática clínica e a equação de regressão foi então proposta e aqui utilizada.
O fluxo de sangue inicial que chega ao VE (fluxo mitral) atinge o pico no ponto E (onda E). O fluxo desacelera até a sístole atrial, momento em que a pressão no AE é maior do que no VE, e o fluxo novamente aumenta através da válvula mitral (onda A) (fig. 1). As alterações na função diastólica do VE podem interferir na velocidade das ondas E e A, assim como no TRIV e no TD. A velocidade da onda E representa o enchimento ventricular rápido precoce e é reduzida, quando há comprometimento no relaxamento miocárdico e redução na pré-carga. A velocidade da onda A representa a contração atrial e é dependente do volume de enchimento absoluto, das condições de carga, da contratilidade atrial e da complacência do VE. O TD é a medida em tempo do quão rapidamente o enchimento diastólico precoce é interrompido; vai do pico da onda E até a extrapolação da taxa de declínio da velocidade do fluxo mitral na linha de base (fig. 1). Sofre influência do relaxamento miocárdico, do enchimento passivo do VE e das pressões do AE e VE e reflete a taxa do relaxamento miocárdico. Pode ser encurtado no relaxamento vigoroso, na retração (recoil) elástica vista em indivíduos saudáveis e na redução da complacência do VE 28,29.
A análise da função diastólica do VE não sofreu influência da FC, já que ambos os grupos tinham variação semelhante. O Doppler-ecocardiograma foi realizado no mesmo dia da avaliação clínica e todos os indivíduos eram hígidos e com características gerais semelhantes, portanto, não deve ter ocorrido influência da pré ou pós-carga nos parâmetros de função diastólica avaliados. O TD um pouco mais curto no grupo 1 pode ser conseqüência do débito cardíaco (DC) aumentado e do aumento da pressão no AE e também tem sido descrito em jovens saudáveis 29.
A função sistólica do VE foi avaliada pela FES. Este é um parâmetro adequado, porque o VE nos dois grupos apresentava forma normal, contratilidade segmentar e global preservadas e todos os indivíduos eram saudáveis. Esta medida é mais simples e tem margem de erro menor do que quando se utiliza a fração de ejeção, baseada nos volumes ventriculares. Todos os índices de função sistólica dependem da pré e da pós-carga, mas neste trabalho, as condições clínicas e a ausência de doença nos indivíduos estudados permitem inferir que estes fatores não influenciam ou então exercem influência semelhante nos dois grupos. O grupo 1 apresentou um valor médio de FES significativamente maior do que o grupo 2 (p<0,01), apesar de ambos estarem dentro dos limites da normalidade. No grupo 1, dois indivíduos tinham uma FES no limite máximo da normalidade e três um valor acima do definido como normal, de acordo com as medidas propostas pela SAE. Diversos trabalhos mostram DC aumentado numa fase precoce da HAS, sugerindo função sistólica do VE exacerbada e aumento da atividade simpática. Parece haver maior volume sangüíneo central, o que pode promover um acréscimo no DC e ser decorrente de desvio de sangue promovido pelo sistema nervoso simpático 30-34. Essas alterações também são observadas em pacientes sem HAS estabelecida, mas com HAS borderline 35,36. Por causa deste achado, que precede o diagnóstico de HAS estabelecida, pode-se inferir que o mesmo poderia ocorrer em filhos de hipertensos, que são considerados como predispostos à HAS. Estes indivíduos podem ter uma maior ativação do sistema nervoso simpático e/ou do sistema renina-angiotensina-aldosterona 14,37-43, transmitido geneticamente e, a partir daí, uma modificação circulatória e estrutural cardíaca. A HAS, neste caso, poderia ser um fator secundário à HVE, e não primário, como cogitado anteriormente. A exacerbação da função sistólica e a HVE seriam os fatores causais da HAS 7-9,23,44. A hiperfunção ventricular pode ser relacionada à HVE, o que não é concordante entre os diversos autores 45,46. A atividade simpática aumentada seria, portanto, o agente transmitido, geneticamente, e um dos possíveis causadores da HAS, além de estar associada com à melhora da função sistólica e ao desvio de sangue circulante, que pode promover um maior DC. A HVE também pode ser decorrente do aumento da atividade simpática.
O índice de massa do VE teve correlação com o diâmetro do AE apenas no grupo 1 e esta associação é extremamente importante. As medidas do AE e do índice de massa do VE estão dentro dos valores considerados normais, mas esta diferença entre os grupos sugere alterações funcionais e estruturais cardíacas, provavelmente produzidas pela história familiar de HAS, que é considerada um fator predisponente. O AE é uma estrutura de parede fina e exposta diretamente à pressão do VE, com a válvula mitral aberta. Por causa disso, um aumento na pressão do AE acarreta crescimento do seu diâmetro e, por haver somente pequena retração, uma posterior diminuição na pressão não o reverte ao seu diâmetro anterior. O tamanho do AE pode, então, refletir cronicidade e maior duração da hipertensão atrial esquerda, porém sua medida pelo ecocardiograma unidimensional considera apenas o diâmetro ântero-posterior; o aumento, no entanto, pode ser no sentido lateral, não sendo, pois, detectado por este método. A maneira de diminuir esta limitação é medir o AE através do ecocardiograma bidimensional, na incidência apical quatro câmaras 42. No presente trabalho, a medida do AE foi feita através do ecocardiograma unidimensional, e indivíduos com AE aumentado pelo bidimensional poderiam estar incluídos como normais. Além disso, um acompanhamento longitudinal, que mostre um aumento evolutivo do diâmetro do AE, pode ser mais importante e significativo do que um diâmetro acima do valor normal. Para alguns autores, o tamanho do AE correlaciona-se melhor com a espessura de parede do VE, do que com as medidas de função diastólica obtidas pela hemodinâmica e pelo Doppler 47. Esta mesma relação foi admitida por Graettinger e col 10, ao avaliarem a configuração da onda P no eletrocardiograma e a massa do VE no ecocardiograma, comparando o diâmetro do AE e a configuração da onda P. Uma onda P bimodal em adolescentes normotensos refletiu acometimento cardíaco na doença cardíaca hipertensiva, antes mesmo da detecção da elevação dos níveis pressóricos. Portanto, pode significar manifestação pré-hipertensiva, com uma tendência à elevação da PA e da massa do VE 47. Desta forma, esta associação no grupo 1 pode significar uma manifestação precoce da síndrome de HAS que considera não apenas os níveis pressóricos, mas também alterações metabólicas, endócrinas, estruturais e funcionais.
Dentre as limitações do presente estudo, podem ser citados: o número reduzido de indivíduos na amostra estudada; a medida da PA isolada, única e em consultório, sem a utilização de monitorização da PA em 24h; a análise da função sistólica apenas através da FES; os parâmetros de função diastólica não foram corrigidos pela FC; a medida do AE foi realizada apenas pelo ecocardiograma unidimensional; a história familiar não foi acrescida da medida da PA desses indivíduos; e a ausência de avaliação da resposta hipertensiva ao exercício e de sua correlação com as variáveis utilizadas.
Conclui-se que os filhos de hipertensos exibem exacerbação da função sistólica do VE, quando comparados com filhos de normotensos, similar ao que ocorre na fase inicial da HAS e na hipertensão borderline, mesmo que não haja, ainda, HVE ou aumento dos níveis pressóricos. O TD mitral foi mais curto nos filhos de hipertensos, mas a análise dos demais parâmetros da função diastólica do VE foi normal em ambos os grupos avaliados. A correlação entre o índice de massa do VE e o diâmetro do AE nos filhos de hipertensos sugere que há tendência em modificar o tamanho do AE de acordo com alterações funcionais e hemodinâmicas do VE.
Hospital Central da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, Hospital Universitário Clementino Fraga Fº e Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Correspondência: Cristina Maria S. de Almeida Rua Voluntários da Pátria, 481/203 22270-000 Rio de Janeiro, RJ
Recebido para publicação em 2/1/98
Aceito em 28/7/98
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jan 2007 -
Data do Fascículo
Nov 1998
Histórico
-
Recebido
02 Jan 1998 -
Aceito
28 Jul 1998