Vivências da Prática
Saúde. Uma Visão Ampliada
Georg Tuppy
Araçatuba, SP
Estamos nós, cardiologistas, em um tempo em que a materialização de nosso cotidiano impera e nos afasta de alguns conceitos essenciais para um bom viver, tanto ao que nos concerne, quanto ao nosso papel de orientadores para nossos pacientes. Vivemos a calcular porcentagens de probabilidades positivas e negativas para determinadas doenças, a propor tratamentos que irão aumentar a sobrevida de nossos doentes em x% e a prescrever dietas e medicamentos que diminuirão a incidência de diferentes complicações em y%, esquecendo com freqüência do ser humano que nos procura, com toda sua complexidade biopsicosocial. Em nossa vida perseguimos valores baseados em conceitos financeiros e somos escravos do relógio. Parece que o uso de números e da estatística nos traz uma certeza sobre as diferentes condutas tomadas, pois, temos em nosso íntimo um conceito socialmente determinado de que eles traduzem verdades indiscutíveis.
Além disto, o excesso de serviço necessário para se chegar a um ganho razoável e a conseqüente ausência de tempo suficiente para dedicarmos aos nossos clientes e a nós mesmos, nos transformam em seres automatizados, não questionadores de aspectos básicos do existir com saúde.
Todos sabemos que o conceito de saúde é muito mais amplo que a simples ausência de doenças, mas como temos elaborado em nosso dia a dia esta idéia? Como estão representados em nós os múltiplos aspectos do viver? Que tempo dedicamos ao exercício físico sabidamente necessário e fundamental na prevenção de inúmeras doenças, desde a aterosclerose e suas complicações até a depressão, câncer e osteoporose? Sabemos que uma simples caminhada de 30 a 40min, três ou quatro vezes por semana, já é suficiente.
Quando tivemos o cuidado de fazer nossos exames de rotina, controles do peso e pressão arterial, preventivos de próstata ou ginecológico, que tanto exigimos de nossos pacientes?
Qual o cuidado que temos com nossa alimentação? Temos conhecimento sobre a importância da qualidade e quantidade dos alimentos em nossa saúde. O que temos feito para implementar no dia a dia tais cuidados? Vale lembrar que devemos "comer para viver e não viver para comer".
Quando foi que gozamos as últimas férias? A quebra da rotina de trabalho diário, semanal e anual, criando espaços de descanso e lazer, é sabidamente importante para a manutenção da qualidade de vida. E aqui também vale lembrança que devemos "trabalhar para viver e não viver para trabalhar". Cuidar da competitividade e ganância no ambiente de trabalho, ter uma atitude ética em relação aos companheiros e clientes têm também um papel fundamental, uma vez que somos tratados da maneira que tratamos os outros.
Que tempo temos dedicado às relações com quem convivemos? Quando separamos pela última vez um espaço para "namorar, como nos velhos tempos", com nosso parceiro? Quando estivemos com nossos filhos a conversar descontraída ou seriamente sobre suas vidas, angústias e alegrias? Quando cuidamos de nosso relacionamento com quem trabalhamos? Nossas relações necessitam ser cultivadas cuidadosamente no dia a dia para mantê-las saudáveis e leves. Precisamos resgatar a capacidade de ouvir as pessoas sem pré-julgamentos e interferências.
Qual o cuidado que temos tido com o ambiente e sociedade que nos rodeiam? O cuidar de nossa habitação, bairro, cidade, país e planeta também é essencial para nossa saúde pessoal.
Como está nossa vida cultural? Quando fomos ao cinema, ao teatro, lemos um livro interessante, paramos em uma exposição para divagar em torno de uma obra de arte?
E a sexualidade, como está? Temos tido tempo e tranqüilidade para esta atividade tão importante para nosso equilíbrio? Sabemos que a maioria absoluta dos casos de disfunção nesta área se relacionam com a ansiedade e falta de tempo para cultivar um relacionamento saudável.
E a religiosidade? Quando estivemos pela última vez a navegar pelo espaço do sagrado, nas suas mais diferentes expressões, cuja presença também é fundamental para nosso viver?
Quando nos deixamos pela última vez a simplesmente não fazer nada, olhando para o vazio, deixando a mente voar sem rumo ou direção, sem cobranças ou imposições?
Quando nos fizemos a pergunta essencial: "porque vivo e tenho a vida que vivo?" Ter consciência e direção sobre os atos de nosso viver é extremamente importante para nossa qualidade de vida.
E por último, um aspecto do qual raramente nos lembramos, embora seja a única certeza de nossas vidas. Como temos elaborado em nossas mente a presença inevitável da morte e como lidar com esse momento crítico e único?
Destes aspectos acima relacionados e outros mais se faz nosso viver. A presença de cada um deles nos leva a uma situação de equilíbrio saudável, com seus reflexos na unidade corpo-mente. A hipertrofia de alguns vai tirar espaço dos outros com o conseqüente desequilíbrio. Compreende-se não ser fácil organizarmos, para que todos tenham sua expressão. Para isto é necessário ter em mente que cada um deles deve estar presente e que esta meta só pode ser alcançada através de uma atitude consciente e determinada, uma lembrança constante da intenção de que o objetivo a ser atingido é uma qualidade de vida corporal, mental e social a melhor possível. Além dos evidentes benefícios desta visão, devemos lembrar de nosso papel disseminador de condutas para a sociedade que nos rodeia e que somente poderemos exigir dos outros aquilo que conseguimos pessoalmente.
Cardioclínica Araçatuba
Correspondência: Georg Heinrich Tuppy Rua Tiradentes, 1301 16015-020 Araçatuba, SP E-mail:
Recebido para publicação em 2/7/01
Aceito em 11/07/01
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Set 2001 -
Data do Fascículo
Set 2001