Resumos
Mulher de 43 anos, sintomática (dispnéia e palpitações), apresentava múltiplas fístulas de alto débito de ambas coronárias para a artéria pulmonar, embolizadas percutaneamente com micro-molas de liberação controlada e balões destacáveis, com sucesso.
A 43-year-old symptomatic woman (dyspnea and palpitation) had multiple coronary-pulmonary artery fistulae with high output; percutaneous embolization was successfully performed using controlled-release microcoils and disposable balloons.
RELATO DE CASO
Volumosas fístulas de ambas coronárias para a artéria pulmonar. Embolização percutânea com micro-molas e balões destacáveis
Antenor Portela; Benjamim Pessoa Vale; Raldir Bastos; João Francisco de Sousa; Itamar Costa; Jayro Paiva
Teresina - PI
Serviço de Cardiologia Intervencionista do Hospital São Marcos
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Antenor Portela Rua Olavo Bilac, 2300 Cep 64001280 Hospital São Marcos Teresina - PI E-mail: antenorportela@uol.com.br
RESUMO
Mulher de 43 anos, sintomática (dispnéia e palpitações), apresentava múltiplas fístulas de alto débito de ambas coronárias para a artéria pulmonar, embolizadas percutaneamente com micro-molas de liberação controlada e balões destacáveis, com sucesso.
As fístulas coronárias são comunicações entre essas artérias e as cavidades cardíacas ou outros vasos mediastinais; são, freqüentemente, desvios do desenvolvimento embrionário1. Múltiplas fístulas de ambas coronárias para a artéria pulmonar, como na nossa paciente, são entidades clínicas raras2. Fístulas com acentuada repercussão hemodinâmica, levando ao surgimento de sintomas de insuficiência cardíaca e dor torácica anginosa são, classicamente, tratadas por ligação cirúrgica3. Oclusão por cateterismo intervencionista tem se tornado cada vez mais freqüente4-8.
Relato do Caso
Mulher de 43 anos de idade procurou atendimento cardiológico por palpitações taquicárdicas freqüentes e dispnéia aos médios esforços, com sintomas progredindo nos últimos anos. Exame clínico específico revelou sopro cardíaco contínuo, bem audível, na borda esternal esquerda na altura do 3º e 4º espaços intercostais. O eletrocardiograma de 12 derivações revelou bloqueio completo de ramo esquerdo. O ecodoppler realizado em outro serviço diagnosticou persistência de canal arterial de grande calibre e hipertensão arterial pulmonar. Com este diagnóstico a paciente foi encaminhada a estudo hemodinâmico. A manometria revelou discreta elevação das pressões nas câmaras direitas e artéria pulmonar. Havia salto oximétrico ao nível do tronco da artéria pulmonar. Não foi encontrada persistência de canal arterial. A cinecorona riogradia revelou volumosas fístulas da coronária direita (fig.1) e da coronária esquerda (fig. 2) para a artéria pulmonar.
Decidiu-se por embolização percutânea, utilizando-se como via de acesso punção da artéria femoral direita, com cateter-guia JR 4 6F (Cordis, brite tip) para a coronária direita e JL 4 6F para coronária esquerda. Após administração endovenosa de 5000 U de heparina não fracionada, volumosa fístula do óstio da coronária direita foi microcateterizada seletivamente (Excelsior microcatheter, Boston Scientific). Foram liberados coils de liberação controlada até oclusão da fístula (MicroPlex, Microvention), usando-se microcateteres para a catererização seletiva de duas volumosas fístulas nos terços proximal e médio da artéria descendente anterior, sucessivamente ocluídas com o mesmo tipo de micro-molas. Esses coils são produzidos pela Microvention, novas micro-molas de platina introduzidas no mercado em 2002 para embolização de aneurismas cerebrais. Foram usadas ao todo 11 desses dispositivos para embolização das fístulas, 2 microplex 4mm/8cm, 2 de 6mm/15cm, 2 de 8mm/20cm, 1 de 4mm/10cm, 1 de 5mm/12cm, 1 de 7mm/18cm, 1 de 7mm/30cmm e 1 de 9/30cm (fig. 3).
Restou um fluxo residual na fístula da coronária direita por um ramo lateral que emergia antes do local de onde as molas foram liberadas. A paciente tolerou bem o procedimento sob anestesia local. Não se observou embolização distal para os ramos das coronárias.
Após o procedimento a paciente relatou uma grande melhora dos sintomas, recebendo alta hospitalar após dois dias do procedimento em uso de atenolol 25mg/dia.
O ecodopplercardiograma realizado oito meses após o procedimento, apresentou cavidades normais sem fluxos anômalos. O eletrocardiograma mostrou reversão do bloqueio completo do ramo esquerdo. A cinecoronariogradia tardia de controle revelou oclusão completa das duas fístulas da coronária esquerda (fig 4). O ramo lateral da fístula da coronária direita não trombosou, como esperado, persistiu e desenvolveu-se. Apesar da paciente se encontrar assintomática, optamos por novo procedimento de embolização com balões destacáveis. Após cateterização seletiva do ramo fistuloso com JR 4 8F, a fístula foi ocluída com dois balões (GVB 16, Cathnet-Science) (fig. 5).
Discussão
As fístulas coronárias podem ocorrer entre essas artérias e as câmaras cardíacas ou outros vasos, podendo ter origem congênita, traumática ou iatrogênica1. A repercussão hemodinâmica depende do sítio de origem, término e tamanho da fístula2. Fístulas de ambas coronárias representam apenas 5% do total.
A maioria das fístulas coronárias é pequena, sem repercussão hemodinâmica. Nas fístulas maiores pode haver roubo de fluxo, com isquemia resultante no segmento do miocárdio perfundido pela coronária distal à fístula. Há dilatação compensatória do segmento proximal.
As fístulas de alto débito podem resultar em sintomas ou seqüelas3. Nas alterações que podem ser encontradas incluem-se: isquemia miocárdica crônica e angina, insuficiência cardíaca e cardiomiopatia, infarto do miocárdio, hipertensão pulmonar, endocardite, arritmias, trombose da fístula e ruptura, que é rara.
Muitos pacientes são referidos devido a sopro contínuo na borda esternal esquerda. Nas fístulas grandes pode haver alterações eletrocardiográficas. O ecocardiograma transtorácico não consegue, na maioria dos casos em adultos, determinar os locais de início e término do shunt, sendo o ecotransesofágico mais adequado para um diagnóstico preciso.
O tamanho e característica anatômica das fístulas podem ser estabelecidos com precisão pela angiografia coronariana.
Fístulas sem repercussão, clinicamente silenciosas não merecem tratamento. A profilaxia para endocardite é controversa.
Fístulas volumosas devem ser ligadas3. Os métodos cirúrgicos têm bons resultados9,10.
Nos últimos anos, a despeito dos bons resultados com a cirurgia, os métodos percutâneos menos invasivos têm se tornado o tratamento de escolha. Vários dispositivos têm sido empregados, incluindo coils de Gianturco, coils destacáveis, balões destacáveis, polyvinil álcool, double umbrellas, duto oclusor de Amplatzer4-8. O risco do tratamento percutâneo inclui infarto do miocárdio e embolização dos dispositivos para estruturas vasculares extracardíacas.
No caso presente, a cinecoronariogradia de controle tardio mostrou completa oclusão das fístulas da coronária esquerda e a fístula residual da coronária direita pôde ser tratada com sucesso com balões destacáveis. O uso de dispositivos percutâneos variados para oclusão de múltiplas fístulas de ambas coronárias, cursando com sintomas de insuficiência cardíaca, torna este caso peculiar.
Enviado em 01/07/2004 - Aceito em 03/09/2004
- 1. Spaedy TJ, Wilensky RL. Coronary artery fistulas: clinical implications. ACC Current Journal Review. 1994; 3:24.
- 2. Hoffman, JI. Congenital anomalies of the coronary vessels and the aortic root. In: Heart disease in infants, children and adolescents, 5th ed, Williams and Wilkins, Baltimore 1995, p. 780.
- 3. Liberthson RR, Sagar K, Bertokeben JP, et al. Congenital coronary arteriovenous fistula. Report of 13 patients, review of the literature and delineation of management. Circulation. 1979; 59: 849.
- 4. Armsby LR, Keane JF, Sherwood MC, et al. Management of coronary artery fistulae. Patient selection and results of transcatheter closure. J Am Coll Cardiol. 2002; 39: 1026.
- 5. Reidy JF, Anjos RT, Qureshi SA, et al. Transcatheter embolization in the treatment of coronary artery fistulas. J Am Coll Cardiol. 1991; 18:187.
- 6. Perry SB, Rome J, Keane JF, et al. Transcatheter closure of coronary artery fistulas. J Am Coll Cardiol. 1992; 20:205.
- 7. Ogoh Y, Akayi T, Abe T, et al. Succesful embolization of coronary arteriovenous fistula using an interlocking detachable coil. Pediatr Cardiol. 1997; 18: 152.
- 8. Hakim F, Madani A, Goussons Y, et al. Transcatheter closure of a large coronary arteriovenous fistula using the new Amplatzer duct occluder. Cathe Cardiovasc Diagn. 1998; 45:155.
- 9. Urrutia-S CO, Falschi G, Ott DA, Cooley DA. Surgical management of 56 patients with congenital coronary artery fistulas. Amm Thorac Surg. 1983; 35:300.
- 10. Cheung DC, Au WK, Cheung HH, et al. Coronary artery fistulas: long-term results of surgical correction. Amm Thorac Surg. 2001; 71:190.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Ago 2005 -
Data do Fascículo
Mar 2005
Histórico
-
Aceito
03 Set 2004 -
Recebido
01 Jul 2004