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Valvoplastia mitral percutânea em paciente gestante guiada apenas pelo ecocardiograma transesofágico

Resumos

A estenose da válvula mitral é a lesão de válvula mais comum durante a gravidez. Apesar de um tratamento clínico eficaz e de uma anatomia valvular favorável, de acordo com o critério de Wilkins e Block [score de Wilkins-Block], a intervenção percutânea em pacientes sintomáticas mostra-se muito importante. Nessas pacientes, recomenda-se evitar ao máximo a exposição aos raios X para proteger o feto dos efeitos deletérios da radiação ionizante. Neste relato de caso, uma paciente de 24 anos, grávida, com grave estenose mitral (área valvular de 0,9 cm²), foi submetida com sucesso a um tratamento percutâneo com ETE-guiado, sem o uso de raios X.

Estenose da valva mitral; cateterismo com balão; gravidez


Mitral valve stenosis is the most common valve lesion in pregnancy. In spite of an optimized clinical treatment and a favorable valve anatomy according to Wilkins and Block score, in symptomatic patients, percutaneous intervention is shown to be of great importance. In these patients, avoiding x-ray exposure as much as possible is recommended so as to protect the fetus from the deleterious effects of ionizing radiation. In this case report, a 24-year old pregnant patient with severe mitral stenosis (valve area of 0.9 cm²) was successfully submitted to a TEE-guided percutaneous treatment, without the use of x-ray.

Mitral valve stenosis; balloon dilatation; pregnancy


RELATO DE CASO

Valvoplastia mitral percutânea em paciente gestante guiada apenas pelo ecocardiograma transesofágico

José A. Mangione; Salvador André Bavaresco Cristovão; Gustavo Ithamar Souto Maior; Henry Abensur

Departamento de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Gustavo Ithamar Souto Maior R. Maestro Cardim, 769 – 1º SS – SL 71 – BL 1 01323-900 – São Paulo/SP E-mail: gustavomaior@cardiol.br

RESUMO

A estenose da válvula mitral é a lesão de válvula mais comum durante a gravidez. Apesar de um tratamento clínico eficaz e de uma anatomia valvular favorável, de acordo com o critério de Wilkins e Block [score de Wilkins-Block], a intervenção percutânea em pacientes sintomáticas mostra-se muito importante. Nessas pacientes, recomenda-se evitar ao máximo a exposição aos raios X para proteger o feto dos efeitos deletérios da radiação ionizante. Neste relato de caso, uma paciente de 24 anos, grávida, com grave estenose mitral (área valvular de 0,9 cm2), foi submetida com sucesso a um tratamento percutâneo com ETE-guiado, sem o uso de raios X.

Palavra-chave: Estenose da valva mitral, cateterismo com balão, gravidez.

Introdução

A valvoplastia por balão guiada por fluoroscopia é reconhecida por ser segura e eficiente para pacientes grávidas com estenose mitral sintomática, e seu papel está muito bem estabelecido na literatura mundial1,2,3. Contudo, nesse procedimento o feto é exposto aos efeitos deletérios da radiação ionizante. A ausência de relatos de caso, na literatura, que utilizem o ecocardiograma transesofágico como guia de valvoplastia em pacientes grávidas e a eliminação da exposição fetal aos efeitos danosos da radiação ionizante nos motivou a publicar o presente relato.

Relato do Caso

Paciente de 24 anos, caucasiana, casada, primigesta, nascida e residente em Porto Velho - RO, no Brasil, apresentando estenose mitral reumática, foi admitida em nosso serviço em outubro de 2005 com uma classe funcional III da New York Heart Association – NYHA, apesar do uso de propranolol (120 mg/dia) e hidroclorotiazida (25 mg/dia).

Ao exame físico, a paciente apresentou bom estado geral: peso - 64 kg, altura - 1,65 m, freqüência cardíaca - 68 bpm, ritmo cardíaco regular em 2 tempos, primeira bulha hiperfonética e sopro diastólico 4+/6+ na área mitral, com a presença de frêmito. Seus pulmões estavam limpos e o abdômen gravídico. O eletrocardiograma apresentou ondas "p" com duração no limite superior da normalidade (fig. 1).


O ecocardiograma transtorácico realizado no momento da admissão revelou que a área da válvula mitral era de 0,9 cm2, com um gradiente de 15 mmHg e um score de Wilkins e Block4 de 9 pontos (mobilidade 3, espessamento 3, cálcio 1 e aparato subvalvular 2). Verificou-se ainda regurgitação mitral discreta, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (VE) de 48 mm, fração de ejeção do VE de 0,81, átrio esquerdo (AE) com 49 mm (aumento importante), insuficiência discreta da valva tricúspide e pressão sistólica da artéria pulmonar estimada de 50 mmHg, sem outras alterações significativas.

Baseado em sua condição clínica e na morfologia favorável do aparato valvular mitral descrito no estudo ecocardiográfico, decidiu-se tratar a estenose mitral percutaneamente, usando a técnica Inoue5, guiada apenas pela ecocardiografia transesofágica, evitando-se assim a exposição do feto aos potenciais efeitos deletérios da radiação ionizante6.

Antes do procedimento foi realizada uma avaliação ginecológica e obstétrica. O exame de ultra-som revelou gestação tópica e única; biometria fetal estimada em 24 semanas e dois dias, desenvolvimento adequado e freqüência cardíaca fetal de 154 bpm; placenta anterior grau 0; apresentação cefálica; posição longitudinal; volume normal de líquido amniótico e cordão umbilical com três vasos.

A valvoplastia mitral foi realizada no laboratório de cateterismo cardíaco, na presença das equipes obstétrica e ecocardigráfica. A paciente foi submetida à sedação superficial e analgesia com midazolan intravenoso (6 mg) e meperidina (15 mg), sem necessidade de intubação orotraqueal. A artéria e a veia femoral direita foram puncionadas e canuladas com introdutores 6F e 7F, respectivamente.

Posicionou-se o fio guia ao nível da veia cava superior usando a visão longitudinal bicaval subcostal (90º). A punção transeptal foi feita com a técnica Brockenbrough7, utilizando um cateter Mullins após a visualização do septo interatrial, usando a mesma visão (fig. 2). Após a punção do septo interatrial, administrou-se heparina I.V. em 70U/kg. O fio guia foi posicionado no AE (fig. 3) e a dilatação do septo interatrial foi realizada com um dilatador 14F. Um balão Inoue de 26 mm (calculado a partir da fórmula: diâmetro do balão = [altura (cm) /10] + 10) foi introduzido no VE. Após nos certificarmos de que o balão estava livre na câmara ventricular esquerda, este foi insuflado em sua porção distal e ancorado no ânulo mitral e a dilatação valvular foi feita com um diâmetro de balão de 25 mm, por aproximadamente 5 segundos (fig. 4).




O resultado ecocardiográfico obtido após a primeira insuflação foi considerado insatisfatório (a área valvular era de 1,6 cm2) e decidiu-se por uma nova insuflação, até 26 mm, após a qual obteve como resultado uma área valvar de 2,2 cm2 e refluxo mitral discreto. O balão Inoue foi removido e não se detectou shunt de esquerda para direita ao nível do septo interatrial (fig. 5).


O procedimento foi realizado sem intercorrências com duração de 25 minutos desde a punção femoral.

A paciente permaneceu na Unidade de Tratamento Intensivo por 24 horas, sob observação, recebendo alta hospitalar em seguida.

Discussão

A estenose mitral é a lesão valvular mais comum durante a gravidez8,9, sendo no Brasil a responsável por 50% de todas as valvopatias em mulheres grávidas10. Durante a gravidez, a maioria das pacientes com estenose mitral de moderada a intensa evoluem com a piora de uma ou duas classes funcionais da NYHA8,11. As alterações fisiológicas (aumento do débito cardíaco, do nível sangüíneo e da freqüência cardíaca) agravam a doença hemodinâmica resultante da obstrução durante o esvaziamento do átrio esquerdo, o que causa um aumento de pressão no AE e no território pulmonar.

Além das repercussões maternas, a estenose mitral está relacionada a um importante aumento da taxa de prematuridade, retardo do crescimento fetal e neonatos de baixo peso11,12.

A estabilização clínica de gestantes portadoras de estenose mitral pode, na maioria dos casos, ser obtida com o controle da freqüência cardíaca e redução da pressão atrial esquerda, alcançados com a limitação da atividade física e a utilização de beta-bloqueadores e diuréticos. Entretanto, estes últimos devem ser utilizados com grande cautela para se evitar uma redução expressiva do fluxo sangüíneo placentário. Em pacientes que persistem com sintomas significativos apesar da terapêutica clínica adequada, o tratamento invasivo percutâneo ou cirúrgico pode ser indicado.

É importante salientar que até mesmo pacientes em classes funcionais I e II podem evoluir desfavoravelmente, já que apresentam valvopatia obstrutiva. Já pacientes em classes funcionais III e IV normalmente têm evolução desfavorável. Portanto, terapias invasivas mostram-se de grande valor para o adequado controle clínico dessas pacientes.

Contudo, cirurgias abertas ou fechadas estão relacionadas à alta morbi-mortalidade do binômio materno-fetal, o que limita seu uso13,14.

Vários ensaios1-3,15 têm mostrado bons resultados imediatos com o tratamento percutâneo dessas pacientes, que desenvolvem significativo aumento na área valvular com baixa taxa de complicações.

Até o momento, o acompanhamento clínico das crianças tem sido positivo, com desenvolvimento normal e sem os efeitos adversos resultantes da radiação ionizante3,16. No entanto, nesses pacientes, é recomendável evitar, ao máximo, a exposição ao raios X, especialmente no primeiro trimestre da gravidez, quando se dá a organogênese fetal. Embora, após esse período, os riscos estejam minimizados, a exposição à radiação está associada a efeitos deletérios. Há relatos de retardamento do crescimento intra-uterino, anormalidades do sistema nervoso central e aumento da incidência de neoplasias na infância, como a leucemia6.

As proteções fetais mais comumente usadas durante a VMP incluem o mínimo possível de tempo de fluoroscopia e o uso de um avental de chumbo nas regiões abdominal e pélvica da mãe.

Procurando eliminar completamente os possíveis riscos da utilização da radiação ionizante, a valvoplastia a qual esta paciente foi submetida foi realizada somente com a utilização do ecocardiograma transesofágico que proporcionou facilidade e segurança. Essa forma de tratamento é recomendada para pacientes grávidas, particularmente com a técnica de Inoue, pela sua maior simplicidade, e deve ser realizada por equipes que possuam grande experiência no tratamento percutâneo da estenose mitral.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 03/05/06; revisado recebido em 01/06/06; aceito em 01/06/06.

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  • Correspondência:
    Gustavo Ithamar Souto Maior
    R. Maestro Cardim, 769 – 1º SS – SL 71 – BL 1
    01323-900 – São Paulo/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      01 Jun 2006
    • Revisado
      01 Jun 2006
    • Recebido
      03 Maio 2006
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