PONTO DE VISTA
O uso de estatinas é benéfico para pacientes com insuficiência cardíaca?
Marcio Hiroshi Miname; Raul D. Santos; Neusa Forti; Jayme Diament
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas FMUSP São Paulo, SP
Correspondência Correspondência: Marcio Hiroshi Miname Rua Guimarães Passos, 738 04107-031 São Paulo, SP E-mail: marciominame@cardiol.br
Palavras-chave: Sinvastatina, inibidores de hidroximetilglutaril CoA redutases, débito cardíaco.
Desde o pioneiro estudo 4S1, publicado em 1994, demonstrando o benefício da sinvastatina em reduzir mortalidade global e eventos coronários em uma população de pacientes com angina do peito ou com infarto do miocárdio prévio, surgiram outros grandes trabalhos confirmando os efeitos benéficos dos inibidores da hidroximetilglutaril-coenzima A redutase (estatinas) tanto na prevenção secundária como na prevenção primária de eventos cardiovasculares2.
Estudos observacionais já demonstraram a forte relação entre doença arterial coronária e hipercolesterolemia. A redução do colesterol, em particular a fração do colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol), responde com grande parcela pelo mecanismo pelo qual as estatinas retardam ou mesmo bloqueiam o processo de aterosclerose. Entretanto, existem indícios de que as estatinas exercem vários efeitos pleiotrópicos que podem contribuir com seu potencial benéfico, tais como melhora da função endotelial, redução do estresse oxidativo e redução da atividade inflamatória, entre outros. O uso das estatinas baseado nesses efeitos pleiotrópicos também começou a ser investigado de forma minuciosa.
A proteína C-reativa ultra-sensível (PCR-us) é um marcador inflamatório que vem sendo utilizado como um elemento a mais para aumentar a acurácia na detecção de indivíduos sob maior risco de evento cardiovascular, mesmo entre indivíduos aparentemente saudáveis com baixos níveis de LDL-colesterol. Existem evidências de que os efeitos antiinflamatórios das estatinas acabam se traduzindo na redução da PCR-us. No entanto, ainda não se sabe se o tratamento com estatinas visando à redução da PCR-us como meta se traduz na redução de eventos cardiovasculares em população de pacientes com baixos níveis de LDL-colesterol, porém com níveis elevados de PCR-us, em caráter de prevenção primária. O estudo Justification for the Use of statins in Primary prevention: an Intervention (JUPITER), atualmente em andamento, tem por objetivo responder a essa questão. As estatinas também parecem reduzir o índice de complicações cardíacas e vasculares no perioperatório de cirurgias vasculares3. Outros estudos apontam para possíveis efeitos benéficos das estatinas no tratamento da sepse, baseado em sua influência sobre a cascata inflamatória e de coagulação.
Existe uma população específica de pacientes na qual o uso de estatinas ainda é tema de debate e dúvidas: os portadores de insuficiência cardíaca. A insuficiência cardíaca é uma síndrome caracterizada por uma série de alterações hemodinâmicas e neuro-humorais, além de levar a disfunção endotelial e elevação de marcadores inflamatórios. Parece natural que os efeitos pleiotrópicos das estatinas ofereçam efeito benéfico aos portadores de insuficiência cardíaca. Alguns ensaios clínicos parecem confirmar essa afirmação, porém outros modelos experimentais não são condizentes. Este ponto de vista tem o objetivo de discutir as evidências para o uso ou não das estatinas no tratamento da insuficiência cardíaca. É preciso lembrar que a insuficiência cardíaca apresenta diferentes etiologias e que o efeito das estatinas pode ser diferente, dependendo da etiologia da insuficiência cardíaca. Sabe-se que as estatinas têm maior beneficio quanto maior o risco de evento cardiovascular do paciente: por exemplo, pacientes diabéticos e hipertensos com insuficiência cardíaca terão maior benefício que pacientes com insuficiência cardíaca sem esses fatores de risco.
Por que as estatinas poderiam ser benéficas no tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca?
Atualmente existem muitas evidências demonstrando que a patogênese da insuficiência cardíaca envolve diversos mediadores inflamatórios, os quais acabam por contribuir no remodelamento cardíaco. Alguns estudos demonstraram aumento dos níveis de citocinas inflamatórias, tais como fator de necrose tumoral-alfa, interleucina 1-beta e interleucina 6 nos pacientes com insuficiência cardíaca. Dessa forma, uma das linhas de pesquisa no tratamento da insuficiência cardíaca envolve o melhor entendimento de sua imunopatogênese, com o objetivo de melhorar o tratamento de distúrbios imunomodulatórios21.
1) O papel benéfico das estatinas na insuficiência cardíaca poderia ser explicado por seus efeitos antiinflamatórios. Nesse sentido, Mozaffarian e cols.4 conduziram um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, com 22 pacientes portadores de insuficiência cardíaca (20 de etiologia não-isquêmica), com o objetivo de avaliar o efeito de 10 mg de atorvastatina sobre seus níveis de marcadores inflamatórios sistêmicos, durante 16 semanas de tratamento. Não houve elevação de creatinofosfoquinase (CPK) ou de enzimas hepáticas acima de três vezes o valor de referência. As alterações dos valores absolutos e porcentuais dos marcadores avaliados foram: redução do receptor-1 do fator de necrose tumoral em 132 pg/ml (p = 0,04) e 8% (p = 0,056), redução da PCR-us em 1,6 mg/l (p = 0,006) e 37% (p = 0,0002), e redução da endotelina-1 em 0,21 pg/ml (p = 0,007) e 17% (p = 0,01). Em análise post-hoc, foi constatado que a redução do receptor-1 do fator de necrose tumoral foi maior entre os pacientes com seus níveis basais mais altos. O tratamento com estatina não reduziu os níveis de outros marcadores inflamatórios avaliados, incluindo a interleucina-6 e o peptídeo natriurético atrial4. O estudo de Tousoulis e cols.5, incluindo 38 pacientes homens, portadores de insuficiência cardíaca isquêmica, demonstrou redução dos níveis de interleucina-6, fator de necrose tumoral-alfa e molécula de adesão vascular-1 no grupo tratado com atorvastatina 10 mg/dia durante quatro semanas. Esse efeito não foi observado nos outros dois grupos: placebo e atorvastatina 10 mg associada a vitamina E5.
2) Existem evidências de que pacientes com insuficiência cardíaca apresentam disfunção endotelial, a qual poderia contribuir para o aumento do tônus vasomotor e do processo de remodelamento vascular. Essa alteração da função endotelial pode ser explicada por vários mecanismos, tais como: a) aumento do nível de citocinas, reduzindo a expressão da enzima óxido nítrico sintase; b) distúrbios da via de transdução de sinalização endotélio-receptor e c) aumento da atividade da enzima conversora de angiotensina, provocando aumento da degradação de bradicinina5. O mesmo ensaio clínico de Tousoulis e cols.5, citado previamente, também estudou o efeito da atorvastatina sobre a função endotelial, avaliada por pletismografia. No grupo que recebeu atorvastatina 10 mg/dia, ocorreu aumento significativo do fluxo após hiperemia reativa (p < 0,05), além de aumento do porcentual do fluxo (HR%) (p < 0,01). Já no grupo que recebeu atorvastatina 10 mg/dia e vitamina E, ocorreu aumento significativo apenas do HR% (p < 0,05), mas não ocorreu alteração significativa do valor absoluto de fluxo pós-hiperemia reativa5. Os mesmos autores publicaram outro trabalho em que avaliaram 35 pacientes com insuficiência cardíaca (25 de etiologia isquêmica), sendo randomizados para dois grupos: atorvastatina 10 mg/dia e nenhuma estatina6. A função endotelial também foi avaliada por pletismografia. Não houve alteração significativa do valor absoluto do fluxo basal e pós-hiperemia reativa em ambos os grupos, porém ocorreu aumento do HR% no grupo que recebeu estatina (p < 0,01), fato não observado no grupo sem estatina. A melhora da função endotelial com o uso de estatinas já havia sido avaliada em outras populações e o mesmo parece ocorrer em pacientes portadores de insuficiência cardíaca. As estatinas podem exercer seu efeito protetor sobre o endotélio por remover ânion superóxido, aumentar a atividade da óxido nítrico sintase (eNOS) ou reduzir a excreção de endotelina-17.
3) Na insuficiência cardíaca ocorre ativação adrenérgica generalizada e diminuição da atividade do sistema parassimpático. As estatinas exercem efeito normalizando a função autonômica e o efluxo simpático. Em um modelo experimental de insuficiência cardíaca, coelhos com insuficiência cardíaca induzida por taquicardia gerada por estímulo artificial foram divididos em três grupos: sem estatina, dose baixa de sinvastatina e dose alta de sinvastatina. O grupo que recebeu dose alta de sinvastatina apresentou atividade nervosa simpática renal igual à do grupo de coelhos sem insuficiência cardíaca (p = não-significativo), enquanto os demais grupos apresentaram atividade aumentada (p < 0,05). Além disso, existem evidências de que a sinvastatina pode melhorar o tono autonômico por meio da melhora da variabilidade de freqüência cardíaca.
4) Existem alguns estudos experimentais que demonstram que a neovascularização pós-natal não ocorre apenas pela proliferação de vasos já existentes, mas também pela contribuição de células progenitoras endoteliais derivadas da medula óssea8. Surgiram evidências de que as estatinas poderiam aumentar a mobilização de células progenitoras endoteliais e, dessa forma, contribuir para o remodelamento ventricular. Um estudo interessante, realizado por Landmesser e cols.9, demonstrou que a eNOS parece ter papel importante no mecanismo pelo qual as estatinas atuariam na mobilização de células progenitoras. Os autores estudaram camundongos selvagens e camundongos deficientes de eNOS, induziram infarto anterior extenso e administraram atorvastatina ou placebo por quatro semanas para os dois grupos. Os camundongos selvagens que receberam atorvastatina nesse estudo apresentaram maior mobilização de células progenitoras endoteliais e maior neovascularização da borda infartada do miocárdio, além de menor grau de disfunção ventricular e de fibrose intersticial. Todos esses fenômenos não ocorreram nos camundongos deficientes para eNOS que receberam atorvastatina.
Por que as estatinas poderiam ser deletérias no tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca?
Existem evidências de que em algumas doenças graves, tais como sepse, queimaduras e trauma, o colesterol total (CT) baixo está associado a pior prognóstico. Horwich e cols.10 estudaram uma coorte de 1.134 pacientes encaminhados para um centro médico universitário para avaliação de transplante, com o objetivo de correlacionar o perfil lipídico com o prognóstico da insuficiência cardíaca10. A idade desses pacientes, dos quais 76% eram homens, variou de 16 a 82 anos. Etiologia isquêmica foi observada em 48% dos pacientes, etiologia idiopática em 40%, etiologia valvar em 4,5%, e etiologias alcoólica, hipertrófica e pós-parto em 7,5%. Apenas 14% dos pacientes faziam uso de medicação hipolipemiante. O seguimento foi de cinco anos. CT, LDL-c, colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) e triglicérides foram divididos em quintis. Após ajuste para sexo e idade, o CT no quintil mais baixo estava associado a maior risco de morte ou transplante de urgência. Mesmo após análise multivariada incluindo idade, sexo, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, índice de massa corpórea, uso de inibidor da enzima de conversão da angiotensina (ECA), medicação hipolipemiante, pressão capilar pulmonar, nitrogênio uréico, creatinina, albumina, hipertensão, diabetes e tabagismo, o CT foi o único elemento do perfil lipídico que permaneceu como preditor independente de mortalidade ou de necessidade de transplante de urgência. Baseado em análise ROC (receiver operator curve), o melhor valor de corte para CT era de 190 mg/dl, com sensibilidade de 70% para predizer mortalidade em cinco anos. Dessa forma, os autores concluem que o CT baixo é um fator concomitante nos pacientes de pior prognóstico com insuficiência cardíaca avançada, embora não se possa afirmar que o CT baixo seja a causa desse pior prognóstico, sendo muito provavelmente conseqüência da insuficiência cardíaca.
Uma das hipóteses para explicar os possíveis efeitos deletérios das estatinas está baseada no aumento do nível sérico de endotoxinas, o qual pode contribuir para a progressão da insuficiência cardíaca. Tem sido postulado que níveis elevados de colesterol podem ser benéficos em pacientes com insuficiência cardíaca, porque as lipoproteínas ricas em colesterol ligam-se e neutralizam os efeitos deletérios dos lipopolissacarídeos de bactérias. Os lipopolissacarídeos atravessam a parede do intestino em pacientes com insuficiência cardíaca avançada, tornando-se um importante estímulo para a produção de citocinas pró-inflamatórias11.
A coenzima Q10 (2,3 dimetoxi-5 metil-6-decaprenil benzoquinona), uma quinona lipossolúvel, semelhante à vitamina, mais conhecida como ubiquinona, CoQ e vitamina Q10, está relacionada ao metabolismo energético. A coenzima Q10, importante para a transferência apropriada de elétrons na cadeia respiratória oxidativa das mitocôndrias, tem como principal função a produção de adenosina trifosfato (ATP). Além disso, a coenzima Q10 parece aumentar os níveis de ATP por prevenir a perda do pool de adenina-nucleotídeo das células cardíacas. Adicionalmente, a coenzima Q10 demonstrou ser capaz de impedir a peroxidação lipídica, atuando como antioxidante. Alguns ensaios clínicos mais antigos demonstraram que a suplementação de Q10 a pacientes com insuficiência cardíaca poderia ser benéfica, melhorando sintomas e diminuindo o número de hospitalizações; contudo, trabalhos mais recentes não demonstraram esse efeito benéfico. De qualquer forma, já foi demonstrado que pacientes com insuficiência cardíaca apresentam deficiência de coenzima Q10 e que o grau da deficiência dessa coenzima estaria relacionado ao nível de gravidade da insuficiência cardíaca. Existem evidências de que as estatinas podem reduzir os níveis de coenzima Q10 e, dessa forma, seriam deletérias em pacientes com insuficiência cardíaca.
Para tornar esse tema mais controverso, Strey e cols.12 estudaram 24 pacientes com insuficiência cardíaca sintomática (classe funcional II-III da New York Heart Association [NYHA]), fração de ejeção < 40%, randomizados para atorvastatina 40 mg ou placebo durante seis semanas, ao fim das quais foi realizado cross-over entre os grupos. O objetivo era avaliar a função endotelial por pletismografia e os níveis de coenzima Q10 no final do período de intervenção. Ocorreu melhora significativa da função endotelial no grupo atorvastatina, e esse fenômeno esteve significativamente correlacionado com a redução da coenzima Q10. Além disso, apesar de ocorrer correlação significativa entre as reduções de coenzima Q10 e do LDL-colesterol (p = 0,017), a análise multivariada ajustada para redução do LDL-colesterol demonstrou que a redução dos níveis de coenzima Q10 permaneceu associada como preditor da melhora da função endotelial relacionada ao uso da estatina. Os autores aventaram a hipótese de que a redução da coenzima Q10, provocada pelas estatinas, poderia limitar os efeitos benéficos máximos dessas drogas sobre a microcirculação e, indo mais além, que a redução da coenzima Q10 poderia ser um marcador biológico do pleiotropismo das estatinas12.
Estudos de desfechos clínicos de estatinas em insuficiência cardíaca de diferentes etiologias
Estatinas e cardiomiopatia isquêmica
Existem evidências de que o uso de estatinas diminui o risco de a doença arterial coronária evoluir para insuficiência cardíaca. No estudo 4S, 4.444 pacientes com doença arterial coronária sem evidência de insuficiência cardíaca foram randomizados para receber placebo (n = 2.223) ou sinvastatina 20 mg a 40 mg (n = 2.221) e seguidos por mais de cinco anos. Entre os pacientes que receberam placebo, 228 (10,3%) desenvolveram insuficiência cardíaca durante o seguimento, comparativamente a 184 (8,3%) no grupo que recebeu estatina (p < 0,015)13.
Outro estudo prospectivo randomizou 486 pacientes não-dislipidêmicos e em período pós-infarto imediato para receberem qualquer estatina disponível (n = 241) ou nenhuma estatina (n = 245) durante 24 meses. O grupo estatina apresentou menor incidência de insuficiência cardíaca com necessidade de hospitalização (1 vs 9; p = 0,0154).
Horwich e cols.14 acompanharam uma coorte de 551 pacientes com insuficiência cardíaca, sendo 49% de etiologia isquêmica. O uso de estatinas não foi randomizado, sendo definido pelo médico de cada paciente. A maioria fazia uso de atorvastatina (28,1%). O grupo estatina era significativamente mais velho e incluía mais homens, com maior taxa de hipertensos, diabéticos e tabagistas. No grupo com etiologia isquêmica, o desfecho mortalidade e necessidade de transplante cardíaco de urgência foi significativamente menor no grupo estatina (81% vs 63%; p < 0,001), durante o seguimento de um ano14. Interessante notar estudos que, apesar do pequeno número de pacientes (n = 202), demonstrou melhora significativa da fração de ejeção em pacientes com insuficiência cardíaca (fração de ejeção < 40%), submetidos a intervenção percutânea por infarto agudo do miocárdio e que receberam estatina (sinvastatina 40 mg/dia), em comparação com o grupo que não recebeu estatina (31% para 42% vs 32% para 39%; p = 0,042), após seis meses de intervenção.
Estatinas e cardiomiopatia não-isquêmica
Os efeitos pleiotrópicos das estatinas poderiam ser benéficos nesse grupo de pacientes. De fato, o papel das estatinas em paciente com insuficiência cardíaca de etiologia não-isquêmica também tem sido alvo de estudo de alguns trabalhos clínicos.
Estudo recente de Wojnicz e cols.15 randomizou 74 pacientes com cardiomiopatia dilatada de etiologia inflamatória e com dislipidemia moderada para receber atorvastatina na dose de 40 mg/dia, associada a terapêutica convencional para insuficiência cardíaca ou apenas terapêutica convencional para insuficiência cardíaca. Os pacientes foram acompanhados por um período de seis meses. Dois pacientes do grupo estatina (5,5%) saíram do estudo, um por distúrbios gastrointestinais e outro por aumento de transaminases três vezes acima do valor de referência. No grupo estatina, ocorreu melhora significativa da fração de ejeção (p = 0,012), além de melhora da classe funcional (p = 0,016). Esse estudo é criticado pela falta de uso de placebo, apesar da avaliação cega para o tipo de tratamento15.
Outro estudo, desta vez em pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática com fração de ejeção < 40% e em classe funcional II-III da NYHA, incluiu 51 pacientes, randomizados para grupo placebo ou grupo sinvastatina (5 mg/dia, aumentados posteriormente para 10 mg/dia). Ao término de 14 semanas de intervenção, o grupo sinvastatina apresentou melhora da classe funcional pela NYHA em comparação com o grupo placebo (2,04 ± 0,06 vs 2,32 ± 0,05; p < 0,05), além de também apresentar aumento da fração de ejeção (34 ± 3% para 41 ± 4%; p < 0,05), o que não ocorreu no grupo placebo. Além disso, as concentrações plasmáticas de fator de necrose tumoral-alfa, interleucina-6 e fator natriurético atrial estavam significativamente mais baixas no grupo sinvastatina que no grupo placebo16.
Laufs e cols.17 randomizaram 15 pacientes com cardiomiopatia dilatada não-isquêmica e insuficiência cardíaca classe funcional II-III da NYHA para receberem cerivastatina 0,4 mg ou placebo. O tempo de seguimento foi de cerca de 20 semanas. Ao final, a qualidade de vida medida, por um questionário específico, e a capacidade de exercício, medida pelo teste de caminhada de seis minutos, aumentaram de forma significativa no grupo estatina, o que não ocorreu no grupo placebo17. A maior crítica a este estudo, além do pequeno número de pacientes, refere-se ao fato de a cerivastatina ter sido retirada do mercado pelo excessivo número de casos de rabdomiólise a ela relacionados.
Estatinas e insuficiência cardíaca diastólica
O uso de estatinas em pacientes com insuficiência cardíaca diastólica foi avaliado por Fukuta e cols.18, em estudo publicado em 2005. Foram analisados 137 pacientes com insuficiência cardíaca diastólica e fração de ejeção > 50% à ecocardiografia. O tempo de seguimento foi de 21 ± 12 meses e a medicação era prescrita a critério do médico de cada paciente. Os que estavam em uso de estatina apresentavam LDL-colesterol basal maior que aqueles que não estavam em uso de estatinas (153 ± 45 mg/dl vs 98 ± 33 mg/dl; p < 0,01). Após o início da estatina, os níveis de LDL-colesterol caíram para valores semelhantes aos de pacientes que não receberam estatina (98 ± 33 mg/dl). Os pacientes do grupo estatina apresentaram menor mortalidade (risco relativo de morte ajustado [intervalo de confiança de 95% - IC 95%], 0,20 [0,006 a 0,62]) após ajuste de variáveis clínicas entre os grupos (hipertensão, diabetes, doença arterial coronária e creatinina sérica). Os autores discutem possíveis mecanismos pelos quais as estatinas poderiam ser benéficas nessa população e inferem que provavelmente esses mecanismos independeriam dos níveis de LDL-colesterol, já que seus níveis foram semelhantes nos grupos com e sem estatina. Apesar de suscitar a possibilidade de pacientes com insuficiência cardíaca diastólica se beneficiarem de seus efeitos pleiotrópicos, esse pequeno estudo apresenta uma série de limitações, entre as quais destacam-se o pequeno número de pacientes, a não-randomização do uso de estatina, a não-disponibilidade do perfil lipídico dos períodos basal e de seguimento para todos os pacientes, e o poder limitado do estudo.
Perspectivas futuras
Alguns grandes estudos sobre insuficiência cardíaca e estatinas ainda estão em andamento, como é o caso do Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nellInfarto miocardico (GISSI Heart Failure Trial). Trata-se de um grande estudo randomizado, duplo-cego, cujo objetivo será testar os efeitos dos ácidos graxos poliinsaturados n-3 e da rosuvastatina na morbidade e na mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca sintomática19. Serão recrutados cerca de sete mil pacientes com insuficiência cardíaca classes II a IV e com terapêutica otimizada, os quais serão randomizados para ácidos graxos poliinsaturados n-3 ou placebo, e também para o grupo rosuvastatina 10 mg/dia ou placebo.
Outro relevante estudo em andamento é o Controlled Rosuvastatin Multinational Trial (CORONA), cujo objetivo é avaliar o efeito da rosuvastatina na dose de 10 mg/dia vs placebo em pacientes com cardiomiopatia isquêmica sintomática sobre o desfecho combinado de morte cardiovascular, infarto do miocárdio não-fatal ou acidente vascular cerebral não-fatal20.
Conclusões
O uso de estatinas em pacientes com insuficiência cardíaca ainda é tema de controvérsia. Do ponto de vista teórico, é possível que gere malefícios, porém diversos estudos clínicos têm demonstrado que os pacientes com insuficiência cardíaca podem se beneficiar com seu uso. De qualquer forma, devemos estar cientes de que a própria insuficiência cardíaca, com suas mais diversas etiologias, é uma síndrome heterogênea e que, talvez, diferentes subgrupos possam responder de forma distinta ao uso das estatinas. Por exemplo, seria natural pensar que o uso das estatinas em pacientes portadores de insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica poderia ser benéfico, com maior embasamento teórico, já que o benefício das estatinas em portadores de doença arterial coronária é indiscutível. Já o papel das estatinas em insuficiência cardíaca de outras etiologias também parece ser benéfico, como foi demonstrado nos ensaios clínicos discutidos previamente. Mesmo com todas as evidências apontando a estatina como possível nova medicação no tratamento da insuficiência cardíaca, esse tema ainda carece de rigorosos estudos clínicos que confirmem essa hipótese. Por enquanto, acreditamos que o uso de estatinas ainda deve ser baseado nos níveis de LDL-colesterol e na estratificação de risco de doença aterosclerótica de cada indivíduo. Não existem evidências concretas o suficiente para que a estatina seja colocada ao lado do inibidor da enzima de conversão e do betabloqueador como peça fundamental no tratamento da insuficiência cardíaca de qualquer etiologia, de forma independente dos níveis de LDL-colesterol e também na ausência de doença aterosclerótica.
Potencial Conflito de Interesses
Marcio Miname Recebeu honorário para revisão de site da indústria farmacêutica Pfizer e participa de estudos patrocinados por laboratórios.
Raul D. Santos Ministra palestras para os laboratórios Pfizer, Merck-Sharp, Astra Zeneca e participa de estudos patrocinados por laboratórios.
Referências
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Artigo recebido em 07/08/06; revisado recebido em 23/01/07; aceito em 16/02/07.
Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Jun 2007 -
Data do Fascículo
Maio 2007