Acessibilidade / Reportar erro

Fístula aortobroncopulmonar em pós-operatório tardio de coarctação da aorta

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Em pacientes com hemoptise e história de cirurgia aórtica, a possibilidade de fístula aortobroncopulmonar deve sempre ser considerada. O objetivo deste estudo foi relatar um caso raro de hemoptise por fístula aortobroncopulmonar em pós-operatório tardio de cirurgia aórtica. RELATO DE CASO: Mulher, 34 anos, correção cirúrgica de coarctação de aorta na infância, apresentando hemoptise maciça. Ecocardiograma evidenciou pseudoaneurisma. Foi realizada a cirurgia e implantado tubo de dacron no segmento aórtico envolvido com sucesso. CONCLUSÕES: Fístula aortobroncopulmonar deve ser lembrada em pacientes com cirurgia aórtica prévia, principalmente pela elevada morbimortalidade se não diagnosticada e tratada precocemente.

Fístula; hemoptise; aorta torácica


BACKGROUND AND OBJECTIVES: In patients with hemoptysis and a history of aortic surgery, the possibility of aortobronchopulmonary fistula must always be considered. The objective of this study was to report a rare case of hemoptysis due to aortobronchopulmonary fistula in the late postoperative period of aortic surgery. CASE REPORT: Female patient, 34 years, surgical correction of aortic coarctation, presenting massive hemoptysis. The echocardiogram disclosed a pseudoaneurysm. The surgical correction was performed and a Dacron tube graft was implanted in the affected aortic segment successfully. CONCLUSIONS: Aortobronchopulmonary fistulas must be considered in patients with previous aortic surgery, due to the elevated morbimortality if they are not promptly diagnosed and treated.

Fistula; hemoptysis; aorta, thoracic


JUSTIFICATIVA: En pacientes con hemoptisis e historia de cirugía aórtica, la posibilidad de fístula aortobroncopulmonar siempre debe tenerse en cuenta. OBJETIVOS: Relatar un caso raro de hemoptisis por fístula aortobroncopulmonar en postoperatorio tardío de cirugía aórtica. INFORME DE CASO: Mujer, 34 años, corrección quirúrgica de coartación de la aorta en la infancia, presentando hemoptisis masiva. Ecocardiograma mostró evidencias de seudoaneurisma. Se realizó la cirugía, implantándose con éxito un tubo de dacron en el segmento aórtico involucrado. CONCLUSIONES: La fístula aortobroncopulmonar debe ser considerada en pacientes con cirugía aórtica previa, principalmente por la elevada morbimortalidad cuando no es diagnosticada y tratada precozmente.

Fístula; hemoptisis; aorta torácica


RELATO DE CASO

Fístula aortobroncopulmonar em pós-operatório tardio de coarctação da aorta

Antônio Fernando Coelho JúniorI,II; Antônio Amorim de Araújo FilhoII; João Paulo de Vasconcelos LeitãoII; Francisco Cabral JúniorII

IHospital do Coração de Natal - Natal - RN - Brasil

IIHospital Central Coronel Pedro Germano - Natal - RN - Brasil

Correspondência Correspondência: Antônio Fernando Coelho Júnior 1652 C-12, Candelária, 59.064-390 Natal - RN - Brasil E-mail: afcoelho@cardiol.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Em pacientes com hemoptise e história de cirurgia aórtica, a possibilidade de fístula aortobroncopulmonar deve sempre ser considerada. O objetivo deste estudo foi relatar um caso raro de hemoptise por fístula aortobroncopulmonar em pós-operatório tardio de cirurgia aórtica.

RELATO DE CASO: Mulher, 34 anos, correção cirúrgica de coarctação de aorta na infância, apresentando hemoptise maciça. Ecocardiograma evidenciou pseudoaneurisma. Foi realizada a cirurgia e implantado tubo de dacron no segmento aórtico envolvido com sucesso.

CONCLUSÕES: Fístula aortobroncopulmonar deve ser lembrada em pacientes com cirurgia aórtica prévia, principalmente pela elevada morbimortalidade se não diagnosticada e tratada precocemente.

Palavras-chave: Fístula, hemoptise, aorta torácica/cirurgia.

Introdução

Fístulas aortobroncopulmonares são complicações raras e potencialmente fatais de cirurgias de reconstrução da aorta torácica1. Dentre as causas mais comuns estão o aneurisma e a infecção do enxerto de aorta torácica2,3. Atualmente os cirurgiões oferecem boas chances de cura, seja através de técnica menos invasiva (tratamento endovascular) ou cirurgia a céu aberto. Dessa forma, é importante considerar o diagnóstico de fístula aortobroncopulmonar nos pacientes que apresentam hemoptise e foram submetidos à cirurgia da aorta torácica no passado. O atraso no diagnóstico é potencialmente desastroso, apesar de ser um problema comum. É descrito o caso de uma fístula aortobroncopulmonar que ocorreu 26 anos após cirurgia para coarctação de aorta.

Relato de Caso

JFMS, 34 anos, mulher, com hipertensão arterial sistêmica e antecedente de coarctação da aorta corrigida - istimoplastia - aos oito anos, apresentou hemoptise e insuficiência respiratória, necessitando intubação e suporte ventilatório. Admitida na UTI (unidade de terapia intensiva), taquidispnéica, corada, pulsos amplos, bem perfundida, ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas sem sopros, estalidos ou atrito, presença de roncos e sibilos pulmonares difusos bilateralmente, freqüência cardíaca 132 batimentos por minuto e pressão arterial sistêmica 135 X 90 mmHg. Hemoglobina: 9,3g/dL, hematócrito: 29,7%, plaquetas: 232.000, índice de normatização internacional: 1,2, tempo de tromboplastina parcial ativada 30 segundos, fibrinogênio: 400mg/dL. Radiografia do tórax mostrava mediastino alargado e campos pulmonares normais. Eletrocardiograma mostrava taquicardia sinusal. Após dois dias, uma tomografia computadorizada do tórax evidenciou dilatação aneurismática da aorta descendente após a emergência da subclávia esquerda até a altura do átrio esquerdo, medindo 5,8 x 4,5 cm em seus maiores diâmetros, promovendo efeito de massa e comprimindo o brônquio do segmento ápico-posterior (Figura 1). Ecocardiograma transesofágico mostrou pseudoaneurisma (Figura 2). Programado tratamento percutâneo com endoprótese. No oitavo dia de internação, apresentou dois episódios de hemoptise maciça associado à instabilidade hemodinâmica, necessitando de cirurgia de emergência. No intraoperatório, foi identificado grande hematoma envolvendo a aorta torácica, estendendo-se e em contato com brônquio segmentar (segmento apical posterior do lobo superior do pulmão esquerdo). Implantado tubo de dacron no segmento aórtico envolvido, com circulação extracorpórea e reparado o brônquio acometido, tendo boa evolução com alta hospitalar no 15º dia de pós-operatório.



Discussão

A fístula aortobroncopulmonar é uma entidade rara que pode levar à morte se não tratada adequadamente4. Segundo Posacioglu e cols.5, a fístula aortobroncopulmonar foi descrita primeiramente por Keefer e Malory em 19345. A maioria das fístulas aortobroncopulmonares origina-se de aneurisma da aorta torácica, que ocasiona erosão do parênquima pulmonar ou da árvore brônquica5. Pode ter etiologias diversas como tuberculose, sífilis, infecções fúngicas, trauma e, especialmente em idosos, aterosclerose. Particularmente em jovens, como no caso descrito, uma fístula aortobroncopulmonar pode ser secundária à história de correção cirúrgica de defeitos cardíacos congênitos4. Nos casos, secundários à intervenção cirúrgica de aorta, nos quais há o envolvimento de implante de próteses, como na correção da coarctação, podem-se formar aneurismas ou pseudo-aneurismas nas linhas de sutura da prótese, seja a proximal ou a distal.

A correção cirúrgica de coarctação de aorta com uso de prótese ou reparo sintético traz um alto risco de complicações pós-operatórias e reoperações6-8. Knyshov e cols.7estudaram os resultados a longo prazo (entre 1 e 24 anos) dos pós-operatórios de correção cirúrgica de coarctação de aorta de 891 pacientes, mostrando que 48 pacientes (5,4%), numa média de idade de 30 anos, desenvolveram aneurismas no sítio de reparo. Dentre estes, 43 pacientes (89,6%) foram submetidos a aortoplastia com implante de prótese ou reparo sintético7. Este caso torna-se mais raro por ocorrer 26 anos após o procedimento e por não ter sido utilizado reparo sintético.

Uma vez formado o aneurisma, a parede vascular fragilizada é continuamente submetida à distensão em função da pressão arterial, causando dano à aorta e ao parênquima pulmonar subjacente, criando uma comunicação4.

No caso descrito, a manifestação clínica inicial foi hemoptise, que após oito dias repetiu-se de caráter maciço, levando a quadro de choque hemorrágico necessitando intervenção imediata. O procedimento inicialmente proposto não foi realizado pela não disponibilidade imediata de endoprótese auto-expansível em dimensões adequadas para o caso naquele momento. Classicamente, a fístula aortobroncopulmonar está associada à história de hemoptise, sendo esta a principal manifestação clínica5,9. Deve-se sempre considerar a existência de fístula aortobroncopulmonar em pacientes que apresentem hemoptise e história de cirurgia em aorta torácica1. Ela pode aparecer entre três semanas e 25 anos após a cirurgia4. A formação de coágulos pode fazer com que haja um intervalo de dias ou semanas entre os episódios de hemoptise. Ela tende a ser autolimitada e recorrente, agravando-se com o passar do tempo, até ocorrer um episódio de sangramento maciço. Dor precordial pode ser outro sintoma encontrado em aproximadamente 45% dos casos4, embora não tenha ocorrido no caso descrito.

O diagnóstico de fístula aortobroncopulmonar é difícil, já que a radiografia de tórax tende a ser normal ou apresentar infiltrado alveolar causado pelo material sanguinolento, demonstrando o aneurisma em apenas 16% dos casos6. A TC (tomografia computadorizada) e a angiografia geralmente identificam o aneurisma e em menor proporção a fístula4. A visualização da fístula é possível em cerca de 17% dos casos pela TC5. A TC, além do aneurisma, pode demonstrar hematoma periaórtico, trombo mural e extravasamento do contraste para o parênquima pulmonar5. A ressonância magnética é outro exame preconizado pela literatura para o diagnóstico4. Heikkinen e cols.10 demonstraram o trajeto da fístula pela ressonância magnética, apesar de sua visualização ser raramente possível10. A broncoscopia deve ser indicada com cuidado na suspeita de fístula aortobroncopulmonar, principalmente quando há hemoptise abundante, já que pode haver mobilização de trombos formados no trajeto da fístula, podendo levar a uma hemorragia maciça6,10.

Outro fator de risco importante para formação de aneurisma e dissecção aórtica é a hipertensão arterial sistêmica, uma vez que provoca um estresse adicional e fluxo turbulento no sítio do reparo da coarctação7. A paciente referida tem história de hipertensão arterial sistêmica não controlada devido à má aderência ao tratamento medicamentoso, podendo esse fator ter contribuído para o desenvolvimento do quadro clínico.

Conclusão

Deve-se ressaltar a importância do reconhecimento dessa grave entidade clínica, já que é fundamental a realização de um diagnóstico rápido, porque a fístula aortobroncopulmonar pode ser fatal e deve ser considerada uma emergência. O tratamento cirúrgico deve sempre ser instituído imediatamente, mesmo antes do diagnóstico ser completamente confirmado. O prognóstico é bom de maneira geral, resultando numa sobrevida de 76%4-6.

O tratamento endovascular com uso de prótese auto-expansível também tem sido usado, porém ainda se faz necessária a realização de estudos prospectivos aleatórios que estabeleçam os resultados do procedimento e permitam uma análise comparativa com os resultados do tratamento cirúrgico1.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo enviado em 18/10/207; revisado recebido em 24/01/2008; aceito em 29/01/2008

  • 1. Quintana AL, Aguilar EM, Heredero AF, Riambau V, Paul L, Acín F. Aortobronchial fistula after aortic coarctation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006; 131: 240-3.
  • 2. Favre JP, Gournier JP, Adham M, Rosset E, Barral X. Aortobronchial fistula: report of three cases and review of the literature. Surgery. 1994; 115: 264-70.
  • 3. Ishizaki Y, Tada Y, Takagi A, Sato O, Takayama Y, Shirekawa M, et al. Aortobronchial fistula after an aortic operation. Ann Thorac Surg. 1990; 50: 975-7.
  • 4. Calderón AA, Chinarro BJ, Fernández AA, Navarrete OI, Martos AR, Moragues MAJ. Recurrent hemoptysis secondary to an aortobronchial fistula. Arch Bronconeumol. 2005; 41 (6): 352-4.
  • 5. Posacioglu H, Apaydin AZ. Pseudoaneurysm and aortobronchial fistula after aortic coarctation repair by patch aortoplasty. Tex Heart Inst J. 2004; 31: 319-21.
  • 6. Hamilton MCK, Holemans JA, Entwisle J. Aortobronchopulmonary fistula after repair of aortic coarctation. Clin Radiol. 2004; 59: 1044-7.
  • 7. Knyshov GV, Sitar LL, Glagola MD, Atamanyuk MY. Aortic aneurysms at the site of the repair of coarctation of the aorta: a review of 48 patients. Ann Thorac Surg. 1996; 61 (3): 935-9.
  • 8. Bhuyan RR, Rajendran S, Unnikrishnan M, Jayakumar K. Successful repair of aortobronchial fistula using circulatory arrest. ANZ J Surg. 2007; 77(5): 398-9.
  • 9. Kalkat MS, Bonser RS. Management of aortobronchial fistula following coarctation repair. Eur J Cardiothorac Surg. 2003; 23: 116-8.
  • 10. Heikkinen LO, Järvinen AA. Aortopulmonary fistula after coarctation repair with dacron patch aortoplasty. Ann Thorac Surg. 2002; 73: 1634-6.
  • Correspondência:
    Antônio Fernando Coelho Júnior
    1652 C-12, Candelária, 59.064-390
    Natal - RN - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      29 Jan 2008
    • Revisado
      24 Jan 2008
    • Recebido
      18 Out 2007
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br