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Gênero, idade, nível social e fatores de risco cardiovascular: considerações sobre a realidade brasileira

PONTO DE VISTA

Gênero, idade, nível social e fatores de risco cardiovascular: considerações sobre a realidade brasileira

Carlos ScherrI, II; Jorge Pinto RibeiroIII, IV

IUniversidade Gama Filho, Rio de Janeiro, RJ

IIInstituto do Coração e do Diabetes, Rio de Janeiro, RJ

IIIServiço de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

IVFaculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Scherr Avenida Visconde de Pirajá, 595 Sl. 1204 – Ipanema 22410-003 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: scherr@all.com.br

Palavras chave: Fatores de Risco, Identidade de Gênero, Idade, Fatores biológicos, Classe Social, Brasil.

Dados recentes mostram a diminuição da mortalidade por doença aterosclerótica coronária (DAC) nos Estados Unidos. Estima-se que, entre os anos de 1980 e 2000, quase 150.000 mortes foram evitadas (em torno de 44% do total) devido ao controle de fatores de risco (FR), como hipercolesterolemia, hipertensão arterial sistólica, tabagismo e sedentarismo1. Pelos dados do estudo AFIRMAR (estudo de avaliação dos fatores de risco associados com o infarto do miocárdio no Brasil), também se verifica que, no Brasil, a maioria dos FR para infarto agudo do miocárdio (IAM) são passíveis de prevenção2.

Também foi comprovada a associação entre a presença de FR na adolescência e até na meia idade, além do surgimento, no futuro, de placas ateroscleróticas nas coronárias. Da mesma forma, o controle precoce dos FR parece afetar positivamente o aparecimento de DAC3. Portanto, diagnosticar e combater estes fatores são da maior importância do ponto de vista de saúde pública, pois têm como objetivo fazer frente à mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV) no Brasil. Segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, as DCV são responsáveis por grande parte da mortalidade dos brasileiros, correspondendo a 31% do total, sendo proporcionalmente maior nas mulheres em relação aos homens. Se considerada a faixa etária de 40 anos ou mais, este total corresponde quase à soma das três causas seguintes (neoplasia, respiratória e externa)4. Em relação ao restante do mundo, estima-se que 2/3 das mortes por DCV ocorram em países em desenvolvimento, como o Brasil, e correspondam ao dobro em relação aos países desenvolvidos5. Além disso, foi demonstrado que a DAC tem alto custo: tanto para o governo quanto para o setor privado, o tratamento é comparativamente mais caro que em países desenvolvidos6. Neste artigo, discutimos achados de alguns estudos observacionais brasileiros que podem ter implicações em estratégias preventivas.

Existe uma grande influência de fatores biológicos e sociais no perfil de risco dos indivíduos, o que pode levar a uma maior incidência das DCV em alguns segmentos da sociedade3. Em estudo realizado com 343 escolares, constatamos a provável influência do nível social no perfil lipídico. Quando comparados os níveis médios de colesterol dos escolares das instituições particulares de ensino (171mg/dl) aos seus similares públicos/filantrópicos (136mg/dl), esta diferença foi estatisticamente significativa, o que ficou comprovado para ambos os sexos e tambem para a fração de lipoproteína de baixa densidade (LDL)7. Estes resultados suscitaram a hipótese de que as crianças de nível socioeconômico mais baixo "poderiam estar relativamente protegidas". Isso talvez se explique também pelo fato de sua alimentação ser mais dependente da merenda escolar (sob supervisão de nutricionistas), e possivelmente por desenvolverem mais atividade física em suas brincadeiras. Ademais, outro motivo que justifica tais resultados é seu deslocamento ser efetuado a pé, consistindo em atividade mais intensa e constante do que seus pares, que se locomovem habitualmente de carro ou utilizando transportes coletivos.

Seguindo a linha da prevenção primária, avaliamos a presenca de FR no sexo feminino8. Foram entrevistadas 419 mulheres, sendo 97 idosas de um asilo, 98 universitárias, 99 médicas e 125 faxineiras que prestavam servicos em hospitais. A idade média foi de 43 anos, seria menor se excluídas as mulheres do grupo após menopausa. A pressão arterial foi aferida e o colesterol dosado. Como esperado, as idosas tinham uma maior prevalência de FR cardiovascular, tais como hipertensão arterial (HA), diabetes, obesidade e hipercolesterolemia (Tabela 1). Porém, foi nas trabalhadoras da limpeza que encontramos as maiores alterações, apesar da faixa etária ter sido semelhante à das médicas e universitárias. Neste grupo, os níveis de colesterol acima de 200mg/dl e a presença de HA foram semelhantes aos das idosas, mas o tabagismo, obesidade e sedentarismo foram mais prevalentes em relação aos outros grupos. O diabetes, entretanto, somente prevaleceu em relação às médicas e universitárias. Neste caso, fomos levados a concluir que provavelmente o nível socioeconômico influenciou negativamente na presença de FR para as DCV. Pode-se até especular que, no caso das crianças que não têm recursos próprios, a situação de pobreza as leva a um perfil de risco, mais apropriado às cardiopatias. Quando essas crianças crescem e começam a ter alguma possibilidade de decisão em relação aos seus hábitos de vida, associada à falta de informação, perdem esta possível proteção inicial e passam a correr um risco mais elevado8. Este, então, seria outro segmento a necessitar de uma intervenção precoce.

No caso de indivíduos que foram acometidos por DAC ainda em idade jovem, uma análise retrospectiva de 236 pacientes entre 17 e 45 anos9 (média de 38 anos) – sendo 80% homens e 58% com história prévia de IAM –, constatou-se que 80% desse total apresentavam três ou mais FR e 58%, quatro ou mais. Excluindo-se fatores subjetivos como estresse, sedentarismo e obesidade, 88% dos pacientes tinham três ou mais fatores de risco. As alterações mais recorrentes foram tabagismo (75%), sedentarismo (65%) e história familiar (60%). As associações mais frequentes de FR foram as de fumo com diabetes e fumo com hipercolesterolemia10. Na situação daqueles que apresentaram a DAC ainda jovens, é provável que a avaliação tenha sido facilitada pela presença de vários destes fatores num mesmo indivíduo, permitindo uma prevenção primária talvez mais eficaz. É necessário lembrar que este grupo costuma desenvolver a doença com mais gravidade, devido à evolução rápida da aterosclerose e sua localização preferencial na artéria descendente anterior, ocorrência que atingiu 67% de 114 pacientes, internados com história de Síndrome Isquêmica Aguda (SIA)10.

No intuito de incluir pacientes de uma faixa etária mais ampla e em maior número, avaliamos, em corte transversal, uma população de 2.337 pacientes coronarianos em tratamento ambulatorial, com idade variando de 26 a 89 anos, sendo 61% do sexo masculino11. Nesta amostra, encontrou-se uma prevalência maior de FR no sexo feminino. O mesmo ocorreu ao avaliarmos os indivíduos com três ou mais fatores (Tabela 2). Quando comparados os pacientes com idade de 55 anos ou menos com os de 65 ou mais, constatamos a presença significativamente maior de história familiar, ex-tabagismo, obesidade e tabagismo atual no primeiro grupo, onde também foi encontrada uma concentração maior de pacientes com três ou mais fatores, em comparação ao segundo grupo (Tabela 3)12.

Quando analisados estes dados em conjunto, fica a impressão de que os adultos de menor poder econômico apresentam maior risco cardiovascular pela maior prevalência de FR, o que não ocorre na infância, podendo-se concluir que, neste caso, uma melhor informação/educação poderia influenciar e modificar este quadro. Com relação ao sexo e à idade, parece ser mais fácil a identificação dos maiores candidatos a desenvolver aterosclerose, pelo maior acúmulo de FR nas mulheres e nos mais jovens. Cabe lembrar que estes são os grupos que costumam ter pior evolução quando apresentam DAC.

Estudos mostram os beneficios do controle dos FR, como o estudo de Ciorlia e Godoy13, com segmento de ate 20 anos. Neste contexto, podemos concluir que existe uma grande possibilidade de modificação na incidência e talvez na mortalidade por DAC, a partir de campanhas de esclarecimento e prevenção, como as existentes para câncer de mama, dengue e AIDS.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 25/09/08; revisado recebido em 27/11/08; aceito em 06/01/09

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  • Correspondência:

    Carlos Scherr
    Avenida Visconde de Pirajá, 595 Sl. 1204 – Ipanema
    22410-003 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009
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