Resumos
FUNDAMENTO: A análise dos resultados imediatos e a longo prazo da valvoplastia mitral por catéter-balão (VMCB) ainda são escassos na literatura, principalmente no contexto nacional. OBJETIVO: Avaliar os resultados imediatos e tardios dos pacientes submetidos à VMCB. MÉTODO: 330 pacientes consecutivos foram seguidos por 47 ± 36 meses (até 126 meses). Análises univariadas e multivariadas avaliaram os fatores relacionados ao sucesso do procedimento, à reestenose e aos eventos tardios (morte ou necessidade de nova intervenção na valva mitral). O método de Kaplan-Meier estimou a sobrevida livre de eventos. RESULTADOS: Houve sucesso do procedimento em 305 (92,4%). A anatomia valvar mitral foi o principal preditor de sucesso imediato do procedimento. Durante o seguimento, a reestenose ocorreu em 77 (23,3%) pacientes e esteve associada a menor área valvar mitral e maior calcificação antes do procedimento. Ocorreram 67 eventos em um tempo médio de seguimento de 38 ± 26 meses. A probabilidade de sobrevida livre de eventos foi de 95 % em 1 ano, 75% aos 5 anos e 61% aos 10 anos. Os preditores de sobrevida livre de eventos foram: idade, escore ecocardiográfico e resultado imediato do procedimento. CONCLUSÃO: A VMCB é um procedimento efetivo, sendo que mais de 60% dos pacientes estiveram livres de eventos ao final do seguimento. A condição anatômica da valva mitral e a idade do paciente foram os melhores preditores da sobrevida livre de eventos e devem ser levados em consideração na seleção dos pacientes para VMCB.
Dilatação com balão; estenose da valva mitral; avaliação de procesos e resultados (cuidados de saúde)
BACKGROUND: The analysis of immediate and long-term results of mitral valvoplasty by balloon catheter (MVRBC) are still lacking in literature, mainly in the national context. OBJECTIVE: To assess the immediate and late results of patients submitted to mitral valve repair by balloon catheter. METHOD: A total of 330 consecutive patients were followed-up by 47 ± 36 months (up to 126 months). Univariate and multivariate analyses assessed the factors associated with the success of the procedure, restenosis and late events (death or necessity of new intervention on mitral valve). Kaplan-Meier method estimated survival without events. RESULTS: The procedure was successful in 305 cases (92.4%). The mitral valve anatomy was the main predictor for immediate success for the procedure. During the procedure, restenosis occurred in 77 (23.3%) patients and was associated with smaller mitral valve area and with larger calcification before the process. In a mean period of 38 ± 26-month follow-up, 67 events occurred. The probability of survival without events was of 95% in one year, 75% in five years and 61% in ten years. The predictors of survival without events were: age, echocardiography score and immediate result of the procedure. CONCLUSION: Mitral valve repair by balloon catheter is an effective procedure, as 60% patients did not present events after the follow-up. The anatomical condition of the mitral valve and the patient's age were the best predictors of survival without events, and should be taken into account when selecting patients for the mentioned procedure. (Arq Bras Cardiol 2010; 94(3):383-390)
Balloon dilatation; mitral valve stenosis; outcome and process assessment (health care)
ARTIGO ORIGINAL
VALVOPLASTIA PERCUTÂNEA
Resultados imediatos e tardios da valvoplastia mitral percutânea em pacientes com estenose mitral
Luiz Francisco Cardoso; Carlos Vinetou Ayres; André Moreira Bento; Flávio Tarasoutchi; Marcelo Luiz Vieira; Max Grinberg
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor)
Correspondência Correspondência: Luiz Francisco Cardoso Rua Barata Ribeiro, 237 cj 26 - Bela Vista 01308-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: lcardoso@cardiol.br
RESUMO
FUNDAMENTO: A análise dos resultados imediatos e a longo prazo da valvoplastia mitral por catéter-balão (VMCB) ainda são escassos na literatura, principalmente no contexto nacional.
OBJETIVO: Avaliar os resultados imediatos e tardios dos pacientes submetidos à VMCB.
MÉTODO: 330 pacientes consecutivos foram seguidos por 47 ± 36 meses (até 126 meses). Análises univariadas e multivariadas avaliaram os fatores relacionados ao sucesso do procedimento, à reestenose e aos eventos tardios (morte ou necessidade de nova intervenção na valva mitral). O método de Kaplan-Meier estimou a sobrevida livre de eventos.
RESULTADOS: Houve sucesso do procedimento em 305 (92,4%). A anatomia valvar mitral foi o principal preditor de sucesso imediato do procedimento. Durante o seguimento, a reestenose ocorreu em 77 (23,3%) pacientes e esteve associada a menor área valvar mitral e maior calcificação antes do procedimento. Ocorreram 67 eventos em um tempo médio de seguimento de 38 ± 26 meses. A probabilidade de sobrevida livre de eventos foi de 95 % em 1 ano, 75% aos 5 anos e 61% aos 10 anos. Os preditores de sobrevida livre de eventos foram: idade, escore ecocardiográfico e resultado imediato do procedimento.
CONCLUSÃO: A VMCB é um procedimento efetivo, sendo que mais de 60% dos pacientes estiveram livres de eventos ao final do seguimento. A condição anatômica da valva mitral e a idade do paciente foram os melhores preditores da sobrevida livre de eventos e devem ser levados em consideração na seleção dos pacientes para VMCB.
Palavras Chave: Dilatação com balão, estenose da valva mitral, avaliação de procesos e resultados (cuidados de saúde).
Introdução
Desde a introdução da técnica de dilatação por balão da estenose mitral em 19841, a valvoplastia mitral por cateter balão (VMCB) tem se revelado um tratamento efetivo para a estenose mitral em pacientes selecionados. A possibilidade de sua realização, mesmo em situações em que há elevado risco cirúrgico, evitando as complicações inerentes ao binômio toracotomia-circulação extracorpórea, tornou a VMCB opção terapêutica em relação ao tratamento cirúrgico. Redução do tempo de internação hospitalar, diminuição de custos hospitalares, baixa morbidade e mortalidade são outras vantagens que tornam este método extremamente atrativo, como alternativa à cirurgia. Após o procedimento, a melhora imediata da área valvar e a sobrevida livre de eventos a médio e curto prazo2-4 são comparáveis à comissurotomia cirúrgica5,6. Muitos fatores têm sido sugeridos como determinantes do sucesso tardio da VMCB, incluindo: idade, aspectos morfológicos da valva, ritmo cardíaco, débito cardíaco, área valvar mitral (AVM) e experiência do centro intervencionista7-18. No entanto, ainda há incertezas no que se refere ao poder preditivo destas variáveis, visto que os resultados não são homogêneos e alguns pesquisadores não evidenciaram associação entre estes fatores acima mencionados e os resultados a longo prazo7,9-19. Diferenças regionais no perfil dos pacientes, no método utilizado para a análise morfológica da valva mitral e na técnica praticada no procedimento talvez possam justificar estas variações nos resultados encontrados. A possibilidade de demonstrar a experiência de um único centro brasileiro, nos motivou a desenvolver esta análise da evolução a curto e longo prazo de pacientes submetidos à VMCB, com o objetivo de identificar os fatores relacionados ao sucesso imediato e tardio deste procedimento.
Métodos
Foram acompanhados 330 pacientes portadores de estenose mitral reumática sintomática, submetidos consecutivamente à VMCB no período de agosto de 1987 a dezembro de 1997, no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor HCFMUSP) (Tabela 1). A seleção dos pacientes foi feita pela anamnese, exame físico e ecodopplercardiografia bidimensional (ECO). Foram incluídos os pacientes com classe funcional II ou superior (de acordo com a NYHA) com escore ecocardiográfico considerado adequado à VMCB e pacientes com escore acima do ideal, mas com alto risco cirúrgico. Foram excluídos os pacientes com insuficiência mitral (IM) de grau além de discreto e portadores de outra cardiopatia com indicação cirúrgica. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Todos os pacientes realizaram avaliação clínica através de história e exame físico e ou exames complementares nos seguintes momentos: imediatamente antes da VMCB (PRE), após a VMCB (POI) antes da alta hospitalar, 30 dias após a alta hospitalar, 6 meses após a VMCB (PO6M), 12 meses após a VMCB (PO12M) e, a seguir, a cada 12 meses, até o limite de 120 meses.
A avaliação clínica foi realizada em todos os momentos descritos e constou de história e exame físico completos. Para fins do estudo foi particularmente quantificada a classe funcional, de acordo com os critérios da NYHA, presença de complicações no pós-operatório imediato e os eventos assim definidos: óbitos cardiovasculares, óbitos não cardiovasculares, nova intervenção na valva mitral, seja através de cirurgia ou nova VMCB. Quarenta e seis pacientes (13,9%) realizaram as reavaliações clínicas fora da instituição e os seus dados clínicos foram obtidos por carta ou telefone.
O estudo ecocardiográfico foi realizado em todos os momentos descritos, exceto pela avaliação de 30 dias após a alta hospitalar. As imagens obtidas pelo ECO possibilitaram a avaliação dos parâmetros morfológicos utilizados na graduação do comprometimento valvar e a quantificação do grau de refluxo valvar mitral. As variáveis consideradas foram: estudo morfológico da valva mitral (escore ecocardiográfico), gradiente transvalvar mitral médio (G) em mmHg, área valvar mitral (AVM) em cm2 e grau de IM. O estudo morfológico da valva mitral baseou-se em análise semi-quantitativa, estabelecendo-se nota de 1 (comprometimento discreto) a 4 (comprometimento severo) para mobilidade, espessamento e calcificação das cúspides bem como o comprometimento fibrótico do aparelho subvalvar. A somatória dessas notas resultou no escore ecocardiográfico total, de acordo com os critérios propostos por Wilkins e cols.10. Com o Doppler contínuo e o mapeamento de fluxo em cores, a partir da janela apical, obteve-se a melhor curva de velocidade do fluxo mitral para o cálculo da AVM e do G mitral médio20,21. O Doppler pulsátil e/ou o mapeamento de fluxo em cores foram utilizados na detecção e avaliação semi-quantitativa do grau de IM22.
A VMCB foi feita exclusivamente pelo mesmo hemodinamicista, usando a técnica de cateterização de coração direito e abordagem trans-septal. A abordagem por catéter único ou duplo foi usada, de acordo com a disponibilidade do material. A técnica de duplo balão foi usada em 83 (25,2%) pacientes. Os balões unifoil, bifoil e trifoil foram usados em 4 (1,2%), 30 (9,1%) e 8 (2,4%) pacientes, respectivamente. O balão de Inoue foi usado nos demais 205 (62,1%) pacientes. Foram feitas medidas hemodinâmicas, incluindo, pressão atrial esquerda, pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, G pressórico pela valva mitral e débito cardíaco (pelo método de termodiluição) antes e depois da dilatação por balão. A dilatação por balão foi repetida até ser obtida queda satisfatória do G mitral, melhora da ausculta cardíaca, surgimento de regurgitação mitral ou outras complicações.
Foi considerado como sucesso o achado de AVM após o procedimento, calculada ao ECO, maior ou igual a 1,5 cm2 ou ganho de 50% em relação à área medida antes do procedimento.
Foi definida como re-estenose a ocorrência, durante o acompanhamento, de AVM, calculada pelo ECO, inferior a 1,5 cm2 ou perda de pelo menos 50% do ganho inicial obtido no primeiro ECO pós-procedimento (POI).
Foram considerados eventos principais: a necessidade de nova intervenção na valva mitral (cirurgia ou VMCB) e a ocorrência de óbito de origem cardiovascular ou não cardiovascular.
Análise estatística
Análises univariadas e multivariadas foram realizadas para estudar os seguintes fatores relacionados ao sucesso do procedimento: sexo, idade, classe funcional da NYHA (II versus III ou IV), ritmo (sinusal ou não sinusal), escore ecocardiográfico total (< 8 versus > 8), mobilidade (1 e 2 versus 3 e 4), espessamento (1 e 2 versus 3 e 4), calcificação (1 e 2 versus 3 e 4), subvalvar (1 e 2 versus 3 e 4), AVM, G mitral médio e grau de IM no pré-procedimento.
Os fatores preditivos de re-estenose e eventos no seguimento dos pacientes também foram estudados através de análise univariada e multivariada. Além das variáveis utilizadas para análise do sucesso, foram incluídas as medidas da AVM e G mitral médio adquiridos no ECO realizado no POI.
Para estimar a probabilidade de sobrevida livre de eventos combinados ao longo do tempo utilizou-se o método de Kaplan-Meier.
Para comparar as variáveis qualitativas utilizou-se o teste de Qui-quadrado ou o teste Exato de Fisher. Para comparar as variáveis quantitativas utilizou-se o teste t-Student.
Através da análise multivariada e regressão logística correlacionou-se a probabilidade de sucesso, re-estenose e eventos, com as variáveis pré-determinadas na análise univariada.
O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.
Resultados
Imediatos
A VMCB foi considerada com sucesso em 305 (92,4%) pacientes. Em sete pacientes ocorreu dificuldades técnicas e nos demais a AVM obtida não atingiu os critérios de sucesso. Em média, a AVM aumentou de 1,00 ± 0,23 cm2 para 2,03 ± 0.41 cm2 após a VMCB (p<0,001). Acompanhando este achado o G transmitral médio diminuiu de 12 ± 5 mmHg para 5 ± 3 mmHg (p<0,001). Após o procedimento, a IM foi considerada ausente em 171 pacientes, de grau discreto em 106 pacientes, moderada em 38 pacientes e grave em 15 pacientes. Outras complicações relacionadas ao procedimento ocorreram em 14 (4,2%) pacientes, sendo que 9 (2,7%) pacientes apresentaram tamponamento cardíaco, 4 (1,2%) pacientes apresentaram embolia para o sistema nervoso central e um apresentou (0,3%) embolia periférica.
Os resultados da análise univariada para os fatores preditivos de sucesso estão listados na Tabela 2. A média etária dos pacientes com sucesso do procedimento foi significativamente menor (p=0,001). Foram considerados fatores preditivos de sucesso para a VMCB menor comprometimento fibrótico do aparelho subvalvar (p=0,002), menor espessamento (p=0,019) e maior mobilidade das cúspides valvares (p=0,034), bem como o escore ecocardiográfico total inferior a 8 (p<0,001).
Através da análise multivariada identificou-se apenas o escore ecocardiográfico inferior a 8 como fator preditivo de sucesso para a VMCB. Além disso, determinou-se que a chance de ocorrer insucesso foi cerca de 7,47 vezes maior nos indivíduos com valor superior a 8 (Intervalo de Confiança 95%, 2,559 a 21,830 - p=0,002).
Tardios
O tempo de acompanhamento médio para todos os pacientes que realizaram a VMCB foi de 47 ± 36 meses. Duzentos e oitenta e quatro (86,06%) pacientes que foram acompanhados além da primeira consulta clínica, aos 30 dias, apresentaram tempo médio de seguimento de 54 ± 34 meses (variando de 2 a 126 meses).
Reestenose
Durante o seguimento, 77 (23,3%) pacientes apresentaram critérios ecocardiográficos para re-estenose em um tempo médio de 62 ± 32 meses após a VMCB. A área valvar média e o G mitral destes pacientes foram 1,07 ± 0,19 cm2 e 9,5 ± 4,1 mmHg, respectivamente.
Através da análise univariada identificou-se três variáveis relacionadas à maior probabilidade de re-estenose durante o seguimento (Tabela 3). Pacientes que desenvolveram re-estenose apresentavam maior intensidade de calcificação valvar mitral (p=0,029), AVM significativamente menor no PRE (p=0,018), e inferior a 2,0 cm2 no POI (p=0,015).
A análise multivariada, através de regressão logística, identificou apenas a AVM no PRE e o maior grau de calcificação valvar como os principais fatores preditivos de re-estenose.
Eventos clínicos
Foram observados 67 (20,3%) eventos durante o período de seguimento a um tempo médio de 38 ± 26 meses após a VMCB.
Ocorreram dezessete óbitos (4,84%) em 33 ± 19 meses após o procedimento. As causas dos óbitos estão descritas na Tabela 4.
Quarenta e três (13,0%) pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico durante o seguimento. Em 18 (5,45%) houve necessidade de implante de prótese cardíaca em 30 ± 28 meses após a VMCB. Comissurotomia mitral foi realizada em 23 (6,96%) pacientes no período de 48 ± 25 meses e plástica da valva mitral em outros 2 (0,6%) pacientes em 6 ± 3 meses após a VMCB. Nova valvoplastia mitral foi realizada em 7 pacientes (2,12%) em 64 ± 22 meses após a primeira VMCB.
A probabilidade de sobrevida livre de eventos (cirurgia, valvoplastia, ou óbito) foi de 94,99 ± 1,31% em 1 ano, 75,14 ± 3,03% aos 5 anos e 61,44 ± 4,36 aos 8 anos mantendo-se até o final dos 10 anos de acompanhamento (Figura 1). Não ocorreram eventos após o oitavo ano de seguimento. Foram identificadas, através da análise univariada, sete variáveis relacionadas à probabilidade de eventos durante o seguimento (Tabela 5). Pacientes que desenvolveram evento apresentavam média etária significativamente mais elevada (p=0,010), menor AVM no PRE (p=0,009), reduzida mobilidade de suas cúspides (p=0,021), maior grau de calcificação valvar (p=0,001) e escore ecocardiográfico superior a oito (p=0,029) no PRE. No POI, o G transvalvar médio mais elevado (p<0,001) e AVM menor do que 2,00 cm2 (p=0,009) também foram preditivos de eventos e tiveram correlação com a taxa de eventos a longo prazo.
Através da análise multivariada, identificou-se serem mais fortemente relacionadas à presença de eventos a longo prazo as seguintes variáveis: idade mais avançada, menor AVM no PRE e maior valor de G transvalvar mitral médio no POI.
Discussão
Na literatura médica, trabalhos com análises evolutivas de diferentes tempos de seguimento da VMCB variam de 1 a 12 anos7-18, no entanto, as populações estudadas diferem em seu perfil sócio-econômico, étnico, cultural, etário, além das características clínicas e ecocardiográficas das observadas em nosso estudo. Tantas particularidades ressaltam a importância de se conhecer os resultados a longo prazo da VMCB no contexto nacional, representada por escassos, embora valiosos estudos7,23.
A idade média dos pacientes deste estudo foi de 35 ± 13 anos, intermediária entre aquela de outros países em desenvolvimento24, mais jovens, e as médias etárias dos pacientes dos países da Europa25,26 e Estados Unidos da América8,27, consideradas mais elevadas. Nos estudos norte-americanos de Palácios e cols.27 e Cohen e cols.8, as médias etárias dos pacientes eram de 55 e 59 anos, respectivamente. Esta observação se justifica pelo fato da doença reumática ser endêmica e o acometimento cardíaco acontecer mais precocemente nos países em desenvolvimento.
Nosso trabalho relata a VMCB numa população primordialmente de mulheres jovens, com válvulas consideradas ideais para a realização de VMCB. Embora alguns pacientes com um perfil menos favorável também estejam presentes em nosso trabalho. A predominância do sexo feminino (89%) em nosso estudo é condizente com outros estudos7,8,25-28.
O escore ecocardiográfico médio de nossa população foi de 6,77, e apenas 14 pacientes, considerados de risco aumentado para o tratamento cirúrgico, tinham escore ecocardiográfico acima de 9. Proporções semelhantes de pacientes com morfologia valvar desfavorável foram apresentadas por outros autores7,27.
Resultados imediatos
Utilizando os critérios definidos anteriormente, a VMCB obteve sucesso em 92,4% dos casos, acompanhado de melhora clinica logo após o procedimento e a longo prazo. Esta incidência de sucesso é similar ao relatado anteriormente11,29-31, embora a definição de sucesso possa ter variado entre os relatos.
Em nosso estudo, a analise univariada detectou como fatores preditores de sucesso: idade, escore ecocardiográfico, espessamento subvalvar e mobilidade das cúspides. A analise multivariada demonstrou que a variável de maior poder foi o escore ecocardiográfico abaixo de 9. Os resultados da VMCB, de maneira semelhante à observada na comissurotomia mitral, estão diretamente relacionados ao grau de envolvimento do aparelho valvar. A análise ecocardiográfica da anatomia mitral, usando-se o escore, embora possa apresentar certo grau de variabilidade entre observadores, tem se demonstrado um método sensível e efetivo de quantificar as alterações da estrutura mitral. Vários estudos sobre a VMCB3,11,23,25,26, usando os mesmos critérios de análise da morfologia valvar também demonstram ser o escore ecocardiográfico, o mais importante preditor de sucesso. Efeitos adversos da VMCB foram infreqüentes. Encontramos 14 casos (4,23%) de complicações não valvares (tamponamento cardíaco e embolia) e 15 casos (4,5%) de IM importante. Esta incidência de complicações é similar ao descrito por outros autores3,32.
Resultados Tardios
Reestenose
A progressão da lesão valvar na doença reumática pode ser resultante de uma atividade reumática sub-clínica e/ou pelo fluxo turbulento gerado em cima de uma valva já deformada. Tais condições podem contribuir para um aumento da fusão comissural, espessamento e calcificação do aparelho de uma valva já previamente deformada. Estas condições podem ocorrer tanto em válvulas ainda sem abordagem bem como valvas com procedimentos prévios. Re-estenose é um termo ambíguo que pode incluir o resultado inadequado da VMCB, a inacurácia da determinação da AVM, a verdadeira re-estenose e a progressão da doença. A definição de re-estenose não é homogênea nos vários estudos, podendo ser baseada em aspectos clínicos, AVM, perda absoluta de área valvar, percentagem de perda desta área ou ausência de aumento da área. Toda esta variabilidade de fatores e de critérios empregados podem justificar a grande diferença da taxa de re-estenose entre os diversos relatos, variando de 3% a 70% em um período de 1 a 3 anos33,34. Escore ecocardiográfico24,33,34 acima de 8 e presença de calcificação35 antes da VMCB e reduzida AVM26,36 após a VMCB já foram relatados como preditores de re-estenose em outros estudos. Em nosso estudo, em 10 anos, a taxa de re-estenose foi 23,3%, e aconteceu depois de um tempo médio de 62 ± 32 meses. A importância do estudo da re-estenose se baseia no fato de que esta é a causa mais freqüente de um novo procedimento. Dos 43 pacientes operados, re-estenose foi o diagnóstico em 26 casos. Nossos resultados suportam que a análise ecocardiográfica é essencial para determinar os pacientes com elevada probabilidade de desenvolver re-estenose a longo prazo e, portanto, é útil para selecionar a melhor opção terapêutica.
Eventos
A anatomia valvar é um importante preditor de resultados insatisfatórios a longo prazo em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de estenose mitral37,38. Desde o princípio da utilização da VMCB o escore ecocardiográfico já havia sido identificado como preditor de resultados imediatos e a médio prazo11,25,30,32. Nossos resultados suportam que um escore acima de 8 está fortemente relacionado com eventos no seguimento a longo prazo. Apesar da maioria dos nossos pacientes não apresentar escore de calcificação elevado (3 ou 4), este, quando presente, foi relacionado com o desenvolvimento de eventos tardios. Em nossa análise, AVM antes do procedimento foi significativamente menor naqueles com eventos tardios. Este achado foi relatado por outros estudos26,29,30,35 e pode estar associado com a maior taxa de re-estenose neste grupo de pacientes.
Outras duas variáveis relacionadas ao sucesso imediato da VMCB, o G transvalvar mitral e a AVM no POI, também foram preditores de eventos tardios. Este resultado está em concordância com outros autores11,26,28,29 e enfatiza a importância do resultado imediato da VMCB na evolução a longo prazo. Assim como em nosso estudo, a idade também já foi descrita como um fator preditor de eventos tardios em outros estudos25,27-29,35.
Portanto, o resultado imediato também está relacionado ao prognóstico de longo prazo. A análise da anatomia mitral é essencial para determinar aqueles que têm maiores chances de conseguir bons resultados com a VMCB, pois pode prever resultados imediatos e de longo prazo.
Conclusão
Os resultados deste estudo fornecem dados adicionais sobre as evidências que sugerem que a VMCB é um procedimento seguro e eficaz para a o alcance de benefício a longo prazo em pacientes com estenose mitral sintomática. A condição anatômica da valva mitral e a idade do paciente foram os mais potentes preditores de sobrevida livre de eventos. Isto deve ser levado em consideração na seleção dos pacientes para comissurotomia mitral percutânea.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte de tese de Doutorado de Carlos Vinetou Ayres pela Faculdade de Medicina de São Paulo.
Artigo recebido em 08/12/08; revisado e recebido em 29/04/09; aceito em 01/07/09.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Abr 2010 -
Data do Fascículo
Mar 2010
Histórico
-
Revisado
29 Abr 2009 -
Recebido
08 Dez 2008 -
Aceito
01 Jul 2009