Resumos
FUNDAMENTO: Detecção de retinopatia hipertensiva (RH) com oftalmoscopia direta é parte da avaliação de pacientes hipertensos. Sua utilização tem sido questionada devido a sua subjetividade e alta variabilidade interobservador. OBJETIVO: Determinar a prevalência de RH em hipertensos em acompanhamento ambulatorial, a concordância do diagnóstico com a oftalmoscopia e a retinografia e correlacioná-la com outras lesões de órgão-alvo. MÉTODOS: Estudo observacional, analítico e transversal, com a avaliação de 99 pacientes. Oftalmoscopia direta e retinografia realizadas por dois examinadores de forma independente. Classificação da RH, conforme descrito por Keith, Wagener e Barker. RESULTADOS: A prevalência da RH de qualquer grau foi maior que 90,0%, por ambos os métodos. Na oftalmoscopia, observamos alterações de grau I em 51,0%, e de grau II em 43,0%, com um paciente apresentando RH de grau III. Na retinografia, observamos alterações de grau I em 42,0%, e grau II em 52,0%, sendo detectados três pacientes com RH de grau III, dois dos quais não detectados pela oftalmoscopia. A concordância entre os observadores para a presença e gravidade de RH foi fraca com oftalmoscopia direta e boa com a retinografia. Disfunção renal, alterações eletrocardiográficas (hipertrofia ventricular, onda q patológica, alteração de repolarização), e história de acidente vascular cerebral foram observadas em 70,0%, 27,0% e 10,0% dos pacientes, respectivamente. Não houve relação entre a gravidade da RH e as demais lesões de órgão-alvo. CONCLUSÃO: Foi observada uma alta prevalência de RH por ambos os métodos. A concordância entre os observadores para o diagnóstico e determinação da gravidade da RH foi melhor com a retinografia. Não houve, na amostra estudada, associação da gravidade da RH com outras lesões de órgão-alvo.
Oftalmoscopia; retina; hipertensão
BACKGROUND: Detection of hypertensive retinopathy (HR) with direct ophthalmoscopy is part of the assessment of hypertensive patients. Its use has been questioned because of its subjectivity and high interobserver variability. OBJECTIVE: To determine the prevalence of HR in hypertensive patients under outpatient monitoring, the correlation between diagnosis and ophthalmoscopy and angiography, and to correlate it with other target organ damages. METHODS: An observational, analytical and cross-sectional evaluation of 99 patients. Direct ophthalmoscopy and angiography performed by two investigators independently. Classification of RH, as described by Keith, Wagener and Barker. RESULTS: The prevalence of HR of any grade was higher than 90.0% by both methods. On ophthalmoscopy, we observed grade I abnormalities in 51.0%, grade II in 43.0%, with one patient with grade III HR. On angiography, we observed grade I abnormalities in 42.0% and grade II in 52.0%. We detected three patients with grade III HR, two of which were not detected by ophthalmoscopy. Observers' agreement for the presence and severity of HR was poor with direct ophthalmoscopy and good with angiography. Renal dysfunction, ECG abnormalities (ventricular hypertrophy, pathological Q wave, repolarization abnormalities), and history of stroke were observed in 70.0%, 27.0% and 10.0% of patients, respectively. There was no relationship between the severity of HR and other target organ damages. CONCLUSION: We observed a high prevalence of HR using both methods. Observers' agreement for the diagnosis and determination of the severity of HR was better with angiography. In our sample, there was no association of the severity of HR with other target organ damages.
Ophthalmoscopy; retina; hypertension
ARTIGO ORIGINAL
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
Oftalmoscopia direta versus retinografia da detecção de retinopatia hipertensiva: estudo comparativo
José Albuquerque de Figueiredo Neto; Guilherme Lima Palácio; Allison Nobrega dos Santos; Pamela Suelen Serra Chaves; Germana Viana Gomes; Tassiane Soares Cabral
Universidade Federal do Maranhão, São Luiz, MA - Brasil
Correspondência Correspondência: José Albuquerque de Figueiredo Neto Rua Rui Ribeiro Mesquita - Ed. Dom Gabriel, apto 402 - Calhau 65075-260 - São Luiz, MA - Brasil E-mail: jafneto@cardiol.br, jafneto@terra.com.br
RESUMO
FUNDAMENTO: Detecção de retinopatia hipertensiva (RH) com oftalmoscopia direta é parte da avaliação de pacientes hipertensos. Sua utilização tem sido questionada devido a sua subjetividade e alta variabilidade interobservador.
OBJETIVO: Determinar a prevalência de RH em hipertensos em acompanhamento ambulatorial, a concordância do diagnóstico com a oftalmoscopia e a retinografia e correlacioná-la com outras lesões de órgão-alvo.
MÉTODOS: Estudo observacional, analítico e transversal, com a avaliação de 99 pacientes. Oftalmoscopia direta e retinografia realizadas por dois examinadores de forma independente. Classificação da RH, conforme descrito por Keith, Wagener e Barker.
RESULTADOS: A prevalência da RH de qualquer grau foi maior que 90,0%, por ambos os métodos. Na oftalmoscopia, observamos alterações de grau I em 51,0%, e de grau II em 43,0%, com um paciente apresentando RH de grau III. Na retinografia, observamos alterações de grau I em 42,0%, e grau II em 52,0%, sendo detectados três pacientes com RH de grau III, dois dos quais não detectados pela oftalmoscopia. A concordância entre os observadores para a presença e gravidade de RH foi fraca com oftalmoscopia direta e boa com a retinografia. Disfunção renal, alterações eletrocardiográficas (hipertrofia ventricular, onda q patológica, alteração de repolarização), e história de acidente vascular cerebral foram observadas em 70,0%, 27,0% e 10,0% dos pacientes, respectivamente. Não houve relação entre a gravidade da RH e as demais lesões de órgão-alvo.
CONCLUSÃO: Foi observada uma alta prevalência de RH por ambos os métodos. A concordância entre os observadores para o diagnóstico e determinação da gravidade da RH foi melhor com a retinografia. Não houve, na amostra estudada, associação da gravidade da RH com outras lesões de órgão-alvo.
Palavras-chave: Oftalmoscopia, retina/lesões, hipertensão.
Introdução
Retinopatia hipertensiva (RH) é uma condição caracterizada por um espectro de sinais vasculares retinianos que se desenvolvem em pessoas com hipertensão arterial1. Sua detecção com oftalmoscopia direta (OD) é parte da avaliação de pacientes hipertensos2, mas sua utilização tem sido questionada devido a sua subjetividade e a alta variabilidade do interobservador 3.
O sétimo "Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure" e as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial listam a RH como um dos marcadores de lesão de órgão-alvo, sendo, portanto, critério para indicação de tratamento4,5.
Estudos clássicos sobre alterações retinianas em HA são atualmente questionados devido a alguns fatores6,7: inclusão de pacientes não tratados ou não controlados, diagnóstico realizado somente com OD e associação da RH com mortalidade em estudos onde não havia controle de outros fatores de risco atualmente conhecidos, que poderiam atuar com fatores de confusão8-11.
Estudos recentes, utilizando retinografia12-17, mostraram alta reprodutibilidade na avaliação de microaneurismas, hemorragias, cruzamentos arteriovenosos anormais, estreitamentos arteriolares focais ou generalizados. Contudo, poucos estudos comparam a sensibilidade e reprodutibilidade entre a retinografia e a OD na detecção de RH18.
Outro questionamento no estudo da RH é que alguns sinais parecem estar associados a determinadas condições clínicas19.
Realizamos este estudo devido a importância da HA como causa de morbimortalidade, a ausência de dados sobre a prevalência de RH em nosso meio, a ausência de estudos comparando a OD com a retinografia no seu diagnóstico e as incertezas quanto à utilidade da sua detecção na avaliação do risco cardiovascular e associação com outras lesões de órgão-alvo.
Os objetivos foram determinar a prevalência da RH em pacientes em acompanhamento numa Liga de Hipertensão Arterial de um Hospital Universitário, avaliar a concordância entre a OD e a retinografia digital (RD) na detecção de RH; estudar a associação de RH com outras lesões de órgão-alvo.
Metodologia
Tipo de estudo
Estudo transversal, analítico, realizado de jun-dez/2008, em uma Liga de Hipertensão Arterial de um Hospital Universitário.
Amostra
Os pacientes foram selecionados por conveniência à proporção que se apresentaram para as consultas de rotina, observando-se os critérios de exclusão do estudo, que foram:
a. Diabete melito;
b. Opacidades de meios (leucoma, hemorragia vítrea, catarata);
c. Descolamento de retina;
d. Falta de dados clínicos sistêmicos no prontuário da Liga de Hipertensão.
Foram examinados consecutivamente 131 pacientes. Foram excluídos 32 pacientes: um por duplicidade de avaliação, três por opacidade de meios ao exame oftalmológico, 6 devido a dados insuficientes em seu prontuário e 22 por apresentar diabete. Foram avaliados 99 pacientes.
Coleta de dados
Realizada através de exames clínicos e oftalmológicos, a saber:
a. Exames clínicos - os pacientes foram submetidos a exame clínico sistêmico, sendo avaliada a presença de fatores de risco para doença cardiovascular e categorizada a sua hipertensão, quanto à gravidade, de acordo com as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial4.
b. Exames laboratoriais de rotina - análise de urina, potássio e creatinina, glicemia de jejum, colesterol total, LDL, HDL e triglicérides - de acordo com a V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial4.
c. Eletrocardiograma de 12 derivações, sendo avaliada alterações compatíveis com sobrecarga ventricular esquerda (critério Cornell), e avaliada presença de onda q patológica e alteração da repolarização ventricular.
O cleareance estimado de creatinina foi calculado de acordo com a fórmula de Cockcroft-Gault. A diminuição da função renal foi considerada quando menor de 60 ml/min.
Exame oftalmológico foi realizado, incluindo medida da acuidade visual, biomicroscopia e tonometria de aplanação. Também se realizaram oftalmoscopia direta com oftalmoscópio coaxial 3.5 V (Welch Allyn, Skaneateles Falls, Estados Unidos) e retinografia com equipamento CF60 Uvi (Canon, Tóquio, Japão) com sistema digital Eye Q Pro (Canon, Tóquio, Japão), após dilatação pupilar com Tropicamida 1,0% colírio. As imagens foram obtidas em campo de 60 graus, centradas no centro da mácula.
Cada paciente foi submetido à fundoscopia por dois oftalmologistas, com experiência semelhante e de forma independente. As retinografias também foram interpretadas por esses médicos, sem conhecimento prévio das condições clínicas dos pacientes, de forma independente. Em um segundo momento, foi realizada uma nova interpretação de forma consensual. Foi realizada classificação da RH conforme descrito por Keith, Wagener e Barker6.
Análise estatística
Os dados foram avaliados pelo programa Epi Info 3.4.3 (2007). As variáveis quantitativas foram apresentadas em médias e desvio-padrão. As variáveis qualitativas foram apresentadas em frequências e porcentagens.
Quanto aos achados fundoscópicos e retinográficos, foi avaliado o coeficiente de concordância Kappa entre os examinadores. A concordância foi considerada pobre em casos de coeficiente Kappa menor que 0,20; fraca, entre 0,21-0,40; moderada, entre 0,41-0,60; boa, entre 0,61-0,80; e muito boa quando foi maior do que 0,80.
Para verificar a associação entre os fatores de risco e a gravidade da RH foi utilizado o teste exato de Fisher. Foi adotado um nível de significância de 5,0%.
Aspectos éticos
Os dados foram coletados após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Processo 33104-178/2007) e os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Foram avaliados 99 pacientes, cujos aspectos demográficos se apresentam na Tabela 1.
A análise da presença de fatores de risco para doenças cardiovasculares revelou que os mesmos não possuíam fator de risco, além da HA em 9,1% dos casos, um ou dois fatores em 45,5% e três ou mais fatores ou doença cardiovascular em 24,2% (Tabela 2).
Quanto ao tempo de diagnóstico da hipertensão, 42,4% dos pacientes tinham menos que 6 anos, 21,2%, entre 6 e 10, e 36,4% mais do que 10 anos. Não foi observada associação entre o tempo de diagnóstico e a presença de retinopatia (p > 0,05).
O estadiamento da HA pode ser observado na Tabela 3.
A frequência das lesões de órgão-alvo consta na Tabela 4.
A prevalência de RH utilizando a OD e a retinografia digital, bem como o consenso da retinografia pelos dois observadores, está representada na Tabela 5.
O coeficiente de concordância entre os observadores para a presença de RH com OD foi fraco, com Kappa igual a 0,22 IC 95% [0,38 - 0,83].
Entretanto, houve bom coeficiente de concordância para a presença de RH com retinografia digital, com valor de Kappa igual a 0,66 IC 95% [0,00 - 1,37].
Quando avaliamos o coeficiente de concordância entre os observadores na distinção de retinopatia grau I e grau II através da OD, este mostrou-se fraco, com Kappa igual a 0,33 IC 95% [0,13 - 0,52].
Nessa mesma análise de distinção de gravidade de RH entre os graus I e II, observou-se boa concordância quando utilizada a retinografia digital, com Kappa igual a 0,70 IC 95% [0,55 - 0,84].
Não foi observada relação entre a gravidade da RH e os estágios de HA quando utilizado o consenso entre os examinadores pela retinografia digital (Tabela 6).
Disfunção renal esteve presente em 20,2% dos pacientes. Não foi observada relação entre o grau da retinopatia e a gravidade da disfunção renal (Tabela 7).
Foram analisados eletrocardiogramas de 90 pacientes e observadas alterações eletrocardiográficas em 27,3% destes. Não foi observada relação entre o grau de retinopatia e alterações eletrocardiográficas (Tabela 8).
História de acidente vascular cerebral esteve presente em 10 pacientes da amostra. No entanto, não foi estabelecida relação entre história positiva de AVC e a gravidade da RH.
Não houve associação entre a raça e a gravidade da RH.
Discussão
Diretrizes internacionais consideram os achados retinianos de forma diferente. Para a Sociedade Europeia de Hipertensão e a Sociedade Europeia de Cardiologia, a RH grau III e IV da classificação de Keith, Wagener e Barker é considerada condição clínica associada6,20. A Sociedade Internacional de Hipertensão da Organização Mundial de Saúde e as Diretrizes da Sociedade Britânica de Hipertensão consideram os graus III e IV de Keith, Wagener e Barker como lesão de órgão-alvo21,22.Já o Comitê Nacional de Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento de Hipertensão Arterial dos Estados Unidos e as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial consideram a presença de qualquer sinal de retinopatia como lesão de órgão-alvo4,5.
Neste estudo, utilizando a OD e considerando a presença de qualquer sinal de retinopatia, observamos prevalência acima de 90,0%, com alterações de grau I em 51,0%, e de grau II em 43%. Um paciente apresentou RH grau III, não sendo observado nenhum paciente com grau IV. Os achados mais frequentes foram estreitamento arteriolar difuso e opacidades da parede arteriolar e cruzamentos arteriovenosos patológicos. Considerando apenas lesões avançadas (Grau III e IV), a prevalência de RH seria de 1,0%.
No Framingham Eye Study, com OD, em uma população geral, com idade entre 52-85 anos, a prevalência de retinopatia foi de 0,8%, excluídos os pacientes diabéticos. O conceito de retinopatia incluía somente formas avançadas como hemorragias e exsudatos retinianos, sem considerar alterações da parede arteriolar18.
McDonough, Garrison e Hames23, utilizando OD, avaliando 2.210 pessoas, observaram que 2,2% apresentavam retinopatia, definida como a presença de microaneurismas, hemorragias ou exsudatos. Quando avaliados sinais mais precoces de retinopatia, 34,0% apresentavam estreitamento arteriolar generalizado ou focal, e 13,2%, cruzamentos AV patológicos23.
Besharati e cols.24, estudando 213 pacientes hipertensos com OD, encontraram prevalência de 39,9%, considerando qualquer sinal de retinopatia. Naqueles com hipertensão leve, a prevalência foi de 25,3%, nos paciente com hipertensão moderada foi de 34,5%, e com hipertensão severa foi de 84,6%. Os achados mais comuns foram estreitamento arteriolar (35,13%), cruzamento arteriovenoso patológico (17,12%) e manchas algodonosas (9,0%)24.
Neste estudo, o coeficiente de concordância, para o diagnóstico e a gravidade da RH, mostrou uma concordância fraca, utilizando-se a OD.
A utilização da OD na avaliação de pacientes hipertensos apresenta imprecisão e grande variabilidade interobservador, sendo particularmente impreciso nas pessoas com hipertensão de leve a moderada2,8.
Neste estudo, a detecção de RH utilizando a retinografia foi superior a 90,0%, com alterações de grau I em 42,0% e de grau II em 52,0%, sendo detectados três pacientes com RH grau III, dois dos quais não detectados pela OD. Nenhum paciente com grau IV foi observado. Considerando apenas lesões avançadas (Grau III e IV), a prevalência de RH seria de 3,0%.
Utilizando retinografia e metodologia padronizada para documentação e definição dos vários sinais de RH, estudos epidemiológicos mostraram prevalência variando de 2-15,0% na população geral10,12,25-27.
O Beaver Dam Eye Study12, utlizando retinografia, avaliou 2.375 pessoas não diabéticas, de 43-86 anos, encontrou estreitamento arteriolar focal em 14,0%, retinopatia em 8,0%, e cruzamentos AV patológicos em 2,0%. Quando hipertensos foram excluídos, observou-se estreitamento arteriolar focal em 11,0%, retinopatia em 6,0% e cruzamentos AV patológicos em 2,0%. Inferindo-se, portante, que as anormalidades microvasculares retinianas são comuns em populações não diabéticas, embora sejam mais prevalentes em pacientes com hipertensão12.
No Blue Mountains Eye Study27, 3.275 pessoas não diabéticas foram submetidas à retinografia. A prevalência de retinopatia foi de 9,9%. Já o Atherosclerossis Risk in Communities (ARIC) Study25 estudou através de retinografia, 9.300 pessoas acima de 49 anos, sem diabete. A prevalência de estreitamento arteriolar focal foi de 6,0%, retinopatia de 3,0% e cruzamento AV patológico de 6,0%.
A maior prevalência de retinopatia observada nesses estudos, comparados ao estudo Framingham, pode ser devido à maior sensibilidade das técnicas de avaliação fotográfica que a oftalmoscopia. Contudo, tais estudos não incluíam o sinal mais precoce de RH, o estreitamento arteriolar generalizado13.
Neste estudo, o coeficiente de concordância para a detecção e avaliação da gravidade da RH utilizando a retinografia foi superior àquele encontrado com a utilização da OD.
Cuspidi e cols.28 avaliaram 197 pacientes com HA grau I (73,0%) e II, sem tratamento prévio, através de retinografia digital, com dois observadores independentes. A prevalência geral de alterações retinianas foi de 84,3% e 84,7%, respectivamente.
Neste estudo, não foi encontrada relação da retinopatia com a idade, sexo, tempo de diagnóstico e estágio da HA. Dados do estudo Beaver Dam e ARIC sugerem que a prevalência de estreitamento arteriolar e cruzamento AV patológico parecem ter relação direta com a idade. A prevalência de retinopatia também foi idade dependente no estudo Blue Mountains12,24,26.
A prevalência de retinopatia foi maior no sexo masculino, quando ajustada à idade, tanto no estudo Beaver Dam quanto no ARIC. No entanto, no Blue Mountains, nenhuma diferença foi observada11,25,27.
Na literatura, é relatado que estreitamento arteriolar generalizado e cruzamentos arteriovenosos patológicos podem ser observados mais comumente em pacientes com maior tempo de diagnóstico de HA, sendo, portanto, sinais de dano vascular crônico. Por outro lado, estreitamento arteriolar focal, hemorragias retinianas, microaneurismas e manchas algodonosas estariam relacionados ao estado atual do nível de HA13,19.
A distribuição da gravidade da RH, neste estudo, de acordo com a classificação de Keith, Wagener e Barker se apresentou da seguinte forma: Grau I - 42 pacientes (42,4%), grau II - 52 pacientes (52,6%), grau III - 3 pacientes (3%) e grau IV - nenhum paciente.
A alta frequência de sinais precoces de retinopatia, incluindo os graus I e II de Keith, Wagener e Barker, e a baixa frequência de sinais mais intensos, graus III e IV, podem estar associada ao tempo de evolução da HA e ao tratamento e controle regular dos níveis pressóricos6.
Neste estudo, foi observada disfunção renal em 20,2% dos pacientes. Contudo, não foi estabelecida associação entre a disfunçã renal e a presença e gravidade da RH. No estudo ARIC, indivíduos com retinopatia (odds ratio 2,0; intervalo de confiança de 95,0%, 1,4-2,8), microaneurismas (OR, 2,0; IC 95,0%,1,3-3,1), hemorragias retinianas (OR, 2,6; IC 95,0%,1,6-4,0), manchas algodonosas(OR, 2,7; IC 95,0%,1,6-4,8) e cruzamentos arteriovenosos patológicos (OR, 1,4; IC 95,0%,1,0-1,9) apresentaram maior chance de desenvolver disfunção renal que indivíduos sem alterações retinianas11.
Foram observadas alterações eletrocardiográficas compatíveis com hipertrofia ventricular esquerda, presença de ondas q patológicas e alterações de repolarização ventricular em 27,0% dos pacientes. Gillum29 observou que o estreitamento arteriolar retiniano detectado pela oftalmoscopia determinava de 2-6 vezes mais chances de apresentar doença cardíaca isquêmica, após análise controlada para hipertensão, diabete e hipercolesterolemia.
Duncan e cols.30 demonstraram que a presença de RH em homens duplicava a chance de doença cardíaca isquêmica (risco relativo 2,1; intervalo de confiança de 95%, 1,0 - 4,2). Por outro lado, o estudo ARIC31 demonstrou associação entre estreitamento arteriolar generalizado e doença cardíaca isquêmica em mulheres (risco relativo 2,2, intervalo de confiança de 95%, 1,0 - 4,6), mas não em homens (risco relativo 1,1, intervalo de confiança de 95%, 0,7 - 1,8).
As limitações do estudo devem ser salientadas. O número de pacientes avaliados pode ter sido insuficiente para demonstrar relação entre sinais específicos de RH e lesões de órgão-alvo. A prevalência de anormalidades foi maior do que o usualmente referido na literatura, e pode ter decorrido de viés de aferição, dada a subjetividade de definir anormalidade em diâmetros vasculares. Métodos precisos de aferição podem mudar tais estimativas. Outro aspecto é que a população estudada era de pacientes de uma Liga de HA em tratamento e acompanhamento clínico regular, o que poderia justificar a baixa frequência de sinais mais graves de RH.
A relevância deste estudo também deve ser ressaltada. A escassez de estudos acerca do tema em nosso país e região faz com que o conhecimento da frequência de sinais de RH na população estudada sirva de parâmetro para outros estudos. Este estudo também é útil ao mostrar o perfil de achados fundoscópicos em pacientes sob tratamento regular, em sua maioria classificados nos estágios iniciais de RH. A grande frequência observada lança dúvidas da sua relevância na estratificação de risco de pacientes hipertensos. Tais achados foram desproporcionais à frequência de outras lesões em órgão-alvo. O trabalho também é original na comparação de técnicas diagnósticas de RH, uma vez que não encontramos na literatura outros trabalhos comparando OD e retinografia na detecção de RH. Os achados superiores da retinografia abrem discussão do papel desta técnica diagnostica na avaliação de pacientes hipertensos.
Conclusão
RH é frequente em pacientes hipertensos atendidos em programas de atenção básica. A concordância diagnóstica entre oftalmologistas é maior na análise de retinografias do que na oftalmoscopia direta. A ausência de associação entre anormalidades fundoscópicas e outras evidências de dano em órgão-alvo podem ter relação com o pequeno tamanho da amostra estudada.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Guilherme Lima Palácio pela Universidade Federal do Maranhão.
Artigo recebido em 09/09/09; revisado recebido em 23/11/09; aceito em 29/12/09.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Jul 2010 -
Data do Fascículo
Ago 2010
Histórico
-
Recebido
09 Set 2009 -
Revisado
23 Nov 2009 -
Aceito
29 Dez 2009