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Proteína C Reativa pré-operatória prediz infecção respiratória após cirurgia de revascularização miocárdica

Resumos

FUNDAMENTO: Níveis elevados de proteína C reativa de alta sensibilidade (PCRas) na avaliação pré-operatória para cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) têm sido associados a maus desfechos no pós-operatório. OBJETIVO: Avaliar a associação entre níveis elevados de PCRas e os desfechos em curto prazo após cirurgia cardíaca. MÉTODOS: Coorte prospectivo com 331 pacientes submetidos à CRM com circulação extracorpórea (CEC) em nossa instituição. Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com os níveis de PCRas, medidos antes da cirurgia: normal (grupo N), nível menor que 3 mg/l PCRas, e elevado (grupo A), nível maior ou igual a 3 mg/l PCRas. O grupo N apresentou uma sensibilidade e uma especificidade de 60% para a previsão de infecção respiratória, com uma aproximação de 90%. Os pacientes foram acompanhados durante o período em que permaneceram hospitalizados. RESULTADOS: A idade média foi de 60 anos, e 71,6% dos pacientes eram do sexo masculino. A PCRas estava elevada (grupo A) em 144 pacientes (43,5%). A mortalidade hospitalar foi de 4,8%, e as complicações mais frequentes nos dois grupos foram: infecções em geral (18%), infecções respiratórias (16%), fibrilação atrial (15%) e infarto agudo do miocárdio (7,6%). A incidência de infecções pós-operatórias gerais foi de 14,4% no grupo N e de 23,6% no grupo A (p = 0,046). As infecções respiratórias também foram mais frequentes no grupo A (21,5% vs. 11,8%; p = 0,024). As análises multivariadas mostraram que o nível de PCRas representou um preditor independente para a infecção respiratória no pós-operatório (RC = 2,08, CI de 95% = 1,14 - 3,79). CONCLUSÃO: O alto nível de PCRas no pré-operatório é um preditor independente para infecções respiratórias no período de médio prazo do pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio eletiva.

cuidados pré-operatórios; infecção; sistema respiratório; revascularização miocárdica


BACKGROUND: Increased levels of high-sensitive C-reactive protein (hsCRP) in the preoperative evaluation for coronary artery bypass graft surgery (CABG) have been associated to poor outcomes in the postoperative period. OBJECTIVE: To evaluate the association of high levels of hsCRP with short-term outcomes after cardiac surgery. METHODS: Prospective cohort with 331 patients who underwent CABG surgery with cardiopulmonary bypass (CPB) at our Institution. Patients were assigned to two groups according to hsCRP levels, measured before surgery: normal (N group) with <3 mg/l hsCRP; and increased (A group) with >3 mg/l hsCRP. This cutoff of 3 mg/l had a sensitivity and specificity of 60% for predicting respiratory infection, with a power of 90%. The patients were followed-up during the in-hospital period. RESULTS: The mean age was 60 years, and 71.6% of the patients were male. HsCRP was increased (group A) in 144 patients (43.5%). In-hospital mortality was 4.8% and the most frequent complications in both groups were: overall infections (18%), respiratory infections (16%), atrial fibrillation (15%) and acute myocardial infarction (7.6%). The incidence of postoperative overall infections was 14.4% in the N group and 23.6% in the A group (P=0.046). Respiratory infections were also more frequent in the A group (21.5% vs. 11.8%; p = 0.024). Multivariate analyses showed that hsCRP level represented an independent predictor of postoperative respiratory infection (OR=2.08, 95% IC = 1.14-3.79). CONCLUSION: High preoperative hsCRP level is an independent predictor of respiratory infections in the mid-term postoperative period of elective coronary artery bypass graft surgery.

Respiratory infection; C-reactive protein; inflammation; coronary artery bypass graft


Proteína C Reativa pré-operatória prediz infecção respiratória após cirurgia de revascularização miocárdica

Agda Mezzomo; Odemir L. Bodin Jr.; Vera Lucia

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC), Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Vera Lucia Portal Rua Luciana de Abreu 471, sala 603 - Moinhos de Vento 90570-080 - Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: veraportal@cardiol.br, verap.pesquisa@cardiologia.org.br, vera.portal@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: Níveis elevados de proteína C reativa de alta sensibilidade (PCRas) na avaliação pré-operatória para cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) têm sido associados a maus desfechos no pós-operatório.

OBJETIVO: Avaliar a associação entre níveis elevados de PCRas e os desfechos em curto prazo após cirurgia cardíaca.

MÉTODOS: Coorte prospectivo com 331 pacientes submetidos à CRM com circulação extracorpórea (CEC) em nossa instituição. Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com os níveis de PCRas, medidos antes da cirurgia: normal (grupo N), nível menor que 3 mg/l PCRas, e elevado (grupo A), nível maior ou igual a 3 mg/l PCRas. O grupo N apresentou uma sensibilidade e uma especificidade de 60% para a previsão de infecção respiratória, com uma aproximação de 90%. Os pacientes foram acompanhados durante o período em que permaneceram hospitalizados.

RESULTADOS: A idade média foi de 60 anos, e 71,6% dos pacientes eram do sexo masculino. A PCRas estava elevada (grupo A) em 144 pacientes (43,5%). A mortalidade hospitalar foi de 4,8%, e as complicações mais frequentes nos dois grupos foram: infecções em geral (18%), infecções respiratórias (16%), fibrilação atrial (15%) e infarto agudo do miocárdio (7,6%). A incidência de infecções pós-operatórias gerais foi de 14,4% no grupo N e de 23,6% no grupo A (p = 0,046). As infecções respiratórias também foram mais frequentes no grupo A (21,5% vs. 11,8%; p = 0,024). As análises multivariadas mostraram que o nível de PCRas representou um preditor independente para a infecção respiratória no pós-operatório (RC = 2,08, CI de 95% = 1,14 - 3,79).

CONCLUSÃO: O alto nível de PCRas no pré-operatório é um preditor independente para infecções respiratórias no período de médio prazo do pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio eletiva.

Palavras-chave: Proteína C/efeitos adversos, cuidados pré-operatórios, infecção, sistema respiratório, revascularização miocárdica.

Introdução

A doença arterial coronariana (DAC) é a causa mais frequente de morte e hospitalização no mundo ocidental1. A doença cardiovascular foi responsável por 34,2% as mortes nos Estados Unidos, em comparação a 20062, o que se assemelha ao que foi descrito no Brasil3.

Relatos demonstram que os processos inflamatórios desempenham um papel em todos os aspectos da síndrome coronariana aguda, a partir da patogênese da aterosclerose até a ruptura da placa e a morte das células do miocárdio. Em cada uma dessas etapas, a infiltração do tecido cardiovascular com células inflamatórias, controladas por citocinas e moléculas de adesão, é evidente. Além disso, os marcadores de inflamação solúveis estão presentes em diferentes estágios da DAC e podem ser utilizados para prever eventos cardiovasculares subsequentes4.

Vários marcadores inflamatórios estão associados a doenças cardíacas. Entre eles, a proteína C reativa de alta sensibilidade parece ser mais significativamente associada a eventos cardiovasculares. Em indivíduos saudáveis, a PCRas é reconhecida como um a preditor da mortalidade em infarto inicial do miocárdio5-7. A elevação desse marcador também é associada a um prognóstico pior em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM)8-10 ou que sejam submetidos à angioplastia11,12.

Alguns estudos demonstraram que níveis pré-operatórios elevados de PCRas estão associados a eventos adversos após a cirurgia de revascularização miocárdica13-16, ao passo que outros não encontraram uma associação17. As principais complicações no pós-operatório recente, que estão diretamente associadas a níveis pré-operatórios elevados de PCRas, não são conhecidas.

O principal objetivo deste estudo foi investigar a associação dos altos níveis de PCRas no período pré-operatório às complicações no pós-operatório imediato da cirurgia de revascularização do miocárdio, identificando as complicações associadas aos níveis elevados de PCRas.

Métodos

População

A amostra compôs-se de pacientes de ambos os sexos, entre 20 e 80 anos, submetidos à CRM eletiva com circulação extracorpórea, no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul (RS), com níveis de PCRas medidos no pré-operatório. Os critérios de exclusão abrangem: indicação para cirurgia de emergência, angina instável, IAM recente (menos de três meses), creatinina maior que 2,0 mg/dl, doença pulmonar obstrutiva crônica grave (DPOC) (volume expiratório forçado previsto [VEF1] < 40%), presença de infecção ativa, uso atual de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) ou corticosteroides, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) de classe IV ou EF menor que 30%, malignidade ou doenças imunodepressivas, acidente cerebral encefálico (CEA) recente (menos de um ano), colagenoses e distúrbios de coagulação.

Estudo

Inicialmente, os pacientes foram avaliados no pré-operatório, foram apresentados ao protocolo de pesquisa e assinaram o Termo de Anuência (registro nº 3.809/06). O protocolo de pesquisa incluía, entre outras variáveis, as características clínicas dos pacientes, os fatores de risco para doença cardiovascular, o histórico médico e as medicações utilizadas. Os dados do estudo foram registrados, e o protocolo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.

Um exame físico completo foi realizado posteriormente, e amostras de sangue foram coletadas para exames laboratoriais (glicemia de jejum, hemograma, plaquetas, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada [TTPA], antivírus da imunodeficiência humana [anti-HIV], ureia, creatinina, sódio, potássio, análise de gasimetria arterial e exame de urina qualitativo). Os níveis de PCRas foram determinados na mesma amostra de sangue por nefelometria (nefelometria de Dade Behring), e o tempo entre a coleta de sangue e a cirurgia não excedeu três dias. Os pacientes foram acompanhados durante a internação, nos períodos intraoperatório, pós-operatório imediato (até 48 horas) e pós-operatório recente (48 horas até a alta), para que fossem registradas todas as complicações decorrentes da cirurgia.

Os resultados clínicos analisados foram: (a) morte; (b) infarto do miocárdio durante e após a cirurgia (diagnóstico confirmado por dois dos seguintes eventos: presença de nova onda Q em duas ou mais derivações do eletrocardiograma; elevação da creatina fosfoquinase [CK] ou da isoenzima CK-MB quatro vezes acima do limite normal; nova miocardiopatia segmentar com acinesia demonstrada em ecocardiograma); (c) infecções em geral (endocardite, infecção urinária, ferida cirúrgica e mediastinite); (d) infecção respiratória (presença de tosse produtiva e secreção nasal purulenta, radiação torácica com ou sem consolidação, contagem de leucócitos acima de 10,000/µl); (e) CEA (diagnosticado por exame clínico com paralisia parcial ou total, depressão sensorial e tomografia computadorizada com áreas isquêmicas); (f) ICC (insuficiência cardíaca definida como congestão pulmonar ou baixo débito cardíaco); (g) necessidade de intervenção coronariana percutânea (ICP); (h) reoperação; (i) distúrbio de condução exigindo marca-passo temporário; (j) hemorragia aumentada (drenos torácicos com volumes de sangue excedendo 10 ml/kg/h em uma hora, 5 ml/kg/h em mais de três horas consecutivas ou 100 ml/h durante quatro horas); (k) pericardite (diagnosticada pelo eletrocardiograma como elevação do segmento T na maior das derivações; atrito pericárdico na ausculta cardíaca ou dor torácica); (l) flutter ou fibrilação atrial (diagnosticada por eletrocardiograma).

O grupo de pacientes foi atribuído a dois grupos de acordo com o nível de PCRas: o grupo A, com PCRas aumentada (> 3 mg/l), incluiu 144 pacientes, e o grupo N, com PCRas normal (< 3 mg/l), foi composto pelos 187 pacientes restantes.

Análise Estatística

O tamanho da amostra foi determinado a partir dos dados sobre a incidência de complicações após a CRM, que varia de 2 a 15%, dependendo do tipo de complicação. Presumindo uma incidência superior a 5% para as complicações mais frequentes, uma aproximação de 80% e P < 0,05, o tamanho da amostra foi estimado em 302 pacientes.

A análise estatística foi realizada com o Pacote Estatístico para Ciências Sociais (SPSS), versão 17.0. As variáveis numéricas foram apresentadas como média e desvio padrão, e as variáveis categóricas foram descritas como percentagens. O teste do qui-quadrado foi utilizado para as variáveis categóricas; e o teste t de Student, para as variáveis numéricas.

Os testes ANOVA e Kruskal-Wallis foram utilizados para comparações entre mais de dois grupos (síndromes clínicas). Um valor de P maior que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Associações entre os níveis elevados de PCRas e as complicações pós-operatórias foram pesquisadas apenas para aqueles com incidência maior do que 4,8%. Esse ponto de coorte foi definido por meio da análise da taxa de mortalidade de 4,8% observada em nosso estudo. Verificamos também que os desfechos ruins não são estatisticamente importantes para ser comparados a outras variáveis.

A regressão logística multivariada foi utilizada para avaliar preditores independentes de eventos pós-operatórios. Apenas as características que possuiriam um valor de P menor que 0,20 na análise univariada ou que poderiam aumentar o risco de infecção respiratória (uma complicação que foi associada com a PCR na análise anterior) foram submetidas à análise multivariada. O modelo foi utilizado para as seguintes variáveis: idade avançada, tabagismo, diabete melito (DM), DPOC, obesidade, PCRas e duração da ventilação mecânica (VM).

Resultados

Um total de 331 pacientes submetidos à CRM eletiva com CEC foi avaliado. A idade média dos pacientes era de 60,92 anos; 71,6% eram do sexo masculino, e 93,7%, caucasianos. O fator de risco de maior predomínio para a doença isquêmica do coração foi hipertensão (91,8%), seguido de dislipidemia (68%) e histórico familiar positivo para doenças isquêmicas do coração (61,9%). Entre os 331 pacientes, 144 (43,5%) tinham níveis elevados de PCRas pré-operatórios (> 3 mg/l).

A análise das características apresentadas pelos pacientes durante o período pré-operatório (Tabela 1) mostrou que os pacientes caucasianos tinham níveis de PCRas inferiores aos dos pacientes não caucasianos (88,2% vs. 97%, p = 0,001). A obesidade foi associada a um maior nível de PCRas (19,4% vs. 10,3%, p = 0,028). Entre os pacientes que utilizavam estatinas durante o período pré-operatório, 73,3% tinham PCRas normal, em comparação a 59,7% com níveis de PCRas elevados (p = 0,013).

Um total de 16 mortes (4,8%) foi registrado durante a hospitalização para a cirurgia de revascularização miocárdica, considerando os períodos transoperatório e pós-operatório. Conforme apresentado na Tabela 2, as complicações de maior incidência incluíam infecção respiratória (53 casos, 16,0%), fibrilação atrial (51 casos, 15,4%), pericardite (30 casos, 9,1%) e IAM (26 casos, 7,9%). As infecções, particularmente do trato respiratório (Tabela 3), foram significativamente mais frequentes nos pacientes do grupo A do que no grupo com PCRas normal (23,6% vs. 14,4%, p = 0,046; 21,5% vs. 11,8%, p = 0,024, respectivamente) (Figura 1). A associação a outras variáveis não foi analisada devido à baixa incidência.


A análise multivariada (Tabela 4) foi adaptada para o nível de PCRas, tabagismo, idade, DM, obesidade, DPOC e ventilação mecânica prolongada no pós-operatório (> 24 horas). Idade avançada (> 75 anos) foi um fator de risco independente para a infecção respiratória (RC = 10,43, IC de 95% = 3,88 - 28,05). Conforme esperado, o mesmo foi observado para uma ventilação mecânica prolongada (> 24 horas) (RC = 4,84, IC de 95% = 2,17 - 10,78). O risco de infecção respiratória no período pós-operatório foi maior para os pacientes com níveis de PCR maior ou igual a 3 mg/l, em comparação aos indivíduos com níveis de PCRas inferior a 3 mg/l (RC = 1,87, IC de 95% = 1,0 - 3,49).

Quando os níveis de PCRas foram analisados como uma variável contínua, o coorte de 3 mg/l apresentou sensibilidade e especificidade de 60% para a previsão de infecção respiratória, com uma aproximação de 90%. Com um coorte de 5 mg/l, a sensibilidade caiu para 20%, e a especificidade aumentou para 80%. Com base nesses resultados, definimos o PCRas de coorte como 3 mg/l, à semelhança de muitos outros estudos.

Entre os 223 pacientes (61,4%) que utilizaram estatinas no pré-operatório, os níveis de PCRas foram mais frequentemente inferiores a 3 mg/l (73,3 vs. 59,7%, p = 0,013). Na análise multivariada, nenhuma associação ou nenhum efeito protetor foram encontrados quando se consideraram as complicações de maior porte (infecção respiratória e fibrilação atrial).

Discussão

Este estudo examinou a associação de valores anormais de PCRas no pré-operatório (> 3 mg/l) às complicações no pós-operatório recente, em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio. Os pacientes com níveis de PCRas acima desse ponto de coorte apresentaram maior taxa de infecções em geral e menos infecções respiratórias. Esses resultados mostram que os níveis de PCRas mais altos que 3 mg/l representaram um preditor independente de infecções, especialmente do trato respiratório, em associação com a idade avançada e a ventilação mecânica prolongada (> 24 horas). Nenhuma associação a eventos cardiovasculares, arritmias atriais (fibrilação atrial) ou morte foi observada durante este estudo.

A incidência de infecção respiratória em nosso estudo foi de 16%. As infecções respiratórias tiveram uma frequência entre 2 e 22% em pacientes submetidos à cirurgia, com início no quarto dia do pós-operatório, em média18. Ortiz e cols.19, em nosso hospital, constataram uma incidência de 9,9% de pneumonia no período pós-operatório de CRM.

Os fatores de risco, incluindo idade avançada, ventilação mecânica prolongada (> 24 horas), uso prolongado de sonda nasogástrica, uso pré-operatório de bloqueador do receptor de H2 ou antibióticos de amplo espectro e transfusão de quatro ou mais unidades de concentrado de sangue, foram avaliados em nosso estudo como forma de correção de vieses que pudessem gerar confusão. Apenas um desses fatores, a VM prolongada (31 casos, 9,36% da amostra), apresentou maior incidência, representando um fator de risco independente para a infecção respiratória. Na análise multivariada, no entanto, o nível de PCRas permaneceu como um fator de risco, mesmo quando adaptado para VM prolongada, embora com intensidade reduzida.

Cappabianca e cols.20. investigaram a associação entre níveis elevados de PCRas (= 5 mg/l) e as complicações em curto prazo após uma CRM. Um grupo de 597 pacientes, apresentando tanto alto (PCRas > 5 mg/l) quanto baixo nível (PCRas < 5 mg/l) em estado inflamatório, foi analisado para verificar a presença de infecções. Os pacientes do primeiro grupo apresentaram maior taxa de infecções em geral e ferida cirúrgica, mostrando que os níveis de PCRas representam um marcador independente. Em um seguimento médio de um ano e meio, os pacientes com níveis elevados de PCRas também apresentaram maior taxa de mortalidade. Este estudo chegou a resultados semelhantes para complicações do pós-operatório recente, exceto pelo local da infecção20.

As inflamações foram amplamente avaliadas na DAC, a partir da formação da placa aterosclerótica até sua ruptura no infarto agudo do miocárdio21. A relação das PCRas com os eventos cardiovasculares em pacientes saudáveis é bem estabelecida5,6, e outros estudos atualmente investigam a associação entre os níveis de PCRas no pré-operatório e eventos no período pós-operatório da revascularização miocárdica. Em um estudo de 113 pacientes submetidos à CRM com circulação extracorpórea, Gaudino e cols.17 observaram que pacientes com PCRas pré-operatória maior ou igual a 5 mg/l apresentavam uma elevação de pico de PCRas no segundo dia após a cirurgia. No entanto, não foi encontrada qualquer associação entre os eventos clínicos em curto prazo e a condição inflamatória17.

A maioria dos estudos concentra-se na avaliação da condição inflamatória pré-operatória como um preditor dos eventos no pós-operatório. Em um estudo com 764 pacientes submetidos à CRM, Biancari e cols.13 mostraram que um valor de PCRas maior ou igual a 10 mg/l consistia em um fator de risco independente para mortalidade intra-hospitalar, principalmente devido a complicações cardíacas. Esse estudo levanta a questão sobre o fato de a PCRas ser apenas um marcador de gravidade ou representar um potencial alvo para otimizar as condições de pacientes no pré-operatório13. Outro estudo realizado pelo grupo de Biancari, com 843 pacientes, avaliou a associação dos níveis de PCRas aos desfechos em longo prazo, após a CRM. Nenhuma associação foi encontrada entre a PCRas elevada e os eventos no início do período pós-operatório. Um seguimento de 12 anos mostrou uma taxa de sobrevida reduzida nesses pacientes22.

Esses estudos não identificaram complicações específicas relacionadas a níveis elevados de PCRas no pré-operatório, enquanto, no presente trabalho, os resultados mostraram uma associação a infecções, especialmente no trato respiratório. Uma possível explicação para as altas taxas de complicações infecciosas em pacientes com uma condição inflamatória alterada durante o período pré-operatório está relacionada a um crescimento bacteriano melhor na presença de altos níveis de mediadores de inflamação23,24.

Apesar de uma avaliação em longo prazo dos pacientes não ter sido considerada neste estudo, é de conhecimento disseminado que o risco de mortalidade e readmissão hospitalar por causas cardiovasculares está diretamente relacionado aos altos níveis de PCRas no pré-operatório. Em um seguimento de três anos (tempo médio de 1,5 anos) de cardiopatas, Cappabianca e cols.20 constataram que a PCRas é um fator de risco independente para a mortalidade e hospitalização de complicações cardíacas.

Os altos níveis de PCR de alta sensibilidade, inicialmente considerados apenas como um marcador biológico, atualmente são reconhecidos como um mediador da aterosclerose e um preditor da condição inflamatória25. Considerando essa possibilidade, um estudo retrospectivo de maior porte demonstrou que a terapia pré-operatória com estatina está associada à redução da morbidade e da mortalidade após a CRM26. Esse estudo revelou que o uso de estatina estava significativamente associado a níveis de PCRas maiores que 3 mg/l, mas não à redução de eventos cardiovasculares no estágio pós-operatório. Estudo recente, realizado por Vaduganathan e cols.27, de 3.056 pacientes observou que a terapia com estatina em período perioperatório estava associado à mortalidade em médio prazo, reduzida para os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, de forma independente da condição de lipídicos basais (RR 0,34; p = 0004)27. Outro teste randômico avaliou o efeito da estatina (rosuvastatina) no perfil inflamatório do paciente e no risco de lesão miocárdica perioperatória. Observamos que 58% dos pacientes que utilizavam estatinas mostraram níveis elevados de PCRas, em comparação a 88% no grupo controle. Esse estudo demonstrou também que o tratamento com a estatina reduz o dano miocárdio após a cirurgia coronária e pode melhorar os resultados tanto em curto quanto em longo prazo28.

É necessário observar que os pacientes incluídos no presente estudo estavam clinicamente estáveis, já que os pacientes com síndromes coronárias agudas (SCA) recentes, ICC descompensada ou recente, CEA recente ou infecção ativa em qualquer lugar do corpo foram excluídos. A importância dos níveis elevados de PCRas como um marcador de um maior risco de complicações, aqui representada pelas infecções respiratórias, é, portanto, ressaltada.

Uma das limitações deste estudo consistiu no fato de as secreções respiratórias não serem analisadas por cultura quantitativa, o que pode superestimar a incidência de infecções respiratórias. No entanto, pelo menos duas metanálises mostraram que esse aspecto permanece controverso29,30. Ademais, mesmo que tenham sido observadas principalmente as infecções respiratórias, as infecções em geral também foram positivamente associadas aos níveis de PCRas, sugerindo uma relação significativa entre esse marcador e as complicações infecciosas.

Em conclusão, o presente estudo mostrou que os níveis alterados de PCRas no pré-operatório (> 3 mg/l) representam um preditor independente de infecção respiratória no período pós-operatório recente de CRM eletiva.

Artigo recebido em 26/01/11; revisado recebido em 27/01/11; aceito em 26/04/11.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Revisado
      27 Jan 2011
    • Recebido
      26 Jan 2011
    • Aceito
      26 Abr 2011
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