CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA
Caso 5/2012 - Criança de 6 anos com origem anômala da artéria coronariana esquerda e insuficiência mitral
Edmar Atik
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil
Correspondência Correspondência: Edmar Atik Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 CEP 05403-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: conatik@incor.usp.br
Palavras-chave: Cardiopatias congênitas; insuficiência da valva mitral; anomalias dos vasos coronários; toracotomia.
Dados clínicos
Cansaço, notado a partir de três dias de vida, persistiu no decurso do primeiro ano, em uso de digoxina e captopril. A partir daí, manteve-se assintomática e em atividade física plena, em uso de enalapril (5 mg/dia).
Exame físico: bom estado geral, eupneica, acianótica, pulsos normais nos quatro membros. Peso: 20 Kg; PA: 100/70 mmHg; FC: 80 bpm; Saturação O2: 96%. A aorta não era palpada na fúrcula.
No precórdio, o ictus cordis era palpado nos 4o e 5o espaços intercostais, na linha hemiclavicular, por duas polpas digitais. As bulhas cardíacas eram normofonéticas e auscultava-se sopro sistólico discreto, + de intensidade, rude, na área mitral e sem irradiações. O fígado não era palpado e os pulmões eram limpos.
Exames complementares:
Eletrocardiograma
Mostrava ritmo sinusal e sinais de sobrecarga ventricular esquerda com índice de Sokollof (S de V2 e R de V6) de 57 mm. A onda T era negativa em parede anterolateral, AP: +50º, AQRS: +20º, AT: +100º (Figura 1).
Radiografia de tórax
Mostra área cardíaca aumentada custa do arco ventricular esquerdo e do átrio esquerdo. O arco médio está retificado e a trama vascular pulmonar discretamente aumentada (Figura 1).
Ecocardiograma
Mostrou cavidades cardíacas esquerdas dilatadas, insuficiência moderada da valva mitral espessada e com prolapso da válvula anterior, hiperrefringência dos músculos papilares esquerdos, coronária direita dilatada e origem anômala da artéria coronariana esquerda do tronco pulmonar, no seio anterior esquerdo da valva pulmonar. As medidas eram em VD = 16, VE = 52, AE = 32, Ao = 19, Anel Tricúspide = 21, Anel Mitral = 28, APD=APE = 11, FEVE = 61%, coronária direita = 5 mm, coronária esquerda = 4mm (Figura 2).
Cateterismo cardíaco
Mostrou angiografia os mesmos elementos com circulação colateral abundante entre as duas artérias coronarianas e o nítido direcionamento do fluxo da artéria coronariana esquerda para o tronco pulmonar (Figura 2).
Diagnóstico clínico
Origem anômala da artéria coronariana esquerda do tronco pulmonar com circulação colateral abundante entre as artérias coronarianas e preservação da função ventricular, mas com insuficiência valvar mitral moderada.
Raciocínio clínico
Os elementos clínicos eram compatíveis com o diagnóstico de cardiopatia congênita acianogênica sem repercussão dinâmica em face da boa tolerância física e sem sinais de insuficiência cardíaca. A ausculta cardíaca orientou o diagnóstico de insuficiência valvar mitral, de moderada repercussão, em concordância com os exames de imagens radiográficas e eletrocardiográficas. Ecocardiograma e cinecoronariografia estabeleceram o diagnóstico acurado da anomalia. Difícil foi caracterizar a causa da insuficiência mitral em função ventricular normal em presença da anomalia coronariana. Hiperrefringência dos músculos papilares, expressão de isquemia prévia, orientou a causa isquêmica, apesar da função ventricular preservada. Associação de prolapso mitral independente da lesão de base também foi aventada.
Diagnóstico diferencial:
Outras cardiopatias congênitas que se associam com sobrecarga de volume de ventrículo esquerdo podem também se exteriorizar de maneira a provocar insuficiência mitral como decorrência da dilatação do anel mitral. Destacam-se nessa condição a janela aortopulmonar, o canal arterial persistente e ainda outras fístulas arteriovenosas. No entanto, nessas anomalias haveria alguma outra manifestação clínica, como representada especialmente por sopro contínuo no precórdio ou em outro sítio orgânico.
Conduta
Por meio de toracotomia mediana verificou-se dilatação das duas artérias coronarianas, especialmente da direita. A artéria coronariana esquerda anômala foi transportada diretamente do seio posterior esquerdo do tronco pulmonar para a parede lateral e posterior da aorta. Havia na valva mitral prolapso da válvula anterior e a dilatação do anel foi diminuída por plicatura posterior. O pós-operatório transcorreu sem complicações.
Comentários
O diagnóstico da origem anômala da artéria coronariana esquerda fica dificultado quando o paciente se mostra sem sinais de isquemia miocárdica, em presença de suficiente circulação colateral entre as artérias coronarianas preservando daí o fluxo de sangue arterial para o miocárdico. Nessa situação, o diagnóstico da anomalia passa a ser fortuito em decorrência de outro fator que precipite a feitura de exames complementares diagnósticos. Mesmo sem isquemia, a correção da artéria coronariana esquerda anômala obedece ao princípio da obtenção de circulação coronariana nutrida por duas fontes arteriais, com maior uniformidade do fluxo miocárdico, além de se evitar daí acidente coronário aterosclerótico mais grave na evolução posterior em longo prazo na idade adulta.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Set 2012 -
Data do Fascículo
Jul 2012