Resumos
FUNDAMENTO: A hipertensão arterial tem sido associada à redução do desempenho cognitivo, contudo a literatura é conflitante. OBJETIVO: Comparar o desempenho cognitivo entre idosos normotensos ("N"; n = 17; idade 68 ± 1; pressão arterial = 133 ± 3/74 ± 2 mmHg) e hipertensos ("H"; n = 28; idade 69 ± 1, pressão arterial = 148 ± 4/80 ± 1 mmHg) com pelo menos cinco anos de escolaridade. MÉTODOS: A avaliação neuropsicológica ampla constou do "Cambridge Cognition-Revised" (CAMCOG-R), dos "Trail Making Test A and B" (TMT A e B) e do "Rey Auditory Verbal Learning Test" (RAVLT). RESULTADOS: Os idosos hipertensos apresentaram menor escore do CAMCOG-R (N = 87,6 ± 1,8; H = 78,6 ± 1,4; p = 0,002). Os idosos hipertensos necessitaram de maior tempo para realizar o TMT A e B (TMT A: N = 39 ± 3s; H = 57 ± 3,4s; p = 0,001; TMT B: N = 93 ± 7s; H = 124 ± 7s; p = 0,006), o que também é demonstrado pelos percentis significativamente menores obtidos nestes testes. O somatório do RAVLT foi significativamente menor nos idosos hipertensos (N = 51,8 ± 1,7; H = 40,7 ± 1,5; p < 0,0001). Mesmo ajustado para idade, sexo, escolaridade e sintomas de depressão, a hipertensão arterial foi um fator preditor independente do desempenho cognitivo medido pelo CAMCOG-R, TMT A e o somatório do RAVLT. CONCLUSÃO: O desempenho cognitivo em idosos hipertensos é menor do que em idosos normotensos.
Hipertensão; Idoso; Cognição
BACKGROUND: Essential hypertension has been associated with decreased cognitive performance; however, the literature is conflicting. OBJECTIVE: This study aims at comparing cognitive performance between elderly normotensives ("N"; n = 17; age 68 ± 1; blood pressure = 133 ± 3/74 ±2 mmHg) and hypertensives ("H"; n = 28; age 69 ± 1, blood pressure = 148 ± 4/80 ± 1mmHg) with at least 5 years of education. METHODS: The comprehensive neuropsychological assessment was comprised of the Cambridge Cognition-Revised (CAMCOG-R), the Trail Making Test A and B (TMT A and B) and the Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT). RESULTS: Elderly hypertensives presented lower CAMCOG-R global scores (N = 87.6 ± 1.8; H = 78.6 ± 1.4; p = 0.002). The hypertensive's performance was slower in the TMT A and B (TMT A: N = 39 ± 3s; H = 57 ± 3s; p = 0.001; TMT B: N = 93 ± 7s; H = 124 ± 7s; p = 0.006), which was also reflected in smaller percentiles achieved by hypertensives in these tests. Hypertensive subjects exhibited a significantly lower RAVLT summation score (N = 51.8 ± 1.7; H = 40.7 ± 1.5; p < 0.0001). Even when adjusted for age, sex, education and depression symptoms, hypertension was an independent predictor of cognitive performance as measured by CAMCOG-R global score, TMT A and RAVLT summation score. CONCLUSION: Cognitive performance is lower in elderly hypertensives as compared with elderly normotensives.
Hypertension; Aged; Cognition
Idosos hipertensos apresentam menor desempenho cognitivo do que idosos normotensos
Juliana Magalhães Duarte Matoso; Wellington Bruno Santos; Irene de Freitas Henriques Moreira; Roberto Alves Lourenço; Marcelo Lima de Gusmão Correia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Correspondência Correspondência: Juliana Magalhães Duarte Matoso Rua Visconde de Tocantins, 43 / 402, Méier CEP 20775-050, Rio de Janeiro, RJ Brasil E-mail: juduartte@yahoo.com.br, jmduartte@bol.com.br
RESUMO
FUNDAMENTO: A hipertensão arterial tem sido associada à redução do desempenho cognitivo, contudo a literatura é conflitante.
OBJETIVO: Comparar o desempenho cognitivo entre idosos normotensos ("N"; n = 17; idade 68 ± 1; pressão arterial = 133 ± 3/74 ± 2 mmHg) e hipertensos ("H"; n = 28; idade 69 ± 1, pressão arterial = 148 ± 4/80 ± 1 mmHg) com pelo menos cinco anos de escolaridade.
MÉTODOS: A avaliação neuropsicológica ampla constou do "Cambridge Cognition-Revised" (CAMCOG-R), dos "Trail Making Test A and B" (TMT A e B) e do "Rey Auditory Verbal Learning Test" (RAVLT).
RESULTADOS: Os idosos hipertensos apresentaram menor escore do CAMCOG-R (N = 87,6 ± 1,8; H = 78,6 ± 1,4; p = 0,002). Os idosos hipertensos necessitaram de maior tempo para realizar o TMT A e B (TMT A: N = 39 ± 3s; H = 57 ± 3,4s; p = 0,001; TMT B: N = 93 ± 7s; H = 124 ± 7s; p = 0,006), o que também é demonstrado pelos percentis significativamente menores obtidos nestes testes. O somatório do RAVLT foi significativamente menor nos idosos hipertensos (N = 51,8 ± 1,7; H = 40,7 ± 1,5; p < 0,0001). Mesmo ajustado para idade, sexo, escolaridade e sintomas de depressão, a hipertensão arterial foi um fator preditor independente do desempenho cognitivo medido pelo CAMCOG-R, TMT A e o somatório do RAVLT.
CONCLUSÃO: O desempenho cognitivo em idosos hipertensos é menor do que em idosos normotensos.
Palavras-chave: Hipertensão, Idoso, Cognição.
Introdução
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem no país 18 milhões de pessoas acima de 60 anos de idade, o que representa 12% da população1.
O envelhecimento populacional se associa ao aumento da prevalência das doenças crônicas, entre elas a hipertensão arterial sistêmica (HAS)2. A HAS é considerada um fator de risco importante para múltiplas doenças, tais como insuficiência coronariana, acidente vascular cerebral e insuficiência renal que também estão associadas a alterações do desempenho cognitivo3-5. De acordo com o Ministério da Saúde6, a proporção de brasileiros diagnosticados com HAS cresceu de 21,5%, em 2006, para 24,4%, em 2009. Esta pesquisa foi realizada com 54 mil adultos e demonstrou que a prevalência da doença no período de 2006 a 2009 aumentou em todas as faixas etárias. Atualmente, 63,2% das pessoas com 65 anos ou mais apresentam HAS contra 57,8% em 20066.
Idosos hipertensos, quando comparados com idosos normotensos, apresentam um risco maior de declínio cognitivo incluindo a lentidão nas respostas, memória e função executiva7-9. Além disso, idosos hipertensos não tratados apresentam um risco aumentado de apresentar perda cognitiva do que os idosos hipertensos tratados9-14. Porém alguns trabalhos revelam uma associação negativa entre HAS e déficit cognitivo15-17. Portanto, a relação entre a HAS e as alterações do desempenho cognitivo em idosos não está totalmente esclarecida. Parte dos resultados conflitantes na literatura pode ser atribuído à utilização de instrumentos de avaliação neuropsicológica pouco sensível como o Miniexame do Estado Mental (MEEM). O presente estudo tem com objetivo avaliar e comparar o desempenho cognitivo em idosos hipertensos e normotensos por meio de diferentes instrumentos de avaliação neuropsicológica, o que permite um diagnóstico detalhado dos diversos domínios cognitivos potencialmente alterados nestes indivíduos.
Métodos
O estudo teve um delineamento observacional, transversal e comparativo. Foram incluídos indivíduos normotensos (n = 17) ou hipertensos (n = 28) com idade > 60 anos e < 80 anos, e escolaridade > 5 anos. Considerou-se portador de HAS o participante com pressão sistólica > 140 mmHg e / ou pressão diastólica > 90 mmHg ou ainda aquele em uso de medicação anti-hipertensiva estável por pelo menos 3 meses. Essas pessoas foram recrutadas nos ambulatórios de geriatria e clínica médica, e no programa de extensão Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Foram excluídos idosos portadores de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, fibrilação atrial ou outra arritmia clinicamente relevante, diabetes mellitus tipo 1 ou 2, insuficiência renal, histórico de ataque isquêmico transitório ou acidente vascular cerebral, doença de Parkinson, uso de medicamentos psicotrópicos, síndrome demencial, resultado anormal no MEEM de acordo com a escolaridade (24/25, > 1 ano de escolaridade), indivíduos com déficit sensorial não corrigido, cadeirantes ou com déficit motor que prejudique o desempenho nos testes neuropsicológicos. Também foram excluídos os idosos com pressão arterial sistólica > 180 mmHg e/ou diastólica > 110 mmHg ou aqueles em uso de quatro ou mais medicamentos anti-hipertensivos.
Dois grupos foram estudados: idosos hipertensos (n = 28) e idosos normotensos (n = 17). Os participantes foram submetidos a exame físico detalhado realizado por cardiologista. A pressão arterial foi medida com o indivíduo na posição sentada, após repouso de 10 minutos, com esfingmomanômetro automático Omron HEM-711 (Omron Healthcare, EUA)18. A pressão arterial utilizada no estudo corresponde à média de três medidas aferidas com pelo menos 5 minutos de diferença.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Uerj. Seguindo a Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, todos os voluntários autorizaram a participação mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
A avaliação neuropsicológica foi composta pelo "Cambridge Cognition-revised" (CAMCOG-R), que é a seção B para avaliação cognitiva do "Cambridge Examination for Mental Disorders of the Elderly-revised" (CAMDEX-R)19 adaptada e validada para o português20; pelo "Trail Making Test" A e B (TMT A e B)21; e pelo "Rey Auditory Verbal Learning Test" (RAVLT)22. Para o rastreio de depressão foi utilizada a versão brasileira da escala de Beck23.
Avaliação Neuropsicológica
As avaliações neuropsicológicas foram realizadas em dois dias, sempre no período da manhã, por pesquisador único treinado e supervisionado por neuropsicólogo. O pesquisador que aplicou os testes neuropsicológicos não era "cego" em relação ao diagnóstico de hipertensão arterial. Entretanto, as medidas aferidas foram na sua maioria objetivas, não cabendo ao pesquisador interpretações dos resultados. Cada encontro durou aproximadamente uma hora e meia. No primeiro dia, foram aplicados o CAMCOG- R e a Escala de Beck, e no segundo dia, o RAVLT e o TMT A e B. Os resultados da avaliação neuropsicológica foram organizados e analisados pelo mesmo investigador que aplicou os testes.
Cálculo do tamanho amostral e análise estatística
Para o cálculo do tamanho amostral, considerou-se que as médias e desvios padrão do escore global no CAMCOG-R dos hipertensos e normotensos seriam comparáveis às médias e desvios padrão verificadas nos grupos com disfunção cognitiva mínima e de controle, respectivamente, no estudo de Nunes e cols.24. Portanto, a média e desvio padrão do escore global do CAMCOG-R do grupo de idosos normotensos foi estimado em 99±3 e nos idosos hipertensos em 91±7. Considerando-se o p-valor = 0,05 e o poder do estudo = 0,95, o tamanho amostral mínimo por grupo foi estimado em 14. O tamanho amostral foi calculado por meio do programa GPower 3.1.0 da Universidade de Kiel, Alemanha.
Os resultados foram apresentados na forma de média ± erro padrão ou mediana e respectivos valores mínimo, máximo e intervalo interquartil. Foi utilizado o teste U de Mann Whitney para variáveis discretas com distribuição presumivelmente não normal25. As variáveis contínuas ou discretas com distribuição normal foram avaliadas pelo teste t de Student não pareado com variância semelhante para ambos os grupos. A regressão linear multivariada foi utilizada para verificar o efeito da presença de hipertensão arterial, controlado para idade, sexo, escolaridade e sintomas de depressão, sobre os diversos escores de desempenho cognitivo. O p-valor < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Para os cálculos estatísticos, foram utilizados o Excel (Microsoft, 2007) e o SPSS v.20 (IBM, 2011).
Resultados
As características sociodemográficas dos grupos estudados se encontram na Tabela 1. Idade, sexo, estado civil, fumantes, praticantes de atividade física, índice de massa corporal e escore de depressão de Beck são semelhantes nos dois grupos. Contudo escolaridade dos idosos hipertensos é significativamente menor. Como esperado, os valores de pressão sistólica e diastólica são mais elevados nos indivíduos hipertensos.
Os idosos hipertensos apresentaram um desempenho cognitivo menor se comparados aos normotensos pelo escore global do CAMCOG-R (Tabela 2). Quando avaliados por domínio cognitivo isolado do CAMCOG-R, a compreensão e expressão de linguagem, memória remota, atenção, praxia, função executiva e percepção foram sigificativamente menores nos hipertensos idosos (Tabela 2). Na Tabela 3 observamos os resultados do TMT A e B, e do RALVT. Os idosos hipertensos tiveram um desempenho significativamente mais lento do que os normotensos nos TMT-A e B. O desempenho cognitivo dos hipertensos idosos no RALVT também foi significativamente menor do que o dos normotensos, como evidenciado pelo menor somatório de A1-A5.
Controlada ou não por idade, sexo, escolaridade e escore de depressão de Beck, a presença de hipertensão arterial é um preditor independente de menor desempenho cognitivo avaliado pelo escore global do CAMCOG-R, pelo tempo e percentil do TMT-A e pelo somatório de A1-A5 do RAVLT em idosos (Tabelas 4 e 6 ). Quando controlados pela idade, sexo, escolaridade e pelo escore de depressão de Beck, apenas os escores dos domínios da praxia e aprendizado do CAMCOG-R são significativamente reduzidos pela presença de hipertensão arterial nos idosos (Tabela 5).
Discussão
Os resultados das avaliações neuropsicológicas utilizadas neste trabalho sugerem que os idosos portadores de hipertensão arterial apresentem desempenho reduzido em diversos domínios cognitivos quando comparados aos idosos normotensos. Especificamente, idosos hipertensos apresentaram menor escore global do CAMCOG-R ajustado ou não para idade, sexo, escolaridade e escore de depressão de Beck. Quando ajustado para esses fatores, o desempenho nos domínios da praxia e aprendizado do CAMCOG-R está reduzido nos idosos hipertensos. O desempenho dos hipertensos idosos foi mais lento nos TMT-A e B, o que também é demonstrado pelos percentis significativamente menores obtidos por esses indivíduos. Da mesma forma, o somatório do RAVLT foi significativamente menor nos idosos hipertensos. Contudo, quando ajustado para idade, sexo, escolaridade e pelo escore de depressão de Beck, a presença de hipertensão arterial nos idosos deixou de ser um preditor independente da velocidade e do percentil do TMT-B.
Em linhas gerais, os nossos resultados estão de acordo com a literatura na qual se evidencia associação entre hipertensão arterial e redução do desempenho cognitivo5,26. Por exemplo, um estudo transversal realizado por Harrington e cols.8 examinou o desempenho cognitivo em 107 hipertensos não tratados e 116 normotensos com mais de 70 anos utilizando uma bateria de testes neuropsicológicos computadorizada. Dessa forma, foram avaliados os seguintes domínios: atenção, velocidade de processamento, concentração, memória de trabalho, memória espacial, precisão, capacidade de armazenar e recuperar novas informações. Notadamente, os hipertensos mais idosos tiveram desempenho significativamente pior em todos os domínios avaliados. Ademais, o estudo longitudinal realizado por Elias e cols.26 avaliou o desempenho cognitivo em mais de 500 participantes do Maine-Syracuse Longitudinal Study of Hypertension avaliados pelo WAIS. Os indivíduos foram divididos por faixa etária de 18 a 46 anos e de 47 a 83 anos e avaliados ao longo de 20 anos. Medidas mais elevadas de pressão arterial sistólica e diastólica estavam significativamente associadas ao declínio cognitivo nos domínios de visualização e de habilidades fluidas em ambos os grupos. Observa-se que vários estudos com delineamento longitudinal indicam uma associação entre HAS e o declínio do desempenho cognitivo27.
Contudo, associações entre HAS e alterações de desempenho cognitivo nem sempre foram observadas15,16. Por exemplo, não se encontrou associação significativa entre HAS e desempenho cognitivo em idosos a partir de 64 anos avaliados pelo MEEM28-30. Tais resultados poderiam ser atribuídos a uma sensibilidade reduzida do MEEM, um teste de rastreio, para detectar alterações discretas da cognição e a dificuldade de aplicação do MEEM para a avaliação de domínios cognitivos isolados13. Utilizando o mesmo MEEM, entretanto, Guo e cols.31 estudaram 1.736 idosos entre 75 e 101 anos por 3 anos e observaram que a hipertensão arterial associa-se à redução escore global do MEEM. O tamanho amostral elevado e desenho longitudinal deste estudo reforçam a solidez dos resultados observados. Apesar de estar de acordo com os nossos resultados, este estudo recrutou indivíduos significativamente mais idosos e, portanto, mais sucetíveis ao declínio cognitivo não sendo possível descartar uma interação entre idade muito avançada e hipertensão arterial.
Por sua vez, Izquierdo-Porrera e Waldstein17 não encontraram correlação significativa entre níveis de pressão arterial e desempenho cognitivo em 43 indivíduos com idade entre 43 a 82 avaliados por meio de uma bateria neuropsicológica mais completa. Precisamente, a avaliação neuropsicológica constava do teste do desenho do relógio, do Executive Interview 25 (EXIT 25) para avaliação da função executiva, do teste dos dígitos em ordem direta e inversa, e um teste para avaliar aprendizagem. Os resultados negativos observados poderiam ser atribuídos à inclusão de indivíduos relativamente jovens quando comparados ao estudo ora apresentado.
Uma característica peculiar deste projeto foi o uso do CAMCOG-R para a avaliação cognitiva de indivíduos idosos hipertensos sendo, até onde sabemos, o único estudo que utilizou o CAMCOG-R com esse propósito. Portanto, a redução do escore global do CAMCOG-R corrobora resultados da literatura que mostraram a redução do desempenho cognitivo em indivíduos hipertensos idosos avaliados com outros instrumentos. Essa observação está de acordo com o conceito de que a hipertensão arterial está de fato associada à redução do desempenho cognitivo. Ainda no presente estudo, o desempenho mais lento no TMT-A sugere uma redução na velocidade de processamento da informação. O desempenho reduzido no RAVLT, por sua vez, sugere uma redução na capacidade de aprendizado de novas informações. Outros autores também encontram acometimento nesses domínios cognitivos específicos em idosos hipertensos32,33.
Algumas limitações importantes do estudo devem ser discutidas. Uma crítica em potencial seria o seu tamanho amostral reduzido. Como explicado em detalhe nos métodos, entretanto, nota-se que o número de participantes recrutado por grupo ultrapassou o número mínimo que confere ao estudo um poder de 95% para encontrar uma diferença de 8 pontos em média no escore global do CAMCOG-R, com um p-valor < 0,05. Outra limitação diz respeito à análise de múltiplos desfechos secundários para os quais o poder do estudo não foi definido a priori. Portanto, os resultados referentes ao desempenho por domínio cognitivo devem ser considerados com cautela. Enfatiza-se, contudo, que o estudo demonstra um desempenho cognitivo significativamente menor nos participantes hipertensos refletido pelo seu desfecho principal, ou seja, o escore global do CAMCOG-R.
Sabe-se que o desempenho cognitivo medido pelo CAMCOG-R sofre influência significativa da escolaridade34. Para minimizar esse viés, foram avaliados participantes com no mínimo 5 anos de estudo formal. Ainda assim, verificou-se que o grupo dos normotensos era significativamente mais escolarizado. Contudo, o ajuste pela idade, sexo, escolaridade e escore de depressão de Beck mostra que a presença de hipertensão arterial é um preditor independente do desempenho cognitivo avaliado pelo escore global do CAMCOG-R, do tempo e percentil do TMT-A e do somatório de A1-A5 do RAVLT. Apesar disso, cabe ressaltar que na nossa casuística, o efeito estimado da escolaridade é mais preciso do que o efeito da hipertensão arterial com relação a predição do escore global do CAMCOG-R. Especificamente, apesar do coeficiente não ajustado ("B") do fator hipertensão arterial ter um valor absoluto maior do que o coeficiente associado à escolaridade, o intervalo de confiança de 95% (IC95%) relacionado à escolaridade é muito mais estreito do que aquele relacionado à hipertensão arterial ("B" hipertensão arterial = -5,69 com IC95% de -10,1 até -1,27 e p-valor = 0,01; "B" escolaridade = 1,06, IC95% de 0,52 até 1,59 e p-valor < 0,001).
Depressão também está associada a um desempenho cognitivo reduzido35. No presente estudo, o escore da escala de depressão de Beck foi semelhante nos hipertensos e normotensos idosos. Sendo assim, o impacto de sintomas associados à depressão se distribuiu homogêneamente entre os dois grupos atenuando a possibilidade de viés. Ademais, em nenhum dos modelos de regressão linear múltipla a escala de depressão de Beck se mostrou um preditor independente de desempenho cognitivo (resultados não apresentados).
O uso de medicamentos anti-hipertensivos pelos participantes hipertensos idosos poderia confundir os resultados. Contudo, haveria uma tendência em subestimar o impacto da hipertensão arterial sobre o desempenho cognitivo10-14. De fato, alguns estudos sugerem que o tratamento farmacológico da hipertensão previne o desenvolvimento e progressão do declínio cognitivo10,14. Enfatiza-se ainda que nenhum idoso hipertenso estava sendo tratado com betabloqueadores que poderiam per se reduzir o desempenho cognitivo. Por sua vez, o uso de medicamentos psicotrópicos foi vedado pelo protocolo do estudo. Portanto, presume-se que o impacto do uso de medicamentos não esteja associado à redução do desempenho cognitivo observado nos participantes hipertensos. Ademais, os resultados não podem ser extrapolados para idosos com hipertensão grave, pois aqueles com pressão arterial sistólica > 180 mmHg e / ou diastólica > 110 mmHg, ou em uso de quatro ou mais medicamentos anti-hipertensivos, foram excluídos do estudo. Por fim, ressaltamos que o estudo teve delineamento transversal. Consequentemente, não se pode estabelecer uma relação causal entre hipertensão arterial e declínio cognitivo.
Conclusões
O estudo apresentado confirma e expande o conceito de que a hipertensão arterial está associada à redução do desempenho cognitivo em indivíduos idosos. Por meio de diversos instrumentos de avaliação neuropsicológica, demonstrou-se que o declínio de desempenho ocorre em diferentes domínios da cognição, sugerindo que a disfunção neuropsicológica no hipertenso idoso não se localiza em áreas cerebrais isoladas, ao contrário do que foi observado em outros estudos na literatura36. Apesar de haver uma redução mensurável no desempenho cognitivo dos hipertensos idosos, o estudo não apresenta evidência de que essa redução de desempenho seja clinicamente significativa, pois foi vedada a participação de indivíduos com síndrome demencial ou com diagnóstico estabelecido de doença vascular cerebral. Entretanto, os resultados desse e de outros estudos sugerem plausibilidade psicobiológica para essa hipótese.
Artigo recebido em 16/08/12, revisado em 21/12/12, aceito em 14/01/13.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Maio 2013
Histórico
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Recebido
16 Ago 2012 -
Aceito
14 Jan 2012 -
Revisado
12 Dez 2012