Resumo
Rhodnius pictipes (Hemiptera, Reduviidae) from Serra Norte, State of Pará, Brazil, aclimatized in an insectary at the Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos, Departamento de Entomologia, Instituto Oswaldo Cruz, were fed through a silicone membrane. In order to know the viability and the efficiency of this membrane compared with insects fed on mice, the number of bloodmeals taken, period of development of the five nymphal instars, longevity of adults, average amount of blood intake in each meal and percent of mortality were observed. A total of 310 insects, were used, comprising 50 nymphs of each instar, as well as 30 male and 30 female adults. Insects fed artificially had reduced minimal and maximal periods of development than the group fed on mice. The largest relative increase of body weight was observed in the 2nd instar followed by the 1st, and the amount of blood ingested increased during the development, to the 5th instar for both groups. There were no significant differences between the groups fed artificially and in vivo according to Tukey's test for p>0.05. The percent of mortality in the 1st instar was 18% for artificially fed and 16% for the group fed on mice; these percentages decreased as insects developed until the 4th instar, without mortality, returning to increase in the 5th instar. R. pictipes was shown to be easily adaptable to artificial feeding, and could be considered as an important and viable experimental model.
Rhodnius pictipes; Triatominae; artificial feeding; life cycle; Chagas' disease
Rhodnius pictipes; Triatominae; artificial feeding; life cycle; Chagas' disease
Desenvolvimento de Rhodnius pictipes Stal, 1872 alimentado através de membrana de silicone e em camundongos (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae)
Vol. 92 (4): 553-558
Dayse da Silva Rocha/ + , Adivaldo Henrique da Fonseca*, Francisco Ademar Costa**, José Jurberg, Cleber Galvão
Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos, Departamento de Entomologia, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365, 21045-900 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
*Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública, Instituto de Veterinária **Departamento de Matemática, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, km 47 da Antiga Rodovia Rio-São Paulo, 23851-970 Seropédica, RJ, Brasil
Development of Rhodnius pictipes Stal, 1872 Fed on Mice and through a Silicone Membrane (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae) - Rhodnius pictipes (Hemiptera, Reduviidae) from Serra Norte, State of Pará, Brazil, aclimatized in an insectary at the Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos, Departamento de Entomologia, Instituto Oswaldo Cruz, were fed through a silicone membrane. In order to know the viability and the efficiency of this membrane compared with insects fed on mice, the number of bloodmeals taken, period of development of the five nymphal instars, longevity of adults, average amount of blood intake in each meal and percent of mortality were observed. A total of 310 insects, were used, comprising 50 nymphs of each instar, as well as 30 male and 30 female adults. Insects fed artificially had reduced minimal and maximal periods of development than the group fed on mice. The largest relative increase of body weight was observed in the 2nd instar followed by the 1st, and the amount of blood ingested increased during the development, to the 5th instar for both groups. There were no significant differences between the groups fed artificially and in vivo according to Tukey's test for p>0.05. The percent of mortality in the 1st instar was 18% for artificially fed and 16% for the group fed on mice; these percentages decreased as insects developed until the 4th instar, without mortality, returning to increase in the 5th instar. R. pictipes was shown to be easily adaptable to artificial feeding, and could be considered as an important and viable experimental model.
Key words: Rhodnius pictipes - Triatominae - artificial feeding - life cycle - Chagas' disease
A necessidade de manutenção de triatomíneos em laboratório vem motivando diversos autores a estudarem metodologias alternativas à utilização de animais mantidos em laboratório. A alimentação artificial supre as necessidades nutricionais desses insetos, sem os inconvenientes da manutenção de hospedeiros vivos, além de minimizar efeitos de características individuais dos hospedeiros nos estudos de transmissão do Trypanosoma cruzi . Este método foi também utilizado como isca em medidas de controle, conforme demonstrado por Lima et al. (1991, 1992) e Lima (1994); para manutenção de colônias em laboratório (Garcia et al. 1975), além da utilização no xenodiagnóstico artificial. Neste último caso torna-se ainda mais indicado, já que podem ocorrer casos de reações alérgicas cutâneas às picadas desses insetos (Mott et al. 1980, Costa et al. 1981).
Rhodnius pictipes Stal, 1872 é uma espécie silvestre de ampla distribuição na América do Sul. Tem sido encontrada no Brasil nos estados do Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Piauí e Tocantins (Castro-Filho & Silveira 1979, Lent & Wygodzinsky 1979, Silveira et al. 1984, Brazil et al. 1985, Silva & Silva 1990). Quanto à infecção por flagelados, R. pictipes foi encontrado naturalmente infectado pelo T. cruzi , pelo T. rangeli e com infecção mista (Dias 1952, Carcavallo et al. 1975, Otero et al. 1976).
No presente trabalho foi verificada a viabilidade e a eficiência da membrana de silicone na alimentação e o conseqüente número de repastos realizados em cada fase de desenvolvimento; a quantidade de sangue ingerido em cada repasto; o período de desenvolvimento dos cinco estádios ninfais; a longevidade dos adultos e o percentual de mortalidade das ninfas.
MATERIAIS E MÉTODOS
DISCUSSÃO
AGRADECIMENTOS
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizados espécimes de R. pictipes provenientes de uma colônia iniciada com insetos capturados em 1989 em Serra Norte, Estado do Pará, e alimentados em pombos no insetário do Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos do Departamento de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Insetos e ovos foram retirados aleatoriamente da colônia. As ninfas receberam uma alimentação em camundongos com o intuito de padronizar o período de ocorrência das ecdises. Após a eclosão e ecdise das ninfas, os insetos foram acondi-cionados, de acordo com a fase do desenvol-vimento, em frascos de vidro (15 cm de altura x 6 cm de diâmetro) forrados no fundo com papel de filtro e contendo tiras do mesmo papel, dobradas em sanfona, para aumentar a superfície de contato e para absorver a umidade.
Para alimentação artificial foram utilizados 310 espécimes: 50 ninfas de cada estádio, 30 machos e 30 fêmeas. A alimentação foi realizada através de membrana de silicone, conforme descrito por Butler et al. (1984), com sangue desfibrinado de car-neiro. O sangue foi colocado em placas retangulares de vidro de 9 cm de comprimento x 7 cm de largura e capacidade de 16 ml. Estas foram colocadas sobre uma placa aquecedora mantida a 39-40 o C; a temperatura foi verificada através de um termômetro de precisão, e por meio de testes prévios verificou-se que com esta temperatura o sangue contido nas placas de vidro atingia a temperatura de 37-38 o C.
As placas de vidro foram cobertas com a membrana de silicone, ficando a face rugosa em contato com os insetos e a face lisa em contato com o sangue. No momento da alimentação os insetos foram colocados em frascos Becker de 250 ml contendo sanfonas de papel de filtro para facilitar seu deslocamento até a fonte sangüínea e para absorver as excretas eliminadas durante o repasto, e fechados por tela de náilon fixada com elástico. A alimentação foi oferecida, aproximadamente, a cada 15 dias e o tempo de oferecimento da fonte sangüínea foi de 2 h, tempo suficiente para a repleção total dessa espécie conforme demonstrado por Rocha et al. (1994). Todos os insetos foram pesados antes e imediatamente após o repasto, para verificação da quantidade de sangue ingerido. Diariamente foram verificadas as ocorrências de ecdises e mortes.
O mesmo número de insetos e metodologia semelhante foram utilizados na alimentação em camundongos ( Mus musculus ). Estes foram imobilizados em sacos confeccionados com telas de náilon e colocados dentro de um cristalizador de vidro de 20 cm de altura X 20 cm de diâmetro, onde colocavam-se os insetos. Durante a realização do experimento ambos os grupos foram mantidos em estufa B.O.D. a 28+/- 1 o C e 80+/- 5% de U.R. com fotoperíodo de 12 h.
Número de repastos realizados - No presente trabalho observou-se, em ambos os grupos, um pequeno número de repastos em cada fase de desenvolvimento. Os insetos alimentados artificialmente apresentaram número de repastos mínimos e máximos inferiores aos obtidos no grupo alimentado em camundongos; além disso, as médias foram inferiores no 1º, 2º e 4º estádios e nas fêmeas; apenas no 3º estádio a média do grupo alimentado em camundongo foi superior ( Tabela I ). Outro aspecto importante constatado foi a maior homogeneidade no período de intermuda obtido na alimentação artificial. Esse é um fator importante no controle de uma criação em laboratório, permitindo que um maior número de insetos alcancem, simultaneamente, a fase adulta aumentando a possibilidade e freqüência de cópulas. Nos insetos alimentados artificialmente, observou-se que no 1º e 2º estádios todos necessitaram de apenas um repasto para que ocorressem as mudas. Nos demais estádios também ocorreram diversas mudas com apenas uma alimentação ( Tabela II ).
Ingestão de sangue - Observou-se que o 2º estádio foi o que apresentou o maior aumento de peso corporal seguido do 1º ( Tabelas III , IV ). Em R. pictipes o aumento da quantidade de sangue ingerido foi crescente com o decorrer do desenvolvimento dos insetos, alcançando o pico no 5º estádio. Na fase adulta houve um decréscimo na quantidade de sangue ingerido, com o aumento do número de repastos, também em ambos os grupos.
Período de desenvolvimento ninfal e longevidade dos adultos - O período médio do desenvolvimento dos insetos alimentados artificialmente foi superior, em todas as fases, ao registrado para os insetos alimentados em camundongos, exceto em relação às fêmeas que apresentaram período de sobrevida menor que os machos ( Tabela VI ). Do 1º ao 4º estádios, em ambos os grupos, os insetos necessitaram, em média, de menos de um mês para alcançarem o estádio seguinte. Não houve diferença significativa nos períodos de desenvolvimento entre os grupos alimentados artificialmente e in vivo , segundo o teste de Tukey para p>0,05, embora algumas médias apresentem diferenças.
Percentual de mortalidade - No 1º estádio de 50 espécimes alimentados artificialmente, só 9 não atingiram o 2º estádio, o que representa uma taxa de mortalidade de 18% próxima à obtida para o grupo alimentado em camundongos, que foi de 16% ( Tabela VII ). Os percentuais de mortalidade diminuíram nos dois grupos durante o período de desenvolvimento até o 4º estádio onde não houve mortes. No 5º estádio, os percentuais voltaram a crescer atingindo 10% na alimentação artificial e 6% na alimentação em camundongos.
DISCUSSÃO
Número de repastos realizados - Segundo Juarez (1970) o número de repastos realizados por triatomíneos tem uma grande importância do ponto de vista epidemiológico, já que quanto mais contatos ocorrerem entre vetores e hospedeiros, maior será a probabilidade de infecção ou transmissão do T. cruzi.
Em 1994, Rocha et al. observaram que o 1º estádio de R. pictipes necessitou, em média, de 1,6 repastos, quando alimentado em pombos, para alcançar a fase seguinte, média essa superior à obtida no presente trabalho em alimentação artificial, que foi de um repasto. A regularidade nos períodos de intermuda registrada no presente trabalho foi observada também por Garcia et al. (1975) para R. prolixus Stal, 1859 e por Lent e Valderrama (1977) para R. pictipes .
Ingestão de sangue - A importância da quantidade e qualidade do alimento no desen-volvimento dos triatomíneos tem sido ressaltada por diversos autores. O número de ovos produzidos está diretamente relacionado à quantidade de sangue ingerido (Buxton 1930, Friend et al. 1965, Regis 1979). Garcia et al. (1975) estudando R. prolixus submetido à alimentação artificial, obtiveram resultados semelhantes aos obtidos no presente trabalho ( Tabelas III , IV ). Perlowagora-Szumlewicz (1975) registrou para R. neglectus Lent 1954, através de alimentação in vivo , as seguintes médias de sangue ingerido por estádio: 1º 1,71 mg; 2º 8,7 mg; 3º 13,5 mg; 4º 17,8 mg; 5º124 mg; machos 67,5mg e fêmeas 100,5mg. Esses resultados são inferiores aos obtidos no presente trabalho, para ambos os grupos, exceto para o 5º estádio.
A quantidade de sangue ingerido por algumas espécies de triatomíneos está listada na Tabela V . Os resultados observados demonstram a heterogeneidade da capacidade alimentar de R. prolixus quando submetido a condições distintas de alimentação, confirmando a influência que a qualidade do sangue exerce sobre o desenvol-vimento desses insetos. O peso médio da quantidade de sangue ingerido varia de espécie para espécie, ou mesmo dentro da mesma espécie, inclusive utilizando-se a mesma fonte alimentar, em repastos distintos, conforme demonstrado nas Tabelas III e IV . Os resultados obtidos por Buxton (1930), Zeledón et al. (1970a, b), Rabinovich (1972) e Brasileiro e Perondini (1974) aproximam-se aos do presente trabalho onde foi verificado que o 2º estádio foi o que apresentou maior aumento de peso corporal.
Período de desenvolvimento ninfal e longe-vidade dos adultos - No presente trabalho R. pictipes necessitou, em média, de um mês do 1º ao 4º estádio para atingir o estádio seguinte, o que foi observado também para R. neglectus por Perlowagora-Szumlewicz (1975), para R. neivai Lent, 1953 por Carcavallo et al. (1976) e Lent e Valderrama (1977), para R. prolixus por Lent e Valderrama (1977) e para R. pictipes por Silva e Silva (1990). Também para ambos os grupos foi registrado, para o 5º estádio, período médio de 35 dias para a ocorrência da muda imaginal, aproximando-se dos resultados obtidos por Otero et al. (1976) que registraram média de 26 dias quando alimentados em galinhas; esse período foi nitidamente inferior ao registrado para essa mesma espécie por Lent e Valderrama (1977) que registraram uma média de 52,5 dias, por Silva e Silva (1990) que observaram 51,1 dias em média e por Rocha et al. (1994) que obtiveram 107 dias em média.
Percentual de mortalidade - As taxas de mortalidade verificadas ( Tabela VII ) podem ser consideradas baixas se levarmos em conta fatores que dificultam a realização do primeiro repasto, como fragilidade do aparelho bucal, dificuldade para alcançar o hospedeiro e atingir um capilar. Embora esses dois últimos inconvenientes não existam na alimentação artificial, a referida fragilidade do rostro dos insetos nesta fase dificulta a alimentação e conseqüentemente o desenvolvimento. Lent e Valderrama (1977), usando pombos como fonte alimentar, constataram 33% de mortalidade para R. pictipes durante todo o ciclo; resultados similares foram obtidos por Rocha et al. (1994) que registraram percentual de mortalidade de 38% durante todo o ciclo, destacando porém que 12% só no 1º estádio, utilizando pombos como fonte sangüínea. Taxas de mortalidade na faixa de 10 a 20% para o 1º estádio vêm sendo observadas com freqüência também em espécies dos gêneros Triatoma Laporte 1832 ; Panstrongylus (Berg, 1859); Dipetalogaster Usinger, 1939 e Cavernicola Barber, 1937.
Rabinovich (1972) estudando Triatoma infestans (Klug, 1834) registrou o maior índice de mortalidade no 1º estádio ninfal; o mesmo foi observado por Feliciangeli e Rabinovich (1985) em relação a T. maculata (Erickson, 1848) alimentado in vivo , onde a mortalidade foi de 17,2% no 1º estádio. Corrêa (1962), utilizando três fontes para alimentação de T. infestans , obteve percentuais de mortalidade no 1º estádio distintos para cada uma sendo 20,4% nos insetos alimentados em gambá, 11,5% em galinha e 5,7% em cão.
Os resultados obtidos, comparando-se os dois grupos, mostram que podemos otimizar a manu-tenção de colônias de R. pictipes em laboratório através da alimentação artificial com o uso de membrana de silicone. A membrana demonstrou ser de fácil manipulação e lavagem, podendo ser reutilizada e apresentando baixo custo. O comportamento dessa espécie em relação à membrana foi similar ao observado durante a alimentação em hospedeiros vivos. Esses resultados comparativos de desenvolvimento indicam que cada espécie possui diferentes comportamentos e adaptações quando submetidas a condições artificiais, e que somente estudos específicos podem esclarecer a dinâmica biológica de cada espécie e assim determinar detalhes que poderão ser utilizados em campanhas de controle, utilização de espécies em xenodiag-nóstico e criação em laboratório.
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Rodolfo U Carcavallo pela leitura crítica do texto e pela revisão do resumo em inglês. Aos técnicos do laboratório Vanda Cunha, José Luís da Costa Giesteira e Luciana da Fonseca Silva pela manutenção do insetário.
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Com auxílio do CNPq e convênio BIRD/FNS/FIOCRUZ 027/93
Parte deste trabalho foi apresentada na XXII Annual Meeting on Basic Research in Chagas' Disease, Caxambu, MG, Brasil, 1995
+ Autor de contato. Fax: +55-21-290.9339. E-mail: galvao@gene.dbbm.fiocruz.br
Recebido em 17 de janeiro de 1997
Aceito em 10 março de 1997
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Out 1998 -
Data do Fascículo
Jul 1997
Histórico
-
Aceito
10 Mar 1997 -
Recebido
17 Jan 1997