Resumos
A assistência à prática da amamentação, como um dos fatores de promoção à saúde materno-infantil, tem sido incrementada através de inúmeras iniciativas de órgãos governamentais e não governamentais. No entanto, a mulher ainda encontra dificuldades para o acesso à assistência especializada para resolução de problemas relativos ao aleitamento e lactação, após a alta hospitalar. Relatamos aqui o Programa de Atendimento Domiciliar ao Binômio, que tem como objetivo o apoio e orientação às nutrizes, em seu domicílio. A assistência constitui-se no ensino de técnicas simplificadas de manejo do aleitamento, e segue um modelo teórico construído com base no Interacionismo Simbólico. Todas as mulheres atendidas conseguiram manter a amamentação ou relactar com sucesso.
Aleitamento materno; Cuidados domiciliares de saúde; Enfermagem materno
Support for breastfeeding, one of the factors contributing to mother-child wellbeing, has increased through innumerable government and non-government iniciatives. Despite this, women still have difficulty finding specialised help to solve problems related to breastfeeding and lactation after discharge from hospital. We describe the Domiciliary Attendance to Mother and son, whose aim it is to give assistance and advice to mothers in their homes. This assistance consists of teaching simplified breastfeeding management techniques, based on the Symbolic Interactionism Model. All the women assisted under this program have been able to continue breastfeeding or to re-lactate succes fully.
Breastfeeding; Home nursing; Maternal-child nursing
ARTIGOS ORIGINAIS
Enfermagem e aleitamento materno: combinando práticas seculares
Nursing and breastfeeding: an eldest practicies combination
Isília Aparecida Silva
Enfermeira obstétrica. Professora Associada do Depto de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
RESUMO
A assistência à prática da amamentação, como um dos fatores de promoção à saúde materno-infantil, tem sido incrementada através de inúmeras iniciativas de órgãos governamentais e não governamentais. No entanto, a mulher ainda encontra dificuldades para o acesso à assistência especializada para resolução de problemas relativos ao aleitamento e lactação, após a alta hospitalar. Relatamos aqui o Programa de Atendimento Domiciliar ao Binômio, que tem como objetivo o apoio e orientação às nutrizes, em seu domicílio. A assistência constitui-se no ensino de técnicas simplificadas de manejo do aleitamento, e segue um modelo teórico construído com base no Interacionismo Simbólico. Todas as mulheres atendidas conseguiram manter a amamentação ou relactar com sucesso.
Palavras-chave: Aleitamento materno. Cuidados domiciliares de saúde. Enfermagem materno- infantil.
ABSTRACT
Support for breastfeeding, one of the factors contributing to mother-child wellbeing, has increased through innumerable government and non-government iniciatives. Despite this, women still have difficulty finding specialised help to solve problems related to breastfeeding and lactation after discharge from hospital. We describe the Domiciliary Attendance to Mother and son, whose aim it is to give assistance and advice to mothers in their homes. This assistance consists of teaching simplified breastfeeding management techniques, based on the Symbolic Interactionism Model. All the women assisted under this program have been able to continue breastfeeding or to re-lactate succes fully.
Keywords: Breastfeeding. Home nursing. Maternal-child nursing.
I INTRODUÇÃO
Vários fatores têm contribuído concretamente para a baixa freqüência da prática de aleitamento materno atual, e entre elas a dificuldade enfrentada pelas mulheres quanto ao acesso aos serviços especializados, com profissionais qualificados para atendimento à mãe e ao seu filho, nesta fase de vida, após a alta hospitalar.
A grande maioria dos serviços de atendimento obstétrico e neonatal não apresentam programa específico para o incentivo ao aleitamento materno, e quando este existe, não extende a assistência ao período pós-parto tardio, período este considerado crítico para a manutenção do aleitamento, pois é nas primeiras semanas do puerpério que surgem as principais intercorrências da lactação e amamentação, que somadas a insegurança materna e muitas vezes familiar, resulta na introdução de outros alimentos para a nutrição do lactente.
Mesmo nas situações críticas para a amamentação, como é o caso de crianças internadas em unidades de terapia intensiva, são raros os serviços que adotam procedimentos que visam garantir a continuidade da amamentação, ficando mãe e filho à mercê de possibilidades próprias para re solução de possíveis dificuldades a serem enfrentadas em seus domicílios (CANDELLA, 1996).
Por outro lado, é comum o questionamento dos profissionais quanto às contradições observadas entre o discurso e o desejo materno expresso de amamentar o filho e as ações das mulheres em relação ao amamentar, que resultam no desmame, na maioria das vezes, precoce.
Diante da crença de que a mulher é capaz de vivenciar a experiência da amamentação com sucesso, se estiver preparada para exercê-la a partir do conhecimento dos aspectos básicos e práticos da amamentação, considerando-se que os fatores causais do desmame residem, em sua maioria, no desconhecimento desse conteúdo, a maioria dos programas desenvolvem ações educativas para gestantes e nutrizes, enfocando os aspectos técnicos e biológicos da amamentação (MOTTA, 1990; SILVA, 1999).
Mesmo assim, os índices da freqüência e duração do aleitamento materno vêm contrariando a eficácia dos esforços de inúmeros programas oficiais e não governamentais, de incentivo ao aleitamento materno em todo o País.
Talvez um dos grandes desafios da enfermeira, e da equipe multiprofissional, para alcançar os objetivos dos projetos e programas de incentivo ao aleitamento materno, resida na dificuldade de compreender os reais motivos pelos quais muitas mulheres deixam de amamentar seus filhos. Desafio maior, por conseguinte, é atuar junto a essas mulheres na tentativa de intervir nos aspectos obscuros que levam à decisão materna de desmame e introdução de outros alimentos na dieta do recém-nascido.
O processo da amamentação, embora de aparente simplicidade e autonomatismo fisiólogico singular, requer um complexo conjunto de condições interacionais no contexto social da mulher e seu filho (SILVA, 1997a).
Assim, só a informação ou educação, não basta de per si, para que as mulheres tenham sucesso em sua experiência de amamentar, ou fiquem motivadas em fazê-lo. É preciso dar condições concretas para que mães e bebês vivenciem este processo de forma prazerosa e com eficácia.
Segundo POMPIDOU (1988), a informação não garante a ação em relação ao objeto, pois a informação não significa necessariamente conhecimento; tomar ciência não significa tomar medidas e a decisão em tomar medidas não significa necessariamente realizar a ação.
Em nossas experiências em ambiente hospitalar, acompanhando mães no processo do amamentar, passamos a questionar o futuro daquela experiência no ambiente natural do binômio, à mercê de uma série de influências e hábitos familiares.
Nosso interesse em trabalhar formas de atendimento em aleitamento materno e desenvolver uma sistematização do cuidar na amamentação, levou-nos a acompanhar as mães em seus domicílios, oferecendo-lhes um atendimento individualizado, segundo suas necessidades e as de seus filhos. Em princípio, o atendimento visava cuidar das intercorrências da amamentação no período inicial deste processo, mas a gama de cuidados demandados por essas mulheres nos fez estabelecer, aos poucos, um programa amplo de assistência, o qual passou a iniciarse no período gestacional dando-se continuidade no período pós-natal desde a primeira mamada do recém-nascido, ainda na maternidade (SILVA, 1996).
Este programa foi implementado, em princípio, considerando-se a importância da informação/ educação das mulheres em relação aos cuidados pré e pós natais para prevenção e tratamento de intercorrências e problemas mais usuais da amamentação. Estas estratégias pareciam ser eficientes para garantir a minimização de problemas, ou garantir o sucesso da amamentação para grande parte do binômios. No entanto, o programa de atendimento domiciliar, embora tivesse sucesso com boa parte das mulheres assistidas, no sentido da existência de poucos casos de desmame precoce e definitivo, ainda parecia frágil. Era visível que havia necessidade de uma total compreensão das mais diversas atitudes maternas, para que os vazios dessa compreensão não incorressem em prejuízo da assistência ao manejo do aleitamento materno.
Assim, em 1995 passamos a adotar uma abordagem interacionista simbólica para atendimento das mulheres que nos procuravam, com base nos estudos que realizamos, (SILVA, 1994), cujo modelo passou a ser o referencial teórico para assistência no manejo do aleitamento.
II. PROGRAMA DE ATENDIMENTO À MULHER E FILHO EM ALEITAMENTO MATERNO
Pesando riscos e benefícios referencial teórico para a compreensão e intervenção no processo do aleitamento materno.
A amamentação, segundo este modelo, não é apenas um evento ou resposta a determinantes biológicos e sociais, antes, é um complexo processo de interação da mulher com os abjetos significantes contidos em seu meio. Todos os elementos com os quais ela interage são percebidos, interpretados e revestido de significados, os quais determinam as ações que definem o tipo e duração da amamentação (SILVA, 1997a).
O conjunto de ações que a mulher executa e as decisões que ela toma em relação a amamentar ou desmamar seu filho, não são resultados de fatores isolados e dependentes exclusivamente dos conhecimentos e habilidades no manejo da amamentação. O que determina a ação de amamentar, sua qualidade e duração é o significado que a mulher atribui a essa experiência. Significado este, determinado pela relação percebida pela mulher, do ato de amamentar com os símbolos re prese ntados nos elementos de interação vivenciados por ela em seu contexto.
A perspectiva do Interacionismo Simbólico nos indica uma abordagem distinta para o estudo da vida e ação humanas, considerando que a descrição do comportamento humano deve ser feito com base no ato social que se dá em duas dimensões: a atividade "manifesta" sendo concebido como o comportamento externo observável, conside rando o processo dinâmico em execução e a atividade "encoberta", isto é, a experiência interna do indivíduo (BLUMER, 1969).
Embora a mulher, ainda na gravidez, procure definir e estabelecer ações em relação a como pretende cuidar de seu filho futuramente, em especial no tocante a amamentação, é a partir da realidade concreta de ser mãe, "vivenciando a prática de amamentação", que ela terá elementos para definir ações e tomar decisões
A prática de amamentar é uma experiência que implica no envolvimento de uma série de fatores maternos e outros relacionados ao recém-nascido, a qual não está na dependência exclusiva de uma decisão prévia de amamentar ou não. Também não depende de seus conhecimentos sobre técnicas de manejo da amamentação.
Isto pode ser explicado segundo os temas a seguir:
1.Avaliando sua capacidade para amamentar, significa a avaliação que a mulher faz da sua capacidade física, biológica de amamentar e manter-se hígida, garantindo a boa nutrição ao seu filho.
A prática da amamentação estabelece uma interação básica entre mãe e filho, em que é a mãe, que identifica, analisa e faz julgamento sobre as manifestações de comportamento do filho estabelecendo, a partir daí as ações relativas ao ato de amamentar.
Desde o nascimento do filho, a mãe passa por processo de aprendizado em relação a conhecer e compreender a linguagem do recém-nascido e o método básico que utiliza é a observação de comportamento da criança, principalmente choro, período de sono e vigília, a freqüência com que ela é aceita e solicita a alimentação, o tempo gasto nas mamadas, além de avaliação do crescimento e desenvolvimento.
É a partir do conjunto desses elementos que a mãe avalia se a criança "está bem", ou seja, se ela, a mãe, tem capacidade física, biológica, de nutrir a criança.
Assim, ao menor sinal, interpretado pela mãe, de que a criança não está sendo alimentada adequadamente, ou seja, que seu leite não é de boa qualidade e em quantidade suficiente, há uma reavaliação que gera ações para solucionar o problema identificado.
A mãe age e reage, na sua interação com o recém-nascido, atribuindo significados ao que é expresso através do choro e das manifestações do filho. A maneira como a "linguagem" da criança é interpretada, depende da perspectiva da mãe, uma vez que estas interpretações e inferências são influenciadas pelas concepções acerca da qualidade e quantidade do leite que produz, dos sentimentos percebidos por ela, na sua condição de nutriz e pelas inferências externas que sofre em seu meio. Apenas a mãe estabelece e decide as ações e condução da amamentação, determinadas, em grande parte, pelas limitações da compreensão do comportamento do recém-nascido e ao seu real significado.
Os elementos considerados para esta avaliação estão ligados simbolicamente à sua capacidade de produzir um leite em quantidade suficiente e considerado, por ela, de boa qualidade.
Observamos, no entanto, que a avaliação feita, quanto ao tipo de leite produzido, não traz mudança na sua crença quanto à qualidade do leite materno. Essa avaliação é de ordem pessoal, referindo-se ao leite que ela produz. A interação estabelecida com o recém-nascido não é o único fator interveniente na experiência da amamentação. A nutriz leva em consideração, também, e talvez, principalmente, aspectos que indicam valor individual de como ela vê, sente e percebe a situação de amamentar, afetando suas condições físicas.
2.Avaliando seus sentimentos mostra que a experiência real de amamentar implica na vivência de sentimentos e situações com os quais a mulher tem que lidar e passa a interpretá-los à luz do que estes significam para ela.
Estes são elementos que influenciam implicitamente o curso de amamentação, nem sempre expressos claramente.
Os sentimentos, elementos percebidas a partir da experiência de amamentar, de forma isolada ou no seu conjunto, concorrem para mudanças de atitude da mulher frente à ação de amamentar ou reforçam sua disposição em dar continuidade à amamentação.
Assim, a mulher experiencia a amamentação não gostando de amamentar, o que representa uma somatória de sensações percebidas por ela como sendo obrigada a amamentar ou sentindo vergonha de amamentar em público, o que muitas vezes chega a inibir a nutriz a ponto de buscar alternativas de alimentar a criança, quando se vê em situações que teria que expor-se a público.
Por outro lado, a experiência de amamentar pode ser vivenciada pe la mulher como uma experiência agradável, dando-lhe prazer e mamamentar, achando natural e sentindo-se bem em amamentar em público, o que em primeira instância é resultado de uma atitude positiva da mãe diante da amamentação, desenvolvida pela observação de outras mães amamentando, ou ainda pela percepção da maternidade envolvendo a afetividade e a crença de que a mamentação favo recealigação e aproximação entre mãe e filho.
A nutriz interage também com elementos determinados pelo seu papel de mulher, seus projetos de vida profissional, pessoal e principalmente na sua sexualidade e com as implicações que a amamentação tem em todas as dimensões de sua vida.
Por um curto período de tempo, na dieta, ela desempenha atividades de mãe e nutriz, sabendo, no entanto, que este não é o único papel que lhe cabe no sistema familiar. Este aspecto se reveste de importância para a prática do aleitamento, uma vez que a amamentação é vista como uma das funções da mulher, a qual deve ser incorporada no movimento da sua vida, junto aos demais papéis e atividades desempenhadas por ela. Ao perceber a fase da amamentação como insegura para a prática sexual, a mulher sente-se vulnerável à nova gravidez e tendo receio de engravidar passa a tomar medidas ou cuidados para não engravidar.
A insegurança em amamentar, sem estar protegida, cria um conflito para a mulher no que diz respeito à continuidade da amamentação e a utilização de um método contraceptivo, principalmente, quando ela escolhe a pílula. Este fato interfere em prejuízo à amamentação, pois a necessidade de sentir-se segura contra outra gravidez pode superar a importânciada amamentação.
3. Tomando decisões representa o conjunto das interações estabelecidas pela nutriz, seja no seu papel de mãe, seja no seu papel de mulher. Ela percebe sentimentos relativos à prática de amamentar como fatores que refletem na vida do recém-nascido, na dela própria, ou no conjunto familiar. Diante do significado atribuído a estes fenômenos são estabelecidas as prioridades em manter a amamentação ou não, quer em relação à criança, quer em relação a ela mesma, a mulher. O conjunto desses elementos fornecem subsídios para a decisão, uma vez que nem sempre um elemento isolado é considerado suficiente para tomada de decisão, más sim, o conjunto da sua experiência de amamentar.
Assim, a tomada de decisão, em relação a amamentar,. é feita mediante uma avaliação das necessidades do recém-nascido e da própria nutriz, que se traduz na identificação de demandas prioritárias para a criança ou para a mulher, o que determina sua decisão em continuar amamentando ou não.
Isso implica na escolha e tomada de decisão em relação ao que parece ser mais importante e prioritário para a mulher, ou seja, atender as suas próprias necessidades ou as necessidades de seu filho.
Dessa forma, ela prioriza as suas necessidades quando oferece mamadeira ao recém-nascido por necessitar de repouso, ter que trabalhar, não querer sentir dor, precisar tomar pílula ou por temer pelo prejuízo da estética de suas mamas entre outras razões.
A mãe também opta por desmamar , priorizando as necessidades do filho, quando no processo de avaliação do leite que produz, ao considerá-lo insuficiente do ponto de vista de volume ou da sua qualidade, utiliza sua avaliação para justificar o desmame.
A tomada de decisão em amamentar, ou dar continuidade ao processo, também é baseada nas prioridades identificadas e estabelecidas pela mulher, tendendo ao atendimento das necessidades da criança, quando a mulher atribui a elas maior importância que as necessidades maternas. Neste caso, muitas vezes, os benefícios para a criança, identificados pela mãe, anulam aquilo que séria necessidade ou que simboliza riscos maternos, resultando de alguma forma, também, como benefício para a mulher.
Assim, a experiência de amamentar é percebida pela mulher não somente como a ação de garantir a nutrição do recém-nascido, estabelecida num contexto centrado na interação com seu filho, mas também como um processo que se expande e reflete nas demais interações de sua vida, no qual suas percepções sofrem modificações ao longo do curso dessa vivência num constante movimento.
À medida que a mulher define a situação de amamentar para si, ela passa a representá-la em termos simbólicos de riscos e benefícios. Simbolicamente o risco, na experiência da mulher, significa a possibilidade de perda, prejuízo, dano, desvantagem, perigo e ameaça física ou emocional para o binômio ou uma de suas partes. Da mesma forma, simbolicamente, benefícios são considerados os ganhos, proveitos e vantagens obtidas pela amamentação, por ela ou pela criança, ou ambas.
Assim, o curso da amamentação sofre constantes avaliações por parte da mulher, influenciada pelo seu contexto, seus projetos de vida e visão pessoal da experiência, que são determinantes dos significados dessa experiência para o recém-nascido e para ela, retratados em termos de risco e benefícios.
Na unicidade dessa vivência, identifica-se um processo de PESAR RISCOS E BENEFÍCIOS, que caracteriza as múltiplas partes e movimentos da experiência de amamentar vivenciada pela mulher.
Este fenômeno permeia o processo da amamentação, definindo-o como uma situação de constante estimativa em termos de riscos e benefícios, sendo interpretada, segundo a perspectiva da mulher, sob o prisma dos papéis que está desempenhando dentro do seu contexto de interações.
Programa de Atendimento Domiciliar para Mãe / filho na Amamentação
Como nasceu e como funciona
O Programa de Atendimento Domiciliar para Mãe / filho na Amamentação, foi iniciado em 1992, com o propósito de atender nutrizes em suas necessidades relativas às intercorrências da amamentação, com vistas a reduzir as possibilidades de desmame precoce diante das dificuldades mais comuns no início deste processo.
O atendimento era feito às mulheres que nos procuravam, na sua maioria, indicadas por obstetras que detectavam dificuldades dessas nutrizes e as encaminhavam para resolução dos problemas. Esta atividade foi interrompida em 1994, tendo em vista a prioridade de conclusão do programa de pós-graduação, no qual a autora deste relato estava matriculada.
Como docente da Universidade de São Paulo, com contrato exclusivo, não era possível a dedicação ao atendimento dessas mulheres em tempo integral, assim esta atividade era feita também, com vistas aos estudos e melhor compreensão do processo de amamentar e melhor cuidar dessas mães, sendo elas esclarecidas dessas razões e sempre prontas a colaborar em nosso trabalho conjunto, sendo inclusive, este, gratuito.
Com o passar do tempo, as mulheres passaram a ter um importante papel como agentes de divulgação do trabalho, o que levou a uma mudança na origem das novas mães atendidas, sendo estas encaminhadas pelas próprias nutrizes que já haviam sido assistidas por nós.
Outro fato importante, foi perceber que as mulheres já não nos procuravam apenas no período crítico da amamentação, mediante as intercorrências já instaladas, mas che gavam cada ve z mais precocemente, ainda na gestação, em busca de profilaxia para as complicações mais comuns a este período.
Muitas delas, primíparas amedrontadas pela experiência observada de outras mulheres, em seu contexto ou, ainda, multíparas com experiências próprias de complicações, ou que por razões maternas ou do RN, não haviam amamentado os filhos mais velhos.
No entanto, as dificuldades de compreensão de muitos dos comportamentos maternos relativos ao amamentar, nos levaram ainda a questionar quais as melhores estratégias para implementar, junto a estas mulheres, ações de enfermagem que garantissem a manutenção da amamentação pelo maior tempo possível, pois apesar de muitas mulheres nos procurarem, em busca de soluções para seus problemas, a resolução das dificuldades emergenciais, nem sempre garantia a continuidade da amamentação.
Em meados de setembro de 1996, passamos a receber solicitações de outros profissionais, obstetras e pediatras, além de nutrizes e gestantes buscando ajuda para suas questões em aleitamento materno e retomamos o atendimento domicilar das mulheres e seus filhos, mas agora com uma nova visão do processo de amamentar, utilizando a visão interacionista simbólica que passou a fundamentar as ações no Programa de Atendimento Domiciliar para Mãe / filho na Amamentação.
O Programa faz parte das atividades do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Aleitamento Materno NEPAL da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob nossa coordenação, contando com alunos de graduação, bolsistas de iniciação científica.
As mulheres, em geral entram em contato conosco pelo telefone do NEPAL, e neste primeiro contato são colhidas algumas informações básicas como paridade, idade gestacional, e é marcada uma entrevista com ela e com o marido ou companheiro, segundo o desejo da gestante.
A entrevista, preferencialmente é feita no domicílio da grávida ou, dependendo da situação, pode ser realizada na Escola de Enfermagem. Em se tratando de gestante, a programação do trabalho a ser desenvolvido com ela ou com o casal, fica na dependência da necessidade dos envolvidos, das questões colocadas, das informações colhidas, de suas experiências, suas expectativas, de uma avaliação do ambiente familiar como convivência com mãe, sogra, outros elementos familiares significativos os quais podem participar deste processo de construção da experiência de amamentar, desde a gestação, se a mulher o desejar. Também é realizada uma avaliação física das mamas.
Fazemos o acompanhamento da gestante discutindo aspectos da amamentação, desde o prepa rodos mamilos para amamentação, esclarecimentos sobre a técnica de amamentação e de todos os questionamentos que ela tenha a fazer.
A primeira mamada, na maternidade é acompanhada e estando lá, junto da mulher e família, podemos observar a nutriz iniciando a sua vivência no processo de amamentar.
Em princípio, a diversidade de maternidades em que essas mulheres são atendidas, devido as suas condições sócioeconômicas, possibilidades de convênios etc; dificultou o trabalho no que diz respeito ao tempo que se necessita dedicar para o acompanhamento da mãe e filho e estar presente na primeira mamada, ou primeiras mamadas.
No entanto, a presença de uma enfermeira neste tipo de trabalho tem influenciado os demais ambientes hospitalares, facilitando e promovendo a organização de grupos de incentivo ao aleitamento materno, o que passou a ser um suporte para a mãe e família e deixou de ser impecílio para o nosso trabalho. Em alguns hospitais, hoje, há núcleos de atendimento em amamentação, enfermeiras que receberam nossa assessoria para a instalação do serviço e, dessa forma, falamos a mesma linguagem e nos ajudamos mutuamente.
Quando se trata de mulheres que nos procuram em processo instalado de amamentar, com as dificuldades como lesões de papila, ingurgitamento mamário, ou dificuldades expressas a partir de observações e interpretações da manifestação de comportamento do RN, procuramos fazer uma visita imediata em seu domicílio e iniciar o trabalho.
Também neste caso, a programação obedece à demanda apresentada, não havendo receitas ou protocolos a seguir, pois a necessidade individual de cada mulher e criança é que determina as ações a serem realizadas, dentro do seu contexto natural.
Tomamos como base para atendimento destas mulheres e seus filhos os procedimentos em manejo clínico da amamentação, adotados por autores como CAMPESTRINI (1991); KING, (1998); SILVA, (1996).
Todas as mulheres que nos procuram têm livre acesso ao telefone do NEPAL e recebem informações sobre todas as possibilidades de contatos telefônicos para que possam nos acessar quando sentirem necessidade.
À guisa de relato da experiência com as mães e crianças
No período correspondente de janeiro (1997) a março (1998), foram atendidas 38 mulheres em seus domicílios. Destas, 12 eram mulheres em idade gestacional variando entre 16 e 32 semanas. O que denota uma gama de demanda diferenciada pelas possibilidades de programação de trabalho. Embora das 12 gestantes, 8 fossem primigestas, as demais também não tinham experiência anterior em amamentação, pois tiveram filhos prematuros que jamais fo ram amame ntados, te ndo saído da maternidade desmamados completamente.
Ainda, dentre essas mulheres atendidas, 20 eram puérperas com os mais diversos problemas. Apresentaram mamilos lesados nos mais variáveis graus de comprometimento do tecido papilar; ingurgitamento mamário, associado ou não a lesões de papilas; obstruções de microductos, provocando ingurgitamento persistente em determinados lobos; queixa de hipogalactia; queixa de mamadas muito freqüentes; queixa de recusa do RN em mamar. Também foi observado o uso de chás e água no intervalo entre as mamadas, assim como dificuldade do lactente apreender mamilos semi-protrusos, planos ou invertidos.
Também atendemos, nesse período 6 mulheres que desejaram voltar a amamentar seus filhos, havendo necessidade de relactação. Entre elas, 2 tiveram seus filhos prematuros e não haviam, ainda, amamentado. As outras mulheres tinham sido orientadas, por profissionais da equipe de saúde, a introduzir mamadeira, tendo percebido que gradualmente seus filhos estavam abandonando o peito, apresentando cada vez maior dificuldade em apreender o mamilo a aceitar leite materno.
As 38 mulheres atendidas não correspondem ao total de gestantes e nutrizes que nos foram encaminhadas ou que nos procuraram. As aqui mencionadas foram efetivamente aquelas que puderam ser atendidas, apesar da nossa dificuldade em conciliar o tempo dedicado a docência e as necessidades de atendimento dessas mulheres.
Quanto às outras mulheres, as quais, não foi possível realizar o atendimento pessoalmente, foram encaminhadas para colegas e serviços qualificados para assistência à mãe e filho nesse processo, ou, como suas necessidades assim demandavam e permitiam, foram assistidas pelos próprios obstetras ou pediatras, mediante nossa orientação.
É possível perceber no relato desta experiência, que não estamos nos prendendo aos números absolutos ou relativos, ou especificamente a freqüência dos problemas biológicos do manejo da amamentação que os binômios apresentaram.
A nossa intenção é ressaltar que o profissional, ao estender sua assistência para além das questões biológicas da amamentação, buscando identificar e esclarecer junto a mulher as suas percepções acerca desta vivência, possibilita a compreensão sobre a experiência da mulher em amamentar de se realizar uma assistência ampla.
Embora os aspectos relativos à orientação de técnicas de amamentação e outros elementos informativos do ponto de vista biológico tenham papel importante, temos a certeza de que , compreender que as tomadas de decisão da mulher em relação a amamentar ou desmamar seu filho, não são causas isoladas ou fatores simplistas dependentes exclusivamente da instrumentalização desta na habilidade de manejar as técnicas de amamentação e o esvaziamento de suas mamas, é de fundamental importância para o sucesso do trabalho junto a estas mulheres.
Reduzir a experiência de amamentar ao modelo biológico e altruísta, não contempla as possibilidades de atuação do profissional, pois não reflete o processo de amamentar do ponto de vista da mulher, que é, em última análise, quem toma as decisões e o rumo do aleitamento.
O sucesso da amamentação depende do significado atribuído pela mulher, determinado pela relação dessa ação com os símbolos representados nos elementos de interação vivenciados por ela, em seu contexto. Uma vez que o sentido que orienta a prática de amamentar, desenvolve-se nas diferentes relações ocorridas no seu cotidiano, antes e durante a experiência de amamentar, é nesse cotidiano que o profissional deve estar inserido, ou pelo menos ter conhecimento, para poder atuar junto à mulher, identificando os símbolos significantes presentes e que fazem parte da construção dos significados para esta mulher.
Os elementos determinantes do processo devem ter sua compreensão em uma visão do conjunto a que eles pertencem.
Ao poder compreender os significados atribuídos pela mulher a sua experiência de amamentar, os significados de beneficio podem ser reforçados pelo profissional. Por outro lado, os significados simbolicamente considerados risco, reais ou potenciais, podem ser modificados, muitas vezes por ações simples, mas que resultam em novas interações, entendimentos ou solução de questões prioritárias para a nutriz, como pode ser percebido nesta fala de uma primípara:
" eu juro que não percebi que ele tinha o nariz entupido, pensava que ele não queria o meu peito, pois ele jogava a cabeça para trás irritado... parecia que tinha náusea quando punha o mamilo na boca... é tão simples", ou ainda, quando outra nutriz comenta:
"pensando melhor, quando você fala acho mesmo que eu estou é querendo provocar minha sogra, pois ela quer tanto que o neto seja amamentado... mas eu preciso pensar que quem está aqui é antes de ser o neto dela, é meu filho... quase desmamo por bobagem....':
A presença de um profissional ao lado da mulher nesta fase, possibilita a compreensão de elementos, que normalmente passariam desper-cebidos em uma consulta rápida, ou a um profissional que só Observe aspectos biológicos:
"eu bem que queria amamentar, mas penso se não será difícil desmamar depois... eu quero voltar a trabalhar logo que terminar a licença, pois não posso p e r d e r m e u em p r eg o . . . é m i n h a profissão, minha carreira.... tenho medo de ter que optar por desmamar ou ter que largar o emprego se o neném não desmamar... o outro eu também não consegui amamentar... não sei este. Mas quero amamentar neste tempo... de licença":
Onde está o risco, ou onde está o benefício? O risco está na necessidade desta mãe sentir que a amamentação pode representar um obstáculo para o retorno ao seu trabalho, à continuidade de sua carreira. Garantir que é possível, inclusive continuar amamentando após o retorno ao trabalho, elaborar um programa de estoque de leite materno para ser oferecido ao bebê em sua ausência , mamadas no início e final do dia, apoio, compreensão, e não julgamento fizeram com que esta mãe amamentasse seu filho até aos oito meses de idade.
Com o trabalho vem o reconhecimento, não só da nutriz, mas da família, que passa a perceber a segurança, a tranqüilidade materna, refletida em bem estar da mãe e do bebê,
"se todos os hospitais tivessem enfermeiras qualificadas para dar este tipo de atenção, garanto que o desmame seria menor..."- palavras de um pai, que só teve o terceiro filho amamentado...
Embora não seja nosso objetivo, colocar nossa experiência em termos numéricos, é importante ressaltar que todas as mulheres atendidas tiveram sucesso na amamentação , commínimo de intercorrências, mesmo as relactantes, e que a média mínima de tempo de amamentação nas mulheres atendidas foi de 5 meses, sendo que a maioria ultrapassou os oito meses de idade da criança.
Atualmente , após já termos prestado assessoria a diversos grupos de enfermeiras para formação de grupos de apoio a amamentação, para assistência hospitalar e domiciliária, estamos incrementando o programa, através do Núcleo de Pesquisa em Aleitamento Materno, com participação de bolsistas de iniciação científica, visando também a participação de alunos de pós-graduação. Esta atividade propiciará acombinação do desenvolvimento de estudos, de formação e pesquisas em aleitamento materno, com melhoria da qualidade de assistência à mãe e filho e sua família, neste processo.
Tecendo algumas considerações
Esta experiência, sendo desenvolvida no meio acadêmico, não tem sido explorada em sua totalidade devido à dificuldade de disponibilidade de tempo para dedicação ao Programa como um todo. No entanto, dessa vivência com famílias, mães, lactentes, alunos, enfermeiras, colegas que nos procuram para assessoria em seus trabalhos, podemos fazer algumas considerações.
Segundo CIANCIARULLO (1995), "a perspectiva de um novo milênio é uma oportunidade para refletirmos sobre o nosso passado... para realizarmos nosso presente e visualizarmos nosso futuro, com nossos desafios".
No que diz respeito ao presente, consideramos que a base do trabalho de assistência em aleitamento materno tem sido o modelo biológico em que há predomínio do conhecimento técnico da fisiologia da lactação e outros aspectos ligados ao crescimento e desenvolvimento do RN. Segundo SILVA (1999), " o profissional, alheio ou não inteiramente apropriado dos símbolos significantes presentes em sua interação com a mulher/nutrriz, desenvolve ações de incentivo sem dar o sentido para a assistência, que no máximo tangencia o mundo das percepções maternas, sem atingir seu núcleo significativo".
Claro está que o domínio de aspectos fisiológicos e técnicos nos permite detectar muitas das causas das intercorrências da amamentação e propor, a obinômio, resoluções para suas dificuldades.
A aplicação do conhecimento biológico em conjunto ao conhecimento da experiência da mulher em amamentar propicia uma amplitude de cuidados que nos aproxima da nossa clientela, permitindo uma atuação por inteiro. As possibilidades são inúmeras e os ganhos são incontáveis para a mãe, o filho, e para o profissional.
Quanto ao futuro ,a experiência de atendimento domiciliar, ao binômio mãe-filho durante a amamentação, em parceria com outros profissionais ou de forma individual, abre para a Enfermagem um campo inesgotável de possibilidades de atuação e realização.
Sem dúvida, temos um sistema de saúde que não atende e não fornece para a mulher a rede de serviços qualificados que ela necessita, ainda havendo o desmame por razões facilmente controláveis.
O trabalho autônomo da enfermeira, nesta área, é perfeitamente possível de ser realizado e traz para esta categoria o reconhecimento de um profissional liberal, com conhecimento científico, validado em seus referenciais teórico metodológico, mas principalmente, no potencial de uma profissão que está encontrando seus caminhos, descobrindo seus desafios e suas estratégias para alcançar metas cada vez mais ousadas e sólidas.
- BLUMER, H. Simbolic interactionism: perpesctive and method. London, University of California Press, 1969.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Dez 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2000