Riscos ocupacionais para profissionais de enfermagem relacionados ao reúso e uso único do dialisador^*

RESUMO

Objetivo:

Comparar as ocorrências ocupacionais registradas pelos profissionais de Enfermagem durante a utilização do dialisador reutilizado e de uso único.

Método:

Estudo longitudinal, retrospectivo, realizado com prontuários de técnicos de Enfermagem de um serviço de hemodiálise. Os dados foram analisados descritivamente e calculados pela Razão de Densidade de Incidência.

Resultados:

Durante a reutilização do dialisador, foram registradas sete notificações de cinco profissionais relacionadas a distúrbios osteomusculares, a alergias oculares e à dermatose. Durante o uso único, dois profissionais registraram dor lombar. A taxa de exposição ao uso de medicamentos foi de 6,7 dias para cada 1.000 profissionais no período de reutilização do dialisador e de 1,52 dias no período de uso único (RDI=4,4; IC 95%: 2.182-9.805). Os anti-inflamatórios foram os mais prescritos, e os afastamentos do trabalho foram semelhantes nos dois períodos.

Conclusão:

O reúso do dialisador esteve associado a distúrbios osteomusculares, irritação ocular, dermatoses e maior uso de medicamentos pelos profissionais. Os afastamentos do trabalho foram semelhantes durante o uso do dialisador reutilizado e de uso único.

DESCRITORES
Equipe de Enfermagem; Diálise Renal; Reutilização de Equipamento; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador

ABSTRACT

Objective:

To compare the reports of occupational events recorded by nursing professionals during the periods of reuse and single use of the dialyzer.

Method:

Retrospective longitudinal study with electronic medical records from nursing technicians of a hemodialysis service. Data were analyzed descriptively and Rate ratio.

Results:

During the reuse of the dialyzer, there were seven events from five professionals reporting musculoskeletal disorders, ocular allergies and dermatosis. During single use, two professionals reported low back pain. The rate ratio of medication use was 6.7 days for every 1000 professionals during the reuse period and 1.52 days in the single use period (RR=4.4; 95% CI 2.182-9.805). Anti-inflammatory drugs were the most prescribed, and sick leaves were similar in both periods.

Conclusion:

Dialyzer reuse was associated with musculoskeletal disorders, ocular irritation, dermatosis and increased use of medications by professionals. Sick leaves were similar on the periods of dialyzer reuse and single use.

DESCRIPTORS
Nursing, Team; Renal Dialysis; Equipment Reuse; Occupational Risks; Occupational Health

RESUMEN

Objetivo:

Comparar las ocurrencias ocupacionales registradas por los profesionales enfermeros durante la utilización del dializador reutilizado y de uso único.

Método:

Estudio longitudinal, retrospectivo, realizado con fichas de técnicos de Enfermería de un servicio de hemodiálisis. Los datos fueron analizados descriptivamente y calculados por la Razón de Densidades de Incidencia.

Resultados:

Durante la reutilización del dializador, fueron registradas siete notificaciones de cinco profesionales relacionadas con disturbios osteomusculares, alergias oculares y dermatosis. Durante el uso único, dos profesionales registraron dolor lumbar. La tasa de exposición al uso de fármacos fue de 6,7 días para cada 1.000 profesionales en el período de reutilización del dializador y de 1,52 días en el período de uso único (RDI=4,4; IC 95%: 2.182-9.805). Los antiinflamatorios fueron los más prescritos, y las bajas laborales fueron semejantes en ambos períodos.

Conclusión:

El reúso del dializador estuvo asociado con disturbios osteomusculares, irritación ocular, dermatosis y mayor uso de fármacos por los profesionales. Las bajas laborales fueron semejantes durante el uso del dializador reutilizado y de uso único.

DESCRIPTORES
Grupo de Enfermería; Diálisis Renal; Equipo Reutilizado; Riesgos Laborales; Salud Laboral

INTRODUÇÃO

O progresso ocorrido ao longo do tempo na evolução dos dialisadores, até os modelos atuais, é inegável, seja pelo aperfeiçoamento das membranas, seja pela melhor biocompati-bilidade e eficiência da depuração de solutos, até a recente introdução da nanotecnologia⁽¹⁾.

No entanto, as incertezas e especulações que cercam o dialisador se reportam à natureza de elucidar sua melhor forma de utilização: se reúso ou uso único. Da mesma forma já explicitada no curso cronológico de seu desenvolvimento, muitos esterilizantes e germicidas foram testados, e, ainda hoje, o método mais empregado para o processamento do dialisador é o ácido peracético⁽²⁾.

Por consequência, a reutilização do dialisador permanece em muitos países, uma vez que não se tem uma opinião conclusiva para determinar a melhor forma de utilizar o dialisador⁽³⁾. Se, por um lado, as especulações em relação à contenção de custos parece ser o que sustenta sua reutiliza- ção⁽⁴⁾, por outro, os defensores do uso único do dialisador se apoiam em evidências de que seus benefícios estão relacionados à maior segurança e melhor sobrevida dos pacientes⁽²⁾.

Grande parte dos estudos^(4-5) se dedicou a comparar o reúso e o uso único do dialisador e sua repercussão na remoção de solutos, eficiência da diálise e economia. Pouca atenção tem sido conferida aos riscos e agravos relacionados à saúde dos profissionais de Enfermagem que executam o reúso do dialisador. As funções desempenhadas rotineiramente, em muitos centros de diálise, expõem os profissionais ao risco de contato acidental com material biológico e produtos químicos utilizados no processo de limpeza e desinfecção⁽⁶⁾.

Relatos na literatura sugerem que os riscos à saúde advêm da manipulação de substâncias tóxicas, como o ácido peracé- tico (Proxitane^® e Renalin^®), empregadas como esterilizantes do sistema de diálise e para a desinfecção das máquinas. Essa substância pode causar injúrias, como alergias, queimaduras e, inclusive, induzir ao câncer⁽⁶⁾.

O contato direto com esse produto é prejudicial à pele e irritativo às mucosas dos olhos e ao trato respiratório, seus sintomas são desconforto e irritação faríngea. A exposição a aerossóis, gerada pela diluição, foi associada com lacrima- ção⁽⁷⁾, que pode se intensificar em locais pequenos e mal projetados, com pouca circulação de ar⁽⁶⁾.

Além do risco de processos alérgicos, destacam-se, também, os riscos de distúrbios osteomusculares em sala de reúso. Dados de um estudo recente, que analisou os agravos à saúde de trabalhadores de um serviço de hemodiálise, demonstraram que a dor nas costas e membros inferiores relatada pelos profissionais foi considerada grave. Além disso, os danos físicos foram associados ao afastamento do trabalho para tratamento médico⁽⁸⁾.

Dados de um serviço de hemodiálise reforçaram esses achados ao indicarem que os afastamentos dos profissionais foram relacionados às patologias do sistema osteomuscular, com predomínio de dor na coluna e membros superiores⁽⁹⁾.

Dessa forma, os riscos associados à saúde dos profissionais, pelo uso de germicidas, referem-se à exposição das mucosas respiratórias, pele e olhos a possíveis lesões⁽⁷⁾. Somados a esses riscos, encontram-se os distúrbios oste-omusculares ocasionados pela exigência da força física, causando cansaço e dor, por vezes induzindo o profissional ao afastamento⁽⁶⁾. Os estudos disponíveis na literatura, que abordam a saúde do profissional em serviço de hemodiálise^(8,9) e o reúso do dialisador⁽¹⁰⁾, são incipientes e não comparam o efeito do reúso do dialisador e do uso único de forma longitudinal na saúde dos profissionais que realizam esta prática.

De forma semelhante, os órgãos governamentais também têm ponderado os riscos para a equipe de enfermagem que pratica o reúso para a tomada de decisões em relação à sua suspensão ou consolidação. Foi nesse cenário de incertezas em relação às melhores práticas em hemodiálise⁽¹¹⁾ que o presente estudo foi conduzido, para avaliar a migração da técnica do reúso para o uso único e sua repercussão na saúde dos profissionais. Este estudo é relevante porque traz informações importantes sobre o efeito desses dois métodos e suas implicações para a saúde dos profissionais. Diante do exposto, objetivou-se comparar as ocorrências ocupacionais registradas pelos profissionais de enfermagem durante a utilização do dialisador reutilizado e de uso único.

MÉTODO

Tipo de estudo

Estudo longitudinal, com coleta de dados retrospectiva.

Cenário

Realizado no Serviço de Hemodiálise de um hospital público universitário no Sul do Brasil. O reúso manual do dialisador capilar na instituição ocorreu desde a implantação da modalidade de hemodiálise, de junho de 1975 até fevereiro de 2013, totalizando 37 anos. A unidade possuía duas salas de processamento de dialisadores, uma destinada a pacientes portadores de hepatite C, e uma a não portadores, equipadas com bancadas específicas de limpeza, abastecidas de água tratada, e cubas profundas. No mesmo local, ficavam armazenados as soluções esterilizantes e os dialisadores, dispostos de forma a evitar contaminação.

Durante o período de reúso dos dialisadores, os profissionais desenvolviam a atividade, em média, 2 vezes por semana, perfazendo uma carga horária aproximada de 4 horas, em que realizavam nove reúsos por turno dos pacientes crô- nicos em programa de diálise, além dos pacientes agudos, conforme a demanda. A rotina da reutilização do dialisador ocorria por meio da técnica de reúso manual, com número máximo de 11 reúsos do mesmo dialisador (12 usos), conforme a Resolução da Diretoria Colegiada, RDC 154, de 2004, vigente naquele período. A solução germicida utilizada era o Proxitane^® (ácido peracético a 0,2% de concentração). Em março de 2013, a instituição passou a utilizar o dialisador de uso único, forma que permanece até os dias de hoje. A partir de 2014, a unidade aderiu às novas orientações publicadas pela Resolução RDC 11, de 13 de março, que estabelece os requisitos de boas práticas para o funcionamento dos serviços de diálise⁽¹¹⁾.

População

A equipe de Enfermagem da unidade era composta de 30 profissionais, 10 enfermeiros e 20 técnicos de Enfermagem, com carga horária de 36 horas semanais distribuídas nos turnos matutino, vespertino e noturno. Esse quadro funcional se manteve estável, assim como a unidade não alterou o número, para mais ou para menos, de pontos para a diálise durante a condução do estudo.

O período de análise dos prontuários dos profissionais foi de março de 2012 a março de 2014, contabilizando 1 ano de análise durante o reúso e 1 ano durante o uso único.

Foram incluídos no estudo os prontuários eletrôni-cos disponíveis no serviço de Medicina Ocupacional do Hospital de Clínicas de Porto Alegre de todos os técnicos de Enfermagem da unidade de hemodiálise que atuaram nesse período. Foram excluídos os técnicos de Enfermagem que desenvolveram atividades em apenas um dos períodos, de reúso ou uso único, e os enfermeiros, estes últimos por não realizarem a técnica de reúso do dialisador.

Os desfechos de interesse foram os Distúrbios Osteomusculares (DORT): afecção muscular, de tendões, articulações, nervos e ligamentos, frequentemente associada à alteração de tecido caracterizada por dor, parestesia, impressão de peso e fadiga nos membros superiores e região esca-pular relacionados ao trabalho executado⁽¹²⁾. Optou-se por utilizar o termo distúrbio osteomuscular no lugar de doença osteomuscular por ser um termo utilizado como descritor em estudos.

As alergias oculares e cutâneas da equipe de Enfermagem associadas ao contato com substâncias químicas, como o ácido peracético, utilizado para a desinfecção e a esterilização dos dialisadores⁽¹³⁾, apresentaram as seguintes características: irritação ocular: sensação de corpo estranho, lacrimejamento e hiperemia⁽¹⁴⁾; dermatoses: afecção inflamatória da pele, manifestada por meio de eritema e vesícula na fase aguda e pele ressecada com rachaduras na fase crônica, geralmente presente em mãos e face pela exposição a agentes irritantes, como produtos químicos⁽¹⁵⁾; uso de medicamentos: consideraram-se os utilizados para tratar o distúrbio osteomus-cular ou alergias; afastamentos do trabalho ocasionados por movimentos repetitivos em sala de reúso⁽¹³⁾ ou por alergias.

Coleta de dados

Para a coleta de dados, inicialmente, foi realizado um encontro presencial, com todos os técnicos de Enfermagem e a chefia da unidade, a fim de apresentar os objetivos do estudo e coletar a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados para caracterizar a amostra foram retirados dos prontuários por meio de um instrumento estruturado para variáveis sociodemográficas, como sexo, escolaridade, estado civil, tempo de atuação em hemodiálise, turno de trabalho, tempo de exposição à sala de reúso, jornada de trabalho e variáveis relacionadas aos eventos de notificação (período da notificação, tipo de ocorrência, sinais e sintomas notificados, natureza da notificação, local do corpo acometido, uso de medicamento e o número de dias e afastamento do trabalho e o número de dias).

Análise e tratamento dos dados

A análise de dados foi realizada utilizando-se do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 18.0. Variáveis categóricas foram descritas com frequências relativas e percentuais. Para as contínuas, utilizou-se do teste Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade, e, quando constatada a distribuição normal, foram expressos suas médias e o desvio-padrão. Para as demais variáveis apresentadas, a mediana e o intervalo interquartil foram utilizados.

A análise das notificações dos profissionais em relação a afastamentos e ao uso de medicações foi realizada por meio de estatística descritiva. Para o cálculo da exposição ao uso de medicamentos entre os profissionais, foi utilizada uma medida de efeito calculada pela Razão de Densidade de Incidência.

Aspectos éticos

O projeto atendeu às diretrizes da Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que determina as normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos e foi submetido ao Comitê de Ética da instituição e aprovado em 16/12/2014, sob o Parecer n.° 924.238.

RESULTADOS

Dos 20 prontuários dos técnicos de Enfermagem atu-antes no setor de hemodiálise durante a coleta de dados, dois foram excluídos: um pelo fato de o profissional não ter atuado durante a fase de reutilização do dialisador, e outro pelo profissional estar em afastamento por doença crônica.

Foram incluídos 18 prontuários de técnicos de Enfermagem, nas duas fases do estudo, com média de idade de 38±5 anos (mínimo 30, máximo 47 anos) e predomínio do sexo feminino. O tempo médio de atuação no serviço de hemodiálise foi de 12±7 anos. O número de funcionários por turno de trabalho foi proporcional nos dois períodos, assim como o número de pacientes renais crônicos assistidos por estes profissionais. Apenas dois profissionais tinham duplo vínculo empregatício.

Notificações de ocorrências presentes nos prontuários dos técnicos de Enfermagem

Durante o período de reutilização do dialisador, foram encontradas sete notificações registradas nos prontuários de cinco técnicos de Enfermagem. As notificações foram relacionadas aos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), tendinite no cotovelo, punho e dor escapular, às alergias oculares manifestadas por irritação ou vermelhidão dos olhos e à dermatose, esta última com presença de escoriação por atrito na face pelo uso da máscara de carvão. A dor esteve descrita em cinco (71%) notificações, o que corresponde a 28% dos profissionais.

No período de uso único do dialisador, não ocorreram notificações referentes aos distúrbios osteomusculares nos segmentos dos membros superiores. Da mesma forma, nenhuma ocorrência de alergia ocular ou cutânea foi notificada. Ocorreu, nesse período, o registro de dois profissionais com dor lombar. Dados na Tabela 1.

Tabela 1
Notificações de ocorrências dos profissionais técnicos de Enfermagem do serviço de hemodiálise durante o período de reúso e uso único do dialisador - Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.

Variáveis	Reúso (n=18)		Uso único (n=18)
	1° Notificação	2° Notificação	1° Notificação
Intercorrência e/ou lesão
Sim	5 (28%)	2 (11%)	2 (11%)
Classificação da notificação
Distúrbio Osteomuscular	3 (17%)	1 (6%)	---
Alergia Ocular	1 (6%)	1 (6%)	---
Alergia Cutânea	1 (6%)		---
Definição da notificação
Irritação vermelhidão ocular	1 (6%)	1 (6%)	---
Escoriação por atrito	1 (6%)	--	---
Dor escapular	1 (6%)	---	---
Tendinite cotovelo e punho	2 (11%)	1 (6%)	---
Dor lombar	---	---	2 (11%)
Presença de dor (notificações)
Sim	4 (57%)	1 (14%)	2 (100%)

• Nota: Distúrbios osteomusculares (tendinite no cotovelo, punho e dor escapular).
  Nota: Valores expressos em n (%).

Uso de medicações após a notificação das ocorrências e afastamentos do trabalho

Após a notificação das ocorrências, os profissionais fizeram uso de medicação por 44 dias no período de reúso. Durante o uso único do dialisador, o emprego de medicamentos foi por 10 dias. Verificou-se que a taxa de exposição ao uso de medicamentos foi de 6,7 dias para cada 1.000 profissionais durante o período do dialisador reutilizado, e de 1,52 dias de exposição à medicação para cada 1.000 profissionais no período de uso único, um valor de RDI=4,4; IC 95%: 2.182-9.805. O grupo de medicamentos mais prescritos foi o de anti-inflamatórios para os dois períodos. Os afastamentos foram semelhantes em ambos os períodos, conforme a Tabela 2.

Tabela 2
Uso de medicações pós-notificação das ocorrências e afastamentos do trabalho dos profissionais técnicos de Enfermagem durante o período de reúso e uso único do dialisador - Porto Alegre, RS, Brasil, 2016.

Variáveis	Reúso (n=18)		Uso único (n=18)
	1° notificação	2° notificação	1° notificação
Uso de medicamentos pós-notificação
Sim	4 (22%)	2 (11%)	2 (11%)
Grupo de medicamentos
Corticoide e antibiótico	1 (6%)	1 (6%)	--
Anti-inflamatório	3 (16%)	1 (6%)	2 (11%)
Necessitou afastamento
Sim	1 (6%)	1 (6%)	2 (11%)
Dias de afastamento	3 dias	2 dias	4 dias

• Nota: Valores expressos em n (%).

DISCUSSÃO

Este estudo traz informações inéditas sobre o efeito da técnica de reúso do dialisador capilar em comparação ao uso único na saúde dos profissionais de Enfermagem que praticam esse procedimento. Os resultados indicaram mais ocorrências ocu-pacionais para os profissionais durante o período de reutilização do dialisador capilar. Entre os profissionais estudados, os distúrbios osteomusculares relacionados ao segmento dos membros superiores foram as implicações para a saúde predominantes durante o período de reúso, assim como o maior uso de medicamentos. Os afastamentos do trabalho foram semelhantes nos dois períodos: no de reúso e no de uso único do dialisador.

Em serviço de hemodiálise, os profissionais executam muitas atividades, incluindo o processamento do dialisador, procedimento que se inicia no ato de sua retirada após a hemodiálise, lavagem, comprovação da integridade e medição do volume interno das fibras, esterilização, registro e armazenamento do dialisador⁽¹¹⁾. No entanto, a etapa de lavagem, por vezes, requer manobras de golpeamento para o efetivo desprendimento de coágulos de sangue. A utilização de golpes contra as linhas dos dialisadores é realizada com o auxílio de pinças de metal ou martelos de metal e resina, com o intuito de facilitar a limpeza interna do sistema. Essa prática não é recomendada para o dialisador e é utilizada apenas em alguns serviços de hemodiálise⁽¹⁰⁾. A repetição de movimentos monótonos e em ritmo acelerado, durante essa atividade, pode ter contribuído para as queixas de dor relacionadas ao segmento dos membros superiores dos profissionais pesquisados. Estudos que tenham investigado essa condição são inexistentes na literatura, o que dificulta a comparação desses achados.

No entanto, uma coorte prospectiva, que investigou as demandas físicas e psicossociais relacionadas ao trabalho de profissionais do nível técnico e auxiliares de Enfermagem, evidenciou elevada exposição a movimentos repetitivos com as mãos. Os resultados indicaram que o emprego da força muscular, praticada com os braços e as mãos, é comum na execução do trabalho. A prevalência de DORT em algum segmento do corpo foi de 83,4%: 33,8% nos ombros e, de uma forma geral, em 57,1% dos profissionais, a prevalência maior foi no segmento cervical, ombro ou região alta do dorso e de 32,8% nas extremidades dos membros superiores, como cotovelo, antebraço, punho e mão⁽¹⁶⁾. Embora esses achados tenham sido demonstrados em um hospital público, confirmam que o trabalho executado pelos técnicos de Enfermagem contribui para o desenvolvimento de lesões dos membros superiores. Ao pensar em sala de reúso do dialisador, além da força aplicada, a escassez de tempo, o excesso de atividade e a repetição de movimentos, pode-se acrescer essa probabilidade.

Em outro estudo, que utilizou mapa de risco e observações das posturas dos profissionais em um serviço de hemodiálise no Sul do Brasil, foi identificado que as tarefas desempenhadas pelos trabalhadores eram repetitivas. A maioria dos entrevistados relatou algum tipo de problema relacionado ao trabalho. A dor foi o sintoma mais relatado, seguida de cansaço e perda de força muscular, e as regiões corporais mais comprometidas, segundo relatos, foram o pescoço, os ombros e os braços⁽¹⁷⁾.

Além dos riscos para o desenvolvimento de distúrbios osteomusculares, o segmento dos membros superiores, principalmente as mãos, estão predispostos ao risco de alergias cutâneas, pela exposição a produtos químicos. No entanto, neste estudo, a dermatite cutânea encontrada, durante o período de reúso, foi situada na região facial, em função do atrito pelo uso de máscara.

A região facial foi a parte anatômica com o maior número de notificações por processos alérgicos durante o reúso do dialisador, em especial, pela irritação ocular. As ocorrências das alergias, nos profissionais de Enfermagem em hemodiálise, podem estar relacionadas à exposição a substâncias químicas utilizadas durante o reúso dos dialisadores⁽¹³⁾. Tais suposições são reforçadas por um estudo que identificou os riscos ocupacionais aos quais os profissionais de Enfermagem do setor de hemodiálise estão expostos. Os resultados indicam que os riscos químicos estiveram associados a produtos tóxicos manipulados na sala de reúso, a exemplo do Renalin® e Proxitane® (mistura de ácido peracético), que podem ocasionar alergias quando não diluídos adequadamente⁽⁶⁾.

Corrobora esse achado uma recente revisão de literatura que analisou a toxicidade do ácido peracético decorrente dos limites de exposição ocupacional, e o apontou como extremamente irritante para o trato respiratório superior, além de causar prurido no rosto e extremo desconforto de mucosas, vermelhidão e lacrimejamento ocular, dependendo da concentração do produto⁽¹⁸⁾.

A exposição a agentes químicos compromete progressivamente a saúde do profissional, de forma lenta, sem que este perceba os prejuízos adquiridos ao longo do tempo no ambiente de trabalho, até surgirem os primeiros efeitos acumulativos, que podem ser leves ou graves. A preocupação com os efeitos em longo prazo foi retratada em um estudo, realizado em uma unidade de diálise, que verificou a per-cepção dos profissionais acerca da exposição aos riscos na unidade, apontando inquietação em relação aos danos no trato respiratório, tegumentar e ocular que poderão apresentar em um futuro não próximo⁽¹⁹⁾.

Ao analisar os dados relativos ao uso único do dialisador neste estudo, a notificação encontrada foi a de dor lombar, sintoma frequente no trabalho de Enfermagem. Embora esse achado tenha sido constatado apenas no uso único, pode não ser indicativo de que, durante o período de reúso do dialisador, os profissionais estavam imunes à lombalgia, mas é possível que, durante esse período, a dor no segmento dos membros superiores, pelo movimento repetitivo e constante em sala de reúso, tenha se acentuado em relação aos demais segmentos anatômicos.

A longa jornada de trabalho, a postura inadequada durante o procedimento de punção venosa, o transporte impróprio dos pacientes, a estrutura física mal projetada das unidades, o esforço físico e a repetição de tarefas são agentes que contribuem para as dores e a sobrecarga da coluna⁽⁶⁾.

Neste estudo, a ocorrência dos distúrbios osteomusculares e alérgicos induziu os profissionais ao uso de medicamentos para tratamento e, algumas vezes, ao afastamento do trabalho. A classe medicamentosa mais utilizada foi a de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). O uso de AINEs está associado a riscos de hemorragias e doenças cardiovasculares, como demonstrado por uma metanálise, que incluiu 31 ensaios clínicos randomizados, que avaliaram sete diferentes AINES, apontando que o ibuprofeno esteve associado a um maior risco de acidente vascular encefálico, seguido do diclofenaco. Este último também esteve associado a um maior risco de morte por doença cardiovascular⁽²⁰⁾.

Embora existam recomendações de que os AINEs sejam utilizados com prudência para o tratamento da dor mus-culoesquelética e que os prescritores e pacientes tenham consciência de seu risco e benefício⁽²⁰⁾, observou-se que, neste estudo, foi o medicamento de escolha para o tratamento. A dor não tratada reduz o rendimento profissional, gera sofrimento e afastamento do trabalho, acarretando consequências negativas na organização deste, pois interfere na assistência aos pacientes, na sobrecarga da equipe⁽²¹⁾ e gera custos adicionais para a reposição dos faltantes.

Os afastamentos do trabalho, decorrentes dos distúrbios osteomusculares e lesões cutâneas, neste estudo, foram de cinco dias durante o reúso, em comparação a quatro dias no uso único. O resultado não permite comparações com outros estudos disponíveis na literatura por ausência investigações que abordem o reúso e o uso único do dialisador e suas implicações para a saúde dos profissionais. Estudo que se tem conhecimento no contexto da hemodiálise, que aborda o afastamento dos profissionais, investigou os indicadores de prazer e sofrimento no trabalho, relacionados às características laborais. No entanto, seu objetivo não era investigar a causa do afastamento⁽²²⁾.

Finalizando, os dados apresentados neste estudo indicam que os profissionais de enfermagem estão sujeitos a mais ocorrências ocupacionais com prejuízo à sua saúde durante a técnica de reúso de dialisador.

A despeito de este estudo ter sido conduzido em um único centro, e que atualmente a instituição já tenha aderido ao uso único, os resultados aqui apresentados sugerem prejuízo à saúde dos profissionais que são expostos à prática do reúso. Adicionalmente, esses resultados contribuem para que os órgãos competentes visualizem o contexto dos riscos do reúso não somente no que diz respeito aos pacientes, mas também aos profissionais.

Reporta-se ao fato de que, quanto aos afastamentos dos profissionais, neste estudo, foram considerados apenas aqueles descritos nos prontuários, referentes às patologias de DORT e alergias, dados obtidos por meio de consulta em prontuário eletrônico e, desse modo, sujeitos ao viés de registro de dados retrospectivos. O tamanho da amostra e o período de seguimento também podem ser incrementados em estudos futuros, visando a fortalecer esses achados.

CONCLUSÃO

Na comparação das ocorrências ocupacionais relacionadas à utilização do dialisador reutilizado e de uso único, observaram-se mais distúrbios osteomusculares, irritação ocular e dermatose entre os profissionais durante o período de reúso. Observou-se, também, diferença significativa em relação à exposição ao uso de medicamentos, conferindo ao uso único menor índice de notificações e emprego de medicações. Os afastamentos do trabalho foram semelhantes entre os dois períodos.

• *
  Extraído da tese: “Dialisador capilar reutilizado e de uso único em hemodiálise: implicações na saúde dos profissionais, em desfechos clínicos e custos”, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2016.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Dez 2018
• Data do Fascículo
  2018

Histórico

• Recebido
  23 Nov 2017
• Aceito
  04 Jun 2018