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O olhar de mulheres índias e não índias sobre a aids: convergências e singularidades*

Resumo

Objetivo:

Analisar o modo como a aids se configura sob o olhar de mulheres índias e não índias.

Método:

Estudo descritivo, com abordagem mista, realizado em três aldeias indígenas e em município circunvizinho às aldeias. Utilizou-se de um roteiro de entrevista semiestruturado, constando dados de identificação e perguntas relacionadas à percepção da doença, modo de ver e sentir a aids. O corpus foi processado pelo software IRaMuTeQ e analisado pela Classificação Hierárquica Descendente, Análise de Conteúdo e Nuvem de Palavras.

Resultados:

Participaram 164 mulheres da etnia potiguara e 386 mulheres não índias. Foram conformadas três classes: “aids e suas repercussões”, “aspectos sociais, espiritualidade e sentimentos atribuídos” e “modos de transmissão”. Entre as mulheres não índias, há uma melhor compreensão quanto à etiologia, tratamento e modos de transmissão da aids. Entre as mulheres índias, os conteúdos circundam principalmente em elementos negativos, tais como: morte, medo, tristeza e preconceito.

Conclusão:

Presume-se que os conhecimentos produzidos nas interações se moldem de acordo com o contexto social e ganhem significação própria. Tais considerações podem contribuir para o direcionamento de políticas estratégicas de controle do HIV/Aids com foco nas especificidades étnicas/culturais.

Descritores:
Síndrome De Imunodeficiência Adquirida; Saúde Da Mulher; Saúde De Populações Indígenas; Enfermagem Em Saúde Pública

Abstract

Objective:

To analyze the way AIDS is configured in the eyes of Indigenous and non-Indigenous women.

Method:

A descriptive study implementing a mixed approach, conducted in three indigenous villages and in a surrounding municipality. A semi-structured interview script was used, with identification data and questions related to the disease perception, the way of seeing and feeling AIDS. The corpus was processed by IRaMuTeQ software and analyzed by Descending Hierarchical Classification, Content Analysis and Word Cloud.

Results:

A total of 164 Potiguara indigenous women and 386 non-Indigenous women participated. Three classes were formed: “AIDS and its repercussions”, “Social aspects, spirituality and attributed feelings” and “Transmission modes”. There was a better understanding of the etiology, treatment and AIDS transmission modes among non- Indigenous women, while the content mainly surrounds negative elements such as death, fear, sadness and prejudice among Indigenous women.

Conclusion:

The knowledge produced in interactions were formed according to the social context and gain its own significance. Such considerations may contribute to the direction of strategic HIV/AIDS control policies focusing on ethnic/cultural specificities.

Descriptors:
Acquired Immunodeficiency Syndrome; Women's Health; Health Of Indigenous Peoples; Public Health Nursing

Resumen

Objetivo:

Analizar el modo cómo el sida se configura bajo la mirada de mujeres indias y no indias.

Método:

Estudio descriptivo, con abordaje mixto, realizado en tres aldeas indígenas y en municipio de las cercanías de las aldeas. Se utilizó un guión de entrevista semiestructurado, en donde figuraban datos de identificación y preguntas relacionadas con la percepción de la enfermedad, modo de ver y sentir el sida. El corpus fue procesado por el software IRaMuTeQ y analizado por la Clasificación Jerárquica Descendente, Análisis de Contenido y Nube de Palabras.

Resultados:

Participaron 164 mujeres de la etnia potiguara y 386 mujeres no indias. Se conformaron tres clases: "sida y sus repercusiones", "aspectos sociales, espiritualidad y sentimientos atribuidos" y "modos de trasmisión". Entre las mujeres no indias, existe una mejor comprensión en cuanto a la etiología, el tratamiento y los modos de trasmisión del sida. Entre las mujeres indias, los contenidos abarcan especialmente los elementos negativos, tales como: muerte, miedo, tristeza y prejuicio.

Conclusión:

Se presume que los conocimientos producidos en las interacciones se moldeen de acuerdo con el contexto social y ganen significación propia. Dichas consideraciones pueden contribuir a la dirección de las políticas estratégicas de control del VIH/Sida con énfasis en las especificidades étnicas/culturales.

Descriptores:
Síndrome De Inmunodeficiencia Adquirida; Salud De La Mujer; Salud De Poblaciones Indígenas; Enfermería En Salud Pública

INTRODUÇÃO

No cenário de múltiplos contornos no qual se apresenta a epidemia da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) coloca-se como desafio a indução de abordagens inovadoras que acelerem e ampliem as repostas de controle da doença. É consensual que os avanços científicos e conhecimentos acumulados ao longo das últimas décadas precisem ser estendidos para superar os “gaps” na cobertura dos serviços(11. Joint United Nations Program on HIV/AIDS. Strategy 2016-2021: on the fast track to the aids Internet. 2015 cited 2018 Mar 23. Available from: http://www.unaids.org/en/resources/documents/2015/UNAIDS_PCB37_15-18.
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Para alcançar o fim da doença em níveis epidêmicos até 2030, reconhece-se a importância de apoiar e ampliar o acesso ao diagnóstico de segmentos populacionais que historicamente ficaram à margem do sistema de serviços de saúde. Ainda que se aponte globalmente uma redução de 35,5% de novas infecções pelo HIV nos últimos 10 anos, estima-se que 22 milhões de pessoas que vivem com HIV ainda não acessem o tratamento(22. Joint United Nations Program on HIV/AIDS. UNAIDS DATA 2017 Internet. 2017 cited 2018 Feb 21. Available from: http://www.unaids.org/sites/default/files/medi a_asset/20170720_Data_book_2017_en.pdf.
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Tal conjuntura vem impulsionando diretrizes globais e solicitando maior focalização às populações-chave e vulneráveis, entre elas, homens gays e outros homens que fazem sexo com homens, transexuais, pessoas em privação de liberdade, trabalhadores do sexo, meninas adolescentes e mulheres jovens, presos, migrantes, usuários de drogas injetáveis, grupos étnicos indígenas, crianças e mulheres grávidas que vivem com o HIV, desabrigados, pessoas com deficiência e com idade de 50 anos ou mais(11. Joint United Nations Program on HIV/AIDS. Strategy 2016-2021: on the fast track to the aids Internet. 2015 cited 2018 Mar 23. Available from: http://www.unaids.org/en/resources/documents/2015/UNAIDS_PCB37_15-18.
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Evidentemente essas populações não são uniformemente vulneráveis ​​ou igualmente afetadas. Distintas configurações no curso da epidemia são determinadas por componentes econômicos, políticos, sociais e culturais. Portanto, o enquadramento da resposta às tendências epidêmicas deve estar orientado para as características que a epidemia assume. É preciso identificar prioridades regionais, fortalecer lideranças locais, estabelecer soluções inovadoras e impulsionar estratégias inclusivas(33. World Health Organization. Consolidated guidelines on HIV prevention, diagnosis, treatment and care for key populations Internet. Geneva: WHO; 2014 cited 2018 Feb 20. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/128048/1/9789241507431_eng.pdf?ua=1&ua=1.
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No que tange às mulheres, a atenção deve ser redobrada. No contexto mundial, metade das pessoas que vivem com HIV são do sexo feminino. Em 2016, 36,7 milhões de pessoas em todo o mundo viviam com HIV, destas, 17,8 milhões eram mulheres com 15 anos ou mais(22. Joint United Nations Program on HIV/AIDS. UNAIDS DATA 2017 Internet. 2017 cited 2018 Feb 21. Available from: http://www.unaids.org/sites/default/files/medi a_asset/20170720_Data_book_2017_en.pdf.
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. No Brasil, desde o início da epidemia até junho de 2017 foram registrados 882.810 casos de aids, com a maior concentração dos casos entre os indivíduos de 25 a 39 anos, em ambos os sexos ‒ 51% no sexo masculino e 49% no feminino(44. Boletim Epidemiológico HIV/Aids. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST. Aids e Hepatites Virais. 2017;5(1).).

Para além dos fatores biológicos, a epidemia de aids expõe os riscos socioculturais os quais as mulheres enfrentam. Determinações histórico-culturais, valores morais, dificuldade em negociar práticas sexuais seguras, acesso restrito aos serviços de saúde e medidas de proteção particularizam as desigualdades de gênero e a crescente violência contra as mulheres(55. Garcia S, Berquó E, Lopes F, Lima LP, Souza FM. Práticas sexuais e vulnerabilidades ao HIV/aids no contexto brasileiro: considerações sobre as desigualdades de gênero, raça e geração no enfrentamento da epidemia. Demograf Debate Internet. 2015 citado 2018 jul. 09;2(1):417-47. Disponível em: http://www.abep.org.br/~abeporgb/publicacoes/index.php/ebook/article/viewFile/59/57.
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Por sua vez, o conhecimento sobre a doença, modos de transmissão e práticas de risco, não repercutem suficientemente em atitudes preventivas. A prevenção da infecção pelo HIV vai muito além. Ainda que pertencentes à mesma cultura, o sistema de crenças, valores e opiniões das pessoas são híbridos. Experiências distintas de certos segmentos, grupos, ou mesmo indivíduos, os diferenciam na compreensão de mundo e no modo de significá-lo. Entre as mulheres, por exemplo, a introdução de práticas preventivas significa levar em consideração o modo como elas pensam as diferenças existentes entre os papéis e condutas masculinas e femininas, as relações de poder entre os gêneros, a sua inserção social e produtiva(66. Ceccon RF, Meneghel SN. Iniquidades de gênero: mulheres com HIV/Aids em situação de violência. Physis. 2017;27(4):1087-103. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312017000400012 .
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-77. Said AP, Seid MF. Serodiscordance and prevention of HIV: perceptions of individuals in stable and non-stable relationships. Interface (Botucatu). 2015;19(54):467-78. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.0120.
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Logo, o principal desafio a ser considerado é incidir sobre os contextos e fatores mais importantes de produção destas vulnerabilidades. Leis e práticas discriminatórias que restringem o acesso igualitário das mulheres à tomada de decisões, educação, emprego, propriedade, crédito ou autonomia promovem e reforçam essas condições. Frequentemente essas desigualdades se sobrepõem multiplicando os riscos a que estão submetidas as mulheres em geral. Ressalta-se, ainda, a permanência de posicionamentos etnocêntricos, geradores de apreciações negativas, estigma e preconceito, especialmente quando se trata de mulheres discriminadas pela sua condição étnico-racial, a exemplo das mulheres indígenas(88. Pfeffer RSA. A contribuição do sincretismo brasileiro para a construção de uma ética global. Conjectura Filos Educ Internet. 2013 citado 2018 jul. 09;18(2):107-21. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/view/1510/pdf_134.
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Em face do vasto repertório que coloca a condição da mulher como centro de debate e reflexão, merece destaque o quão complexa e diversificada se apresentam as demandas desta população, sobretudo quando se diferenciam culturalmente. Entende-se que o contexto sociocultural exerce influência na maneira como os sentidos são produzidos, na forma como estas mulheres irão se apropriar do conhecimento e expressá-lo em suas relações sociais(99. Patrão AL, Mcintyre T, Costa E. Factores de risco psicossociais e sócio-cognitivos para o virus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida (VIH/Sida) na mulher africana. Rev Port Saúde Pub Internet. 2015 citado 2018 fev. 12;33(2):222-34. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252015000200012&lng=pt&nrm=i&tlng=pt.
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)
. Nesta vertente, focalizamos nosso interesse em conhecer os sentidos atribuídos à aids por mulheres índias e não índias, na perspectiva de identificar singularidades e generalidades nesses diferentes contextos.

Diante do exposto, emergiram os seguintes questionamentos: Qual o conhecimento dessas mulheres sobre a aids? Como essas mulheres veem a aids e suas perspectivas frente à doença? Diferenciais étnicos influenciam o modo de olhar a aids?

Considerando que a melhor compreensão do fenômeno pode proporcionar um cuidado em saúde congruente (com os valores, crenças e práticas culturais), objetivou-se analisar o modo como a aids se configura sob o olhar de mulheres índias e não índias.

MÉTODO

Desenho do estudo

Estudo descritivo-exploratório, com abordagem mista, do tipo concomitante, que permite a coleta e análise qualitativa e quantitativa simultaneamente(1010. Santos JLG, Erdmann AL, Meirelles BHS, Lanzoni GMM, Cunha VP, Ross R. Integrating quantitative and qualitative data in mixed methods research. Texto Contexto Enferm Internet. 2017 cited 2019 Mar 28;26(3):e1590016. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n3/en_0104-0707-tce-26-03-e1590016.pdf .
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População

A população do estudo foi representada por mulheres índias procedentes de três aldeias que integram o Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara (DSEI-28) e mulheres não índias residentes no município de Rio Tinto - PB.

Definição da amostra

O universo amostral foi definido considerando-se a população feminina com idade entre 18 e 65 anos, residentes nos dois cenários da pesquisa. No contexto indígena contou-se com a participação de 164 mulheres da etnia potiguara residentes em três aldeias: Monte-Mór, Jaraguá e Silva de Belém. Destaca-se que o número de observações (n=164) considerou a totalidade de mulheres da etnia potiguara, entre 18 e 65 anos (n=739), admitindo um nível de significância de 5%, sob o nível de confiança de 95% e um valor antecipado de (p) igual a 15,2%, baseado na proporção de casos de aids notificados na região Nordeste do Brasil.

Quanto às mulheres não índias, optou-se por selecioná-las dentre a população feminina de Rio Tinto, município circunvizinho às aldeias indígenas. O cálculo amostral baseou-se na totalidade de mulheres com idade entre 18 e 65 anos (n=8.050), admitindo-se um nível de significância de 5%, sob o nível de confiança de 95% e um valor antecipado de proporção (p) igual a 50%, totalizando 386 mulheres.

Critérios de seleção

Os grupos investigados constituíram-se dos seguintes critérios: ser mulher com idade entre 18 e 65 anos e ter disponibilidade para participar da pesquisa. No cenário indígena, o processo de amostragem foi realizado por partilha proporcional, considerando a população de mulheres das aldeias. Na aldeia Monte-Mór, foram investigadas 66 mulheres, na aldeia Jaraguá, 64 e na aldeia Silva de Belém, 34. A seleção das participantes foi não probabilística, por conveniência (participação voluntária).

No município de Rio Tinto, a seleção das mulheres não índias foi não probabilística, considerando o processo amostral de partilha proporcional segundo o número de unidades de saúde do município (9 UBS). Nas UBS Conjunto Novo, Palmeiras, Vila Regina, Salema, Rio do Banco, Cravaçu, Tanques e Piabuçu foram investigadas 43 mulheres em cada uma das unidades e na UBS Cinco Ruas, 42 mulheres.

Coleta de dados

Utilizou-se de um roteiro de entrevista semiestruturado, com quesitos sobre identificação (grupo à qual pertence, índia ou não índia, idade e conjugalidade) e perguntas relacionadas à percepção da doença, modo de ver e sentir a aids. As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas, tendo duração média de 30 minutos.

Análise e tratamento dos dados

As 550 entrevistas foram transcritas, codificadas de acordo com o número da participante, grupo à qual pertencia (índia ou não índia), idade e conjugalidade. O corpus foi submetido a um refinamento para a exclusão de repetições vocabulares, agrupamento das palavras por aproximação semântica e composição de um dicionário. Sequencialmente, as informações foram processadas pelo software de Análise Textual IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires ‒ Versão 0.6 alpha 3), que classificou os segmentos em função dos seus respectivos vocabulários, gerando a Classificação Hierárquica Descendente (CHD)(1111. Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-8. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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Verificou-se que o corpus que compôs as 550 entrevistas gerou 651 Unidades de Contexto Elementar (UCE). A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) reteve 501 UCE, com aproveitamento de 76,96% (sugere-se retenção mínima de 75% dos segmentos do texto, o que garante a qualificação do corpus (1111. Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-8. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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)
). O software realizou automaticamente o agrupamento das classes a partir do vocabulário e pelas variáveis que contribuíram para a formação de cada classe, selecionadas de acordo com os valores do qui-quadrado ().

A análise interpretativa do corpus se deu pelo uso da Análise de Conteúdo (modalidade temática)(1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.), que indicou convergência das características empíricas em torno de três temas, sendo denominados a posteriori como: a) A aids e suas repercussões; b) Aspectos sociais, espiritualidade e sentimentos atribuídos; c) Modos de transmissão. Adicionalmente, analisou-se o corpus pelo método da Nuvem de Palavras, que consiste no agrupamento e organização gráfica das palavras em função da sua frequência, possibilitando rápida identificação das palavras-chave do corpus textual e análise lexical simples(1111. Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-8. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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Aspectos éticos

Por se tratar de pesquisa com seres humanos, este trabalho obedeceu às normas da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e às determinações da Resolução 304/2000, no que diz respeito à temática especial populações indígenas, bem como à Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN 311/2007), que trata do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob o parecer número 1.984.528, em 27 de março de 2017. Cada entrevistada participou da pesquisa mediante a aceitação e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o sigilo das informações e o anonimato das participantes, os depoimentos foram codificados pela letra “n” acrescida do underline e número arábico correspondente à ordem cronológica crescente da realização das entrevistas.

RESULTADOS

Caracterização das classes/categorias

Na análise do corpus “O olhar de mulheres sobre a aids” pôde-se observar, a partir do dendograma (Figura 1), que a primeira partição originou dois subgrupos. O primeiro subgrupo constituiu-se da classe 2 (Aspectos sociais, espiritualidade e sentimentos atribuídos), e o segundo subgrupo, originado da segunda partição, foi composto das classes 1 e 3 (A aids e suas repercussões e Modos de transmissão).

O subgrupo composto da classe 2 do dendograma teve maior representação de mulheres índias, e o subgrupo composto das classes 1 e 3 foram mais representados por mulheres não índias.

Figura 1
Dendograma referente à distribuição do vocabulário das classes segundo a Classificação Hierárquica Descendente – Rio Tinto, PB, Brasil, 2017.

Análise interpretativa

A classe 1 - A aids e suas repercussões - concentrou 37,3% das Unidades de Contextos Elementares (UCE), sendo constituída predominantemente por mulheres não índias, na faixa etária entre 18 e 29 anos. Esta classe apresentou elementos relacionados à compreensão da aids, ressaltando-a como doença feia, contagiosa, transmitida por meio do sangue e da relação sexual, que conta com recursos preventivos e terapêuticos, ainda que desconhecido por uma parcela de mulheres entrevistadas. Ainda, foi possível identificar a vinculação existente entre a doença e as alterações no aspecto físico de quem a possui. A fragilidade de informações a respeito da aids, assim como crenças a respeito da cura também foram evidenciadas nesta classe.

Aids é uma doença sexualmente transmissível (...) é um vírus que contamina quando não há prevenção com preservativo e através de transfusão de sangue (...) é uma doença contagiosa, complicada (...) não sei o que é a aids (n_181; n_550; n_487; n_484).

Sobre o tratamento eu não tenho informação nenhuma (...) já ouvi falar do tratamento, mas desconheço (...) se tratar logo tem cura (...) uns falam que já tem a cura, mas eu não sei se existe ou não, talvez exista, mas deve custar caro (n_534; n_508; n_288; n_474).

O físico de quem tem aids é diferente (...) uma coisa ruim, feia transforma (...) deixa magro, fora do peso, cada dia que passa vai acabando até chegar a morte (...) identifico uma pessoa com aids se ela estiver sem cabelo (n_442; n_482; n_453; n_495).

A classe 2 - aspectos sociais, espiritualidade e sentimentos atribuídos- reuniu 43,7% das UCE, equivalendo a 219 UCE retidas e classificadas. Nesta classe, predominou mulheres índias na faixa etária de 60 anos ou mais. Os conteúdos são influenciados por aspectos sociais e emocionais vivenciados pela comunidade diante de uma pessoa vivendo com HIV. Sentimentos de tristeza, piedade, medo e finitude permearam a percepção sobre as pessoas vivendo com HIV/Aids. A iminência da morte e a condição de fatalidade emergiram nos sentimentos de receio, rejeição e afastamento social. A crença nos desvios de comportamento e a designação da doença como prejudicial ocasionaram sentimento de culpa, remorso e autocrítica. A espiritualidade manifesta-se como forma de enfrentamento a doença, explicação e expiação dos pecados.

Quem tem aids é uma pessoa triste (...) na aldeia, o povo vê quem tem aids com muito preconceito (...) desprezam (...) uns têm medo, outras têm nojo, outras têm piedade. Eu sinto piedade porque elas vão morrer (...) quem tem aids é uma pessoa triste, porque sabe que vai morrer (n_006; n_164; n_015; n_106, n_100).

Eu não me aproximo da pessoa que tem aids (...) todos veem essa pessoa normal, porque é crime e não pode falar... a gente faz amizade, mas como sabe que a pessoa tem aids, mantém distância (...) eu acho que deveria levar para o isolamento (n_248; n_001; n_449).

Eu no lugar delas me sentiria a pior pessoa, com o sentimento de culpa por não ter me cuidado (...) se tivesse se cuidado mais, não tinha acontecido o que aconteceu (...) quem tem aids sofre sem dizer a ninguém, por vergonha e medo de preconceito (n_160; n_084; n_012).

Só Deus para curar porque é uma doença incurável. (...) o livramento só quem dá é Deus (n_015, n_195).

A classe 3 - modos de transmissão - concentrou 19% das UCE, equivalendo a 95 UCE retidas e classificadas. Esta classe foi representada predominantemente por mulheres não índias, com idade entre 30 e 45 anos. Os conteúdos foram sustentados por elementos relacionados ao modo de disseminação do HIV. Houve predominância do saber cientificamente disseminado, entretanto, ainda permanecem informações equivocadas acerca da transmissibilidade.

Pega através do sexo e seringa, de algo cortante que uma pessoa contaminada passa para outra (...) as seringas têm que ser descartáveis, o pessoal usa muita droga e divide seringas. (n_206; n_207).

Eu acho que pega até se encostar o braço (...) dizem que pega no hálito e na respiração (...) é transmitida no assento (...) uma picada de inseto pode transmitir (n_138; n_494; n_441; n_544).

A gente confia demais no parceiro e fica sujeito à aids (...) sempre pergunto ao meu marido se ele só vive comigo, ele responde que sim, por isso que eu confio nele (...) às vezes o parceiro não aceita usar o preservativo, e por gostar tanto dele a mulher termina cedendo (n_116; n_146: n_363).

Nuvem de palavras

Ao compararmos os dois grupos (Figura 2), identificamos que tanto no grupo das mulheres índias como no das não índias as palavras “aids” e “doença” se mantiveram com maior frequência no corpus. Entre as mulheres não índias foi possível perceber que existe melhor compreensão da aids, apresentando como elementos centrais conteúdos relacionados à prevenção e a práticas preventivas, bem como à continuidade da vida mediante tratamento. Destacaram-se as palavras: tratamento, relação sexual, usar preservativo e pessoa normal.

Entre as mulheres índias, os conteúdos concentraram-se principalmente em elementos negativos que emergem do processo de pensar a aids. Elas estabeleceram uma relação direta com a morte, o incurável, o medo, a tristeza e o preconceito. O fato de as aldeias indígenas estarem localizadas em áreas próximas ao município de Rio Tinto não significa necessariamente que estas mulheres índias estejam familiarizadas com a etiologia, as formas de transmissão e tratamento da aids. Embora haja um processo dinâmico de socialização, os conhecimentos produzidos nas interações moldam-se de acordo com o contexto social e ganham significação própria.

Figura 2
- nuvem de Palavras para o estímulo “aids” entre as mulheres índias e não índias - Rio Tinto, PB, Brasil, 2017.

DISCUSSÃO

A aparência física, o papel social e as condutas negativas permeiam o universo do imaginário das pessoas sobre a aids, consoante à classe um. No início da epidemia emergiram múltiplas interpretações acerca da doença. As informações sensacionalistas veiculadas nos meios de comunicação contribuíram sobremaneira para a construção de estereótipos atrelados à pessoa que vive com HIV/Aids. Sentimentos de medo, discriminação e finitude supostamente se perpetuaram até os dias atuais(1313. Antunes L, Camargo BV, Bousfield ABS. Representações sociais e estereótipos sobre aids e pessoas que vivem com HIV/Aids. Psicol Teor Prát Internet. 2014 citado 2018 mar. 10;16(3):43-57. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n3/04.pdf.
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Nos relatos é evidente a predominância da adjetivação negativa. Na classe 1 a iminência da morte e a condição de fatalidade emergem durante as falas, e características estigmatizantes ainda permanecem cristalizadas. Estas se reportam principalmente ao período em que inexistia a Terapia Antirretroviral (TARV), a sintomatologia tornava-se evidente e a imunossupressão era exteriorizada pela perda de peso, palidez, queda de cabelo, entre outras características(1414. Melo ES, Rozendo CA, Argolo JGM, Queiroz AAFLN, Gir E, Reis RK. Mecanismos de adaptación utilizados por mujeres que viven con VIH/sida. Rev Cuba Enferm Internet. 2017 citado 2018 mar. 02;33(3). Disponible en: http://www.revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/1308.
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Na atualidade, apesar da vasta divulgação e campanhas propagadas em mídias e serviços de saúde, as noções essenciais relativas à doença ainda não foram completamente apreendidas(1515. Rufino EC, Andrade SSC, Leadebal ODCP, Brito KKG, Silva FMC, Santos SH. Women's knowledge about STI/aids: working with health education. Ciênc Cuid Saúde. 2016;15(2):9-16. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v15i2.26287 .
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)
. O conhecimento pertinente à patologia constitui-se em um item preliminar importante e indispensável para a prevenção do agravo, mas de maneira isolada não é o bastante para que ocorram modificações comportamentais. Evidentemente que o acesso e a apreensão de informações favorecem a identificação das situações de risco e induz a adoção de atitudes preventivas. Entretanto, algumas mulheres não conseguem se autoidentificar diante de uma situação de vulnerabilidade ao HIV/Aids, talvez em função das concepções anteriores sobre a doença e das características circunscritas ao denominados grupos de risco. Acrescem-se a esse sentimento de invulnerabilidade as questões do feminino, da pureza na figura da mulher, sobretudo, na condição de mãe, monogâmica e idosa(55. Garcia S, Berquó E, Lopes F, Lima LP, Souza FM. Práticas sexuais e vulnerabilidades ao HIV/aids no contexto brasileiro: considerações sobre as desigualdades de gênero, raça e geração no enfrentamento da epidemia. Demograf Debate Internet. 2015 citado 2018 jul. 09;2(1):417-47. Disponível em: http://www.abep.org.br/~abeporgb/publicacoes/index.php/ebook/article/viewFile/59/57.
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Tais posicionamentos perpetuam preconceitos contra minorias, estimulam estigmas de cunho moral e social, reforçando sentimentos de culpabilização. Na classe 2, predominantemente constituída por mulheres índias, ficou evidente manifestações de intolerância e julgamentos de conduta. Em situações em que o diagnóstico é conhecido, ora expressam conteúdos sensíveis à condição do adoecimento, ora retratam a infeção pelo HIV como resultado de negligência e posturas desviantes à ordem social, dependente exclusivamente das escolhas individuais. Em consequência, tais conteúdos geram atitudes discriminatórias que envolvem hostilidade, segregação e exclusão.

Como efeitos negativos do estigma, estudos apontam que, devido ao medo de isolamento ou rejeição social, pessoas supostamente infectadas retardam a busca por diagnóstico e cuidados em saúde(1616. Poletto MP, Heck C, Calsa DC, Moskovics JM. Pensamentos automáticos e crenças centrais associados ao HIV/AIDS em indivíduos soropositivos. Temas Psicol. 2015;23(2):243-53. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2015.2-01 .
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17. Cardoso JA, Dourado GOL, Moreiras FS, Almeida JS, Alencar JMN, Miranda ABS. Cuidados de saúde mental em serviços especializados de atenção à DST/AIDS. Rev Pre Infec Saúde. 2015;1(2):75-82. DOI: https://doi.org/10.26694/repis.v1i2.3646 .
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-1818. Caliari JS, Teles AS, Reis RK, Gi E. Factors related to the perceived stigmatization of people living with HIV. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03248. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2016046703248 .
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. Por sua vez, a possibilidade de ser soropositivo pode induzir questionamentos acerca de sua conduta sexual, da multiplicidade de parceiros e de para quem estão sendo direcionadas estas práticas(1414. Melo ES, Rozendo CA, Argolo JGM, Queiroz AAFLN, Gir E, Reis RK. Mecanismos de adaptación utilizados por mujeres que viven con VIH/sida. Rev Cuba Enferm Internet. 2017 citado 2018 mar. 02;33(3). Disponible en: http://www.revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/1308.
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Ao serem questionadas sobre “como você vê uma pessoa com aids” essas mulheres afirmaram tratá-la normalmente, mas quando se investigou “como a comunidade vê uma pessoa com aids” houve um discurso divergente do comportamento individual. Essas afirmações nos levam a questionar se as opiniões e comportamentos individuais estão subtendidos nestas expressões de coletividade pelo receio da exteriorização de atitudes discriminatórias.

Estudo realizado com o objetivo de conhecer os significados atribuídos por mulheres profissionais de saúde ao processo de cuidar de mulheres com HIV constatou que entre estas profissionais de saúde também impera um discurso não discriminatório e de igualdade de atendimento. Entretanto, o discurso é ambivalente quando elas afirmam que durante o atendimento a mulheres com HIV agem e reagem com atenção redobrada, temendo um acidente com material biológico(1919. Porto TSAR, Silva CM, Vargens OMC. Caring for women with HIV/AIDS: an interactionist analysis from the perspective of female healthcare professionals. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(2):40-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2014.02.41253.
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No enfrentamento de doenças, principalmente as assinaladas socialmente como sentença de morte, a fé representa outro meio de proteção. Os conteúdos da classe 2 indicaram polaridade entre a incurabilidade da doença e a crença na cura divina. Em se tratando de mulheres índias, a religião e a fé fazem parte da vida cotidiana nas aldeias. É relevante apontar que entre os Potiguaras as práticas de prevenção e cura que eram utilizadas pelos seus antepassados, tais como o uso das ervas, lambedores, as rezadeiras e as curas espirituais, constituem-se traços fortes de sua cultura.

Estudo realizado em um estado do Nordeste brasileiro, que se propôs analisar os mecanismos de enfrentamento utilizados por mulheres vivendo com o HIV/Aids, destacou que as práticas religiosas e a crença em um ser superior apresentavam-se como fonte de suporte emocional, fortalecimento, sendo capazes de proporcionar esperanças e expectativas de dias melhores, favorecendo o prognóstico e a aceitação da condição(1414. Melo ES, Rozendo CA, Argolo JGM, Queiroz AAFLN, Gir E, Reis RK. Mecanismos de adaptación utilizados por mujeres que viven con VIH/sida. Rev Cuba Enferm Internet. 2017 citado 2018 mar. 02;33(3). Disponible en: http://www.revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/1308.
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Ainda que a religiosidade seja importante aliada das pessoas em sofrimento, deve ser encarada com cautela, pois a própria religiosidade pode gerar conflitos internos, exacerbar a culpa e a necessidade de autopunição.

No conteúdo da classe 3, nota-se predominância do saber cientificamente disseminado sobre a transmissão da aids. O discurso oficial sobre a doença invariavelmente adverte a infecção pelo ato sexual e por materiais perfurocortantes. Além do sexo, o sangue advindo de transfusões também é um importante agente de infecção do HIV. Ainda que hoje haja um controle rigoroso nos bancos de sangue, no início da epidemia várias pessoas foram infectadas em decorrência deste procedimento.

Por outro lado, ainda que haja na atualidade maior divulgação de dados sobre a aids por meio de propagandas, campanhas, folhetos e trabalhos educativos, persistem incertezas, confundimento e informações equivocadas.

Assim, a complexa teia que envolve a diversidade sociocultural deve ser considerada como mediadora de reflexões e ações diante dos agravos à saúde. Compreender as crenças e tradições existentes entre povos indígenas pode subsidiar a elaboração de práticas educativas mais eficientes acerca do HIV/Aids(2020. Piriz MA, Ceolin T, Mendieta MC, Mesquita MK, Lima CAB, Heck RM. Health care with the use of medicinal plants: a cultural perspective. Cienc Cuid Saúde. 2014;13(2):309-17. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v13i2.20703..
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Ainda não podemos generalizar os costumes e hábitos indígenas, pois estes se configuram de acordo com a organização de suas respectivas comunidades, onde suas características são socialmente construídas de acordo com suas singularidades. Sendo assim, é necessária a realização de estudos voltados para as diversas etnias e contextos nos quais estão inseridos, pois a cultura indígena não diverge das demais culturas, sujeitas a modificações e transformações. O fato de determinadas etnias encontrarem-se próximas de grandes centros urbanos não faz de seus membros menos índios, ou seja, a aquisição de hábitos e tecnologias não aniquila sua origem(2121. Carneiro MGC. Espaço, singularidades e memória Guarani Mbyá. Rio de Janeiro: Gramma; 2017.).

A proposição do uso do preservativo ainda é vista como suposto indicativo de infidelidade e gerador de desconfiança, refletindo-se numa condição desnecessária quando presumivelmente o relacionamento conjugal pauta-se na estabilidade. A confiança adquirida nos relacionamentos estáveis pode induzir a atitudes de vulnerabilidade individual, quando a utilização do preservativo passa a ser significado de desconfiança entre o casal, e a sua renúncia, sinônimo de confiança e fidelidade(2222. Panarra BACS, Teixeira EPIP, Rodrigues ILA, Ferreira AMR. Vítimas e culpadas: representações sociais sobre mulheres que vivem com HIV. Rev Cuid. 2017;8(3):1887-98. DOI: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v8i3.451.
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Historicamente, identifica-se uma estrutura hierárquica, com maior apropriação pelos homens do poder político, do poder de escolha e de decisão sobre sua vida afetivo-sexual e profissional. O homem retrata uma figura forte, de dominação e operante, enquanto a mulher denota fragilidade e submissão. Tais assimetrias resultam em diferentes formas opressivas, submetendo as mulheres a relações de subordinação, medo, fragilidade, violência e violação dos seus direitos(2323. Peixoto MM, Heilborn ML. Mulheres que amam demais: conjugalidades e narrativas de experiência de sofrimento. Estud Fem. 2016;24(1):45-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n1p45 .
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Diante do exposto e partindo da premissa de que as práticas de saúde, incluindo as preventivas, remodelam-se constantemente e são reavaliadas e readaptadas em consonância com as relações sociais, novos estudos devem ser realizados, voltados para grupos e comunidades específicas, principalmente com populações marginalizadas, como comunidades indígenas, pois uma das principais limitações deste estudo foi a ausência de publicações e fontes bibliográficas, atualizadas, que abordassem a temática do HIV/Aids entre esta população.

É de fundamental importância que profissionais da saúde, incluindo enfermeiros(as) compreendam a realidade na qual estão inseridos, item essencial e preliminar para o planejamento, a decisão e a implementação de práticas preventivas em saúde, tendo em vista a forte influência que os significados atribuídos às experiências pregressas, nos mais diversos grupos, possuem frente ao processo saúde-doença-cuidado(2424. Pontes ALM, Rego S, Garnelo L. O modelo de atenção diferenciada nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas: reflexões a partir do Alto Rio Negro/AM, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3199-210. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152010.18292014.
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)
. É indispensável a associação do senso comum ao científico na busca da promoção e prevenção aos diversos agravos à saúde, a exemplo do HIV/Aids.

CONCLUSÃO

O estudo possibilitou compreender como a aids está configurada a partir da ótica de mulheres índias potiguaras, e não índias, bem como a influência étnica da doença. Identificaram-se convergências entre os dois grupos em todas as classes temáticas. Observa-se incorporação de saberes científicos, especialmente quanto às práticas preventivas. Entretanto, persistem sentimentos de medo, rejeição e informações equivocadas quanto ao modo de transmissão da doença.

O resultado gerado pela técnica "nuvem de palavras" mostrou particularidades entre os grupos e existência de algumas divergências étnicas na percepção da aids. Entre as mulheres índias identificamos elementos negativos sustentados por concepções do senso comum. Entre as mulheres não índias predomina o paradigma biomédico.

Ainda permanece enquanto desafio assegurar à mulher índia ou não índia instrumentos de empoderamento sociocultural. O conhecimento demonstrado sobre os modos de prevenção da doença não assegura efetivamente a adoção de condutas preventivas. Logo, para o enfrentamento da epidemia solicita-se que sejam incorporados elementos da experiência subjetiva e que as informações considerem os valores culturais e sociais dos contextos nos quais essas mulheres estão inseridas.

Apoio Financeiro: Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (cnpq). Process no. 311371/2015-9

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2018
  • Aceito
    13 Jun 2019
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