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Sobrevivência ao câncer infantojuvenil: reflexões emergentes à enfermagem em oncologia pediátrica

Supervivencia al cáncer infantojuvenil: reflexiones emergentes a la enfermería en oncología pediátrica

RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar e refletir criticamente sobre a sobrevivência ao câncer infantojuvenil, incluindo aspectos conceituais, repercussões, cuidados de sobrevivência e desafios. Estudo teórico e reflexivo, fundamentado na literatura científica sobre a temática e na experiência dos pesquisadores. A sobrevivência ao câncer infantojuvenil é conceituada como o processo de viver além do diagnóstico oncológico. Uma pessoa é considerada sobrevivente de câncer desde o diagnóstico até o final da vida e tem risco elevado de desenvolver efeitos físicos, psicossociais e econômicos. Portanto, cuidados de sobrevivência devem minimizar, na medida do possível, essas repercussões ao longo da vida. Esses cuidados incluem um plano de ações para rastreamento e tratamento dos efeitos persistentes da terapêutica, prevenção de doenças e promoção de comportamentos saudáveis, não se restringindo ao monitoramento da recorrência oncológica. No contexto nacional, desafios persistem, como a escassez de políticas que orientem os cuidados de sobrevivência de qualidade, abrangentes e coordenados. Apesar destes desafios, o enfermeiro ocupa posição privilegiada e é competente para implementar cuidados de sobrevivência e gerenciamento dos efeitos relacionados ao tratamento oncológico.

Sobreviventes de Câncer; Criança; Adolescente; Enfermagem Oncológica

RESUMEN

El objetivo de este estudio es analizar y reflexionar críticamente acerca de la supervivencia al cáncer infantojuvenil sobre todo en los aspectos conceptuales, repercusiones, cuidados de supervivencia y desafíos. Se trata de estudio teórico y reflexivo sobre el tema con fundamentación en la literatura científica y en la experiencia de los investigadores. La supervivencia al cáncer infantojuvenil se define como el proceso de vivir más allá del diagnóstico oncológico. A uno se le considera superviviente de cáncer desde su diagnóstico hasta el final de su vida con riesgos elevados de desarrollar efectos físicos, psicosociales y económicos. Por lo tanto, cuidados de supervivencia deben minimizar, cuando posible, esas repercusiones a lo largo de la vida. Esos cuidados incluyen un plan de acciones para búsqueda y tratamiento de los efectos persistentes de la terapéutica, prevención de enfermedades y fomento de comportamientos sanos, sin restricción del monitoreo de la recurrencia oncológica. En el contexto nacional persisten desafíos como la escasez de políticas que orienten los cuidados de supervivencia con calidad y que sean amplios y ordinados. A pesar de ello, el enfermero ocupa posición privilegiada y es competente para implementar cuidados de supervivencia y supervisión de los efectos del tratamiento oncológico.

Supervivientes de Cáncer; Niño; Adolescente; Enfermería Oncológica

ABSTRACT

The aim of this study is to analyze and critically reflect on childhood cancer survival, including conceptual aspects, repercussions, survival care, and challenges. This is a theoretical and reflective study, based on the scientific literature on the subject and on the researchers’ experience. Childhood cancer survival is conceptualized as the process of living beyond the oncological diagnosis. A person is considered a cancer survivor from the diagnosis until the end of life and is at high risk of experiencing physical, psychosocial, and economic effects. Therefore, survival care shall minimize, as far as possible, these impacts throughout life. Such care includes an action plan to track and treat the persistent effects of therapy, preventing diseases and promoting healthy behaviors, not being restricted to monitoring oncological recurrence. In the national setting, challenges persist, such as the scarcity of policies to guide comprehensive, good quality, and coordinated survival care. Despite these challenges, the nurse occupies a privileged position and is competent to implement survival care and manage the effects related to cancer treatment.

Cancer Survivors; Child; Adolescent; Oncology Nursing

INTRODUÇÃO

O campo da oncologia pediátrica mudou significativamente nos últimos 40 anos(11. Miller KD, Nogueira L, Mariotto AB, Rowland JH, Yabroff KR, Alfano CM, et al. Cancer treatment and survivorship statistics, 2019. CA Cancer J Clin. 2019;69(5):363-85. https://doi.org/10.3322/caac.21565
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). O tratamento do câncer infantojuvenil é uma das grandes histórias de sucesso da oncologia(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.). Por um período da história, esta foi considerada uma doença incurável e os sobreviventes eram os familiares do paciente que havia falecido. No entanto, como resultado de melhorias na terapia oncológica, crianças e adolescentes passaram a viver por décadas após o término do tratamento(33. Adamson PC. Improving the outcome for children with cancer: development of targeted new agents. CA Cancer J Clin. 2015;65(3):212-20. https://doi.org/10.3322/caac.21273
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).

Estima-se um total de 65.850 sobreviventes de câncer com idades de zero a 14 anos (crianças) e 47.760 sobreviventes de 15 a 19 anos (adolescentes) morando nos Estados Unidos, em 1º de janeiro de 2019. Os sobreviventes de leucemia representam, aproximadamente, um terço de todos os sobreviventes de câncer com menos de 20 anos(11. Miller KD, Nogueira L, Mariotto AB, Rowland JH, Yabroff KR, Alfano CM, et al. Cancer treatment and survivorship statistics, 2019. CA Cancer J Clin. 2019;69(5):363-85. https://doi.org/10.3322/caac.21565
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). Dados sobre o número de sobreviventes no Brasil e no mundo ainda são escassos(44. Oliveira RA, Araujo JS, Conceição VM, Zago MM. Cancer survivorship: unwrapping this reality. Cien Cuid Saúde. 2016;14(4):1602. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v14i4.27445
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).

No entanto, este sucesso no incremento do número de sobreviventes tem um preço, com uma prevalência muito alta de doenças crônicas nessa população, condições essas conhecidas como efeitos tardios(55. Bhakta N, Liu Q, Ness KK, Baassiri M, Eissa H, Yeo F, et al. The cumulative burden of surviving childhood cancer: an initial report from the St Jude Lifetime Cohort Study (SJLIFE). Lancet. 2017;390(10112):2569-82. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31610-0
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). As crianças e adolescentes que sobrevivem são expostos a prolongados e intensivos protocolos de tratamentos para eliminar o câncer infantojuvenil(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.). Mesmo na sobrevivência a longo prazo, os efeitos tardios podem surgir à medida que amadurecem, afetando seriamente o funcionamento na vida adulta(66. Leigh SA. The changing legacy of cancer: issues of long-term survivorship. Nurs Clin North Am. 2008;43(2):243-58. https://doi.org/10.1016/j.cnur.2008.02.002
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). Evidências apontam que 60% dos sobreviventes adultos do câncer infantojuvenil desenvolverão pelo menos uma condição crônica e cerca de um terço terá uma condição grave com risco de vida(77. Kobe CM, Turcotte LM, Sadak KT. A narrative literature review and environmental scan of self-management education programs for adolescent and young adult survivors of childhood cancer. J Cancer Educ. 2020;35(4):731-5. https://doi.org/10.1007/s13187-019-01520-7
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).

Com a população de sobreviventes ao câncer infantojuvenil crescendo rapidamente, há uma grande necessidade de pesquisas que discutam as questões de sobrevivência e os efeitos potenciais dos tratamentos na vida de crianças e adolescentes. Entretanto, essa é uma temática ainda pouco debatida na literatura de enfermagem oncológica nacional, com discussões ainda incipientes e premente necessidade de ampliá-las, o que justifica a relevância do presente estudo. Adicionalmente, evidências na literatura mostram que os profissionais de saúde tendem a direcionar seus focos de cuidados aos pacientes em tratamento ativo para o câncer(88. Götze H, Taubenheim S, Dietz A, Lordick F, Mehnert A. Comorbid conditions and health-related quality of life in long-term cancer survivors-associations with demographic and medical characteristics. J Cancer Surviv. 2018;12(5):712-20. https://doi.org/10.1007/s11764-018-0708-6
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). No entanto, é necessário pensar nos cuidados no período pós-tratamento, visto que a sobrevivência ao câncer envolve muito mais do que apenas estar vivo(66. Leigh SA. The changing legacy of cancer: issues of long-term survivorship. Nurs Clin North Am. 2008;43(2):243-58. https://doi.org/10.1016/j.cnur.2008.02.002
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).

Apresentar uma discussão reflexiva a respeito de como a sobrevivência aplicada no contexto do câncer infantojuvenil é uma importante contribuição para a prática da enfermagem em oncologia pediátrica, por oferecer aos enfermeiros novas possibilidades de fornecer orientação, apoio e cuidados para melhorar a condição de ser sobrevivente dessa clientela, com vistas ao alcance da sobrevivência bem-sucedida. Assim, com base na literatura científica e na experiência dos pesquisadores, este estudo tem como objetivo descrever e analisar criticamente a sobrevivência ao câncer infantojuvenil, incluindo aspectos conceituais, repercussões, cuidados de sobrevivência e desafios.

MÉTODO

Este estudo teórico-reflexivo foi baseado na literatura relevante identificada por meio de buscas com as seguintes palavras-chave: “sobrevivente/survivor”, “sobrevivência/survival”, “câncer/cancer”, “infância/childhood” e “enfermagem oncológica/oncology nursing”. A busca foi limitada a publicações nos idiomas inglês e português e, para garantir uma compreensão histórica e atual do fenômeno da sobrevivência ao câncer infantojuvenil, não foi definido limite de tempo. As bases de dados pesquisadas foram PubMed, CINAHL, SCOPUS, Web of Science e Google Acadêmico. Além disso, foram realizadas buscas manuais com o objetivo de identificar referências publicadas por prestigiosas sociedades e associações da área de oncologia, tais como: American Cancer Society (ACS), National Coalition for Cancer Survivorship (NCCS) e National Cancer Institute (NCI). As listas de referências da literatura incluída foram também revisadas manualmente para identificar estudos não recuperados nas bases de dados consultadas.

RESULTADOS

Com base nos resultados da literatura capturada e analisada, elaborou-se um diagrama para auxiliar a elucidar os componentes-chave da sobrevivência ao câncer infantojuvenil (Figura 1), destacando-se os aspectos conceituais, as repercussões da sobrevivência e os seus cuidados.

Figura 1
– Componentes-chave da sobrevivência ao câncer infantojuvenil – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020.

DEFININDO SOBREVIVÊNCIA NO CONTEXTO DO CÂNCER INFANTOJUVENIL

Sobrevivência deriva do verbo sobreviver(44. Oliveira RA, Araujo JS, Conceição VM, Zago MM. Cancer survivorship: unwrapping this reality. Cien Cuid Saúde. 2016;14(4):1602. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v14i4.27445
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); no dicionário, é definido como ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a existir(99. Michaelis Dicionário escolar língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos; 2016.). O termo sobrevivência apareceu pela primeira vez na literatura médica na década de 1960, não vinculado à oncologia, mas às pessoas que sobreviviam ao infarto do miocárdio. Posteriormente, na década de 1970, este conceito despontou na literatura relacionada ao câncer(1010. Marzorati C, Riva S, Pravettoni G. Who is a cancer survivor? A systematic review of published definitions. J Cancer Educ. 2017;32(2):228-37. https://doi.org/10.1007/s13187-016-0997-2
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), particularmente na oncologia pediátrica(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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). Após o desenvolvimento de protocolos para o tratamento do câncer infantojuvenil, os oncologistas pediátricos descobriram que muitas crianças permaneciam em remissão por períodos prolongados e que precisavam ser acompanhadas no período pós-tratamento(1212. Meadows AT. Pediatric cancer survivorship: research and clinical care. J Clin Oncol. 2006;24(32):5160-5. https://doi.org/10.1200/JCO.2006.07.3114
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). Este foi o início dos cuidados de sobrevivência ao câncer infantojuvenil(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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).

A sobrevivência ao câncer ganhou um novo significado em 1985, com a publicação do Dr. Fitzhugh Mullan no New England Journal of Medicine, no qual este médico, também na condição de paciente com câncer, descreveu suas reflexões pessoais acerca da sobrevivência. Neste trabalho altamente referenciado em estudos relacionados à sobrevivência ao câncer(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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), Mullan dividiu a sobrevivência em três distintas “estações de sobrevivência”: sobrevivência aguda, estendida e permanente. A primeira começa com o diagnóstico do câncer e inclui o tratamento, no qual o foco é remover e reduzir o câncer e os efeitos agudos do tratamento. O medo e a ansiedade são constantes durante esta fase. A fase seguinte é a estendida, que começa quando o paciente completa o curso do tratamento primário ou entra em remissão da doença. Esta é a estação da “observação vigilante” com exames periódicos, na qual o medo da recidiva é o sentimento predominante. Por último, temos a sobrevivência permanente, e que muito se aproxima da “cura” descrita na literatura. No entanto, o conceito binário de “curado” e “não curado” é evitado por Mullan na descrição da sobrevivência, uma vez que não existe um momento de cura, e sim uma evolução para uma fase em que a probabilidade de recidiva é suficientemente pequena e o câncer pode ser considerado controlado(1313. Mullan F. Seasons of survival: reflections of a physician with cancer. N Engl J Med. 1985;313(4):270-3. https://doi.org/10.1056/NEJM198507253130421
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). Esta definição de Mullan evidencia que os sobreviventes experienciam incertezas e precisam lidar com emoções específicas nas diferentes fases da sobrevivência ao câncer.

De forma alinhada ao conceito de sobrevivência de Mullan, o NCCS definiu sobrevivência como sendo o processo de viver depois do diagnóstico de câncer(1414. Mayer DK, Nasso SF, Earp JA. Defining cancer survivors, their needs, and perspectives on survivorship health care in the USA. Lancet Oncol. 2017;18(1):e11-8. https://doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30573-3
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). Uma pessoa se torna sobrevivente do câncer no momento que recebe o diagnóstico e assim permanece até o final da sua vida(1515. American Cancer Society. Cancer treatment & survivorship facts & figures 2016-2017. Atlanta: American Cancer Society; 2016.). A definição foi ampliada para incluir familiares, amigos e cuidadores destes indivíduos(1616. National Cancer Institute. NCI’s Dictionary of cancer terms [Internet]. National Cancer Institure; 2020 [cited 2020 Sept 10]. Available from: https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms/def/survivorship
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). Essa perspectiva visa reconhecer a pessoa, e não apenas o paciente, assim como as suas necessidades, e não apenas os seus tratamentos.

A experiência da sobrevivência ao câncer abrange uma série de trajetórias que só terminam com a morte do sobrevivente(1515. American Cancer Society. Cancer treatment & survivorship facts & figures 2016-2017. Atlanta: American Cancer Society; 2016.). Isso significa que a sobrevivência é um processo contínuo pelo resto da vida do sobrevivente. Isso é especialmente importante ao se considerar que cerca de 80% das crianças e adolescentes viverão anos além do diagnóstico do câncer infantojuvenil(11. Miller KD, Nogueira L, Mariotto AB, Rowland JH, Yabroff KR, Alfano CM, et al. Cancer treatment and survivorship statistics, 2019. CA Cancer J Clin. 2019;69(5):363-85. https://doi.org/10.3322/caac.21565
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). As trajetórias(1515. American Cancer Society. Cancer treatment & survivorship facts & figures 2016-2017. Atlanta: American Cancer Society; 2016.) que podem ser experienciadas por essas pessoas no curso da sobrevivência ao câncer estão descritas no Quadro 1. Embora a experiência de um sobrevivente possa ter características semelhantes à de outro, e, até certo ponto, trajetórias em comum, este evento é vivenciado de forma única por cada paciente.

Quadro 1
– Diferentes trajetórias da sobrevivência ao câncer – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020.

Na literatura científica oncológica, ainda tem havido ampla discussão sobre o uso do termo sobrevivência, especificamente sobre quando de fato se inicia em situações de câncer(1010. Marzorati C, Riva S, Pravettoni G. Who is a cancer survivor? A systematic review of published definitions. J Cancer Educ. 2017;32(2):228-37. https://doi.org/10.1007/s13187-016-0997-2
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). Por um longo período, a palavra sobrevivência foi frequentemente usada em termos de tempo desde o diagnóstico e medida em incrementos de cinco anos, sem episódios de recidiva(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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). No entanto, importantes associações, tais como o NCCS e a ACS, adotaram a definição descrita por Mullan para conceituar a sobrevivência ao câncer(1414. Mayer DK, Nasso SF, Earp JA. Defining cancer survivors, their needs, and perspectives on survivorship health care in the USA. Lancet Oncol. 2017;18(1):e11-8. https://doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30573-3
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). Embora a definição mais amplamente aceita seja a de que sobrevivência se inicia no momento do diagnóstico e continua ao longo da vida, essa falta de definição conceitual em relação ao termo “sobrevivente do câncer” é um desafio que pode dificultar a identificação, por parte dos profissionais de saúde, de eventuais sobreviventes em seus serviços de saúde, além de comprometer o desenvolvimento de planos de cuidados que atendam às suas necessidades.

A sobrevivência não é uma única condição, mas múltiplas condições(1313. Mullan F. Seasons of survival: reflections of a physician with cancer. N Engl J Med. 1985;313(4):270-3. https://doi.org/10.1056/NEJM198507253130421
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); não é um momento único ou fase específica após o tratamento, mas uma sequência de eventos(44. Oliveira RA, Araujo JS, Conceição VM, Zago MM. Cancer survivorship: unwrapping this reality. Cien Cuid Saúde. 2016;14(4):1602. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v14i4.27445
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). Com o objetivo de compreender como o conceito de sobrevivência é aplicado no contexto do câncer infantojuvenil, um estudo identificou tal concepção associada aos seguintes atributos: 1) percepção individual da experiência do câncer infantojuvenil; 2) experiência multifacetada devido às repercussões em diferentes dimensões da vida; 3) incerteza pela possibilidade de recidiva da doença; 4) novo normal após o tratamento; 5) necessidade de constante negociação; 6) procura por informação constante, tomada de decisão e busca por seus direitos (advocacy); e 7) parcerias, tendo a família como constante fonte de apoio(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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).

EFEITOS DO TRATAMENTO NA SOBREVIVÊNCIA AO CÂNCER INFANTOJUVENIL

No campo da oncologia, a oncologia pediátrica foi a precursora na disseminação do conhecimento sobre questões de sobrevivência relacionadas ao tratamento do câncer e seus efeitos, em virtude da implementação precoce de protocolos de tratamento no combate ao câncer infantojuvenil na década de 1970. À medida que o número de sobreviventes aumentava, os pesquisadores puderam estudar as relações entre aspectos específicos da terapia e os seus efeitos(1212. Meadows AT. Pediatric cancer survivorship: research and clinical care. J Clin Oncol. 2006;24(32):5160-5. https://doi.org/10.1200/JCO.2006.07.3114
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). O tratamento do câncer infantojuvenil envolve um conjunto único de terapias que podem levar a uma série de efeitos(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.). Esses efeitos resultam da combinação entre tratamentos cirúrgico, radioterápico e quimioterápico, e geralmente dependem de fatores como idade do adoecido, grau da doença, dose, programação do tratamento e parte do corpo exposta(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.,1212. Meadows AT. Pediatric cancer survivorship: research and clinical care. J Clin Oncol. 2006;24(32):5160-5. https://doi.org/10.1200/JCO.2006.07.3114
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).

Alterações físicas podem ocorrer durante o desenvolvimento, desde a infância até a idade adulta, e são especialmente influenciadas por agentes que inibem o crescimento e a diferenciação dos tecidos, assim como por radiação e certos tipos específicos de drogas. As crianças, diferentemente dos adultos, podem ser severamente afetadas por esses agentes e, como foram os primeiros beneficiários da terapia de modalidade combinada, foi possível, desde cedo, conhecer os efeitos após o tratamento do câncer infantojuvenil(1212. Meadows AT. Pediatric cancer survivorship: research and clinical care. J Clin Oncol. 2006;24(32):5160-5. https://doi.org/10.1200/JCO.2006.07.3114
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).

Esses efeitos podem afetar todos os aspectos da vida do sobrevivente e de seus familiares. A sobrevivência ao câncer se caracteriza por ser experiência multifacetada, visto que os efeitos colaterais do câncer e de seu tratamento podem ocorrer antes, durante e muitos anos após o diagnóstico, tratamento e remissão(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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). Podem ainda ser categorizados de várias maneiras, como efeitos permanentes ou tardios. Os permanentes são sequelas crônicas que persistem após o término do tratamento e podem incluir efeitos adversos físicos sintomáticos, como dor, fadiga e neuropatia. Os efeitos tardios, dependendo das suas particularidades, podem surgir meses ou anos após o término do tratamento(66. Leigh SA. The changing legacy of cancer: issues of long-term survivorship. Nurs Clin North Am. 2008;43(2):243-58. https://doi.org/10.1016/j.cnur.2008.02.002
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). Estes últimos podem ser ainda diretamente observáveis, por exemplo, a amputação de um membro, ou funcionais, como o comprometimento cognitivo(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.).

Além da fadiga, dor, neuropatia e comprometimento cognitivo, crianças e adolescentes podem experienciar outros efeitos físicos, como a infertilidade, toxicidade cardíaca, insuficiência renal, déficit de audição, disfunções endócrinas e desenvolvimento de neoplasia secundária(77. Kobe CM, Turcotte LM, Sadak KT. A narrative literature review and environmental scan of self-management education programs for adolescent and young adult survivors of childhood cancer. J Cancer Educ. 2020;35(4):731-5. https://doi.org/10.1007/s13187-019-01520-7
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,1717. Rodriguez MA, Foxhall LE, editors. Handbook of cancer survivorship care. New York: Springer; 2018.). Os dois efeitos físicos tardios associados ao maior risco de mortalidade prematura em sobreviventes ao câncer infantojuvenil são a toxicidade cardíaca(1818. Bansal N, Blanco JG, Sharma UC, Pokharel S, Shisler S, Lipshultz SE. Cardiovascular diseases in survivors of childhood cancer. Cancer Metastasis Rev. 2020;39(1):55-68. https://doi.org/10.1007/s10555-020-09859-w
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) e o desenvolvimento de neoplasia secundária(1919. Moskowitz CS, Chou JF, Wolden SL, Bernstein JL, Malhotra J, Novetsky Friedman D, et al. Breast cancer after chest radiation therapy for childhood cancer. J Clin Oncol. 2014;32(21):2217-23. https://doi.org/10.1200/JCO.2013.54.4601
https://doi.org/10.1200/JCO.2013.54.4601...
). O risco de câncer de mama em sobreviventes ao câncer infantojuvenil aos 50 anos de idade é comparável ao de mulheres portadoras de uma mutação no gene BRCA(1919. Moskowitz CS, Chou JF, Wolden SL, Bernstein JL, Malhotra J, Novetsky Friedman D, et al. Breast cancer after chest radiation therapy for childhood cancer. J Clin Oncol. 2014;32(21):2217-23. https://doi.org/10.1200/JCO.2013.54.4601
https://doi.org/10.1200/JCO.2013.54.4601...
). Crianças que foram expostas à quimioterapia com antraciclina e/ou receberam radiação em um campo que inclui a área do coração têm alto risco de toxicidade cardíaca(2020. Bansal N, Amdani SM, Hutchins KK, Lipshultz SE. Cardiovascular disease in survivors of childhood cancer. Curr Opin Pediatr. 2018;30(5):628-38. https://doi.org/10.1097/MOP.0000000000000675
https://doi.org/10.1097/MOP.000000000000...
). O Quadro 2 sintetiza alguns dos efeitos tardios mais comumente associados ao câncer infantojuvenil.

Quadro 2
– Efeitos tardios do câncer infantojuvenil – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020.

O tratamento do câncer infantojuvenil tem o potencial de afetar crianças e adolescentes sobreviventes não apenas de maneira física, mas também no âmbito psicossocial ao longo do curso de suas vidas(2121. Docherty SL, Kayle M, Maslow GR, Santacroce SJ. The adolescent and young adult with cancer: a developmental life course perspective. Semin Oncol Nurs. 2015;31(3):186-96. https://doi.org/10.1016/j.soncn.2015.05.006
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). Alguns efeitos emocionais que podem afetar o sobrevivente incluem ansiedade, medo, tristeza, depressão e incerteza(2222. Brinkman TM, Recklitis CJ, Michel G, Grootenhuis MA, Klosky JL. Psychological symptoms, social outcomes, socioeconomic attainment, and health behaviors among survivors of childhood cancer: current state of the literature. J Clin Oncol. 2018;36(21):2190-7. https://doi.org/10.1200/JCO.2017.76.5552
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). Os sobreviventes enfrentam uma série de consequências até muitos anos após o término do tratamento do câncer, como dificuldades de aprendizagem, bem como para manutenção de uma vida ativa e independente, de interagir socialmente e estabelecer amizades(2121. Docherty SL, Kayle M, Maslow GR, Santacroce SJ. The adolescent and young adult with cancer: a developmental life course perspective. Semin Oncol Nurs. 2015;31(3):186-96. https://doi.org/10.1016/j.soncn.2015.05.006
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,2323. Paré-Blagoev EJ, Ruble K, Bryant C, Jacobson L. Schooling in survivorship: understanding caregiver challenges when survivors return to school. Psychooncology. 2019;28(4):847-53. https://doi.org/10.1002/pon.5026
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). Além disso, estão mais vulneráveis ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático(2424. Fitzpatrick TR, editor. Quality of life among cancer survivors: challenges and strategies for oncology professionals and researchers. Cham: Springer International; 2018. https://doi.org/10.1007/978-3-319-75223-5.
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). O medo da recidiva tumoral também é um efeito psicológico significativo na vida dos sobreviventes e de seus familiares(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.).

Além das sequelas físicas e psicossociais da terapia contra o câncer, os sobreviventes do câncer infantojuvenil têm um risco elevado a longo prazo de enfrentar dificuldades econômicas, as quais podem ter consequências materiais, psicológicas e comportamentais, incluindo alto custo com despesas do tratamento de saúde e limitações ou incapacidade para o trabalho. Também estão mais propensos a não poderem trabalhar ou a faltarem ao trabalho por problemas de saúde(2525. Nathan PC, Henderson TO, Kirchhoff AC, Park ER, Yabroff KR. Financial hardship and the economic effect of childhood cancer survivorship. J Clin Oncol. 2018;36(21):2198-205. https://doi.org/10.1200/JCO.2017.76.4431
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). Adicionalmente, a carga financeira do câncer pode se prolongar por décadas após o diagnóstico. Ao revelarem o histórico de câncer, sobreviventes do câncer infantojuvenil podem enfrentar dificuldades em acessar empréstimos pessoais e seguros(2626. Dumas A, Allodji R, Fresneau B, Valteau-Couanet D, El-Fayech C, Pacquement H, et al. The right to be forgotten: a change in access to insurance and loans after childhood cancer? J Cancer Surviv. 2017;11(4):431-7. https://doi.org/10.1007/s11764-017-0600-9
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).

CUIDADO INTEGRAL NA SOBREVIVÊNCIA AO CÂNCER INFANTOJUVENIL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

O aumento promissor do número de crianças e adolescentes vivendo além do diagnóstico do câncer trouxe consigo outro desafio, o de cuidar dos efeitos a longo prazo dos tratamentos(66. Leigh SA. The changing legacy of cancer: issues of long-term survivorship. Nurs Clin North Am. 2008;43(2):243-58. https://doi.org/10.1016/j.cnur.2008.02.002
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). Mesmo quando o número de sobreviventes não era tão expressivo como atualmente, já se reconhecia que curar uma criança do câncer não era suficiente. Os enfermeiros da oncologia pediátrica foram os primeiros a identificar a necessidade de ofertar cuidados específicos a esses sobreviventes no período pós-tratamento oncológico(2727. Ruccione K. The legacy of pediatric oncology nursing in advancing survivorship research and clinical care. J Pediatr Oncol Nurs. 2009;26(5):255-65. https://doi.org/10.1177/1043454209343179
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).

Em 2003, o Institute of Medicine (IOM) publicou o relatório intitulado Childhood Cancer Survivorship: Improving Care and Quality of Life, no qual faz uma série de recomendações para a prestação de um cuidado integral na sobrevivência. Essas recomendações vão além daquelas normalmente preconizadas para sobreviventes de câncer em adultos, que se concentram em enfatizar o monitoramento da recorrência. Nos cuidados de sobrevivência infantojuvenil, as orientações ressaltam a importância do rastreamento e tratamento dos efeitos persistentes e tardios, de reduzir o risco de segundas neoplasias, quando possível, e de promover a adoção de comportamentos e estilos de vida saudáveis(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.). Esse relatório representa um marco para a assistência aos sobreviventes, por descrever de forma inédita as recomendações práticas para os cuidados de sobrevivência.

Diversas variáveis podem afetar os cuidados de sobrevivência do câncer: o tipo de câncer e o tratamento recebido; a idade do paciente no diagnóstico; os anos desde o diagnóstico e os aspectos raciais, étnicos e socioeconômicos(2828. Boyle DA. Survivorship. In: Bush NJ, Gorman LM, editors. Psychosocial nursing care along the cancer continuum. 3rd ed. Pittsburgh: Oncology Nursing Society; 2018. p. 592.), bem como as habilidades pessoais, tais como enfrentamento e apoio. Isto leva a uma experiência muito diferente de sobrevivência para cada indivíduo, embora todos tenham diagnósticos semelhantes. O que a criança entende sobre sua experiência com câncer e a sobrevivência subsequente pode diferir significativamente da percepção do adolescente ou adulto jovem sobre essa mesma experiência(1111. Shepherd EJ, Woodgate RL. Cancer survivorship in children and young adults: a concept analysis. J Pediatr Oncol Nurs. 2010;27(2):109-18. https://doi.org/10.1177/1043454209349807
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).

Os cuidados de sobrevivência devem ser baseados em avaliações individuais e conter orientações planejadas caso a caso. No entanto, é reconhecido em toda a literatura, com base nos componentes essenciais do IOM, que os cuidados de sobrevivência devem incluir os seguintes componentes: a) prevenção, rastreio e intervenções para recorrência, efeitos a longo prazo e tardios; detecção precoce de novos cânceres; b) avaliação, apoio, gestão e fornecimento de informações relacionadas às necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais; c) monitoramento, informação e promoção de comportamentos de vida saudáveis e prevenção de doenças; d) coordenação de cuidados entre os provedores para comunicar as necessidades gerais de saúde(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.).

Crianças e adolescentes, ao completarem seu tratamento primário para o câncer, devem receber uma síntese do histórico de seu tratamento e um plano abrangente de acompanhamento. Esse documento deve contemplar a história do tratamento do câncer, desde o diagnóstico, tratamentos recebidos (como tipo, dosagens, datas, procedimento e campos radiados) e consequências potenciais, abrangendo problemas encontrados durante o tratamento e seus possíveis impactos futuros(1717. Rodriguez MA, Foxhall LE, editors. Handbook of cancer survivorship care. New York: Springer; 2018.). Já o plano de acompanhamento deve conter o tempo de seguimento recomendado, avaliação e tratamento dos efeitos tardios e prologados; educação sobre os possíveis efeitos prologados; planos de bem-estar recomendados (práticas de prevenção e comportamentos de saúde); avaliação de sofrimento psicossocial; compartilhamento de informações sobre fontes de apoio; e avaliação de questões econômicas(66. Leigh SA. The changing legacy of cancer: issues of long-term survivorship. Nurs Clin North Am. 2008;43(2):243-58. https://doi.org/10.1016/j.cnur.2008.02.002
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).

Como resultado de uma crescente conscientização sobre as necessidades de cuidados dos sobreviventes ao câncer infantojuvenil, algumas instituições iniciaram programas de seguimento dos efeitos a longo prazo, os quais têm à frente uma equipe multidisciplinar para monitorar e apoiar os sobreviventes. A composição da equipe geralmente inclui oncologistas pediátrico e radiológico, enfermeiro oncológico pediátrico, assistente social, educador em saúde e psicólogo. Eles mantêm uma estreita relação de trabalho com endocrinologistas, cardiologistas e outros especialistas cujos serviços são necessários para alguns sobreviventes(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.). No entanto, essa não é uma realidade de uma parte dos centros para tratamento oncológico pediátrico em vários países, incluindo o Brasil(2929. Tonorezos ES, Barnea D, Cohn RJ, Cypriano MS, Fresneau BC, Haupt R, et al. Models of care for survivors of childhood cancer from across the globe: advancing survivorship care in the next decade. J Clin Oncol. 2018;36(21):2223-30. https://doi.org/10.1200/JCO.2017.76.5180
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), que ainda se concentram exclusivamente na cura da doença e parecem despreocupados com os efeitos tardios da sobrevivência ao câncer(22. Hewitt M, Weiner SL, Simone JV, editors. Childhood cancer survivorship: improving care and quality of life. Washington, DC: Institute of Medicine and National Research Council; 2003.). No Brasil, a Política Nacional para Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas(3030. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 874/GM/MS, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial União, Brasília, DF, 2013 May 17.) orienta um modelo de atenção a pacientes com câncer baseado na prevenção e detecção precoce, acesso à confirmação diagnóstica, tratamento adequado e em tempo oportuno e cuidados paliativos, sem, no entanto, mencionar orientações para os cuidados de sobrevivência.

A atenção à saúde brasileira é notoriamente heterogênea. Centros de câncer estruturados e bem equipados estão localizados principalmente nos estados do Sudeste e Sul do país. Infelizmente, 83 milhões de pessoas vivem em áreas onde a saúde pública carece de profissionais especializados e tecnologia essencial. A gestão de sobreviventes ao câncer infantojuvenil é ainda muito díspare; a maior parte do país ainda luta com o rastreamento e detecção precoce do câncer infantojuvenil(2929. Tonorezos ES, Barnea D, Cohn RJ, Cypriano MS, Fresneau BC, Haupt R, et al. Models of care for survivors of childhood cancer from across the globe: advancing survivorship care in the next decade. J Clin Oncol. 2018;36(21):2223-30. https://doi.org/10.1200/JCO.2017.76.5180
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). Dessa forma, a prestação de cuidado de sobrevivência de forma integral e assistida por uma equipe multidisciplinar ainda é um desafio a ser superado. Esse desafio é ainda maior para crianças e adolescentes residentes em regiões do país onde o acesso aos serviços de saúde é limitado.

Cuidados de sobrevivência vêm sendo discutidos desde 1980. Nos Estados Unidos, a maioria dos centros de câncer pediátrico oferece programas com esses cuidados(2929. Tonorezos ES, Barnea D, Cohn RJ, Cypriano MS, Fresneau BC, Haupt R, et al. Models of care for survivors of childhood cancer from across the globe: advancing survivorship care in the next decade. J Clin Oncol. 2018;36(21):2223-30. https://doi.org/10.1200/JCO.2017.76.5180
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). No Brasil, enquanto crianças e adolescentes com câncer estão sendo tratados, seus atendimentos são realizados por profissionais de saúde especializados, em unidades de internação e ambulatórios dos principais hospitais terciários. Após o tratamento, a responsabilidade pelos cuidados de saúde retorna para o médico, clínico geral e pediatra da atenção primária, ficando o centro terciário responsável apenas pelo seguimento e detecção de recidiva tumoral(2929. Tonorezos ES, Barnea D, Cohn RJ, Cypriano MS, Fresneau BC, Haupt R, et al. Models of care for survivors of childhood cancer from across the globe: advancing survivorship care in the next decade. J Clin Oncol. 2018;36(21):2223-30. https://doi.org/10.1200/JCO.2017.76.5180
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). Dessa forma, o sobrevivente do câncer infantojuvenil e sua família se veem perdidos na transição entre o cuidado especializado e o cuidado oferecido na atenção primária, carecendo dos cuidados necessários de sobrevivência. Os cuidados na atenção primária têm o potencial de desempenhar um papel fundamental no acompanhamento e atendimento de qualidade e eficaz aos sobreviventes e seus familiares que vivem com e além de um diagnóstico de câncer, mas essa ainda é uma realidade distante no sistema de saúde brasileiro.

Muitos progressos foram feitos desde que surgiram as primeiras discussões sobre cuidados de sobrevivência, mas são necessários mais esforços para garantir que todos os sobreviventes tenham acesso a cuidados de qualidade, abrangentes e coordenados. Os sobreviventes do câncer geralmente têm necessidades médicas e não médicas específicas relacionadas à experiência com o câncer. No caso do tratamento do câncer infantojuvenil, a oferta de um cuidado integral pode auxiliar crianças e adolescentes a viverem com qualidade e bem-estar.

A enfermagem está em boa posição para implementar os cuidados de sobrevivência, uma vez que o gerenciamento dos efeitos relacionados ao câncer e ao tratamento desta doença se enquadra no escopo da prática de enfermagem, independentemente do cenário. Os enfermeiros são como catalisadores, clínicos, educadores, pesquisadores e administradores que estão em excelentes posições para fornecer atendimento eficaz, integral e focado no bem-estar e planejamento de cuidados aos sobreviventes(66. Leigh SA. The changing legacy of cancer: issues of long-term survivorship. Nurs Clin North Am. 2008;43(2):243-58. https://doi.org/10.1016/j.cnur.2008.02.002
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,2727. Ruccione K. The legacy of pediatric oncology nursing in advancing survivorship research and clinical care. J Pediatr Oncol Nurs. 2009;26(5):255-65. https://doi.org/10.1177/1043454209343179
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). Embora as urgentes discussões apresentadas neste estudo tenham como público-alvo enfermeiros de oncologia pediátrica, essas têm o potencial de extrapolar esse campo e suscitar reflexões para mudanças também no âmbito da atuação geral da enfermagem, cujos profissionais cuidam de crianças e adolescentes sobreviventes nos diferentes níveis de atenção à saúde.

Por fim, cabe aos tomadores de decisão o desenvolvimento de diretrizes e políticas de saúde específicas para sobreviventes, ainda ausentes no nosso sistema de saúde. Atender às necessidades únicas e complexas da crescente população de sobreviventes de câncer é um desafio que somente poderá ser enfrentado com um modelo de atenção e de cuidados de sobrevivência equitativo e acessível a essa população. Essas políticas devem prever também capacitação dos profissionais da saúde, a fim de que apresentem conhecimento, habilidades e atitudes adequados a uma assistência de qualidade aos sobreviventes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo discutiu e analisou a literatura científica sobre a sobrevivência ao câncer infantojuvenil, especificamente sobre a definição do conceito de sobrevivência, efeitos do tratamento na sobrevivência e desafios e possibilidades na implementação de cuidados de sobrevivência.

A experiência da sobrevivência ao câncer abrange uma série de trajetórias que se iniciam com o diagnóstico e só terminam com a morte do sobrevivente. Os resultados apresentados neste estudo ajudam a compreender como a sobrevivência é aplicada no contexto do câncer infantojuvenil e auxiliarão os enfermeiros a identificarem com precisão sobreviventes do câncer infantojuvenil durante a prática clínica, para que possam fornecer cuidado, apoio e orientação necessários a essas pessoas. Além disso, uma definição apresentada de sobrevivente tem potencial para guiar a seleção de participantes para futuras pesquisas relacionadas à sobrevivência, as quais ainda são escassas no cenário nacional.

Crianças e adolescentes sobreviventes do câncer infantojuvenil têm risco elevado de desenvolver efeitos físicos, psicossociais e econômicos ao longo da vida. Essa clientela, diferentemente dos adultos, apresenta maior risco de desenvolver também efeitos físicos secundários, por estar em plena fase de crescimento e desenvolvimento.

Diante disso, cuidados de sobrevivência devem ser prestados para minimizar essas repercussões ao longo da vida. Recomendações para os cuidados de sobrevivência envolvem um plano de ações para rastreamento e tratamento dos efeitos persistentes decorrentes da terapêutica estabelecida, prevenção de doenças e promoção de comportamentos saudáveis, não se restringindo ao monitoramento da recorrência oncológica. No contexto nacional, muitos desafios ainda permanecem, como a carência de diretrizes que orientem os cuidados de sobrevivência de qualidade, abrangentes e coordenados. No entanto, mesmo diante desses desafios, o enfermeiro, em sua prática clínica, assume posição privilegiada para implementar cuidados de sobrevivência e gerenciamento dos efeitos relacionados ao tratamento oncológico.

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  • Apoio financeiro Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001; e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo número 312339/2017-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2020
  • Aceito
    20 Abr 2021
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