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Alterações na mineralogia de um argissolo do Rio Grande do Sul submetido à fertilização potássica

Potassium fertilization affecting the mineralogy of a rhodic acrisol in Rio Grande do Sul - Brazil

Resumos

As mudanças mineralógicas de solos cultivados e submetidos à fertilização potássica ainda são pouco conhecidas em regiões de clima subtropical úmido. Para que estas sejam avaliadas, amostras de solo foram coletadas, na profundidade de 0-10 cm, em um experimento realizado desde 1991 no campo experimental do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria, com e sem fertilização potássica. Adicionalmente, foi coletada uma amostra de solo sob campo nativo em área ao lado do experimento. As amostras foram submetidas às análises de K total, K não-trocável, K trocável com extração simples, extrações sucessivas e à difratometria de raios X. Os difratogramas de raios X foram obtidos sobre amostras de solo e argila saturadas com Ca2+, com posterior modelagem matemática, e indicaram a presença de feldspato, ilita, interestratificados do tipo ilita-esmectita, dentre outros. Após o segundo ano do início do experimento, os teores de K trocável estabilizaram-se em 30 e 90 mg kg-1 para o solo que recebeu 0 e 90 kg ha-1 ano-1 de K2O, respectivamente. A adição de 90 kg ha-1 ano-1 de K2O manteve maior proporção dos argilominerais do tipo ilita e do tipo ilita-esmectita interestratificado na fração menor que 2 µm que sem a adição de K2O. Com o cultivo, independentemente da dose de fertilização potássica recebida, as fases ilita e ilita-esmectita tenderam a diminuir sua proporção relativa em detrimento da fase vermiculita hidróxi-Al entrecamadas.

seletividade; micas; difração de raios X; minerais interestratificados


Changes in soil mineralogical properties in humid subtropical regions due to potassic fertilizer practices are so far poorly understood. The main objective of this study was to compare the changes in soil minerals and the consequences on K+ release. Soil samples (depth of 0-10 cm) were collected over eleven years from areas with and without K fertilization and from a nearby natural grassy vegetation site on the Campus of the Federal University of Santa Maria. The K fertilizer treatments were 0 kg ha-1 year-1 of K2O (K0) and 90 kg ha-1 of K2O year-1 of K2O (K90). The total K+, non exchangeable K+ and exchangeable K+ were determined in the soil samples. Feldspats, illite and interstratified illite-smetite minerals were identified in X ray diagrams of Ca2+-saturated soil and clay fractions. The K90 treatment appeared to preserve the illite and illite-smectite interstratified minerals in the clay fraction. Independent of the level of potassic fertilization, the illite and illite-smectite mineral proportions tended to decrease at the expense of interstratified hydroxy-Al vermiculite.

K+ selectivity; X ray diffraction; interstratified minerals; mica


SEÇÃO II - QUÍMICA E MINERALOGIA DO SOLO

Alterações na mineralogia de um argissolo do Rio Grande do Sul submetido à fertilização potássica

Potassium fertilization affecting the mineralogy of a rhodic acrisol in Rio Grande do Sul - Brazil

Edson Campanhola BortoluzziI; Danilo Rheinheimer dos SantosII; João KaminskiIII; Luciano Colpo GatiboniIV; Daniel TessierV

IEngenheiro-Agrônomo em Cência do Solo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Centro de Ciências Rurais, Departamento de Solos, Faixa de Camobi, Km 9, Campus Universitário, CEP 97105-900. Santa Maria (RS). Bolsista Recém Doutor pelo CNPq. E-mail: edsonb@smail.ufsm.br

IIProfessor Adjunto do Departamento de Solos, UFSM. E-mail: danilo@ccr.ufsm.br

IIIProfessor Colaborador do Departamento de Solos, UFSM. E-mail: kaminski@ccr.ufsm.br

IVProfessor Substituto do Departamento de Solos, UFSM. E-mail: gatiboni@udesc.br

VPesquisador do Institut National de La Recherche Agronomique – INRA. Science du Sol, Route de Sant Cyr, Versailles, France. E-mail: tessier@versailles.inra.fr

RESUMO

As mudanças mineralógicas de solos cultivados e submetidos à fertilização potássica ainda são pouco conhecidas em regiões de clima subtropical úmido. Para que estas sejam avaliadas, amostras de solo foram coletadas, na profundidade de 0–10 cm, em um experimento realizado desde 1991 no campo experimental do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria, com e sem fertilização potássica. Adicionalmente, foi coletada uma amostra de solo sob campo nativo em área ao lado do experimento. As amostras foram submetidas às análises de K total, K não-trocável, K trocável com extração simples, extrações sucessivas e à difratometria de raios X. Os difratogramas de raios X foram obtidos sobre amostras de solo e argila saturadas com Ca2+, com posterior modelagem matemática, e indicaram a presença de feldspato, ilita, interestratificados do tipo ilita-esmectita, dentre outros. Após o segundo ano do início do experimento, os teores de K trocável estabilizaram-se em 30 e 90 mg kg-1 para o solo que recebeu 0 e 90 kg ha-1 ano-1 de K2O, respectivamente. A adição de 90 kg ha-1 ano-1 de K2O manteve maior proporção dos argilominerais do tipo ilita e do tipo ilita-esmectita interestratificado na fração menor que 2 µm que sem a adição de K2O. Com o cultivo, independentemente da dose de fertilização potássica recebida, as fases ilita e ilita-esmectita tenderam a diminuir sua proporção relativa em detrimento da fase vermiculita hidróxi-Al entrecamadas.

Termos de indexação: seletividade, micas, difração de raios X, minerais interestratificados.

SUMMARY

Changes in soil mineralogical properties in humid subtropical regions due to potassic fertilizer practices are so far poorly understood. The main objective of this study was to compare the changes in soil minerals and the consequences on K+ release. Soil samples (depth of 0–10 cm) were collected over eleven years from areas with and without K fertilization and from a nearby natural grassy vegetation site on the Campus of the Federal University of Santa Maria. The K fertilizer treatments were 0 kg ha-1 year-1 of K2O (K0) and 90 kg ha-1 of K2O year-1 of K2O (K90). The total K+, non exchangeable K+ and exchangeable K+ were determined in the soil samples. Feldspats, illite and interstratified illite-smetite minerals were identified in X ray diagrams of Ca2+-saturated soil and clay fractions. The K90 treatment appeared to preserve the illite and illite-smectite interstratified minerals in the clay fraction. Independent of the level of potassic fertilization, the illite and illite-smectite mineral proportions tended to decrease at the expense of interstratified hydroxy-Al vermiculite.

Index terms: K+ selectivity, X ray diffraction, interstratified minerals, mica.

INTRODUÇÃO

As reservas de K do solo constituem um importante fator de produtividade das culturas. Os feldspatos potássicos e as micas são, normalmente, os principais minerais potencialmente fornecedores de K, sendo abundantes numa grande variedade de rochas. Essas reservas de K dependem então da litologia, bem como da intensidade e duração do intemperismo durante a evolução do solo (Pédro, 1979). Nesse sentido, com a intemperização da rocha e do saprólito, os minerais primários que contêm K sofrem alterações, primeiramente formando as argilas, como as esmectitas e vermiculitas, que, posteriormente, transformam-se em caulinita (Pédro, 1979). Desse modo, a ilita é formada a partir de uma micro divisão das micas, enquanto a vermiculita pode ser formada a partir da ilita com abertura gradual das entrecamadas e conseqüente liberação do K, podendo cátions como Al, Ca e Mg ocupar então esse lugar (Martin Garcia et al., 1997).

Esse processo pode não ser completo, permitindo a existência de minerais intermediários ou interestratificados, coexistindo na mesma partícula entrecamadas expansíveis e não-expansíveis (Wilson, 1999). Nos últimos anos, vários estudos em mineralogia têm utilizado programas de computador baseados em modelos matemáticos para ajustar as curvas dos difratogramas de raios X. Essa técnica tem permitido a quantificação de camadas de diferentes argilominerais numa única partícula interestratificada, contribuindo, assim, para um melhor entendimento da evolução mineralógica dos argilominerais do grupo das micas do solo (Inoue et al., 1989; Lanson, 1997).

O cultivo de plantas com grande capacidade de absorver K e o uso de fertilizantes potássicos podem influir na relação entre as reservas de K do solo e a sua disponibilidade, acarretando alterações da fase mineral do solo (Sanzonowicz & Mielniczuk, 1985; Meurer & Anghinoni, 1993). Hinsinger & Jaillard (1993) verificaram a formação de vermiculita, em detrimento de ilita, no material do solo da rizosfera de Lolium em apenas 32 dias de cultivo. Nessas condições, a liberação de K das entrecamadas da ilita, induzida pela ação das raízes das plantas, foi quase completa.

No entanto, em condições especiais, o K pode ser adsorvido especificamente, num processo denominado ilitização. Esse processo dependerá do tipo de mineral presente, da concentração de K na solução e dos ciclos de umedecimento e secagem a que o solo for submetido (Wilson, 1999). Velde & Peck (2002) observaram, num experimento em solo siltoso e com duração de 86 anos, em Illinois-USA, que o cultivo de milho em monocultura ou em rotação pode provocar uma evolução diferenciada em sua mineralogia. Esses autores observaram alterações na proporção das camadas de ilita em relação às de esmectitas nos minerais interestratificados. O argilomineral interestratificado do tipo ilita-esmectita (I-E) comportou-se tanto como fonte como dreno de K, quando a solução do solo era pobre ou rica nesse nutriente, respectivamente.

As plantas absorvem primeiramente o K da solução do solo, cuja concentração depende daquela mantida pelo K trocável, adsorvido nos sítios de troca. Uma vez o K trocável esgotado, dá-se a liberação do K contido nas entrecamadas dos argilominerais e acelera-se a intemperização dos minerais primários potássicos (Borkert et al., 1993). Segundo Castilhos & Meurer (2001), o K não-trocável pode ser uma fonte disponível às plantas em médio prazo. Contudo, a cinética de liberação desta forma de K para a solução do solo é pouco conhecida, dependendo principalmente de fatores relacionados com a mineralogia do solo e a sua proporção em cada fração granulométrica e com a seletividade da fase mineral pelo K (Mello et al., 1995; Castilhos & Meurer, 2001). Nesse sentido, em solos agrícolas, a alteração dos minerais potássicos pode ser minimizada com a adição de fertilizantes potássicos (Pernes-Debuyser et al., 2003) e o uso de certas espécies de plantas com grande capacidade de reciclar esse elemento (Velde & Peck, 2002).

No Rio Grande do Sul, a fertilização potássica é baseada unicamente na manutenção de um nível crítico de K no solo, onde o rendimento relativo das culturas seja próximo a 90 % do máximo (CFS-RS/SC, 1994). Nessas condições, é possível que a preservação do K não-trocável seja comprometida, provocando algumas conseqüências como alterações nas fases minerais do solo que contêm K. Historicamente, as culturas têm alcançado boas produtividades, mesmo com baixos teores de K trocável no solo; nesse caso, é provável que o K não-trocável esteja suprindo as necessidadedes das culturas (Nachtigall & Vahl, 1991; Meurer & Anghinoni, 1993;Veduin, 1994; Meurer et al., 1996).

O presente estudo objetivou avaliar as alterações na mineralogia de um solo cultivado, com e sem fertilização potássica, e relacioná-las com a reserva de potássio às plantas.

MATERIAL E MÉTODOS

Localização e solo

Amostras do horizonte Ap (0–10 cm) de um Argissolo Vermelho distrófico arênico textura franco-arenosa/argilosa, substrato arenito da Formação Santa Maria, foram coletadas no campo experimental do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria (Quadro 1). O clima da região é Cfa, segundo a classificação de Köeppen, com precipitação média anual de 1.769 mm e temperatura média anual de 19,2 °C (Moreno, 1961).


Esta área vem sendo cultivada desde 1969, quando o campo nativo foi destruído para o estabelecimento de lavouras para a produção de grãos e forragem, com mínima reposição de P e K pela fertilização. Historicamente, esta área apresentou sinais de perdas de solo por erosão hídrica. O solo, até 1996, foi preparado de modo convencional com arações e gradagens, sendo, após essa data, adotado o sistema plantio direto.

Em 1991, por ocasião da instalação do experimento, adicionou-se corretivo da acidez para elevar o pH do solo de 4,5 a 6,0. Os tratamentos constituíram um bifatorial com parcelas subdivididas e com quatro repetições, distribuídas em blocos ao acaso. As parcelas principais receberam, no início do experimento (1991), no quinto ano (1995) e nono ano (1999), as quantidades de 0, 60, 120 e 180 kg ha-1 de K2O. No segundo, terceiro e quarto cultivo e após estas datas, as parcelas principais foram divididas em quatro subparcelas, as quais foram fertilizadas com 60 kg ha-1 de K2O em três, duas e uma subparcelas, respectivamente.

As culturas utilizadas foram: a soja (Glycine max), nas safras 1991/92, 1992/93, 1994/95, 1995/96 e 1996/97; o milho (Zea maiz), nas safras 1993/94, 1999/00 e 2001/02, o sorgo (Sorghum vulgare), na safra 2000/01; a aveia preta (Avena strigosa), no inverno de 1991, 1992, 1994, 1995, 1996 e 2001, aveia + ervilhaca (Vicia sativa), no inverno de 1993, 1999 e 2000; nas safras 1997/98 e 1998/99, o solo permaneceu em pousio.

Em maio de 2002, coletaram-se amostras de solo da camada 0–10 cm do tratamento que nunca foi fertilizado com K (K0) e daquele que recebeu o equivalente a 90 kg ha-1 ano-1 de K2O (K90). Adicionalmente, coletou-se amostra de solo (0–10 cm) sob campo nativo (CN) de uma área ao lado do experimento. Também, anualmente, após o cultivo de verão, coletaram-se amostras de solo da camada 0–10 cm.

Análises químicas

Nas amostras de solo coletadas anualmente, foram estimados os teores de K trocável pelo método de Mehlich-1.

Nas amostras coletadas em maio de 2002 do solo sob campo nativo (CN) e dos tratamentos K0 e K90, determinaram-se os teores de cátions trocáveis, a capacidade de troca de cátions, o teor de COT e a granulometria. Nessas mesmas amostras, foi determinada a capacidade máxima de liberação de K por extrações sucessivas com resinas trocadoras de cátions (RTC) e com o extrator Mehlich-1. Foram utilizadas nove extrações, com intervalo de 24 h entre elas. Após o esgotamento do K trocável, foi determinado o K não-trocável com o extrator tetrafenilborato de sódio, Na-TFBo (Cox et al., 1996) bem como o K total por digestão com ácido fluorídrico (Helmke & Sparks, 1996).

Análise mineralógica

Para a análise mineralógica, seguiu-se o método descrito por Robert & Tessier (1974). Na fração menor que 2 mm da terra fina seca ao ar, a matéria orgânica foi destruída pela adição de H2O2. A dispersão das partículas foi feita mediante a agitação mecânica em presença de dispersante químico (NaOH 10 %). A separação granulométrica foi realizada com sucessivos peneiramentos e centrifugações. Na amostra de solo do CN, foram separadas as frações 2–5 µm, menor que 2 µm e menor que 0,2 µm, enquanto as amostras K0 e K90 foram representadas somente pela fração menor que 2 µm. O material dessas frações foi saturado com Ca2+.

Para obter os difratogramas de raios X (DRX), utilizou-se um difratômetro a reflexão, modelo Siemens D5000, equipado com um monocromador e operando com radiação Co-Ka a 40 kw de voltagem e uma corrente de 30 mA.

Primeiramente, a partir de amostras em pó da fração menor que 2 mm do tratamento CN, foi elaborado um DRX com uma amplitude angular de 2 a 75 º (2q). Posteriormente, as frações menores que 0,2 µm, menores que 2 µm e 2–5 µm secas ao ar (25 ºC) preparadas em depósito orientado sobre lâminas de vidro foram submetidas às análises de raios X com amplitude angular de 2 a 35 º (2q).

Na fração menor que 2 µm, as amostras dos três tratamentos (CN, K0 e K90) foram preparadas em depósito orientado a 25 ºC, saturadas com etileno glicol (EG) e, posteriormente, aquecidas a 300 e a 550 ºC (Robert & Tessier, 1974). Essas amostras foram submetidas à difração de raios X, obtendo-se os DRX de 2 a 16 º (2q). A identificação dos minerais seguiu a ocorrência de três ordens da reflexão 001 (Brindley & Brown, 1980).

A vermiculita com hidróxi-Al entrecamadas (VHE) foi identificada por meio da reflexão a ~14 Å no DRX normal (25 ºC), quando não houve expansão com EG e quando o aquecimento a 300 e 550 ºC não provocou colapso completo das camadas para 10 Å de distância entrecamadas. A fase interestratificada do tipo ilita-esmectita (I-E) foi identificada por ocasião de uma reflexão larga entre d = 14 Å e d = 10,2 Å, a qual se expandiu em presença de EG e diminuiu rapidamente a 10 Å com o aquecimento a 550 ºC. A ilita (I) foi identificada pela reflexão estreita correspondente a 10 Å. O mineral interestratificado do tipo caulinita-esmectita (C-E) foi diagnosticado quando no DRX existiram reflexões ao redor de d = 7,2 Å, que se expandiram após tratadas com EG e extinguiram após o aquecimento.

A quantidade relativa dos argilominerais foi determinada com auxílio do programa de computador DECOMPRX (Lanson, 1997), em que as reflexões 001 do DRX bruto são modeladas matematicamente em reflexões elementares de cada espécie mineral. Para isso, os DRX são submetidos à subtração da sua linha base nos ângulos compreendidos entre 2 e 15 º de 2q. Posteriormente, curvas elementares do tipo gaussiana ou lorenciana, correspondendo a cada argilomineral presente, foram introduzidas no DRX modelado. Assim, diferentes difratogramas oriundos de seus respectivos tratamentos podem ser comparados de acordo com a posição das reflexões modeladas e da superfície relativa de cada reflexão modelada que é o produto da intensidade da reflexão pela máxima largura a meia altura desta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Teores de potássio

Os teores de K trocável do solo (extrator de Mehlich-1) relativos às amostras de solo nas subparcelas K0 e K90, coletadas anualmente e por um período de 11 anos, são apresentados na figura 1. No tratamento K0, sem fertilização potássica, houve uma diminuição dos teores de K trocável do solo de 50 mg kg-1, no início do experimento, para 38 mg kg-1, no primeiro ano, e 30 mg kg-1, no segundo ano. Por sua vez, no tratamento K90, com fertilização potássica, os teores de K trocável do solo passaram de 50 mg kg-1 para 80 e 85 mg kg-1, no primeiro e segundo ano. Após este período, os teores de K trocável, em ambos os tratamentos, mantiveram-se constantes ao redor de 30 e 90 mg kg-1, para K0 e K90, respectivamente. A rápida variação nos teores de K trocável ocorrida nos dois primeiros anos pode ser explicada pela fraca seletividade dos sítios de troca ao elemento (Castilhos & Meurer, 2001).


Sem a fertilização potássica (K0), os teores de K trocável estabilizaram-se ao patamar de 30 mg kg-1, indicando que se alcançou um equilíbrio entre as formas de K trocável e não-trocável com um mínimo de K+ no sistema solo-planta. A manutenção desses teores, por praticamente um decênio e com cultivo de culturas anuais ávidas por K, pode ter sido assegurada pelo K considerado como não-trocável, mas em um compartimento com maior capacidade de reposição do K para a solução do solo. Entretanto, caso a demanda por K continue até à exaustão dessas formas, o K poderá ainda ser reposto pela fração mineral mais grosseira, como os feldspatos potássicos da fração areia, provavelmente em quantidades insuficientes para o crescimento vegetal satisfatório (Sparks, 1986; Meurer et al., 1996). A manutenção desta situação por longos períodos pode diminuir os teores de K não-trocável e comprometer a reposição deste à solução do solo e o estabeleci-mento de plantas cultivadas.

Os teores de K trocável estabilizaram-se ao patamar de 90 mg kg-1 no tratamento que recebeu o equivalente a 90 kg ha-1 ano-1 de K2O. Presumindo que exista, também, um equilíbrio com o K não-trocável, é provável que ocorra, neste caso, o processo de adsorção específica de K+ pela fase mineral (Velde & Peck, 2002). Esse processo será limitado aos minerais cuja estrutura é susceptível de receber K. Esse patamar é determinado, provavelmente, pela capacidade dos sítios de troca em adsorver K+, onde seu aumento somente seria possível pelo incremento no número desses sítios. Os teores de 30 e 90 mg kg-1 de K trocável estabelecem os limites inferiores e superiores, determinados pela mineralogia desse solo, do equilíbrio, no caso de escassez e excesso de K no sistema, respectivamente. Este equilíbrio se estabelece, provavelmente, pela presença de uma fase mineral específica e predominante no solo como os interestratificados do tipo I-E (Velde & Peck, 2002) ou de compartimentos específicos desse mineral que interagem mais intensamente com o K.

Os teores de K trocável acumulados nos tratamentos K0 e K90 pelas sucessivas extrações foram de: 80 e 137 mg kg-1, para o Mehlich-1, e de 78 e 125 mg kg-1, para a RTC, respectivamente (Quadro 2), tendo que, o Mehlich-1 extraído 56 e 54 % e a RTC 34 e 45 % desses valores na primeira extração, para os tratamentos K0 e K90, respectivamente (Figura 2). O restante do K trocável extraído pelas extrações subseqüentes deve ser oriundo da fração do K não-trocável, uma vez que estes teores foram muitos menores no tratamento sem reposição desse nutriente (Quadro 2).



As reservas de K não-trocável que sobraram após as extrações sucessivas com o Mehlich-1 foram de 88 e 144 mg kg-1, para os tratamentos K0 e K90, respectivamente, o que representa somente 11,4 e 17,2 % do K total. Após as extrações sucessivas com RTC, os teores de K não-trocável foram de 91 e 150 mg kg-1, cujos percentuais relativos ao K total foram similares ao método anterior (11,8 e 17,9 %). Assim, o cultivo sem reposição de K diminuiu em cerca de 8 % o K total comparativamente à fertilização com 90 kg ha-1 ano-1 (839 para 772 mg kg-1), enquanto o K não-trocável diminuiu em torno de 39 % (144 para 88 mg kg-1 ou 150 para 91 mg kg-1) (Quadro 2) e o K trocável diminuiu em torno de 58 % (90 para 38 mg kg-1 – Figura 1). Estas observações divergem daquelas obtidas por Castilhos & Meurer (2001), em que o K não-trocável representa relativamente pouco (2,5 % do K total do solo).

Alterações nos constituintes de solo

Os teores de matéria orgânica do solo sob cultivo tenderam a ser inferiores àqueles obtidos sob condição natural (Quadro 1). Alguns atributos químicos, como a capacidade de troca de cátions, os teores de Ca e Mg trocáveis foram alterados pelo cultivo, visto que houve adição de corretivos da acidez e de fertilizantes.

Os DRX da fração < 2 mm do CN apresentaram reflexões a d = 4,04 e d = 3,24 Å, característicos de feldspatos (DRx não apresentados). Uma reflexão intensa a d = 4,04 Å pode ser atribuída a feldspatos ricos em Ca, como, por exemplo, a albita. Contudo, uma reflexão menos intensa a d = 3,24 Å é indicativa de microclina (feldspato alcalino) de fórmula geral: KAlSi3O8 (Deer et al., 1965). A microclina é acompanhada das reflexões a d=3,37 e d = 3,29 Å, com intensidades médias de 41 e 48 % da intensidade principal, respectivamente (Brindley & Brown, 1980). A presença destes minerais indica que parte do K desse solo pode estar protegido em minerais, de estruturas maiores e mais estáveis, como o caso dos feldspatos. Outras reflexões são indicativas de goethita (d = 4,18 e 2,69 Å), hematita (d = 2,69 e 2,51 Å) e anatásio (d = 3,52 Å). As indicativas da presença de gibbsita não foram encontradas.

Nas amostras do CN, os DRX brutos das frações menores que 2 µm, 2–5 µm e menor que 0,2 µm secas ao ar (25 ºC) são apresentados na figura 3a. Os DRX das frações menores que 2 µm e 2–5 µm apresentaram reflexões a d = 14,4, 10 e 7,4 Å. Na fração 2–5 µm, as intensidades das reflexões foram menos intensas que na fração menor que 2 µm. Na fração menor que 0,2 µm, não se observou a reflexão a d = 10 Å, correspondente a ilita, indicando que as reservas de K somente estavam presentes nas frações maiores que 0,2 µm. Após o tratamento com EG, reflexões superiores a d = 14 Å e a d = 7 Å foram detectadas, mostrando a presença de minerais interestrati-ficados do tipo ilita-esmectita (I-E) e caulinita-esmectita (C-E) (Moore & Reynolds, 1997). Um estudo mais detalhado destas fases foi realizado com o uso do programa de computador Newmod (Reynolds, 1985), quando se tornou possível verificar as proporções das camadas de cada mineral dentro da partícula interestratificada (Bortoluzzi, 2003).


Nos DRX da fração menor que 2 µm dos tratamentos CN, K0 e K90, foram observadas: a presença de uma reflexão larga (~1 º 2 q) a d = 14,2 A, correspondendo a I-E; uma banda larga entre d = 10,2 e 9,9 Å, característica da ilita (I) e uma reflexão a d = 7 Å (Figura 3b). Com auxílio do programa de computador DECOMPRX (Lanson, 1997), entre os ângulos 4 e 12 º de 2 q, foi possivel identificar a presença de uma fase VHE, de uma fase I-E e outra da I (Figura 4). Para o CN, observaram-se uma reflexão estreita e uma larga a d = 14,4 Å, representando as fases VHE e I-E respectivamente. Neste DRX, também, foi identificada uma reflexão larga a d = 10,2 Å, referente à fase ilita. Na fase I-E, a proporção de camadas correspondente a uma ilita foi estimada em 60 e 40 % para as de esmectita (Newmod - Reynolds, 1985). Quantitativamente, as fases I-E, VHE e I representaram 61, 36 e 3,5 %, respectivamente, do total de argilominerais presentes na fração menor que 2 µm. O somatório das camadas de ilita das diferentes fases minerais atingiu cerca de 39 % do total de argilominerais da amostra (Figura 4).


No solo da parcela cultivada sem a fertilização potássica (K0), foram encontradas quatro reflexões (Figura 4). As reflexões a d = 14,3 Å e d = 13,7 Å referem-se a VHE e a I-E, respectivamente, enquanto a reflexão a d = 10,2 Å caracteriza a I e a d = 9,97 Å pode ser atribuída a mica, por seu maior tamanho (Moore & Reynolds, 1997). A observação destas duas fases diagnosticadas a 10 Å deve-se, provavelmente, ao processo de vermiculitização de parte das partículas que contêm K nas entrecamadas. Esse processo deve ter sido ocasionado pelos sucessivos cultivos sem reposição de K via fertilizante. Nesse caso, é provável que a liberação do K não-trocável tenha ocorrido de modo diferenciado, principalmente na fração mineral representada no DRX pela reflexão a d = 10,2 Å.

Independentemente da fertilização potássica e com cultivo, estima-se que, na fase I-E (d = 13,7 Å), exista cerca de 70 % de camadas de ilita e 30 % de esmectita (Newmod - Reynolds, 1985). Nestas condições, o número de camadas de ilita na fase I-E tende a ser 10 % superior em relação ao CN. O cultivo aumentou a proporção das camadas ilíticas nas partículas I-E do solo. Contudo, a proporção deste argilomineral em relação ao total decresceu, possivelmente, em detrimento da fase VHE. A deposição dos restos culturais na superfície do solo (tratamento K0 e K90), liberando quantidades significativas de K na superfície do solo, pode ter contribuído para o maior número de camadas de ilita na fase I-E (Sanzonowicz & Mielniczuk, 1985; Veduim, 1994). Contudo, o K depositado na superfície não evitaria a dessorção de K das entrecamadas da ilita, representadas pelas reflexões a d = 13,7 Å e 10,2 Å, e talvez, das partículas maiores presentes nas frações mais grosseiras (Sparks, 1986). Isto porque as culturas absorvem grande quantidade de K em curto prazo, sendo responsáveis pela criação de um forte gradiente de K, forçando a sua liberação preferencialmente da fase ilita d = 10,2 Å, pois esta dispõe de maior área superficial específica. Uma vez a planta morta e a palha decomposta, o K retorna ao solo aumentando rapidamente sua concentração na solução e na forma trocável (Sanzonowicz & Mielniczuk, 1985), favorecendo, nesse caso, a adsorção específica de K+ na fase I-E ~13,7 Å. Isto tem sido observado por Pernes-Debuyser et al. (2003) e Velde & Peck (2002), que revelaram ser variável a disponibilidade do K não-trocável com a alteração dos minerais do solo decorrente das práticas de fertilização.

Com a fertilização potássica no tratamento K90, os DRX evidenciaram somente três reflexões, sendo similar ao DRX do CN (Figura 4). As duas primeiras reflexões a d = 14,2 Å e a d=13,7 Å referem-se à fase VHE e I-E e a reflexão d = 10,1 Å refere-se à fase I. Nesse caso, as fases I-E e I foram superiores a 5 e 6 % da K0, respectivamente. Com a fertilização potássica, a fase I-E foi enriquecida, embora a proporção de camadas de ilita não tenha sido alterada, mantendo-se, assim, a reflexão na mesma posição, d = 13,7 Å.

A fase ilita (d = 10,1 Å) manteve-se preservada com a fertilização potássica. O tempo reduzido deste experimento (11 anos), aliado ao fornecimento de K via fertilização, não foi suficiente para um aumento significativo na proporção de ilita em relação às esmectitas nos interestratificados I-E, como verificaram Pernes-Debuyser et al. (2003). De modo geral, com o cultivo, aumentou-se a proporção relativa da fase VHE (de 36 % no CN para 63 % no K0 e 53 % no K90) e da fase ilítica, em detrimento da fase I-E. Entretanto, na fase mineral I-E, a proporção de camadas ilíticas mostrou-se superior em cerca de 10 % com o cultivo, independentemente da fertilização. Isso indica que o K contido na fase I-E foi mais sensível à dessorção e adsorção específica com o cultivo do solo, porém o K da fase ilita d = 10 Å pode também ser disponibilizado, quando a fertilização não acompanha a extração de K pelas plantas.

CONCLUSÕES

1. A camada de 0–10 cm do solo estudado continha reservas significativas de K tanto na fração grosseira (minerais de feldspatos) quanto na argila (micas, ilitas e interestratificados do tipo ilita-esmectita).

2. O cultivo deste solo, independentemente da fertilização, reduziu a proporção relativa de argilominerais que contêm K (ilita e ilita-esmectita) em detrimento da fase vermiculita com hidróxi-Al entrecamadas.

3. Os teores de K total, K não-trocável e K trocável foram incrementados com a adição de fertilizantes potássicos, refletindo no aumento das fases minerais ilita e interestratificado do tipo ilita-esmectita, em comparação com solo sem adição de fertilizantes potássicos.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em março de 2004 e aprovado em abril de 2005.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005

Histórico

  • Aceito
    Abr 2005
  • Recebido
    Mar 2004
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