Open-access ELEMENTOS-TRAÇO EM ÁREAS DE VEGETAÇÃO NATIVA E AGRICULTURA INTENSIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO DETERMINADOS POR FLUORESCÊNCIA DE RAIOS-X POR REFLEXÃO TOTAL

TRACE ELEMENTS IN NATIVE VEGETATION AND INTENSIVE AGRICULTURE AREAS IN MATO GROSSO, BRAZIL, DETERMINED BY TOTAL REFLECTION X-RAY FLUORESCENCE

Resumos

A espectroscopia de raios-X por reflexão total (TXRF) é uma técnica promissora para análise de elementos-traço (ETs), principalmente por não ser necessária a digestão das amostras, reduzindo assim a geração de resíduos e emissão de vapores tóxicos. Este trabalho comparou os teores dos ETs: Cr, Mn, Ni, Zn, Cu, As, Se, Hg e Pb, coletados em solos de área de agricultura intensiva e vegetação nativa, determinados por TXRF e por espectrometria de absorção atômica de chama ou forno de grafite (FAAS/GFAAS). Adicionalmente, compararam-se os teores dos ET com valores de referência para solos não contaminados. As amostras de solo foram coletadas na profundidade 0,0-0,2 m em municípios representativos de cada região agrícola do Estado de Mato Grosso (Rondonópolis, Alto Garça, Primavera do Leste, Campo Novo, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Campo Novo dos Parecis, Campos de Julho e Vila Bela da Santíssima Trindade). Em cada município, foram selecionadas seis áreas, totalizando 72 amostras, todas georreferenciadas. Para a leitura dos teores de ET no aparelho de TXRF S2 Picofox™, foram preparadas suspensões de solo usando Triton X-100 a 5 % v/v utilizando gálio como padrão interno, enquanto no FAAS/GFAAS as amostras foram submetidas à digestão ácida pelo método 3051A. Considerando área cultivada e área nativa, respectivamente, os teores médios dos ET por TXRF, em mg kg-1, foram: Cr, 69 e 62; Zn, 16 e 8; Pb, 28 e 21; Mn, 56 e 42; As, 2 e 2; Cu, 9 e 8; e Ni, 2 e 2. O Cd, Se e Hg não foram detectados por TXRF nas amostras analisadas. Para As, Cr, Mn, Zn, Ni, Cu e Pb, houve correlação linear (p<0,001) positiva entre as técnicas e, no geral, os teores obtidos para esses ET em TXRF foram superiores aos do FAAS/GFAAS. Os teores de todos os elementos detectados pelo TXRF, exceto o Cr, estão dentro das faixas dos relatados para solos não contaminados e muito inferiores aos limites de alerta estipulados na literatura.

metal pesado; chumbo; zinco; arsênio; cádmio; TXRF


Total Reflection X-ray Fluorescence (TXRF) is a promising technique for analysis of trace elements (TEs), mainly because samples do not need to be digested, thereby reducing generation of waste and emission of toxic fumes. This study compared the levels of the TEs:Cr, Mn, Ni, Zn, Cu, As, Se, Hg, and Pb in soil samples collected from intensive agricultural and native vegetation areas, as determined by TXRF and by flame or graphite furnace atomic absorption spectrometry (FAAS/GFAAS). In addition, we compared the levels of TEs with reference values for uncontaminated soils. Soil samples were collected at a depth of 0.0-0.2 m in municipalities representing each agricultural region of Mato Grosso (Rondonópolis, Alto Garça, Primavera do Leste, Campo Novo, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Campo Novo dos Parecis, Campos de Julho, and Vila Bela da Santíssima Trindade). Six areas in each muncipality constituted the areas selected, for a total of 72 samples, all georeferenced. We prepared soil suspensions using Triton® 100 at 5 % v/v, with gallium as an internal standard, to read the TE contents on the TXRF S2 Picofox™ apparatus. The FAAS/GFAAS samples were digested by method 3051A. The mean contents of the TEs by TXRF in mg kg-1 were Cr 69 and 62, Zn 16 and 8, Pb 28 and 21, Mn 56 and 42, As 2 and 2, Cu 9 and 8, and Ni 2 and 2 in the samples analyzed, considering the cultivated area and the native vegetation area, respectively. Cadmium, Se, and Hg were not detected in the samples analyzed by TXRF. We detected a positive linear correlation (p<0.001) between the analysis techniques for As, Cr, Mn, Zn, Ni, Cu, and Pb. In general, the levels of these TEs in TXRF were higher than the levels in FAAS/GFAAS. The contents of all elements (except Cr) detected by TXRF are within the ranges of levels reported for uncontaminated soils and far below the alert thresholds stipulated in the literature.

heavy metal; lead; zinc; arsenic; cadmium; TXRF


INTRODUÇÃO

Na determinação dos teores totais de elementos-traço (ET), como As, Cd, Pb, Cu, Zn, podem ser utilizados vários instrumentos, sendo os mais usados os espectrofotômetros de absorção atômica de chama (FAAS) e forno de grafite (GFAAS) (Marguí et al., 2010; Sardans et al., 2011). Entre as desvantagens desses equipamentos, além do preço, destacam-se a necessidade de dissolução das amostras por meio de soluções extratoras ácidas e aparato adequado para a extração, como chapas aquecedoras ou fornos de micro-ondas (Abreu et al., 2002), além de alta geração de resíduos e vapores tóxicos, grande consumo de gases e de tempo para a execução das análises.

Em face disso, várias outras técnicas têm sido desenvolvidas para simplificar as análises de ET. Entre essas, a fluorescência de raios-X por reflexão total (TXRF) tem se destacado para a determinação analítica da composição elementar em diferentes áreas do conhecimento, uma vez que essa técnica tem se evidenciado versátil para ser aplicada em diversas matrizes: sangue (Dogan et al., 1993; Martinez et al., 2004; Telgmann et al., 2011); fármacos (Stosnach, 2010); água e lixiviados (Lattuada et al., 2009; Tejeda et al., 2010; Cataldo, 2012); lodo de esgoto (Stosnach, 2005); mercúrio em vidro (Stosnach, 2005); geologia (Bakhtiarov et al., 2007); solo (Chimidza et al., 2001;Bohlen von et al., 2003; Olise et al., 2005; Stosnach, 2005; Chou et al., 2010; Marguí et al., 2010;); efluentes industriais (Marguí et al., 2010); e produtos petroquímicos (Cinosi et al., 2011). Tsuji et al. (2012)apresentaram ampla revisão bibliográfica sobre o avanço em espectometria de fluorescência de raios-X (XRF), destacando as inovações e os vários campos de aplicação da TXRF.

Entre as vantagens relacionadas ao uso da TXRF na determinação da composição elementar de uma matriz se destacam a versatilidade, simplicidade operacional e rapidez no preparo das amostras (Stosnach, 2005; Marguí e al., 2010; Tsuji et al., 2012). Em relação a outras técnicas de XRF, são destacados na TXRF: menores limites de detecção (LD), menor espalhamento da radiação e menores ruídos de fundo (background) (Stosnach, 2005; Tsuji et al., 2012), bem como menor geração de resíduo, custo operacional e maior sensibilidade analítica. Como desvantagens, os mesmos autores destacaram: o Hg não é detectado, pois normalmente é volatilizado durante o preparo das amostras ou durante a leitura. Além do Hg, outros elementos, como Sb (linha Kα 26,4 keV), Ag (linha Kα 22,2 keV) e Cd (linha Kα 23,1 keV) só podem ser detectados pelas linhas energéticas de baixa intensidade (linhas L) quando se usam tubos de raios-X de Mo (linha Kα 17,5 keV) - em caso de amostras de solo e sedimentos a linha L desses elementos é parcial ou totalmente sobreposta pelas intensas linhas K do cálcio e potássio presentes na matriz; no caso de matrizes complexas, como o solo, o alto teor de elementos na matriz ocasiona aumento do ruído de fundo (background), diminuindo o LD; elementos como o Zr, Nb e Tc não podem ser determinados, pois suas linhas K são sobrepostas pelo pico da linha K do Mo (elemento presente no tubo de raios-X); e elementos mais leves, como o Na, Mg e Al, são difíceis de serem determinados pela TXRF em razão da forte absorção de sua baixa energia de raios-X pelo ar e pela janela do detector. Também, Stosnash (2005) relatou a dificuldade da quantificação de As quando Pb está presente em concentrações elevadas, muito emboraChou et al. (2010) consideraram adequado o uso de XRF portátil para determinar As e Pb em solos contaminados.

Sendo assim, este trabalho objetivou avaliar o uso de um aparelho de TXRF, de bancada, para determinar Cr, Mn, Ni, Cu, Zn, As, Cd, Se, Hg e Pb em amostras de solo de áreas de agricultura intensiva e vegetação nativa de várias localidades do Estado de Mato Grosso, comparando-se os resultados com os obtidos por espectrometria de absorção atômica de chama ou forno de grafite e com os teores relatados na literatura para solos não contaminados.

MATERIAL E MÉTODOS

Para realizar este trabalho, foram coletadas amostras de solo na profundidade de 0,00-0,20 m em áreas de agricultura intensiva e de vegetação nativa do Estado de Mato Grosso (Figura 1).

Figura 1
Localização dos pontos de coleta das amostras de solo.

Foram selecionados 12 municípios nas principais regiões agrícolas do Estado de Mato Grosso. As lavouras de soja, milho e algodão, com manejo altamente mecanizado, ocupam grande parte do território da região de Rondonópolis e Alto Garça (Planaltos Taquari-Itiquira); Campo Verde e Primavera do Leste (Planalto dos Guimarães); Tangará da Serra, Campos de Júlio, Sapezal, Campo Novo dos Parecis e Diamantino (Chapada e Planalto dos Parecis); e ao longo da rodovia BR-163 (Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Sinop) e Vila Bela da Santíssima Trindade (Depressão do Guaporé). Nessas regiões, a vegetação nativa é representada por Floresta Ombrófila Densa Tropical (Vila Bela da Santíssima Trindade, Lucas do rio Verde, Sorriso e Sinop); Cerradão (Sapezal, Campos de Julho, Campo Novo dos Parecis, Nova Mutum, Campo Novo e Primavera do Leste) e Campo Cerrado (Alto Garça e Rondonópolis) (Seplan, 2002). No geral, os campos de cultivo ocupam áreas sob Latossolos e Argissolos, em relevo favorável e propício à mecanização em todas as fases de cultivo. O clima dessas áreas é variável, prevalecendo o tropical superúmido de monção, com elevada temperatura média anual, superior a 24 ºC e alta pluviosidade (2.000 mm anuais); e o tropical, com chuvas de verão e inverno seco, caracterizado por médias de 23 °C no planalto, com pluviosidade média anual de 1.500 mm (Mato Grosso, 2014).

Para as coletas das amostras de solo em cada município, ao acaso, e tendo em vista a facilidade de acesso, foram selecionadas três áreas de agricultura intensiva representadas por lavouras de milho, soja e algodão e três áreas de vegetação nativa, totalizando seis áreas por região. Em cada área, selecionou-se um talhão de no máximo 10 ha, onde foram coletadas as amostras de solo. Para isso, cada talhão foi percorrido em zigue-zague, coletando-se cerca de 20 amostras simples, que foram colocadas em baldes para posterior homogeneização. Após isso, foi retirada uma porção de cerca de 1 kg de solo, representativo do talhão, totalizando, assim, 72 amostras compostas de solo. Nas coletas, foi utilizado um trado holandês de aço inoxidável, que era devidamente higienizado e ambientado após cada coleta. A altitude dos pontos de coletas variou de 199 a 839 m, com média de 513 m nas áreas de cultivo, e de 199 a 801 m, com média de 495 m nas áreas de vegetação nativa. As amostras foram coletadas no período de final de janeiro a meados de fevereiro de 2012, em área de soja já dessecada para colheita ou já colhida. Após secagem ao ar, as amostras foram tamisadas em malha de 2 mm e armazenadas para as análises posteriores. Nas amostras de solo, foram determinados os teores de As, Cd, Cr, Cu, Mn, Ni, Pb, Hg, Se e Zn, utilizando-se a técnica de TXRF e FAAS/GFAAS.

Para a leitura dos ET usando TXRF, a preparação das amostras de solo foi uma adaptação da preconizada no manual que acompanha o equipamento (S2 Picofox™). Resumidamente, as amostras foram trituradas em gral de ágata, devidamente descontaminado e higienizado após cada amostra, e tamisadas em malha de náilon de 50 μm. Depois, pesaram-se 50 mg de cada amostra de solo, as quais foram adicionadas em tubos falcon de 15 mL juntamente com 2,5 mL de solução de Triton X-100 a 5 % v/v em água ultrapura e 0,5 mL de solução de Ga 10 mg kg-1, resultando em concentração final de Ga igual a 1,667 mg kg-1. Cada tubo foi agitado em agitador tipo vortex, obtendo-se, assim, uma suspensão homogênea. Imediatamente após a agitação, retirou-se uma alíquota de 10 μL da suspensão, que foi gotejada no centro de um porta-amostra de quartzo, devidamente limpo. Para facilitar a formação de uma película fina de cerca de 10 mm de espessura, previamente uma solução de silicone foi gotejada no porta-amostra. Para protocolos de QA/QC, foi usado o material de referência BCR 142R. Cada amostra foi lida em duplicata durante 300 s. Em todas as baterias de análises, foram incluídos brancos.

O aparelho de TXRF é conectado ao software Spectra, que ao final da análise exibe os espectros e uma tabela com vários parâmetros calculados, entre eles a concentração dos elementos, o limite de detecção (LD) e um indicador (Chi) da qualidade da deconvolução (cálculo matemático que ajusta a intensidade dos picos de cada elemento diminuindo ou mesmo eliminando a sobreposição entre eles). Segundo o manual que acompanha o equipamento, um valor deChi <10 indica que o processo de deconvolução é satisfatório e, nesse caso, os resultados podem ser considerados bons. Após todas as medições, calculou-se o LD médio de cada elemento de interesse, bem como a recuperação do material de referência. Alguns parâmetros técnicos do aparelho de TXRF S2 Picofox™ utilizados são: voltagem 20 kV; corrente 0,602 mA; Anodo Mo; monocromador 17.500 multicamadas; detector de Si; fonte de raios-X tubo de cerâmica metal, resfriado a ar, MCB50-0.7G; alvo de Mo com filamento de W; janela de Be 100 μm; e energia 17,5 keV.

Já para as leituras dos ET em FAAS/GFAAS, as amostras foram digeridas seguindo o método 3051A (USEPA, 1998). Para protocolos de QA/QC, foi usado o material de referência BCR 142R e Montana Soil - NIST SRM 2710a. O LD de cada elemento foi calculado de acordo com a equação preconizada em IUPAC (2014).

Os resultados foram submetidos à análise estatística, estabelecendo-se como fontes de variação o uso do solo (agrícola ou vegetação nativa) e a técnica analítica (TXRF ou FAAS/GFAAS). Quando pertinente, as médias de cada elemento foram comparadas usando-se o teste de Skott-Knott, nível de significância de 5 %, usando-se osoftware Sisvar (Ferreira, 2004). Para verificar se os solos ora estudados estão ou não contaminados com os ET, os resultados médios de cada elemento nas áreas agrícolas e de vegetação nativa foram comparados com dados da literatura (Cetesb, 2005; Payes et al., 2010;Minas Gerais, 2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da recuperação do material de referência BCR142R, os teores de elementos nas amostras em branco, o limite de detecção e a porcentagem de amostras de solos das áreas amostradas em que cada elemento foi detectado são apresentados noquadro 1. Os valores do desvio-padrão dos LDs variaram de 0,00-0,01. Segundo Marguí et al. (2010), o LD, que é o menor valor detectado em razão da intensidade do ruído de fundo, é influenciado pela complexidade da composição da matriz. Quanto mais complexa é a matriz, como solos e sedimentos, maiores tendem a ser o LD (Marguí et al., 2010). Esse fato, além de outros relacionados na literatura (Stosnach, 2005;Tsuji et al., 2012), contribui para que elementos naturalmente presentes em baixas concentrações no solo, como Se, Cd e Hg, não sejam detectados (Quadro 1).

Quadro 1
Percentual de recuperação do material de referência BCR142R, valores do branco, limites de detecção (LD) e porcentagem de amostras em que cada elemento foi detectado por TXRF em amostras de solo coletadas em várias localidades do Estado de Mato Grosso

Segundo Stosnach (2005) e Tsuji et al. (2012), o Cd (linha Kα 23,1 keV) só pode ser detectado pelas linhas energéticas de baixa intensidade (linhas L) quando se usam tubos de raios-X de Mo (linha Kα = 17,5 keV). Em amostras de solo e sedimentos, a linha L desses elementos pode ser parcial ou totalmente sobreposta pelas intensas linhas K do cálcio e potássio presentes na matriz, cujas linhas L são próximas aos valores de energia das linhas L do Cd. A baixa recuperação do Mn no material de referência BCR142 pode ser explicada pelo fato de que a concentração do padrão interno, Ga 1,667 mg kg-1, é muito baixa em comparação aos teores presentes no BCR142R (970 mg kg-1). A literatura recomenda que a concentração do padrão interno deve ser semelhante à concentração dos elementos na amostra (Stosnach, 2005; Tjuii et al., 2012). No entanto, quando se deseja aperfeiçoar as análises e detectar multielementos na amostra, a escolha da concentração do padrão interno é complicada em se tratando de amostras complexas como solo.

Quando se comparam os métodos de quantificação, considerando todas as amostras analisadas, independentemente do uso e local de coleta dessas, os teores dos ET determinados no TXRF foram superiores aos teores determinados em FAAS/GFAAS, exceto o Hg, que não foi detectado por nenhuma das técnicas analíticas utilizadas (Figura 2) e o As, cujos teores foram menores no TXRF. Teores mais elevados pelo TXRF em relação ao FAAS/GFAAS eram previstos, haja vista que o método de digestão (3051A) utilizado para extração dos ET e posterior determinação por FAAS/GFAAS não extrai os teores totais desses no solo, pois não promove a dissolução total da matriz e, portanto, não permite a quantificação dos elementos presos na rede cristalina dos argilominerais presentes no solo, nem tampouco dos elementos que estão na forma de compostos químicos (USEPA, 1998). Teores mais baixos de As no TXRF podem ser explicados pelo fato de que As e Pb produzem espectros Kα em níveis energéticos muito próximos (10,5 e 10,6 keV, respectivamente), o que gera uma interferência espectral mútua quando os dois elementos estão presentes na amostra. Embora o software Spectra seja programado para eliminar essas interferências no processo de deconvolução, segundo Stosnash (2005) a presença de Pb na amostra tende a aumentar o LD do As.

Figura 2
Teores médios de alguns elementos-traço, quantificados por espectrometria de absorção atômica de chama ou forno de grafite (FAAS/GFAAS) e espectrometria de fluorescência de raios-X por reflexão total (TXRF), em solos coletados no Estado de Mato Grosso.

No entanto, embora no geral os teores de ETs no TXRF tenham sido mais elevados que em FAAS/GFAAS, quando se comparam as determinações em FAAS/GFAAS e TXRF considerando o uso e as regiões, os teores de cada elemento (Quadros 2 e 3) são iguais entre si na maioria das vezes: 40, 67, 83, e 79 % dos teores de Cr, Mn, Ni e Cu, respectivamente, e 87 % de Zn, As e Pb. Diferenças nos teores dos ET entre as regiões de coleta das amostras de solo foram mais evidenciadas apenas pelo TXRF, tanto nas áreas cultivadas quanto nas de vegetação nativa. Isto pode ser explicado pelo fato de o processo de digestão das amostras pelo método 3051A promover maior homogeneização dessas. Já no TXRF, no processo de coleta da suspensão de solo, apesar do uso do agitador tipo vórtex, pode ocorrer maior ou menor presença de partículas de solo, aumentando o sinal do elemento e, consequentemente a sua quantificação. No entanto, segundo Kabata-Pendias e Pendias (2011), os teores de ET são muito variáreis no solo, tanto em razão de processos pedogenéticos, fatores de formação do solo ou de ações antropogênicas.

Considerando os valores de referência de qualidade para o Cr, conforme conceituado na Resolução Conama 420/2009 (Brasil, 2009) e já definidos para São Paulo (Cetesb, 2005), Minas Gerais (Minas Gerais, 2011), Espírito Santo (Payes et al., 2010), Rio Grande do Norte (Preston et al., 2014), os teores de Cr determinados por TXRF estão mais elevados em praticamente todas as regiões amostradas, principalmente nas áreas cultivadas, ultrapassando, em alguns locais, os valores de prevenção. Santos e Alleoni (2013)relataram teores de Cr de 39 ± 21 mg kg-1 para os Estados de Mato Grosso e Rondônia, após extração pelo método 3051A (USEPA, 1998).

Para os demais elementos avaliados, os teores determinados por FAAS/GFAAS estão abaixo dos valores de referência relados na literatura: São Paulo (Cetesb, 2005); Minas Gerais (Minas Gerais, 2011); Espírito Santo (Payes et al., 2010); e Rio Grande do Norte (Preston et al., 2014), exceto para o As, cujos teores são mais elevados que os estipulados pela Cetesb (2005), porém mais baixos que em Minas Gerais (2011). Corroborando esses resultados, quando se comparam os resultados do percentil 75 (P 75) e 90 (P 90) dos ET obtidos pela TXRF (Quadro 4) com os valores de referência de ET em solos relatados na literatura (Cetesb, 2005; Payes et al., 2010), verificou-se que os valores obtidos neste estudo são bem distintos daqueles, exceto para o As, em ambos os percentis e Pb, quando se considera o percentil 75.

Quadro 4
Valores dos percentis 75 (P 75) e 90 (P 90) de teores de elementos-traço determinados por espectrometria de fluorescência de raios-X por reflexão total em amostras de solos do Estado de Mato Grosso e valores de referência de qualidade estabelecidos em solos do Espírito Santo e de São Paulo

Comparando-se os resultados dos teores de ET com os valores de prevenção estipulados pela Resolução Conama n° 420/2009 (Brasil, 2009), verificou-se (Quadro 4) que os solos avaliados apresentaram concentrações de Mn, Ni, Zn, Cu, As, Se, Hg e Pb muito abaixo dos valores estabelecidos na legislação. No entanto, notou-se que os teores de Cr ultrapassaram os limites estabelecidos, sendo o caso de se pensar se esses solos estão contaminados com Cr ou se os valores de prevenção estabelecidos para Cr não refletem a realidade para os solos do Estado de Mato Grosso.

Os elementos Se, Hg e Cd não foram detectados no TXRF, não sendo pertinente, portanto, a comparação entre os métodos. No FAAS/GFAAS, os teores médios de Se variaram de <0,03 a 1,63 mg kg-1, enquanto os teores de Cd, de 1,12 a 90 μg kg-1. Razões pelas quais o Cd normalmente não pode ser quantificado por TXRF em aparelhos com tubos de Mo são discutidas por Stosnach (2005) e Tsuji et al. (2012). Com relação ao Se, embora esse elemento tenha sido quantificado adequadamente por TXRF em outras matrizes, Stonasch (2010) e Marguí et al.(2010) relataram que sua determinação em solo é prejudicada por causa das altas concentrações de Fe na matriz. Para minimizar o problema e viabilizar a quantificação de Se, esses autores indicaram um pré-tratamento para isolar o Se e diminuir o efeito da matriz do solo. Nesse sentido, a remoção do Fe de amostras de solo também pode diminuir o LD do Se, permitindo a sua quantificação.

Corroborando com outros estudos em várias matrizes (Olise et al., 2005; Stosnach, 2005; Cinosi et al., 2010; Amberger et al., 2010; Marguí et al., 2010;Alov, 2011; Cataldo, 2012), houve correlação linear positiva entre os teores dos elementos analisados determinados por FAAS/GFAAS e TXRF, sendo os coeficientes de correlação de Pearson, r, (p<0,01) iguais a: Pb (0,7); Cr (0,7); Mn (0,7); Ni (0,5); Cu (0,6); Zn (0,5); e As (0,5). Dessa maneira, o uso de TXRF para determinar esses elementos em amostras de solo para fins de caracterização de contaminação é interessante, haja vista a simplicidade e rapidez no preparo das amostras e ao fato de não serem necessários procedimentos de ataque ácido nas amostras para a extração dos ET. Ressalta-se que um mesmo instrumento de análise pode retornar resultados diferentes de ET, em virtude do método de extração do elemento, conforme se pode constatar no trabalho de Santos e Alleoni (2013). No estudo desses autores, por exemplo, os teores de Pb foram de 15,4 mg kg-1 (água régia) e 8,1 mg kg-1 (3051A).

CONCLUSÕES

A técnica de espectrometria de raios-X por reflexão total usando suspensões de solo se evidenciou adequada para determinar os teores de Cr, Mn, Ni, Cu, Zn, As e Pb em solos, de forma rápida e simples.

Houve correlação linear positiva entre os teores determinados por FAAS/GFAAS e TXRF dos elementos para Pb, Mn, Cr, Ni, Cu, Zn e As.

Não foi possível a determinação de Se e Cd pela técnica de espectrometria de raios-X por reflexão total.

Quadro 2
Teores médios de cromo, níquel, arsênio e chumbo em amostras de solos de áreas cultivadas e de vegetação nativa de várias localidades do Estado de Mato Grosso determinados por espectrometria de absorção atômica de chama (FAAS) e por espectrometria de fluorescência de raios-X por reflexão total (TXRF)
Quadro 3
Teores médios de manganês, cobre e zinco em amostras de solos de áreas cultivadas e de vegetação nativa de várias localidades do Estado de Mato Grosso determinados por espectrometria de absorção atômica de chama (FAAS) e por espectrometria de fluorescência de raios-X por reflexão total (TXRF)

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, à CAPES e à FAPEMIG, pelo suporte financeiro para realizar a pesquisa. À Universidade do Estado de Mato Grosso e à Universidade Federal de Lavras, pelo apoio e pela disponibilização do espaço e dos equipamentos para concretizar este estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2014
  • Aceito
    19 Mar 2015
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