Resumos
Este artigo resulta de Estado da Arte que sistematizou a produção científica em torno do tema da gestão, da autonomia e do funcionamento de órgãos colegiados em escolas da educação básica, entre 2000 e 2008. O levantamento, contendo 753 fontes documentais, foi realizado com base no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, em artigos de periódicos da área de ciências humanas e sociais e em anais de eventos. Após a sistematização das fontes em banco de dados, estas foram agrupadas em quatro categorias centrais. Neste texto, discutem-se os dados quantitativos provenientes dos três tipos de fontes e os focos de interesse das investigações. Procura-se identificar os desenhos metodológicos e os referenciais teóricos adotados por estudiosos de políticas educacionais quando focalizam o tema da gestão escolar
estado da arte; autonomia administrativa; escolas; gestão
This article results of the review of scientific production on the subject of management, autonomy and the operation of collegial organizations within basic school institutions between 2000 and 2008. The survey, was carried on the Capes dissertation database, on Human Sciences periodicasl and on the historical records of events. A database of 753 source documents grouped into four basic categories was constructed. This paper discusses the quantitative data from the three types of sources and the main concerns of the researches. It aims to identify the methodological designs and the theoretical references adopted by educational policy experts regarding school management
state of the art; school autonomy; schools; management
OUTROS TEMAS
Estado da arte: gestão, autonomia da escola e órgãos colegiados (2000/2008)
State of the art: management, school autonomy and collegial organizations (2000/2008)
Angela Maria NartinsI; Vandré Gomes da SilvaII
IPesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade da Cidade de São Paulo amartins@fcc.org.br
IIPesquisador do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas vgomes@fcc.org.br
RESUMO
Este artigo resulta de Estado da Arte que sistematizou a produção científica em torno do tema da gestão, da autonomia e do funcionamento de órgãos colegiados em escolas da educação básica, entre 2000 e 2008. O levantamento, contendo 753 fontes documentais, foi realizado com base no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, em artigos de periódicos da área de ciências humanas e sociais e em anais de eventos. Após a sistematização das fontes em banco de dados, estas foram agrupadas em quatro categorias centrais. Neste texto, discutem-se os dados quantitativos provenientes dos três tipos de fontes e os focos de interesse das investigações. Procura-se identificar os desenhos metodológicos e os referenciais teóricos adotados por estudiosos de políticas educacionais quando focalizam o tema da gestão escolar.
Palavras-chave: estado da arte, autonomia administrativa, escolas, gestão
ABSTRACT
This article results of the review of scientific production on the subject of management, autonomy and the operation of collegial organizations within basic school institutions between 2000 and 2008. The survey, was carried on the Capes dissertation database, on Human Sciences periodicasl and on the historical records of events. A database of 753 source documents grouped into four basic categories was constructed. This paper discusses the quantitative data from the three types of sources and the main concerns of the researches. It aims to identify the methodological designs and the theoretical references adopted by educational policy experts regarding school management.
Keywords: state of the art, school autonomy, schools, management
A ÁREA DA EDUCAÇÃO no Brasil tem-se dedicado, sobretudo a partir dos anos de 1980, a debater problemas que afetam a gestão e a autonomia das escolas públicas e o papel dos órgãos colegiados nesse processo. De modo geral, são discutidas as seguintes questões: a gestão da escola e o processo de construção da sua autonomia pedagógica, financeira e administrativa; as relações das escolas com os órgãos centrais; as relações entre direção, pais, docentes e alunos; o funcionamento dos órgãos colegiados; as parcerias entre o setor público e privado lucrativo e não lucrativo; as avaliações em larga escala e seus possíveis desdobramentos na gestão escolar.
Assim, este Estado da Arte1 1 O Estado da Arte tomou como recorte a gestão da escola pública. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado São Paulo - Fapesp -, foi realizado pelo Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas e coordenado por Angela Maria Martins. Participaram do estudo, como pesquisadores convidados, os professores Dr. Cleiton de Oliveira, da Universidade Metodista de Piracicaba - Unimep - e Dr. Donaldo Bello de Souza, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Participaram como documentalistas Valéria Virgínia Lopes, Vandré Gomes da Silva e Marialva Rossi Tavares. Agradecemos a Maria da Graça Vieira pelo suporte na organização do banco de dados e a Miriam Bizzocchi pela sistematização dos dados estatísticos. sistematizou a produção científica realizada entre 2000-2008, com vistas a contribuir para a divulgação dos trabalhos de estudiosos brasileiros e articular possíveis integrações entre os grupos de pesquisa que se dedicam a refletir sobre as questões que afetam a gestão escolar. Estruturou-se um banco de dados, com 753 fontes documentais2 2 Disponível no site da Fundação Carlos Chagas ( www.fcc.org.br). . O levantamento permitiu sistematizar os estudos com a preocupação de mapear: quais regiões do país concentram maior número de estudos sobre o tema? quais os focos de interesses das investigações? em torno de que categorias essas pesquisas poderiam ser agrupadas? que estudos predominam: empíricos ou teóricos? quais as perspectivas metodológicas utilizadas e que procedimentos são adotados?
Tomou-se como referência estudo anterior, coordenado por Wittmann e Gracindo (2001), que congregou 21 pesquisadores e levantou relatórios de pesquisas, livros e artigos, compreendendo 922 trabalhos, finalizados no período de 1991 a 1997. Dos documentos sistematizados, 134 examinavam a gestão da escola pública, constituindo a terceira maior temática do levantamento. Esse Estado da Arte já apontava, portanto, a importância que o tema tem ganhado no cômputo das investigações sobre políticas educacionais.
PROCEDIMENTOS DA COLETA
O levantamento foi realizado mediante utilização do banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes -, seleção de artigos de periódicos da área de ciências humanas e sociais classificados pelo Qualis/Capes, e anais científicos das reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - Anped - e da Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação - Anpae. As fontes foram organizadas em base de dados, mediante utilização do programa Winisis, disponibilizado gratuitamente pela Unesco, com base nas seguintes palavras de acesso: gestão; gestão escolar; gestão democrática; direção de escola; administração escolar; autonomia; autonomia escolar; financiamento escolar; projeto pedagógico; projeto polfítico-pedagógico; conselhos escolares; participação dos pais.
A pesquisa das dissertações e teses realizou-se exclusivamente em meio eletrônico (internet), cobrindo o período compreendido entre os anos 2000 e 2008, e resultou em um total de 406 trabalhos catalogados. Segundo descrição do órgão3 3 Disponível em http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp; acesso em: 2 nov.2009. , essa ferramenta abarca "resumos de mais de 366 mil teses e dissertações defendidas em instituições brasileiras a partir de 1987". O banco de teses e dissertações da Capes permite uma pesquisa diversificada e/ou alternativa por autor, assunto e instituição e oferece como filtros de busca o ano da defesa dos trabalhos e seu nível/modalidade (mestrado, doutorado ou profissionalizante). O levantamento partiu da utilização do campo referente ao assunto - especificado no item "todas as palavras"4 4 Os termos de pesquisa "autor", "assunto" e "instituição" permitem além da especificação denominada "todas as palavras", as opções "qualquer uma das palavras" e "expressão exata". Nossa opção pela especificação mencionada se deu em razão da enorme amplitude ou do recorte notadamente excludente dessas outras especificações, tendo em vista um levantamento mais preciso dos trabalhos pertinentes ao foco da pesquisa. - tendo como filtro o ano de defesa (a partir de 2000).
Alguns dos trabalhos selecionados não dispunham de determinadas informações importantes ou mesmo fundamentais como: resumo, área de conhecimento, palavras-chave, paginação. Vale ainda a ressalva de que as informações disponibilizadas são de responsabilidade das instituições que coordenam os programas de pós-graduação e não da própria Capes. Adotou-se também um segundo procedimento: o levantamento dos grupos de pesquisa relacionados ao tema do estudo e seus respectivos membros na condição de orientadores de teses e dissertações de programas de pós-graduação avaliados pela Capes. Foram acessados os currículos desses pesquisadores, disponíveis na Plataforma Lattes5 5 Disponível em http://lattes.cnpq.br., acesso em: 13 nov.2009. , e confrontadas as dissertações e teses, declaradas por seus orientadores e de potencial interesse para a pesquisa, com os trabalhos que já haviam sido selecionados. Nos casos daqueles ainda não identificados, procedeu-se a nova busca no banco de dados da Capes, agora pelo nome do autor.
Os critérios para a localização de artigos em periódicos foram definidos a partir do seguinte conjunto de filtros: periódicos classificados pelo Qualis/Capes como A1, A2, B1 e B2, conforme a Deliberação do Conselho Técnico Científico - CTC - em 16 e 17/4/2008, e outros que a Capes6 6 Disponível em http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp.; acesso em: 7 mar.2009. considera como "de interesse para o Portal"; periódicos em bases eletrônicas: Scientific Electronic Library On-Line - Scielo7 7 Disponível em www.scielo.org/php/index.php?lang=en.; acesso em: 12 dez.2009. ; Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia/Ministério da Ciência e Tecnologia - IBICT/MCT8 8 Disponível em www.ibict.br/secao.php?cat=Biblioteca%20Digital%20Brasileira; acesso em: 18 dez. 2009. ; Centro de Recursos Documentais e Informáticos da Organização dos Estados Iberoamericanos - Credi/OEI9 9 Disponível em www.oei.es/bibliotecadigital.php; acesso em: 18 nov.2009. ; Bibliografia Brasileira de Educação - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - BBE/Inep10 10 Disponível em www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/default.asp; acesso em: 13 set.2009. ; periódicos impressos do acervo das bibliotecas da Fundação Carlos Chagas, das Faculdades de Educação da Universidade de São Paulo - USP - , da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
Foram consultados 107 títulos de periódicos acadêmicos de todo o Brasil nas áreas da Educação, Administração Pública, das Ciências Sociais e Políticas e da Comunicação, e selecionados apenas 45 nos quais os artigos se concentravam. Os periódicos foram consultados integralmente, ou seja, todos os sumários foram examinados, ano a ano e, em seguida, coletados os artigos para leitura e análise.
O levantamento dos trabalhos publicados em anais de eventos científicos concentrou-se exclusivamente nos eventos promovidos pela Anped e pela Anpae, por serem aqueles realizados em âmbito nacional. Neste último caso, examinaram-se os Anais dos Simpósios Brasileiros de Política e Administração da Educação disponíveis em CD-ROM e realizados em 2001, 2005 e 200711 11 O 21º Simpósio brasileiro: produção do conhecimento em política e gestão da educação e o 3º Congresso luso-brasileiro: espaço público e gestão da educação: desafios de um novo tempo, realizados em Recife, em 2003, não divulgaram os trabalhos na forma de CD-ROM, portanto, não integraram o levantamento. . Quanto aos Anais das Reuniões anuais da Anped, foram examinados os trabalhos que versavam sobre o tema da 23ª à 31ª reunião, com foco no Grupo de Trabalho Estado e Política Educacional, via internet12 12 Disponível em: www.anped.org.br/reunioes/23/23reuan.htm; acesso em: 21 nov.2009. .
Procedeu-se então à análise de conteúdo do material selecionado. O procedimento implica um conjunto de técnicas que analisam as comunicações procurando obter indicadores que permitam inferências sobre o conteúdo, constituindo uma "operação lógica pela qual se admite uma proposição em virtude de sua ligação com outras proposições, já aceitas como verdadeiras", conforme aponta Bardin (1994, p.39). De acordo com a autora, ainda, "fazer uma análise temática consiste em observar os 'núcleos de sentido' que compõem a comunicação, e cuja presença ou frequência de aparição poderá significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido" (Bardin, 1994, p.105). A partir daí, realizou-se a classificação inicial dos dados e, em seguida, sua organização e seu mapeamento.
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DOCUMENTAIS
Embora as categorias geradas da leitura do material sejam as mesmas para os três tipos de fontes pesquisadas, houve necessidade de uma descrição diferenciada e pormenorizada dos conteúdos de cada fonte documental, tendo em vista as suas especificidades. No caso das teses e dissertações, por exemplo, o acesso se dá apenas com base nos resumos do banco da Capes, muitos dos quais com problemas de precisão de informações, quiçá decorrentes do processo de sua migração das secretarias de pós-graduação para a própria plataforma da agência. No que diz respeito aos artigos e anais dos eventos, procedeu-se à leitura na íntegra de todas as fontes. Entretanto, mesmo assim, estes também são documentos que possuem características diferentes entre si, o que se verificou ao longo da pesquisa, exigindo atenção diferenciada na análise.
A composição final das categorias procurou observar não apenas as distinções identificadas nos trabalhos, como o foco de interesse declarado, mas também os termos empregados nos descritores e/ou palavras-chaves e no corpo do texto. Não raro, no campo educacional, e especificamente nas abordagens voltadas aos estudos sobre gestão e organização escolar, verifica-se que diversos termos podem se referir a um mesmo objeto de análise, como "projeto pedagógico" e "planejamento educacional". Em sentido oposto, constata-se a utilização de termos comuns cujos significados podem variar bastante como "gestão democrática" e "autonomia escolar".
Embora a atividade de classificação estivesse atenta ao que se apresentava como objeto explícito de análise nos trabalhos, procurou-se considerar também certas terminologias utilizadas que pudessem fornecer uma ideia geral da tendência dos estudos. Assim, foram considerados os termos empregados pelo autor, preferencialmente e, em seguida, o grau de especificação metodológica, os referenciais teóricos utilizados e a abrangência das informações disponíveis nos trabalhos - o que, no caso das teses e dissertações, evidenciou um limite claro, tendo em vista tratar-se de resumos.
Eventualmente, alguns estudos poderiam ser classificados simultaneamente (com base em seus conteúdos descritivos) em diferentes categorias pela abrangência de assuntos e temas ou por sua abordagem superficial. As unidades de registro dos trabalhos foram organizadas a partir do agrupamento dos assuntos e abordagens inerentes à temática em questão. Em suma, sofreram modificações e foram aperfeiçoadas durante o próprio processo de classificação conforme as especificidades de cada fonte documental, a utilização e o sentido de termos recorrentes, os objetos de estudo e focos de interesse. A seguir, são descritas as quatro categorias centrais comuns às diversas fontes documentais.
1ª CATEGORIA: ESPAÇOS E CANAIS DE PARTICIPAÇÃO INTRAESCOLAR
Respeitando a diversidade de abordagens metodológicas, as pesquisas agregadas na primeira categoria expressam claramente a preocupação de examinar os órgãos colegiados, emergindo de estudos que têm como foco de interesse os espaços institucionalizados de representação dentro das escolas, isto é, os órgãos colegiados de professores, alunos e pais, tais como os conselhos e/ou colegiados escolares, as Associações de Pais e Mestres - APMs -, os Conselhos de Classe e o Grêmio Estudantil.
2ª CATEGORIA: RELAÇÕES E PRÁTICAS INTRAESCOLARES
Na segunda categoria, encontram-se estudos que analisam como ocorrem os processos interativos no espaço escolar, com ênfase na visão de atores sobre: a construção do projeto político-pedagógico - PPP; o planejamento educacional (planejamento estratégico; constituinte escolar; instrumentos de planejamento; planejamento docente; incidência da ação supervisora sobre o planejamento docente); os processos de gestão (mudanças/permanências na organização e na cultura escolar); a participação de alunos, pais e professores nos processos de elaboração do projeto político-pedagógico, nas reuniões coletivas, nos espaços internos de deliberação sobre o plano da escola e demais formas de planejamento escolar; as novas práticas de gestão; os usos da avaliação como instrumento de gestão; a avaliação na visão dos atores escolares (pais, alunos, professores, diretores); autonomia escolar e clima organizacional; conflitos administrativos e pedagógicos; as questões que afetam a qualidade de ensino, sobretudo as que envolvem o sucesso e a evasão escolar; a gestão democrática; os processos decisórios; as concepções e as estratégias de comunicação; as formas de atuação das equipes de gestão ou do gestor.
3ª CATEGORIA: POLÍTICAS, PROGRAMAS E PROJETOS GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS
Na terceira categoria, encontram-se pesquisas que tratam claramente de estudos na área de políticas educacionais, que analisam programas e projetos de governo e que discutem: formas de provimento do cargo de direção (eleição/nomeação/concurso); geração, controle e descentralização de recursos; o Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE; o Programa Nova Escola; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - Fundef; programas pertencentes ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE -, também apoiados com financiamento do Banco Mundial - BM; Programa de Repasse de Recursos Financeiros às Escolas Municipais - PDRF; a relação custo-aluno e o custo indireto da educação; as medidas de organização pedagógica e administrativa (correção do fluxo dos sistemas/ciclos/progressão escolar) escola em tempo integral; escola fundamental de nove anos; o Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE - e o Projeto de Adequação dos Prédios Escolares - Pape -; o Programa de Apoio às Inovações Educacionais - Paie -; educação inclusiva; relação entre escola e demais conselhos da sociedade civil; formação e capacitação de gestores (propostas/programas/cursos de formação inicial e/ou continuada; propostas curriculares); parcerias com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - Oscips; parceria escola-empresa; voluntariado; parcerias com ONGs; cooperativas de ensino; análise do conjunto legal e normativo; análise de contexto político; processos de descentralização, municipalização e reformas de ensino; reflexos da política macroeconômica nas reformas da educação; análise de pressupostos que embasam as políticas educacionais (qualidade; responsabilização da gestão); opinião de dirigentes de sistemas de ensino sobre a avaliação institucional; participação da comunidade na avaliação institucional; fatores associados ao desempenho escolar; perfis de gestão com base em modelos de avaliação.
4ª CATEGORIA: TEORIAS E CONCEITOS
Na quarta categoria, situam-se estudos de caráter argumentativo que discutem concepções de participação, autonomia, administração, modelos de gestão e da função social da escola; concepções de direção de escola; contribuições das ciências humanas e sociais para a gestão educacional; concepções de formação do gestor; Estados da Arte.
ANÁLISE QUANTITATIVA DOS DADOS
Como aponta o gráfico 1, predominam as teses e dissertações como fonte (54%), em relação aos artigos (29%) e anais (17%).
Do total de documentos pesquisados, conforme indica a tabela 1, a maior parte foi classificada na categoria 3, totalizando 321 trabalhos (43%), número muito próximo dos documentos classificados na categoria 2, compreendendo 310 (41%) trabalhos.
As categorias 1 e 4 são as que apresentam menor número de trabalhos, respectivamente, 11% e 5% dos documentos. Ressalte-se que na categoria 4 predominam os artigos, em detrimento de trabalhos em anais de congressos científicos, cujos eventos são fortemente marcados pela divulgação de resultados de pesquisas que se debruçam sobre dados empíricos.
As categorias 1 e 4 são as que apresentam menor número de trabalhos, respectivamente, 11% e 5% dos documentos. Ressalte-se que na categoria 4 predominam os artigos, em detrimento de trabalhos em anais de congressos científicos, cujos eventos são fortemente marcados pela divulgação de resultados de pesquisas que se debruçam sobre dados empíricos.
Muitos dos artigos aparentam ser adaptações de capítulos teóricos de teses e dissertações de mestrado, evidenciando a liberdade autoral de destacar aspectos de caráter preponderantemente conceitual e/ou argumentativo, normalmente publicados isoladamente em periódicos - ou mesmo como capítulos de livros -, mas não em forma de anais. Os eventos, com raras exceções, não aceitam trabalhos de cunho ensaístico ou argumentativo, solicitando que os associados apresentem resultados de pesquisas (preferencialmente concluídas), ou relatos de experiência (esta última modalidade apenas no caso da Anpae).
Na categoria 4, as teses e dissertações de caráter exclusivamente teórico e conceitual somam apenas 12 trabalhos (3%) - tendo em vista o universo significativamente maior de que fazem parte - o que reforça a evidência, nesse tipo de fonte documental, do caráter preponderante de investigações realizadas com base em dados empíricos.
Dentro das especificidades de cada categoria, os conteúdos variam bastante conforme a fonte documental. Na categoria 3, por exemplo, que se refere a políticas e programas, mais da metade da produção encontra-se em artigos de periódicos (58%), provavelmente tendo em vista a necessidade de rápida divulgação de temas atuais da política educacional diretamente relacionados à autonomia e cotidiano de unidades escolares. Esse fato pode ter a ver com os critérios de avaliação dos programas de pós-graduação adotados pela Capes, que tem ampliado substancialmente o peso da divulgação da produção docente e discente em periódicos no cômputo geral da nota que lhes é atribuída.
Já o maior número de trabalhos em anais de congressos científicos se encontra na categoria 2 (61%), fruto de pesquisas empíricas em parte também oriundas de teses e dissertações.
Como aponta a tabela 2, verifica-se de maneira geral um aumento crescente da produção segundo a fonte documental, ainda que se identifiquem algumas oscilações, sobretudo nos anais. Entretanto, a diferença de 8 trabalhos verificada entre 2001 e 2002 parece ser residual, pois em 2008 não foi realizado o simpósio da Anpae -, evento responsável pela publicação do maior número de trabalhos em anais referentes à temática, o que explica a inexistência, nesse ano, de trabalhos selecionados nessa fonte. Destoa, ainda, a elevada produção de trabalhos, 162 (22%), observada em 2007, superando em muito o ano anterior. Sem dúvida, um dos fatores determinantes foi o número atípico de publicações em anais naquele ano, 77 (48%), consequência do maior encontro até então realizado pela Anpae, ocorrido na cidade de Porto Alegre. De todo modo, a tendência de aumento do número de trabalhos no intervalo 2000-2008 acompanha o crescimento do número de programas de pós-graduação em educação e a consequente ampliação e consolidação de congressos científicos voltados à discussão e análise da temática. Segundo a Capes13 13 Disponível em: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/Projeto RelacaoCursosServlet?acao= pesquisarArea&codigo GrandeArea=70000000&de scricaoGrandeArea=CI%CANCIAS+HUMANAS+; acesso em: 17 fev.2010. , dos atuais 98 programas de pós-graduação em educação, 44 deles estão localizados na Região Sudeste, seguidos pelos da Região Sul com 27, Nordeste com 12, Centro Oeste com 11 e, por fim, os da região Norte, com o diminuto número de quatro programas.
Em relação à distribuição geográfica dos documentos, conforme aponta a tabela 3, constata-se a forte predominância da região Sudeste, com 352 trabalhos (47%) e elevada produção de teses e dissertações. Destaca-se também a produção da Região Sul com 180 trabalhos (24%), embora ela concentre grande número de textos publicados em anais (77) a maior parte deles apresentados em um único congresso, da Anpae/2007. A Região Nordeste é a que ocupa a segunda posição quanto à produção de teses e dissertações.
PANORAMA GERAL DAS PESQUISAS
As perspectivas de investigação que se ocupam prioritariamente da análise do cenário político e econômico internacional, nacional, regional ou local com vistas a discutir a agenda de governo para a área da educação são fundamentais para a construção de um campo crítico de debates. Examinam documentos e fontes oficiais, o conjunto normativo-legal, as orientações das reformas educacionais, as diretrizes de programas e projetos que interferem diretamente nas unidades escolares e/ou enfatizam os macrocondicionantes políticos, sociais, demográficos, históricos que impactam a formulação das diretrizes de governo e os processos de implementação14 14 Parte desta argumentação encontra-se em Martins (2010). .
Em alguns estudos, esses condicionantes são analisados como influências diretas nas propostas adotadas por inúmeros governos para as reformas do ensino. Em outros, aparecem como horizonte teórico para analisar políticas regionais e locais que adotam determinadas diretrizes, programas e projetos, tendo em vista o contexto de inserção do país no cenário internacional. Esse escopo de investigação aparece, neste Estado da Arte, predominantemente nos artigos em periódicos, provavelmente, pela liberdade que os autores têm para realizar discussões de ordem conceitual ou argumentativa deixando em segundo plano a apresentação de resultados de estudos de campo.
As pesquisas se debruçam tanto sobre as opções políticas que norteiam a formulação das agendas de governo quanto sobre a análise específica de programas e projetos públicos governamentais e de processos de parcerias entre o setor público e o setor privado lucrativo e não lucrativo, o que inclui experiências pontuais de escolas cooperativas e similares. Essa pluralidade identificada nas perspectivas de abordagem provavelmente é devida à consolidação de uma tendência analisada por estudiosos da área de políticas públicas.
A história dos estudos de política educacional está relacionada à teoria das escolhas racionais com vistas a melhorar os serviços públicos e estatais, sobretudo no período pós Segunda Guerra Mundial, em que as teorias do capital humano e os princípios das democracias liberais definiam os caminhos a serem desenhados pelas investigações. A visão utópica das possibilidades da educação e os equívocos que cercavam a noção racional e linear da política - quando se acreditava que as ações e programas de governo seriam desenvolvidos da maneira como haviam sido formulados, promovendo o progresso social - deram lugar a um pessimismo generalizado e a uma visão crítica sobre as contribuições da educação para a constituição de sociedades mais justas e desenvolvidas.
Contudo, as investigações encetadas após os anos de 1990 reacenderam o debate sobre a necessidade de analisar a implementação de políticas públicas de educação, colocando no centro das preocupações, novamente, a ideia da igualdade e de como a educação pode ser promotora de equidade social. Muitas dessas investigações passam a preocupar-se com a análise e discussão das práticas e posturas profissionais democráticas, presentes ou não, nas escolas.
Ao que tudo indica, os estudos que utilizam abordagens de pesquisas de políticas educacionais que integram enfoques diversos têm crescido, o que permite desvendar, em parte, tanto o discurso oficial quanto o que ocorre efetivamente nas redes de ensino, no espaço escolar e nas interações dos profissionais que neles atuam, bem como a maneira pela qual essas práticas afetam a implementação dos programas de governo. A tênue linha que separa essas duas perspectivas de abordagem dificultou a classificação de boa parte dos trabalhos agrupados nas categorias "Políticas, programas e projetos governamentais e não governamentais" e "Relações e práticas intraescolares".
Esta última tendência tem-se expandido nos últimos anos, com a ampliação dos uso de perspectivas metodológicas e de técnicas de pesquisa construídas no campo das ciências sociais e humanas. Elas incorporam os procedimentos de campo originados na Antropologia e/ou na Sociologia, tais como a realização de observações (participantes ou não), entrevistas semiestruturadas e de aprofundamento, painéis de entrevistas e/ou de dinâmicas de grupo e de grupos focais, dentre outros, aliados à análise de documentos oficiais e medidas legais (Martins, 2010). Muito embora tais procedimentos possam constituir uma possibilidade mais flexível de investigação na área, o que se verifica é a presença maciça e praticamente exclusiva desse tipo de instrumental qualitativo de pesquisa em detrimento de investigações que lancem mão de amostras estatisticamente representativas, em especial voltadas à gestão e autonomia escolar.
Nesses termos, o campo de estudos de políticas educacionais no Brasil ressente-se ainda de investigações que tenham maior abrangência, permitindo analisar questões que afetam as redes de escolas em estudos longitudinais. Não raro, as pesquisas têm-se debruçado sobre programas de governo em um período delimitado de duração, aliado ao fato de que muitas das análises de políticas publicadas em periódicos acadêmicos da área, como os que pudemos verificar no Estado da Arte, "tem-se detido apenas na sua formulação, limitando-se a discutir a validade social de seus pressupostos" (Barretto, 2009, p.503).
Verificou-se que há predominância de trabalhos que têm em comum a utilização de abordagens metodológicas de caráter qualitativo como "estudos de caso" e correlatos. Foi possível, ainda, constatar: técnicas confundidas com opções metodológicas; diferentes perspectivas metodológicas reunidas num único estudo; diversas técnicas de coletas de dados aplicadas a diferentes atores escolares (pais, alunos, professores, direção, coordenação) sem nenhuma explicitação acerca dos cruzamentos realizados, o que nos leva a inferir que os dados foram analisados de forma desagregada, fragilizando as análises.
Não se pode deixar de considerar, contudo, que as perspectivas teóricas de análise e as visões coincidentes encontradas nos estudos - aliadas à homogeneidade das abordagens qualitativas - podem ser devidas ao conjunto de fatores que configuram o escopo dos programas de pós-graduação. Nesse sentido, 84% dos trabalhos analisados no período dizem respeito a dissertações de mestrado, realizadas sem financiamento ou mediante a concessão de bolsas individuais de agências de fomento e de Secretarias de Educação.
Tais características não favorecem a implementação de estudos quantitativos e/ou qualitativos com desenhos metodológicos mais substantivos, o que vem gerando, ao que tudo indica, a prevalência de estudos de caso sem considerações mais balizadas acerca das questões que afetam a gestão e autonomia da escola pública. Com efeito, a realização de surveys e/ou de pesquisas qualitativas que envolvem grande número de sujeitos depende da destinação de recursos por agências (governamentais ou não, de fomento, que definem áreas de interesse para investimento e desenvolvimento científico), e/ou da demanda dos próprios órgãos centrais interessados em verificar o alcance de suas ações, geralmente, com vistas a acentuar acertos e descartar problemas e equívocos.
De certa forma, a pequena incidência de pesquisas realizadas a partir de um recorte quantitativo e/ou com um escopo mais abrangente se converte em elemento importante para a compreensão de diversos trabalhos postos na categoria "Relações e práticas intraescolares". Algumas dessas pesquisas possuem foco difuso, e não esclarecem exatamente como as políticas afetam as redes de escolas e/ou como estas agem e reagem diante do conjunto legal e normativo. Os textos apresentam intenções genéricas de analisar o que ocorre no espaço escolar, no relacionamento entre direção, coordenação pedagógica, pais, alunos e professores e/ou entre as unidades e os órgãos centrais do Ministério e de Secretarias de Educação (estaduais e municipais). Em suma, são investigações que buscam examinar os denominados processos interativos entre os diversos segmentos profissionais e o fluxo de comunicação entre os diferentes níveis de implementação das políticas, sem explicitar claramente os caminhos metodológicos, os procedimentos de pesquisa e/ou os referenciais teóricos que sustentam o trabalho.
No que tange aos estudos agrupados nas categorias "Espaços e canais de participação intraescolar" e "Teorias e Conceitos", há maior explicitação do objeto, pois se trata de pesquisas que se debruçam sobre o funcionamento dos órgãos colegiados escolares de representação, no primeiro caso, e de cunho argumentativo, no segundo. Chama atenção, entretanto, o diminuto interesse dos estudos na análise das instâncias de representação e participação institucionalizadas nas escolas - consolidadas após intenso processo de reivindicações e negociações instaurado com o fim do regime militar - e seu impacto na gestão, amparado por amplo conjunto jurídico-normativo preconizado no âmbito federal e nas diferentes esferas estaduais e municipais.
Dos 753 trabalhos catalogados, apenas 85 se detiveram na análise dos órgãos colegiados, canais legítimos de representação, participação e espaços de negociações que, pressupõe-se, deveriam constituir o principal mecanismo de gestão escolar participativa. De modo geral, as pesquisas se resumem em constatar que esses órgãos não sustentam práticas democráticas no espaço intraescolar e são manipulados por diversos interesses, sem especificar de que forma os grupos e subgrupos de interesse se relacionam e/ou negociam internamente "perdas e ganhos" quando submetidos a programas e projetos de governos que se sucedem.
Há também algumas pesquisas divulgadas em artigos de periódicos, realizadas com incentivos de órgãos governamentais, que assumem um aspecto normativo. Conforme analisa Melo (1999), existe certa tendência entre os estudos de políticas públicas de forte aproximação da agenda de pesquisa com a própria agenda política em vista da sua proximidade de órgãos governamentais e/ou da dependência direta de recursos para realização de pesquisas que avaliam programas, do que resulta, muitas vezes, a mera atualização de dados e informações quando tais programas não são substituídos nas mudanças de escalão do Poder Executivo. Essa proximidade não é tão evidente no tratamento de outros temas no campo das ciências sociais e humanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De forma geral, o conjunto das produções tem como traço característico um discurso bastante homogêneo, não só pela recorrência a determinados termos e conceitos como pela coincidência de abordagens e perspectivas de análise. Assinale-se que o próprio conceito de autonomia, em alguns casos, é apresentado não tanto como categoria de análise, mas antes como objeto empírico passível de simples verificação. A polissemia do termo "gestão democrática" levou parte das pesquisas analisadas a confundir o tema com o próprio objeto de pesquisa.
Descrever ou mesmo afirmar que uma dada unidade escolar possui ou não uma "gestão democrática" não significa necessariamente ter descoberto ou comprovado características reais inerentes a determinada escola; antes, haveria a necessidade de interpretá-las como base em certas condições históricas, territoriais, culturais, de classe ou grupo social. Na medida em que um termo como esse é socialmente construído, ganha relevo o modo pelo qual se estabelece a relação entre os sujeitos - o que inclui, evidentemente, a figura do pesquisador - e aquilo que é conceituado e qualificado. Não se trata, portanto, de uma propriedade a ser identificada e apreendida na realidade, mas de um ajuizamento de valor com base na concepção que se tem de "gestão democrática", assim como de outros conceitos recorrentes no campo de estudos voltados à gestão e organização escolar.
A "gestão democrática" não constitui propriamente um objeto de investigação empírica, mas algo semelhante ao que Charlot (2000) chama de atrativo ideológico na análise que realiza sobre a expressão "fracasso escolar". As percepções tão comuns que atestam um evidente "fracasso escolar" ou a inequívoca presença ou ausência de uma "gestão democrática" assumem o papel de "categorias imediatas de percepção da realidade social". Sua condição de objeto de discurso adquire enorme peso social e midiático, uma vez que esses atrativos "são portadores de múltiplos desafios profissionais, identitários, econômicos, sociopolíticos" (Charlot, 2000, p. 14).
Nessas condições, é razoável não tomar a noção de "gestão democrática" como um termo autoexplicativo, porque sobre ela repousam muitos e diversos significados e a possibilidade da criação de outros mais. Contudo, o que ocorre parece ser justamente o contrário, como se vê pela reiterada utilização de expressões como essa no campo educacional - e, de forma especial, na própria produção acadêmica em torno da gestão escolar - como se fossem simples slogans educacionais esvaziados de significado ou maiores pretensões descritivas15 15 Em educação, os slogans proporcionam símbolos que unificam ideias e atitudeschave dos movimentos educacionais. Exprimem e promovem, ao mesmo tempo, a coamunidade de espírito, atraindo novos aderentes e fornecendo confiança e firmeza aos veteranos. Com o decorrer do tempo, entretanto, muitas vezes os slogans passam a progressivamente a ser interpretados de maneira mais literal, tanto pelos aderentes como pelos críticos dos movimentos que eles representam. Passa-se a considerá-los cada vez mais como argumentos ou doutrinas literais, e não mais simplesmente como símbolos unificantes (Scheffler, 1974, p. 46-47). . Conforme analisa Ozga (2000), ao discutir a produção científica na área das políticas educacionais, a transformação de teorias em slogan ocorre em razão da pouca permeabilidade desse campo de investigação diante do pensamento constituído no âmbito das demais ciências sociais e humanas, o que pode comprometer boa parte das análises até agora realizadas. Embora esse panorama venha sendo modificado gradativamente no cenário contemporâneo, ainda perduram os usos das teorias como peças de encaixe para sustentação de pontos de vista que não encontram respaldo na realidade das redes de escolas.
Não raro, conforme se verificou, a gestão da escola costuma ser tratada como reflexo imediato do contexto político, econômico e cultural mais amplo. Determinados referenciais teóricos - oriundos do pensamento forjado nas ciências sociais - são tomados como horizonte de análise, em alguns casos, para a explicação de todos os aspectos que dizem respeito à gestão de unidades escolares, desconsiderando a especificidade do próprio objeto de estudo. Assim, nem sempre se esclarece até que ponto determinadas correntes teóricas e/ou pensadores citados nas fontes analisadas - tais como Gramsci, Althusser, Heller, Habermas, Morin, Foucault, apenas para citar alguns - sustentam análises que permitam desvendar a gestão escolar e as relações que ali se estabelecem.
Nesses termos, não foram poucos os trabalhos catalogados no Estado da Arte que se apresentam distantes da concretude do espaço escolar e de suas peculiaridades, lançando mão de teorias gerais, em sua maioria importadas acriticamente das ciências sociais, ou mesmo de suas contrafações, principalmente em relação à produção discente analisada. Esse "abstracionismo pedagógico" pode consistir
...na veleidade de descrever, explicar ou compreender situações educacionais reais, desconsiderando as determinações específicas de sua concretude, para ater-se apenas a "princípios" ou "leis" gerais que, na sua abrangência abstrata, seriam aparentemente suficientes para dar conta das situações focalizadas. (Azanha, 1992, P.42)
O uso do termo "gestão democrática" aparece, em parte dos estudos, de forma vaga e difusa, tomado como critério inequívoco para se atestar ou discutir o valor de uma educação escolar, sua pertinência ou qualidade. Sob essas condições, ele se converte em exemplo de como um princípio legítimo forjado no escopo legal e pertinente à pesquisa educacional pode, em sua formulação abstrata, perder de vista uma realidade investigada. Sob a verificação da ausência de gestão democrática - objetivada ou reduzida a certo tratamento genérico de "eleições de diretores escolares", de "participação da comunidade", de "participação de alunos" ou do "estabelecimento de relações horizontais na escola", para citar alguns exemplos - não se deve desprezar a importância de relacionar a gestão e o trabalho escolar a certos fins escolares e a alguns de seus resultados observáveis.
A tendência de localizar determinados fatos e circunstâncias escolares como elementos que se prestam apenas a corroborar teorias e categorias gerais de análise foi inversamente proporcional à parca relação estabelecida entre a gestão escolar e determinados dados escolares objetivados, por exemplo, no desempenho de alunos em avaliações de larga escala das unidades escolares pesquisadas, no fluxo escolar e nas características socioeconômicas de alunos e suas famílias. Esses dados costumam ser documentados nas escolas e deveriam ser articulados a mecanismos de efetivação de uma gestão que se quer democrática.
Entretanto, não se pode desconsiderar que professores, diretores e alunos são construtores de políticas, pois influenciam fortemente a interpretação que se faz das diretrizes e dos programas governamentais ao decidirem aceitá-las, modificá-las ou traduzi-las para o cotidiano de trabalho, com todas as peculiaridades, possibilidades e limites que configuram as redes de ensino. Nesse sentido, as correlações entre aspectos do cotidiano escolar e as relações de poder nele estabelecidas também são de extrema importância e não podem ser desprezadas.
Assim, o período histórico examinado (2000-2008) pode configurar uma etapa na produção científica do campo educacional na subárea das políticas públicas, constituída por uma tensão que permeia a busca de novos caminhos teórico-metodológicos que possam ampliar a visão sobre os problemas que afetam a escola pública e seus processos de gestão. Todo percurso de investigação provoca perplexidades, anseios e dúvidas que, muitas vezes, somente se podem desvendar após o acúmulo de dados e de constatações ao longo de um determinado tempo.
Lançar mão de metodologias de pesquisas de políticas educacionais integrando enfoques diversos, que permitam analisar tanto as diretrizes, programas e projetos de governo como as efetivas condições de sua operacionalização nas redes e unidades de ensino, significa tentar ultrapassar a tênue linha que vem separando, tradicionalmente, duas perspectivas de abordagem.
Estudos tradicionais das organizações se resumem à análise do controle institucional, como se este constituísse um processo linear de comando dos órgãos centrais e de cumprimento e obediência das redes de escolas, conforme analisa Ball (1989), esquecendo-se que dentro das unidades de ensino existem grupos de interesses que filtram e realizam traduções, interpretações e releituras do conjunto legal e normativo. Não se pode esquecer que as escolas configuram um campo de disputas expressas ou dissimuladas e, como em qualquer outra organização, as pessoas e os grupos reúnem-se em torno de interesses imediatos ou que se podem materializar em curto prazo de tempo, particularmente quando diretrizes legais de mudanças são preconizadas pelos órgãos centrais (Martins, 2008).
Os estudos aqui sistematizados podem se inserir nesse movimento de busca de renovação. Entretanto, atenção maior deve ser dada às questões teórico-metodológicas para não se perderem de vista as contribuições que pesquisas dessa natureza podem oferecer quando apontam os problemas e tensões na implementação das políticas da área. Nesse sentido, espera-se que este estudo possa contribuir para alimentar o debate, outros estudos e as preocupações daqueles que se interessam em desvendar e compreender as questões que afetam a gestão de escolas, os órgãos colegiados e o seu papel na constituição da autonomia escolar.
Recebido em: ABRIL 2010
Aprovado para publicação em: OUTUBRO 2010
- SIMPÓSIO BRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO: MOMENTOS E MOVIMENTOS, 20., 2001, Salvador. Anais... Piracicaba: Anpae/Unimep, 2001. 1 CD-ROM.
- SIMPÓSIO BRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO: POR UMA ESCOLA DE QUALIDADE PARA TODOS: FORMAÇÃO, FINANCIAMENTO E GESTÃO DA EDUCAÇÃO; CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 5; COLÓQUIO IBERO-AMERICANO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 23., 2007, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Anpae/UFGRS, Faced/PPGEDU, 2007. CD-ROM.
- SIMPÓSIO BRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 22., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpae, 2005. 1 CD-ROM.
- AZANHA, J. M. P. Uma ideia de pesquisa educacional São Paulo: Edusp, 1992.
- BALL, S. La Micropolítica de la escuela Madrid: Paidós, 1989.
- BARDIN, L. Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70, 1994.
- BARRETTO, E. S. S. Perspectivas teóricas e metodológicas da pesquisa educacional na atualidade. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v.20, n.44, p.493-506, set./dez.2009.
- CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
- MARTINS, A. M. Aspectos organizacionais e dinâmicos na gestão da escola pública: dilemas e conflitos. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Rio de Janeiro, v. 24, n.1, p.135-152, 2008.
- ______. Estudos em políticas educacionais: uma discussão metodológica. In: MARTINS, A. M., WERLE, F. O. C. (Org.). Políticas educacionais: elementos para reflexão. Porto Alegre: Redes, 2010. p. 21-48.
- MELO, M. A. Estado, governo e políticas públicas. In: MICELI, Sérgio (Org.). O Que ler na ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo: Sumaré, 1999. p.45-57.
- OZGA, J. Investigação sobre políticas educacionais Porto: Ed. Porto, 2000.
- SCHEFFLER, I. A Linguagem da educação São Paulo: Saraiva, 1974.
- WITTMANN, L. C.; GRACINDO, R. V. (Coord.). O Estado da Arte em política e gestão da educação no Brasil: 1991 a 1997. Brasília: Anpae; Campinas: Autores Associados, 2001. p. 259-272
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Set 2011 -
Data do Fascículo
Abr 2011
Histórico
-
Recebido
Abr 2010 -
Aceito
Out 2010