RECENSÃO
Murilo Bastos da Cunha
Professor titular, Departamento de Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília. E-mail: murilobc@unb.br
FONSECA, Edson Nery da. Introdução à biblioteconomia. 2. ed. Brasília: Briquet de Lemos Livros, 2007. 152 p. ISBN: 85-85637-32-3
Em 1992, foi lançada a primeira edição da Introdução à biblioteconomia (1), de autoria de Edson Nery da Fonseca. Obtendo grande sucesso, em poucos anos essa obra ficou esgotada e somente em 2007 veio a lume a segunda edição (2).
Em ambas as edições foi incluído um prefácio de Antônio Houaiss que, de forma simples e erudita, propôs três reptos:
que o autor fosse - por sua vida de prático e por sua vida de teórico - senhor e mestre do tema, pois que isso o capacitaria para balanceá-lo como essência e esperança; que o tema fosse tratado como que inauguralmente, mas com tal clareza experimentada e tal lucidez de horizontes havidos e havituros, que seus leitores haurissem a impressão de evidência, lógica e racionalidade, estranhando (a estranharem algo) que o dito tema tivesse sido objeto de passadas sombras, penumbras, controvérsias e litígios; que a clareza expositiva, por sua eficácia incontrastável, se amenizasse de graça e doçura e humor, pois o autor já haveria superado (se os tivesse sido) as amarguras e tropeços de sua caminhada para o fazer, o saber fazer, o saber fazer fazer (p. xi).
Será que os desafios apontados por Houaiss foram vencidos pelo mestre Edson? Parece que sim, como tentaremos mostrar neste texto.
Mas, antes dos comentários sobre a obra é importante, principalmente para os bibliotecários graduados após 1992, falar um pouco sobre o mestre Edson. Em artigo publicado no final de junho de 2009, pela jornalista Teresa Chaves na Folha de S. Paulo, com o sugestivo título "Polêmica e biblioteconomia espelham obra de Edson Nery da Fonseca" (3), foi feita a arguta observação sobre o binômio que sempre acompanhou a vida do mestre pernambucano. Na ocasião, Edson Nery participava da Festa Literária Internacional de Paraty, onde falou sobre o seu conterrâneo, o poeta Manuel Bandeira.
Nascido no Recife, em 6 de dezembro de 1921, a trajetória do Mestre Edson se entrelaça com a história da biblioteconomia brasileira. Foi fundador dos cursos de biblioteconomia do Recife (1948) e da Universidade de Brasília (1962), onde também foi o primeiro diretor da sua Biblioteca Central. Colaborou, a partir de 1954, na implantação da Divisão de Bibliografia do antigo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (hoje Ibict); foi bibliotecário da Câmara dos Deputados e assessor da Fundação Joaquim Nabuco (1980-1987).
Em sua rica carreira profissional, tem sido um formador de mentalidades, um estudioso inquieto e instigante, sempre aberto à compreen-são da aventura humana, ao entendimento da cultura brasileira, em particular à contribuição a nós legada por Gilberto Freyre (4).
Desde o final de 1991, quando se aposentou por limite de idade, o meu antigo mestre na Universidade de Brasília voltou ao seu estado natal, passando a residir em Olinda, junto com os seus inúmeros gatos e milhares de livros. Desde então se dedica às lides de proferir conferências e à publicação de livros voltados principalmente para a área da biblioteconomia e também sobre o legado freyriano. Com certo atraso, a importância do mestre Edson para a nossa área parece estar sendo descoberta. A título de exemplo, dois fatos ilustram essa afirmativa. O primeiro, em 2001, por ocasião da comemoração dos seus 80 anos de nascimento foi lançada uma obra coletiva de textos reunidos por Antonio Motta e Gilda Verri (5). O segundo exemplo: um grupo de alunos de biblioteconomia da Universidade Federal de São Carlos criou um blogue em sua homenagem (6).
Mas, voltemos à Introdução à biblioteconomia. No prefácio à primeira edição, escrita em 1991 o autor comentou que
é natural que nela não apareçam a internet, o livro eletrônico e a informação digital. Não me animo, entretanto, a tratar de tão importantes invenções porque outros colegas poderão fazê-lo melhor do que eu (...) Não posso, entretanto, deixar de exprimir o que penso diante da pós-modernidade biblioteconômica que estamos vivendo neste alvorecer do século XXI (p. xv).
Mais adiante, o autor alerta que
os pregoeiros da morte do livro estão atribuindo-a à mídia eletrônica. Esta, entretanto, convive tranquilamente com o livro, assim como o teatro convive com o cinema e este com a televisão (p. xvii).
E, de forma sábia, alerta que
o livro não deixa de ser livro quando muda o suporte, assim como a biblioteca não deixa de ser biblioteca ao tornar-se virtual. Consequentemente, o bibliotecário não precisa mudar de nome para exercer a sua nova profissão (p. xix).
A obra está dividida em cinco capítulos. O autor utilizou a numeração progressiva em toda a obra, isto é, a introdução recebeu o código inicial zero, e os quatro capítulos seguintes, os códigos de 1 a 4. Na introdução (p. 1-20), o Mestre Edson comenta a evolução da biblioteconomia e o seu relacionamento com a documentação e a ciência da informação. Esse relacionamento é clarificado pelo interessante quadro 1 (p. 11), onde são cotejados os objetivos, instrumentos e as ciências conexas dessas três áreas. Nesta parte, o autor enfatiza que
este livro não é um manual (...) Os manuais de biblioteconomia ensinam a organizar e administrar bibliotecas. Esta introdução procura oferecer uma visão panorâmica da biblioteconomia, seguindo, com nossas limitações (p. 10).
Ao final desta parte, são incluídas as citações utilizadas no texto e uma importante bibliografia comentada das obras recomendadas (p.15-20).
O tema do primeiro capítulo é o livro em si. Nele são comentadas as diversas acepções do termo: como "forma de vida humana"; como conflito; a sua base física; a sua autoria e seu conteúdo; o livro no Brasil e o livro artístico.
O segundo capítulo aborda a biblioteca. Aí foram incluídos os aspectos relacionados com a evolução do termo; os novos conceitos de biblioteca; as diferentes categorias de bibliotecas e as bibliotecas no Brasil.
O leitor e a leitura são objetos do terceiro capítulo. Nele o autor analisa as diferenças entre as palavras leitor e leitura; o leitor e o não leitor (aqui também denominado de leitor virtual); a leitura e os seus diferentes aspectos, finalizando com o leitor e a leitura no Brasil.
O último capítulo trata do bibliotecário. Nele o autor analisa a evolução do termo, comenta as missões do bibliotecário, a sua formação, meios para sua atualização (os principais periódicos, os eventos técnicos, as associações e as obras de referência). O bibliotecário no Brasil é o último tópico coberto neste capítulo.
Ressalta-se que no final de cada capítulo, além das referências bibliográficas citadas, foi incluída útil e atualizada bibliografia de obras recomendadas.
Como apêndices foram incluídos
textos em prosa e verso de autores brasileiros que mostram ao estudante de biblioteconomia, para os quais foi escrita a presente Introdução, como o livro, a biblioteca, o leitor e o bibliotecário são encarados numa perspectiva abrangentemente humanística. Esta perspectiva é importantíssima para o futuro bibliotecário, libertando-o do indesejável tecnicismo no qual se fecham tantos profissionais. (...) ao fim de uma introdução à biblioteconomia, oferecemos aos que se preparam para exercer funções técnicas um pouco de poesia e prosa. É do precisam, para evitar a deformação profissional (p. 115).
Nesta parte são inseridos textos de Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Otto Maria Carpeaux, Ledo Ivo, Emílio Carrera Guerra e João Cabral de Melo Neto.
Esta Introdução pode servir como instrumento didático em diversas disciplinas do curso de biblioteconomia e também como embasamento teórico, tanto para o aluno como para o profissional bibliotecário. Portanto, em boa hora foi lançada a segunda edição de uma das obras do grande mestre pernambucano.
- FONSECA, Edson Nery da. Introdução à biblioteconomia São Paulo: Pioneira, 1992. 153 p.
- ________. Introdução à biblioteconomia 2. ed. Brasília: Briquet de Lemos Livros, 2007. 152 p. ISBN: 85-85637-32-3.
- CHAVES, Teresa. Polêmica e biblioteconomia espelham obra de Edson Nery da Fonseca. Folha de S. Paulo, 29 junho 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u586942.shtml > Acessado em: 20 julho 2009.
- FONSECA, Edson Nery da. Op. cit, 2. ed., segunda orelha.
- MOTTA, Antonio; VERRI, Gilda Maria Whitaker, orgs. Interpretação de Edson Nery da Fonseca Recife: Bagaço, 2001. 442 p. ISBN: 8574093343
- BLOG EDSON NERY DA FONSECA. Disponível em: <http://edsonnerydafonseca.blogspot.com/> Acessado em: 5 julho 2009.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Out 2009 -
Data do Fascículo
Ago 2009