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Produtividade e qualidade da cana-de-açúcar irrigada com efluente de estação de tratamento de esgoto

Sugarcane yield and quality under irrigation with sewage treatment plant effluent

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho produtivo e qualitativo da cana-de-açúcar (Saccharum spp.), irrigada por gotejamento subsuperficial com efluente de estação de tratamento de esgoto (EETE). Testaram-se lâminas de irrigação entre 0, na testemunha sem irrigação, e 200% da evapotranspiração máxima da cultura, em dois ciclos de cultivo de cana soca, adubada com metade da quantidade recomendada de nitrogênio (N). A produtividade, em cada ciclo, foi ajustada a um modelo que considera a produtividade da cana planta como covariável. Por esse modelo, os ganhos em produtividade, proporcionados pela reposição da evapotranspiração com EETE, foram de 17,13 e 25,76 Mg ha-1. A aplicação de 200% de EETE resultou no ganho estimado de 19,84 Mg ha-1 na primeira soca e 40,47 Mg ha-1 na segunda. Houve redução de sólidos solúveis do caldo da cana, com o uso da irrigação na primeira soca. No entanto, outros parâmetros indicativos da qualidade industrial não foram significativamente alterados pela irrigação. A irrigação com EETE proporciona ganhos de produtividade da cana-de-açúcar e reduz a adubação nitrogenada recomendada no cultivo da primeira e segunda socas.

Saccharum; adubação nitrogenada; gotejamento subterrâneo; reuso de água


The objective of this work was to evaluate the productive and qualitative performance of sugarcane (Saccharum spp.) irrigated by subsurface chip irrigation with sewage treatment plant effluent (STPE). Irrigation depths were tested between 0% (control, without irrigation) and 200% of crop maximum evapotranspiration, in two ratoon cycles fertilized with half the recommended amount of nitrogen (N). The productivity, in each cycle, was fitted to a model which considers the plant yield as covariable. By this model, productivity gains provided by the replacement of crop evapotranspiration by the irrigation with STPE were: 17.3 and 25.76 Mg ha-1. The 200% STPE application resulted in a estimated gain of 19.84 Mg ha-1 at the fisrt ratoon cycle and of 40.47 Mg ha-1 at the second. Soluble solids were reduced in sugarcane juice with the irrigation use in the first ratoon cycle. However, other industrial quality parameters were not significantly affected by irrigation. The irrigation with STPE promotes sugarcane productivity and reduces the N fertilization requirement of the first and second ratoon cycle.

Saccharum; nitrogen fertilization; subsurface drip; water reuse


IRRIGAÇÃO E DRENAGEM

Sugarcane yield and quality under irrigation with sewage treatment plant effluent

Magnus Dall'Igna DeonI; Tamara Maria GomesII; Adolpho José MelfiIII; Célia Regina MontesIV; Elisabete da SilvaII

IEmbrapa Semiárido, Caixa Postal 23, CEP 56302-970 Petrolina, PE. E-mail: magnus.deon@cpatsa.embrapa.br

IIUniversidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), Núcleo de Pesquisa em Geoquímica e Geofísica da Litosfera, Caixa Postal 9, CEP 13418-900 Piracicaba, SP. E-mail: tamaragomes@yahoo.com.br, betefarias_silva@yahoo.com.br

IIIUSP, ESALQ, Departamento de Ciência do Solo. E-mail: ajmelfi@usp.br (4)USP, Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: crmlauar@usp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho produtivo e qualitativo da cana-de-açúcar (Saccharum spp.), irrigada por gotejamento subsuperficial com efluente de estação de tratamento de esgoto (EETE). Testaram-se lâminas de irrigação entre 0, na testemunha sem irrigação, e 200% da evapotranspiração máxima da cultura, em dois ciclos de cultivo de cana soca, adubada com metade da quantidade recomendada de nitrogênio (N). A produtividade, em cada ciclo, foi ajustada a um modelo que considera a produtividade da cana planta como covariável. Por esse modelo, os ganhos em produtividade, proporcionados pela reposição da evapotranspiração com EETE, foram de 17,13 e 25,76 Mg ha-1. A aplicação de 200% de EETE resultou no ganho estimado de 19,84 Mg ha-1 na primeira soca e 40,47 Mg ha-1 na segunda. Houve redução de sólidos solúveis do caldo da cana, com o uso da irrigação na primeira soca. No entanto, outros parâmetros indicativos da qualidade industrial não foram significativamente alterados pela irrigação. A irrigação com EETE proporciona ganhos de produtividade da cana-de-açúcar e reduz a adubação nitrogenada recomendada no cultivo da primeira e segunda socas.

Termos para indexação:Saccharum, adubação nitrogenada, gotejamento subterrâneo, reuso de água.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the productive and qualitative performance of sugarcane (Saccharum spp.) irrigated by subsurface chip irrigation with sewage treatment plant effluent (STPE). Irrigation depths were tested between 0% (control, without irrigation) and 200% of crop maximum evapotranspiration, in two ratoon cycles fertilized with half the recommended amount of nitrogen (N). The productivity, in each cycle, was fitted to a model which considers the plant yield as covariable. By this model, productivity gains provided by the replacement of crop evapotranspiration by the irrigation with STPE were: 17.3 and 25.76 Mg ha-1. The 200% STPE application resulted in a estimated gain of 19.84 Mg ha-1 at the fisrt ratoon cycle and of 40.47 Mg ha-1 at the second. Soluble solids were reduced in sugarcane juice with the irrigation use in the first ratoon cycle. However, other industrial quality parameters were not significantly affected by irrigation. The irrigation with STPE promotes sugarcane productivity and reduces the N fertilization requirement of the first and second ratoon cycle.

Index terms: Saccharum, nitrogen fertilization, subsurface drip, water reuse.

Introdução

O sistema de tratamento de esgotos por lagoas de estabilização é ideal para associação com o uso agrícola do efluente, pois é eficiente na remoção dos constituintes biológicos, mas apresenta baixo desempenho na remoção de nutrientes (Piveli et al., 2008).

Entre os constituintes de efeito poluente nos efluentes de estação de tratamento de esgoto (EETE), o nitrogênio e o fósforo destacam-se, com grande potencial de eutroficação de corpos d'água, principalmente de represas (Jarvie et al., 2006). Esses elementos, com o potássio, cálcio, magnésio, enxofre, boro, cobre, ferro, manganês e zinco, encontrados no EETE, são minerais essenciais ao desenvolvimento das plantas (Malavolta, 2006). Assim, o aproveitamento de águas residuárias pela irrigação é um dos métodos mais recomendados (Fonseca et al., 2007; Piveli et al., 2008), pois garante a produtividade das culturas, em razão do fornecimento de água e nutrientes (Leal et al. 2009), e preserva a qualidade ambiental, por evitar lançamentos diretos de EETE nos corpos d'água (World Health Organization, 2006).

O Brasil produz aproximadamente 600 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (Saccharum spp.), em uma área plantada de 7,6 milhões de hectares, dos quais 52,3% localizam-se no Estado de São Paulo (FNP Consultoria & Comércio, 2009). Essa cultura possui características ideais para a irrigação com efluente de tratamento de esgoto, pois atende às premissas citadas por Segarra et al. (1996), e é classificada como cultura depuradora de água (Alves Junior et al., 2004).

Ayers & Westcott (1985) classificam a cana-de-açúcar como semitolerante à saturação de sódio trocável no solo, razão pela qual podem ser observados prejuízos à produtividade com a irrigação sob condições salinas.

Em experimento conduzido em Lins, SP, foi observada resposta muito positiva da cultura à irrigação com EETE (Leal et al., 2009). O aumento de produtividade é esperado tanto pela resposta ao maior suprimento de N (Silva et al., 2009) quanto pelo atendimento das necessidades hídricas da cultura (Wiedenfeld, 1995). Não têm sido observadas alterações na qualidade tecnológica da cana-de-açúcar à época da colheita, tais como Brix, Pol, teor de fibra e de açúcares redutores, em resposta a aportes mais elevados de N (Firme, 2007; Silva et al., 2009).

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da irrigação com efluente de estação de tratamento de esgoto sobre a produtividade e a qualidade industrial da cana-de-açúcar.

Material e Métodos

O experimento foi conduzido no Município de Piracicaba, SP (22°46'24"S, 47°36'33"W, altitude média de 582 m), em área canavieira do grupo Cosan, ao lado da estação de tratamento de esgoto por lagoas de estabilização do tipo australiano, operada pelo Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae), com produção de 10,6 L s-1 de efluente. O clima da região, conforme Köppen, é do tipo Cwa, subtropical úmido, com a temperatura do mês mais quente superior a 22°C e a do mês mais frio inferior a 18°C.

A área experimental possuia 240 m de comprimento por 40 m de largura, no sentido da maior declividade e o solo predominante na área é Argissolo Vermelho- Amarelo eutrófico típico. A variedade da cana-de-açúcar utilizada foi a SP 90-3414, que se destaca pelo porte ereto, baixa isoporização e alta produtividade. Os resultados da análise química do solo indicaram: pH em H2O de 6,14; 24 g dm-3 de MO; 6,5 mg dm-3 de P-resina; 1,86 mmolc dm-3 de K; 32,19 mmolc dm-3 de Ca; 18,44 mmolc dm-3 de Mg; 0,36 mmolc dm-3 de Na; 21 mmolc dm-3 de H+Al; 66,92 mmolc dm-3 de SB; 101,09 mmolc dm-3 de CTC; e saturação por bases de 71%.

A adubação foi realizada de acordo com a análise química do solo e as recomendações de Raij et al. (1996), mas com aplicação da metade da dose recomendada de N, com o intuito de avaliar a capacidade do EETE em complementar o suprimento deste nutriente à cultura. Na adubação de plantio, foram utilizados: 15 kg ha-1 de N, 180 kg ha-1 de P2O5 e 120 kg ha-1de K2O, incorporados ao sulco. A primeira e a segunda socas foram adubadas com 60 kg ha-1 de N, 30 kg ha-1 de P2O5 e 120 kg ha-1 de K2O, incorporados ao lado das linhas de plantio. A cana planta não foi irrigada.

O período de avaliação iniciou-se em outubro de 2007 e estendeu-se até julho de 2009, referentes aos ciclos da primeira e segunda socas. Após a colheita da cana planta, iniciou-se a aplicação dos tratamentos experimentais, com irrigação com o efluente proveniente da estação de tratamento de esgoto. O canavial foi dividido em 32 parcelas de 30x10 m. Cada parcela tinha seis linhas de plantio em nível, espaçadas de 1,4 m entre elas, com irrigação em cinco delas. Foram consideradas como bordaduras a linha de plantio do lado da maior cota do terreno, duas linhas do lado oposto - a última delas não irrigada -, e ainda os 5 m iniciais e finais das linhas da parcela, tendo restado três linhas centrais de 20 m, com área útil de 84 m2.

Para o manejo da irrigação, foi medida a evaporação do tanque classe A, instalado em área próxima à área experimental. As leituras foram realizadas três vezes por semana, para estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc), utilizaram-se os coeficientes de cultura (Kc) propostos por Doorenbos & Pruitt (1977), que levam em consideração os diferentes estádios de desenvolvimento da cultura. Os tratamentos consistiram de irrigação com diferentes lâminas de EETE, conforme a evapotranspiração da cultura: sem irrigação; irrigação com EETE a 25%, 50%, 75%, 100%, 125%, 150% e a 200% da ETc. O efluente utilizado na irrigação apresentou 28,9, 2,5, 25,7, 14,1, 5,0, 36,8 e 66,9 mg L-1 de N, P, K, Ca, Mg, S e Na, respectivamente, pH 7,4 e condutividade elétrica 0,82 dS m-1 (Gomes et al., 2009). A cana-planta não foi irrigada.

A produção de biomassa foi medida por ocasião da colheita, e os colmos produzidos na área útil das parcelas foram pesados com uma célula de carga adaptada a uma carregadeira. Foram coletados dez colmos dentro da área útil de cada parcela, que formaram uma amostra composta para a determinação da qualidade tecnológica da cana-de-açúcar. Os colmos foram processados e analisados no Laboratório de Sacarose da Usina Santa Helena, em Rio das Pedras, SP. Depois de desfibrados e prensados a 250 kgf cm-2, para extração do caldo, foram analisados os seguintes parâmetros: peso do bagaço úmido (PBU), por diferença de peso; sólidos solúveis totais no caldo (ºBrix), com um refratômetro digital; e sacarose aparente no caldo (Pol no caldo) com um sacarímetro/polarímetro digital, após clarificação do caldo com mistura clarificante à base de alumínio. Foram calculados: a pureza aparente do caldo, a sacarose aparente na cana (Pol na cana) e o açúcar total recuperável (ATR), segundo os procedimentos oficiais do Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar,

Açúcar e Álcool de São Paulo (2006); e o rendimento total de açúcar (RTA), pela multiplicação da produtividade obtida pelo ATR calculado.

O projeto de irrigação impôs limitações ao arranjo das parcelas, que teve os tratamentos aleatorizados, mas com as quatro repetições distribuídas em sequência. Por conta disso, para as análises estatísticas, a produtividade obtida na cana planta foi tomada como covariável à análise da produtividade das canas socas. Foi utilizado o modelo não linear de Mitscherlich, para o ajuste da produtividade das canas socas às lâminas de irrigação com EETE, com um componente linear para a covariável cana planta (Schabenberger & Pierce, 2002) conforme: y = d x2 + a(1 - e-b(x1+ c)), em que: y é a produtividade obtida na safra irrigada; x2 é a covariável produtividade da cana planta não irrigada; x1 é a lâmina de irrigação com EETE aplicada; e a, b, c e d são os parâmetros ajustados.

Para modelos não lineares, como os obtidos pelo 'proc nlin' do SAS, não são determinados valores de R². Portanto, para estimar a qualidade do ajuste, foi calculado o pseudo R² pela equação pseudo R² = 1 - sqe/sqt, em que: sqe é a soma de quadrados do resíduo corrigida; e sqt é a soma de quadrados total.

Foi descartada a hipótese de não normalidade dos resíduos, pelo teste de Shapiro-Wilk, para confirmar a natureza aleatória do resíduo da regressão.

Resultados e Discussão

No período do cultivo da primeira soca da cultura, na safra 2007/2008, foram registrados 1.519 mm de precipitação pluvial (Figura 1). O deficit de água momentâneo, determinado pela tensão de água no solo (Figura 2), foi complementado pela irrigação com EETE, com uso de 545,8 mm no tratamento 100% da ETc, tendo sido aplicados até 1.091,6 mm no tratamento de 200% da ETc.



Na segunda soca, na safra 2008/2009, a precipitação acumulada foi de 1.088,8 mm, enquanto a irrigação a 100% de ETc foi de 461,6 mm (Figura 1). Contudo, nesse ano, a irrigação foi prejudicada pela manutenção da estação de tratamento de esgoto em fevereiro e março.

A produtividade da cana-de-açúcar irrigada apresenta, naturalmente, grande variabilidade (Wiedenfeld & Enciso, 2008; Leal et al., 2009). Apesar disso, foi possível ajustar as produtividades da primeira e segunda socas a modelos significativos (p<0,01) de irrigação com EETE, tendo-se valido da produtividade obtida nas parcelas da cana planta como covariável.

Os modelos ajustados à produtividade, em função da irrigação com EETE, foram os seguintes: y = 0,9056x2 + 54,75(1 - e-0,0184 (x1+ 53,76)), com pseudo R² de 0,74; e y = 0,3279x2 + 132,6(1 - e-0,0056 (x1+ 141,4)), com pseudo R² também de 0,74, para a primeira soca e segunda soca, respectivamente. Nesses modelos, y é a produtividade obtida na safra irrigada, x2 é a produtividade da cana planta não irrigada; e x1 é a lâmina de irrigação com EETE aplicada.

Substituindo-se x2 pela produtividade média da cana planta (104,52±9,00 Mg ha-1 ), é possível a representação bidimensional dos dois modelos, mostrados na Figura 3.


Igualando-se x1 a zero, nos modelos da primeira e segunda socas, foram obtidos os ajustes lineares à covariável y = 0,9056x2 + 34,37, para a primeira soca, e y = 0,3279x2 + 72,40, para a segunda soca. O componente não linear desse ajuste e o resíduo dos ajustes das observações ao modelo linear da covariável estão representados na Figura 4.


Pela aplicação desta estatística, a produtividade média para o tratamento não irrigado foi estimada em 129,05 Mg ha-1, na pimeira soca, e em 106,80 Mg ha-1, na segunda soca. A redução na produtividade em cada ressoca é natural e apresentou proporções semelhantes a outros estudos, tanto sob irrigação como em condição de sequeiro (Oliveira et al., 2009).

A lâmina de irrigação correspondente à evapotranspiração da cultura proporcionou produtividades de 146,17 e 132,56 Mg ha-1, na primeira e na segunda socas, respectivamente, enquanto a maior irrigação testada (200% da ETc) resultou em produtividades de 148,89 e 147,27 Mg ha-1 (Figuras 3 e 4). Os ganhos de produtividade proporcionados pela reposição da evapotranspiração com EETE são, portanto, de 17,13 e 25,76 Mg ha-1. A aplicação do dobro do EETE resultou no ganho estimado de 19,84 Mg ha-1 na primeira soca e 40,47 Mg ha-1 na segunda.

A correlação de Pearson entre a produtividade das socas e a covariável produtividade da cana planta diminuiu da primeira (r = 0,82**) para a segunda soca (r = 0,54**), enquanto que a correlação com a irrigação com EETE aumentou da primeira (r = 0,39*) para a segunda soca (r = 0,73**). Assim, também, nos modelos estatísticos ajustados, o componente linear da covariável diminui, enquanto o modelo não linear de Mitscherlich, ajustado à irrigação com EETE, aumenta da primeira para a segunda soca, em que os máximos do componente irrigação são 54,75 Mg ha-1 e 132,6 Mg ha-1 na primeira e segunda socas, respectivamente.

Como as curvas ajustadas têm ponto de máximo no infinito, estimou-se a lâmina de irrigação necessária para a obtenção de 90% da produtividade máxima (Malavolta, 2006), que seria de 71,37% da ETc, na primeira soca estudada, e de 269,77% da ETc na segunda soca, que resultariam em 143,93 e 153,61 Mg ha-1 de cana, respectivamente.

O comportamento aproximadamente linear da produtividade em função da irrigação na segunda soca pode ser observado no parâmetro b do modelo de Mitscherlich (modelo da segunda soca), considerado muito baixo, que resultaria na lâmina de 259,77% da ETc para a obtenção de 90% da produtividade máxima teórica (Schabenberger & Pierce, 2002). Por essa informação, os coeficientes de cultura de Doorenbos & Pruitt (1977), para a irrigação com EETE, implicariam em produção da cultura 2,6 vezes menor que seu potencial. Não deveriam ser esperadas, no entanto, respostas a irrigações maiores do que a necessidade hídrica da cultura (Singh & Mohan, 1994; Leal et al., 2009).

O aporte de N com o EETE, na maior lâmina de irrigação do presente trabalho foi de 320 kg ha-1, muito superior à adubação nitrogenada recomendada oficialmente para a cultura (120 kg ha-1). Dessa forma, não deveriam ser esperadas respostas a esse N excessivo (Cantarella et al., 2007). Mas há que se considerar que a recomendação de N para a cana-de-açúcar no Estado de São Paulo é baseada na condição de sequeiro.

Durante a reforma do canavial, são incorporados resíduos culturais em grande quantidade, e o revolvimento do solo estimula a mineralização da matéria orgânica, libera quantidades apreciáveis de N, e reduz o potencial de resposta à fertilização nitrogenada, nos primeiros ciclos após a reforma (Otto et al., 2009). Com o emprego da irrigação, no entanto, a resposta da cultura ao N torna-se muito maior (Singh & Mohan, 1994; Wiedenfeld, 1995) e intensifica-se com o passar dos ciclos e o esgotamento da reserva de N do solo (Wiedenfeld & Enciso, 2008). Foram observadas respostas da cana irrigada a doses superiores a 200 kg ha-1 de N, no Brasil (Silva et al., 2009), e de 400 kg ha-1 em outros países (Singh & Mohan, 1994; Ishikawa et al., 2009). Portanto, é provável que a cana irrigada com EETE esteja respondendo linearmente ao N e não à irrigação até o maior tratamento. Thorburn et al. (2003) não observaram resposta da cana irrigada a doses superiores a 80 kg ha-1 de N, mas, em seu experimento, o solo era capaz de fornecer mais de 200 kg ha-1 de N, situação diferente da observada no presente trabalho.

Leal et al. (2009) obtiveram produtividade bem superior à deste experimento, em estudo semelhante. Porém, esses autores estudaram o ciclo da cana planta com 18 meses e com outra variedade, na região de Lins, SP. No experimento desses autores, a irrigação foi aplicada de acordo com a medida do potencial matricial do solo, avaliada por meio de tensiômetros. Esse modelo de irrigação pode não ser o mais apropriado, visto que, sob boa disponibilidade de água, a cana-de-açúcar parece ter consumo hídrico bem superior à sua real necessidade (Wiedenfeld, 1995).

De fato, no experimento de Leal et al. (2009), foram aplicados 2.524 mm de irrigação, o que levou ao aporte de 742 kg ha-1 de N, no período de 15 meses de irrigação. A condição estudada foi diferente da aqui apresentada, o que explica a grande diferença no aporte de água e de nutrientes (Firme, 2007). No presente trabalho, a irrigação baseada na ETc levou ao aporte de até 163,48 kg ha-1 de N, quantidade bem mais próxima da fertilização recomendada para a cultura no Estado de São Paulo, e apenas 48,26 kg ha-1 superior à exportação de N pelos colmos (Gomes et al., 2009), o que endossa a opção pela redução da fertilização nitrogenada à metade da recomendada.

Nas condições climáticas de Piracicaba, ocorre excedente hídrico no solo durante seis meses do ano (Sentelhas et al., 1999), o que não exigiria lâmina excedente de irrigação para lavagem de sais, como em regiões semiáridas, que fazem uso de águas salinas para a irrigação. Esses resultados permitem considerar adequada a lâmina de 100% da ETc, calculada com base no Kc de Doorenbos & Pruitt (1977), mas com a sugestão de que sejam testadas doses de fertilizantes maiores do que a utilizada no presente trabalho, para obtenção de informações referentes à resposta aos nutrientes sob condição irrigada.

A diminuição significativa do teor de sólidos solúveis totais no caldo da cana, com a irrigação, ocorreu apenas na primeira soca (Tabela 1). Este comportamento era esperado e decorreu do maior vigor das plantas irrigadas. A diferença observada (Figura 5 A), no entanto, não pode ser considerada prejudicial, em razão do ganho produtivo obtido. Além disso o Brix do caldo permaneceu, em média, igual ou acima de 18 ºBrix, valor considerado satisfatório (Marques et al., 2001).



Os outros parâmetros tecnológicos não foram significativamente alterados pela irrigação, e são considerados de distribuição normal pelo teste de Shapiro-Wilk. Assim, o açúcar recuperável, total por tonelada de cana, não se alterou significativamente e pode ser considerado satisfatório o aumento da produtividade da cultura.

Os atributos qualitativos foram utilizados para avaliação do estádio de maturação da cana-de-açúcar (Tabela 1). Segundo Marques et al. (2001), valores inferiores a 18, 15,3 e 85% para Brix, Pol da cana e pureza, respectivamente, e valor superior a 1% para ARC, indicam que a cultura está imatura para colheita. A cultura não atendeu apenas ao parâmetro mínimo de Pol da cana apresentado acima. Para a época de colheita, no início de julho, a qualidade tecnológica da cana pôde ser considerada satisfatória na cana planta, mas com Pol da cana abaixo do desejável nas duas socas, sem efeito significativo da irrigação com EETE.

Em estudo de dez anos, com uso de dois tipos de água salina para a irrigação da cana-de-açúcar, Choudhary et al. (2004) observaram redução no açúcar da cana no primeiro ano de avaliação, o que exigiu o uso de condicionadores para a manutenção da qualidade da cana. Os dois tipos de água utilizados no experimento desses autores, no entanto, possuíam salinidade maior (1,43 e 2,9 dS m-1) do que a observada no efluente utilizado no presente trabalho.

Na segunda soca, as variáveis tecnológicas da cana não foram significativamente alteradas pela irrigação com EETE. No entanto, pela diferença de produtividade entre os tratamentos, foi significativo o aumento no rendimento de açúcar por área (Figura 5 B).

No experimento de Lingle et al. (2000), os parâmetros de qualidade do caldo, como sólidos solúveis totais, Pol e pureza aparente, só foram afetados pela qualidade da água de irrigação quando a salinidade superou 1,25 dS m-1.

Conclusões

1. A irrigação com efluente de estação de tratamento de esgoto proporciona ganhos de produtividade pela reposição da evapotranspiração da cana-de-açúcar, e esse ganho aumenta com aplicação do dobro da evapotranspiração calculada.

2. A irrigação com efluente de estação de tratamento de esgoto permite reduzir a fertilização nitrogenada recomendada no cultivo da primeira e segunda socas da cana-de-açúcar.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, pelo apoio financeiro ao desenvolvimento do projeto; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, por bolsa concedida; ao grupo Cosan e ao Serviço Municipal de Água e Esgoto de Piracicaba, pela participação e colaboração na pesquisa.

Recebido em 7 de maio de 2010 e aprovado em 17 de setembro de 2010

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  • Produtividade e qualidade da cana

    -
    de-
    açúcar irrigada com efluente de estação de tratamento de esgoto
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      07 Maio 2010
    • Aceito
      17 Set 2010
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