Qual o seu diagnóstico?
Sérgio DaherI; Wilson Eloy Pimenta JúniorII; Zeno Augusto de Souza JúniorII; Márcio Martins MachadoIII; Ana Cláudia Ferreira RosaIII; Kim-Ir-Sen Santos TeixeiraIV; Murilo Tavares DaherV; Renato Tavares DaherV
IChefe do Serviço de Cirurgia da Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FM-UFG
IIMédicos Assistentes do Serviço de Cirurgia da Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FM-UFG
IIIMédicos Radiologistas do Hospital das Clínicas da FM-UFG, Doutores em Radiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IVProfessor Adjunto Doutor do Departamento de Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da FM-UFG
VAcadêmicos de Medicina da UFG
Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Dr. Márcio Martins Machado Rua 1027, n o 230, Ed. Fabiana, ap. 304 Goiânia, GO, 74823-120 E-mail: marciommachado@ibest.com.br
Paciente de sexo masculino, branco, 60 anos de idade, procurou o serviço referindo dor intensa e progressiva na região lombar, com irradiação para membros inferiores, com quatro meses de evolução. Apresentava, ainda, paraparesia de membros inferiores, perda de peso e episódios de febre.
Achados de imagem
Foram realizadas radiografias da coluna lombar e ressonância magnética (RM). A radiografia (Figura 1) não mostrou alterações relevantes, enquanto a RM mostrou hipersinal em L4 e L5 nas imagens ponderadas em STIR e T2, e hipossinal nas imagens ponderadas em T1, com sinais de compressão do saco dural e aparente deslocamento posterior do ligamento longitudinal posterior. Entretanto, o espaço discal entre L4 e L5 estava preservado (Figuras 2, 3 e 4). Após a infusão do contraste endovenoso, observou-se realce do material para o interior do canal vertebral (Figura 5). Com estes achados, sugeriu-se a possibilidade de espondilite infecciosa sem evidente comprometimento do espaço discal. A antibioticoterapia venosa foi realizada sem pleno sucesso, persistindo a paraparesia dos membros inferiores.
Como o paciente não apresentava melhora neurológica com a antibioticoterapia, foi optado pela intervenção cirúrgica, tendo sido submetido a descompressão posterior do canal vertebral com retirada de material purulento, artrodese in situ e antibioticoterapia, evoluindo com recuperação completa do quadro neurológico e infeccioso. Na cultura não houve crescimento bacteriano.
COMENTÁRIOS
A infecção na coluna vertebral (espondilite) representa 2% dos casos de osteomielite e acomete principalmente o segmento toracolombar(1). Pode ocorrer espontaneamente ou após cirurgia, principalmente após cirurgia para correção de disco protruso(1), podendo acarretar déficit neurológico e deformidades espinhais.
Acomete principalmente pacientes debilitados (diabéticos, desnutridos, em uso de corticóides, em quimioterapia, com mielodisplasia, infecções sistêmicas ou nos pulmões), do sexo masculino, predominantemente no início da sexta década de vida(13). O agente etiológico mais comumente encontrado é o Staphylococcus aureus (36% a 39%)(2,3) e o trato urinário é a mais freqüente fonte de infecção(3).
O seu diagnóstico geralmente é tardio(2,417). A maioria dos estudos na literatura indica atraso no diagnóstico de dois a seis meses após início dos sintomas(417), uma vez que os sintomas e os achados radiográficos são, na maioria das vezes, inespecíficos(1,18). O sinal clínico mais precoce é dor na região afetada. Mesmo nos pacientes com lombalgia crônica há alterações na intensidade e localização do sintoma(18). A dor torna-se intensa no começo do déficit neurológico. Febre fraca e persistente, associada a paraparesia, também são comuns(1).
A RM indica alterações precoces(1924), constituindo-se em método de grande valia no diagnóstico(13,18,2528). A radiografia e a tomografia computadorizada (TC) podem prover informações complementares(1). Exames laboratoriais podem informar sobre a suspensão do processo inflamatório, mas são variáveis e inespecíficos(412,14,15). De acordo com estudos recentes, em menos de duas semanas após o início dos sintomas a RM indica o diagnóstico correto em 55% dos casos de osteomielite e o sugere em 36%(2). Após duas semanas, as porcentagens aumentam para 76% e 20%, respectivamente(2). Outros estudos sugerem 93% de sensibilidade e 97% de especificidade para este método diagnóstico(23). Antes deste advento não havia métodos confirmatórios para os casos suspeitos em fase inicial do processo, com exceção de biópsia e cultura(2).
Na RM as seqüências ponderadas em T1 antes e após administração de meio de contraste e a seqüência em T2 permitem a detecção de sinais precoces das espondilites e espondilodiscites. Podem indicar, também, a presença de lesões associadas, como as compressões medulares. O hipersinal em T2 e a captação pelo contraste endovenoso pode ser o primeiro sinal de osteomielite na presença de déficit neurológico. No entanto, este pode ocorrer antes de qualquer alteração visível na RM(18).
A reação inflamatória produz um hipossinal nas imagens ponderadas em T1 e um hipersinal em T2 das vértebras acometidas(1,2,21,2731). Classicamente, há o acometimento de duas vértebras adjacentes e do disco intervertebral, com diminuição da altura discal(32).
A RM também pode ser útil para definir a etiologia da infecção, auxiliando na diferenciação entre infecções tuberculosas e de outras origens. O comprometimento discal na infecção tuberculosa é tardio, enquanto nas infecções não tuberculosas o comprometimento discal ocorre precocemente, antes do comprometimento dos corpos vertebrais(1). A RM pode ainda diferenciar casos com e sem a formação de abscessos(25). A intensidade do hipossinal em T1 retorna ao normal à medida que as células inflamatórias são substituídas por tecido adiposo(1924). No presente caso, deve ser notado que houve a preservação do disco e do espaço discal, o que não é usual para os comprometimentos infecciosos não tuberculosos.
Ainda sobre o diagnóstico diferencial, devemos referir sobre as metástases. Nestas, usualmente, observa-se comprometimento da vértebra sem o acometimento do disco, e, na infecção (como referido anteriormente), o comprometimento do espaço discal é precoce(1,26,27,33,34).
De qualquer forma, devemos sempre lembrar dos sinais radiográficos usuais da espondilite. Na radiografia podem ser observadas diminuições do espaço discal, erosão nos corpos vertebrais adjacentes ao disco, irregularidades nas margens dos corpos vertebrais e até mesmo fusão dos corpos vertebrais nos casos mais graves e de longa duração(1). Não obstante, deve ser reiterado que no início do processo infeccioso o exame radiográfico pode não mostrar alterações(1,29).
Na TC podem ser observadas pequenas áreas hipoatenuantes nos discos acometidos, áreas osteolíticas vertebrais, esclerose no corpo vertebral residual e extensão do processo inflamatório para os tecidos paravertebrais(1,35,36). Este método diagnóstico também pode ser importante para indicar a eficácia do tratamento, por mostrar sinais da regressão da inflamação e da consolidação óssea(25).
O tratamento indicado inclui imobilização, antibiótico e antiinflamatório(1). Deve ser feita drenagem percutânea guiada por TC na presença de abscesso paravertebral extenso(1). O tratamento cirúrgico só é indicado para os casos de abscesso intra-raquidiano, compressão neural, deformidade óssea e insucesso de tratamento conservador(37).
Por outro lado, a RM pode acompanhar a evolução favorável do tratamento. Com a substituição do processo inflamatório por tecido fibroso, as alterações de sinal vão retornando ao normal(1).
A infecção isolada do corpo vertebral é apresentação atípica da espondilite e deve ser diferenciada de processo maligno.
No presente relato, a via de disseminação para a vértebra contígua nos parece ter sido subligamentar.
REFERÊNCIAS
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* Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia da Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (FM-UFG), Goiânia, GO.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Abr 2004 -
Data do Fascículo
Fev 2004