QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
Renato Tavares DaherI; Renato da Silva FariaII; Rubia Kelly Mendes MoreiraIII; Ricardo Tavares DaherIV
IMédico Residente em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil
IIMédico Radiologista, Responsável técnico pelo Setor de Radiologia do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), Goiânia, GO, Brasil
IIIAcadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil
IVAcadêmico de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília, DF, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Renato Tavares Daher Rua 109, nº 331, ap. 301, Edifício Guarany, Setor Sul Goiânia, GO, Brasil, 74085-090 E-mail: renatotdaher@uol.com.br
Paciente de sete anos de idade, sexo feminino, branca, apresentando, há quatro meses, dor e aumento de volume na região glútea à direita, além de limitação à rotação da articulação coxofemoral do mesmo lado. A paciente apresentava, ainda, hálux valgo bilateral e história de tumor na região cervical posterior, sem trauma prévio, com limitação de movimentos há cinco anos.
Descrição das imagens
Figura 1. Radiografia dos pés, incidência ântero-posterior, evidenciando hálux valgo bilateral e encurtamento dos primeiros pododáctilos.
Figura 2. Tomografia computadorizada multidetectores, corte axial e reformatações coronal e sagital, demonstrando calcificação no glúteo máximo à direita.
Diagnóstico: Fibrodisplasia ossificante progressiva.
COMENTÁRIOS
Fibrodisplasia ossificante progressiva é uma entidade de herança autossômica dominante, com expressão variável(1) e envolvimento primário do tecido conjuntivo(2). Caracteriza-se por alterações congênitas dos primeiros pododáctilos e calcificações heterotópicas progressivas(3) que causam deformidades e imobilização permanente do paciente. É uma condição rara, cuja fisiopatogenia consiste em uma lenta e progressiva proliferação fibroblástica, com subsequente ossificação e calcificação do tecido conjuntivo(2).
Também conhecida por miosite ossificante progressiva ou doença de Münchmeyer(1), foi descrita por Guy Patin em uma paciente à qual ele denominou "a mulher que virou madeira"(4).
Com prevalência de 0,61 caso por milhão de habitantes(5) e cerca de 700 casos conhecidos no mundo, até 2008(6), esta enfermidade afeta todos os grupos étnicos, com predileção pelo sexo masculino na proporção de 4:1(5). Acomete preferencialmente crianças e adultos jovens, com idade média de início aos 3,6 anos(7).
Está associada a alterações ósseas congênitas, sendo a deformidade em valgo e o encurtamento bilateral dos primeiros pododáctilos achados importantes para a suspeição diagnóstica (relatado em 79% a 100% dos pacientes)(3,7). Malformações da mão também podem estar associadas, tais como encurtamento do primeiro metacarpal e braquimesofalangismo com clinodactilia do dedo mínimo(7), alterações não evidenciadas em nossa paciente.
Sua história natural caracteriza-se por remissões e exacerbações precipitadas por leves traumatismos (imunizações, infiltrações anestésicas, traumas)(2,4,7) e infecções pelo vírus da influenza(8). Os pacientes normalmente apresentam aumento de partes moles localizado, acompanhado de dor e febrícula. As massas de tecidos moles coalescem, fibrosam e calcificam, formando pontes ósseas em semanas(2).
Normalmente, a osteogênese heterotópica se inicia simultaneamente em mais de uma região anatômica e acomete músculos, fáscias, ligamentos, tendões e cápsulas articulares(2). Musculaturas lisa e cardíaca não são acometidas(9).
É uma enfermidade incapacitante, com progressão craniocaudal e de axial para apendicular. Afeta, principalmente, coluna vertebral, ombros, quadril e articulações periféricas(4).
Os principais achados radiográficos são aumento de partes moles, ossificações ectópicas, hálux valgo, microdactilia, clinodactilia, monofalange, escoliose e subluxações(10). A cintilografia óssea revela áreas de calcificação ectópica antes que sua detecção radiográfica seja possível, podendo ser empregada para determinar a extensão da doença. A aplicação da tomografia computadorizada e da ressonância magnética não está bem estabelecida, mas estes parecem ser métodos promissores no estadiamento da doença, assim como na detecção de novos focos inaparentes aos exames radiográficos(2).
A histopatologia desta enfermidade varia com o tempo de evolução das lesões e só existem alterações nas áreas afetadas. Este comportamento focal e evolutivo justifica a normalidade da biópsia obtida no paciente, numa fase inicial e numa área não acometida. Nas lesões precoces há, geralmente, infiltrado linfocitário, macrófagos e fibroblastos, evoluindo mais tarde para áreas de tecido conjuntivo com ossificação central, nas quais se distinguem osteoblastos, osteócitos e osteoclastos(7).
O diagnóstico deve ser feito no período neonatal, com base nos critérios clínicos e de imagem, pois condutas invasivas (ressecções cirúrgicas, biópsias) aceleram a evolução da doença(4). Os diagnósticos diferenciais são limitados, uma vez que o fenótipo, a história clínica e os achados radiográficos praticamente definem o quadro de fibrodisplasia ossificante progressiva. Entretanto, outras causas de ossificação ectópica merecem ser lembradas, tais como osteodistrofia hereditária de Albright, calcificação heterotópica pseudomaligna, heterodisplasia óssea progressiva e osteossarcoma(3,7).
Não existem tratamentos eficazes até o momento. A conduta é conservadora e baseada no princípio do primum non nocere, evitando toda e qualquer condição potencialmente desencadeadora de ossificação ectópica(7). O prognóstico é reservado e geralmente a morte ocorre por insuficiência respiratória e cor pulmonale, em consequência a restrição torácica(4).
Trabalho realizado no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), Goiânia, GO, Brasil.
- 1. Palhares DB, Leme LM. Miosite ossificante progressiva: uma perspectiva no controle da doença. J Pediatr. 2001;77:431-4.
- 2. Kransdorf MJ, Meis JM. From the archives of the AFIP. Extraskeletal osseous and cartilaginous tumors of the extremities. Radiographics. 1993; 13:853-84.
- 3. Kaplan FS, Xu M, Glaser DL, et al. Early diagnosis of fibrodysplasia ossificans progressiva. Pediatrics. 2008;121:1295-300.
- 4. Sferco A, Naser C, Robledo H, et al. Fibrodisplasia osificante progresiva: pautas para su reconocimiento. Arch Argent Pediatr. 2001;99:249-52.
- 5. Connor JM, Skirton H, Lunt PW. A three generation family with fibrodysplasia ossificans progressiva. J Med Genet. 1993;30:687-9.
- 6. Kaplan FS, Pignolo RJ, Shore EM, et al. The seventeenth annual report of the fibrodysplasia ossificans progressiva (FOP) collaborative project. FOP Connection. 2008;21:1-18.
- 7. Araújo Jr CR, Carvalho TN, Costa MAB, et al. Fibrodisplasia ossificante progressiva: relato de caso e achados radiográficos. Radiol Bras. 2005; 38:69-73.
- 8. Scarlett RF, Rocke DM, Kantanie S, et al. Influenza-like viral illnesses and flare-ups of fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop Relat Res. 2004;(423):275-9.
- 9. Ramírez AR, Cock PR. Fibrodisplasia osificante progresiva: reporte de un caso. Rev Colomb Ortop Traumatol. 2002;16:27-30.
- 10. Norman A. Escoliose e anomalias com acometimento geral do esqueleto. In: Greenspan A, editor. Radiologia ortopédica. 2Ş ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996. p. 920-4.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jul 2009 -
Data do Fascículo
Jun 2009