EDITORIAL
Armadilhas e erros comuns na linguagem médica
Antonio Carlos Pires Carvalho
Professor Associado do Departamento de Radiologia, Coordenador Adjunto do Programa de Pós-graduação em Medicina (Radiologia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: acpcrj@hucff.ufrj.br
Este número da Radiologia Brasileira nos brinda com um artigo(1) sobre armadilhas e erros comuns na escrita do dia a dia (ou seria dia-a-dia?). O Dr. Carlos Frederico Arend nos mostra pequenas subversões semânticas que ganham ou tentam ganhar ares de norma culta no uso diário da língua. Sabemos da dificuldade que é aprender o português, as suas inúmeras regras e exceções, a norma culta, o correto.
Já tive oportunidade de escrever sobre o assunto em dois textos publicados no Boletim do Colégio Brasileiro de Radiologia(2,3), que por coincidência abordam algumas palavras semelhantes às citados pelo Dr. Arend.
O autor comenta o acordo para a reforma ortográfica, gestado desde os anos 90 e assinado pelo Presidente da República há pouco tempo, que tem encontrado resistências d'além-mar. Em 28/12/2012, foi publicado no Diário Oficial da União decreto adiando sua plena entrada em vigor para janeiro de 2016. Reforma esta muito criticada, há quem diga que o único interesse foi vender dicionários...
Tenho mais de 50 anos de idade e esta será a terceira ortografia pela qual passarei. Sou do tempo do acento grave, da acentuação de praticamente todas as sílabas tônicas, do pô-lo, do pólo, do pára, do sàbiamente, do acôrdo. Nos fim dos anos 60 tudo muda. Reaprendo.
Depois de tanto tempo aprendendo a usar e tomando cuidado com o uso adequado do hífen, descubro que suas regras mudaram, mas seu uso não foi eliminado. Ou seja, trocaram seis por meia dúzia (ou meia-dúzia, sei lá!). Escrever ultra-sonografia com hífen é mais elegante que escrever ultrassonografia com duplo S. De modo semelhante, exterminaram o trema. Considero que usar o trema é muito mais elegante, afinal todos comem lingüiça (com trema). Eu jamais comerei linguiça sem trema, porque farei questão de pronunciar errado, sem o som do U. Se me perguntarem por que o faço, direi que é porque qüero, ressaltando o som do U nesse erro. Se insistirem, apelarei ao "fi-lo porque qui-lo", frase que nunca foi dita pelo ex-Presidente Jânio Quadros mas que lhe é constantemente atribuída.
Em nossa especialidade, nosso trabalho é avaliado duplamente, pela imagem em si e pela descrição, pelas palavras usadas no laudo ou relatório médico. Creio ser desnecessário enfatizar a importância da escrita correta, dos tempos verbais, das concordâncias e flexões, da palavra elegante, sem ser necessariamente rebuscada.
Mais uma reforma ortográfica, sinto-me inculto, semi (ou semi-?) analfabeto. Mas ganhei uma sobrevida até dezembro de 2015, com esperança de que ainda seja renegado e cancelado tal acordo.
De espantar a vasta e fabulosa bibliografia, consultada e citada pelo autor, em especial a referência 5. Se a tem em sua coleção particular, saiba que é objeto de cobiça. Tive nas mãos o primeiro dicionário editado no Brasil, bem anterior a esse citado, que foi doado à biblioteca da Academia Nacional de Medicina. Uma jóia com a qual sonho. Na minha estante tenho seis dicionários, quase todos aqui listados. No computador tenho dois, Aurélio e Houaiss. Cultivo o hábito de brincar com eles, com as palavras.
Pela dificuldade do tema em si, meio árido, quase indigesto, que incomoda muita gente, parabenizo o autor. Que venham mais frutos dessa seara.
- 1. Arend CF. Aspectos práticos e contemporâneos da linguagem médica voltada para o imaginologista: armadilhas e erros comuns. Radiol Bras. 2013;46:1069.
- 2. Carvalho ACP. O uso inadequado de algumas palavras em Radiologia parte I. Boletim do Colégio Brasileiro de Radiologia. 2002 (set);174:412.
- 3. Carvalho ACP. O uso inadequado de algumas palavras em Radiologia parte II. Boletim do Colégio Brasileiro de Radiologia. 2003 (set);175:412.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Maio 2013 -
Data do Fascículo
Abr 2013