IN MEMORIAM
Foi em Lins, no dia 20 de setembro de 1944, que nasceu José Atílio Vanin. Filho de José Vanin e Maria Pascalicchio Vanin, mudou-se, ainda na sua tenra infância, para a cidade de São Paulo. Sua educação básica foi conduzida no antigo Colégio do Carmo, dirigido pela Congregação dos Irmãos Maristas, onde adquiriu um especial gosto pela erudição. Nesse ambiente religioso, as questões existenciais e o desafio dos enigmas da vida possivelmente acabaram incitando sua curiosidade científica e mística, despertando sua vocação para a magia, a alquimia e também para a química. Assim, ainda jovem, como um pequeno bruxo no estilo Harry Potter, o Atílio já manipulava de tudo no laboratório doméstico em que se transformara o seu quarto.
Seu destino já estava traçado quando entrou para o Curso de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1964. A aparência franciscana, dada pelo corte inusitado dos cabelos, lhe conferiu o carinhoso apelido de cuia, pelos colegas de classe. Ao graduar-se em 1967, o Atílio dedicou-se ao ensino de química no Colégio de Aplicação da USP, onde desenvolveu seu talento como Professor. Esse período foi marcado pela mudança do Curso de Química para as dependências da Cidade Universitária, e pela oficialização do Instituto de Química como unidade de ciência básica na USP. A pós-graduação começava a ser institucionalizada nos moldes atuais, porém em um ritmo extraordinariamente dinâmico, impulsionado pelos programas multinacionais de química, promovidos pela National Academy of Sciences (USA) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em associação com o CNPq. Através desses programas, Atílio teve o primeiro contato com o Professor Leonard Reeves (Canadá), pioneiro nas pesquisas de cristais líquidos com a técnica de ressonância nuclear magnética. Assim, em 1969 o Atílio ingressou no Curso de Pós-Graduação do Instituto de Química da USP, colaborando ativamente na implantação do Laboratório de RNM e de Cristais Líquidos. Esse período foi bastante frutífero, possibilitando a formação de vários especialistas nessas áreas, bem como o estabelecimento de pesquisadores que hoje atuam em vários centros no país.
Em 1974, concluiu o seu doutorado sob a orientação de Leonard Reeves, numa trajetória bem sucedida, pontuada pela influência marcante dos Professores Pawell Krumholz e Simão Mathias. Foi no convívio próximo com Mathias, que o Atílio aprendeu a olhar para a ciência com a visão histórica do grande mestre Heinrich Rheinboldt.
Em 1976, dirigiu-se para um estágio de pós-doutorado com o Prof. Reeves, no Canadá, vindo a estabelecer um grupo bastante ativo de pesquisa, após o retorno. A elucidação da estrutura molecular de espécies orientadas em cristais líquidos, mediante o uso da ressonância magnética nuclear, representou uma contribuição muito importante desse grupo. Suas atividades científicas atingiram o ponto culminante em 1985, quando conquistou o título de Livre-Docente. Em sua carreira, Atílio orientou 5 mestrados e 5 doutorados no Instituto de Química da USP, tendo produzido cerca de 27 trabalhos científicos indexados e mais de uma centena de publicações não indexadas, porém de ampla divulgação nos meios de comunicação. Seu ensaio sobre Alquimistas e Químicos, já na 14a. edição, lhe rendeu o Prêmio Jaboti outorgado pela Câmara Brasileira do Livro, em 1995.
Sua atividade didática no IQUSP sempre foi bastante intensa, destacando-se principalmente como docente nas disciplinas de físico-química, química geral, química do meio ambiente, evolução dos conceitos de química, e termodinâmica aplicada a processos químicos e biológicos. Pela facilidade de comunicação com os alunos, o Atílio tornou-se, durante muitos anos, presença obrigatória na abertura do ano acadêmico, proferindo palestras de orientação curricular, com a preocupação de enaltecer o significado da vida universitária para os alunos ingressantes.
Membro fundador da Sociedade Brasileira de Química, ocupou na diretoria o cargo de tesoureiro, no período de julho de 1984 a junho de 1986. Participou ativamente das reuniões anuais da SBQ, tendo integrado várias das Comissões Organizadoras. Foi também participante freqüente das reuniões da SBPC.
Durante a comemoração do cinqüentenário da USP em 1984, o Atílio pode realizar seu velho sonho de infância, de bruxo e alquimista, deixando fluir toda a magia então acumulada, através dos magníficos shows do grupo Química em Ação, sob sua coordenação. Essa realização contou com o apoio irrestrito de vários alunos e docentes do Instituto e surgiu como parte da proposta de criação e institucionalização da Semana da Química. Também introduziu esse show na programação das reuniões anuais da SBQ, sendo tal o sucesso alcançado que foi mantido, nas reuniões, por vários anos. Sem dúvida, a enorme repercussão do Química em Ação, através de três centenas de apresentações que envolveram no total, um público estimado em 50 mil pessoas, acabou tendo um papel muito importante na divulgação da Química para a comunidade. Desde então, a forte ligação com os meios de comunicação e com o ensino médio, passou a ser característica marcante em sua vida acadêmica. Foi consultor bastante solicitado dos programas Eureka - TV Cultura e Globo Ciência. Sua participação nas colunas jornalísticas foi igualmente intensa, promovendo o esclarecimento de dúvidas do leitor sobre os fatos da química no cotidiano e ressaltando, sempre que possível, a importância da química na solução dos problemas ambientais, diante da visão distorcida não raramente veiculada pela imprensa. Em 1992, recebeu o Prêmio Heinrich Rheinboldt, conferido pelo Sindicato dos Químicos e Engenheiros Químicos de São Paulo, juntamente com o Prof. Luiz Roberto de Moraes Pitombo, pela sua notável contribuição ao ensino e divulgação da Química.
Ao assumir a vice-diretoria da FUVEST, em 1993, cargo para o qual foi reeleito sucessivamente desde então, o Atílio tornou-se um notável locutor dos ideais universitários, projetando a imagem da Universidade e conduzindo a orientação dos exames vestibulares, através de mais de 30palestras anuais e principalmente, através da mídia. Era um entusiasta do Programa Ciência ao Meio Dia, que acontecia no final dos anos 80, no auditório da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, representando uma importante iniciativa da SBPC para aproximar a Universidade do grande público, através de seminários proferidos por um elenco de cientistas, do qual também fazia parte. Foi representante da categoria dos bacharéis em Química no Conselho Regional (4a região) a partir de 1990. Refletindo sua participação na esfera profissional da Química, passou a pesquisar a origem da atividade industrial e o desenvolvimento da indústria química brasileira, destacando-se pelos inúmeros e interessantes artigos de divulgação publicados na Revista do CRQ4. Em reconhecimento pelos serviços relevantes, o Atílio recebeu os diplomas de mérito, outorgados pelo Conselho Federal de Química, em 1994 e 1996.
Na última década, suas inúmeras atividades de extensão o afastaram gradualmente do convívio com os colegas do Instituto de Química, deixando uma lacuna crescente até a sua passagem. É nosso testemunho que os últimos anos, tão difíceis e sofridos, não abalaram a essência que marcou a sua vida; o brilho em seus olhos sempre permeou a visão sonhadora e otimista que passava a todos. Impossível também esquecer a emoção com que se referia aos seus familiares, e em particular ao seu querido filho, Marcos Atílio. É assim que o Atílio entrará para a história da nossa ciência: um mago sonhador, capaz de vislumbrar os detalhes íntimos dos sistemas químicos e a estrutura dinâmica dos cristais líquidos; sempre explorando o significado dos fatos em seus apaixonados discursos, enveredando-se freqüentemente pela semântica, e principalmente, enfeitiçando e cativando o público.
Henrique E. Toma e Paulo S. Santos
Instituto de Química, USP
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Ago 2001 -
Data do Fascículo
Ago 2001