Resumo
This work describes the mechanism of action of some reactive oxygen species (ROS) and reactive nitrogen species (RNS) in the oxidative stress of the human body, and their consequences on damage to DNA, RNA, proteins and lipids. It also illustrates the defense system of our organism against these ROS and RNS species. The action of nonenzymatic protection systems is reported, with emphasis on micromolecules like Q10 coenzyme, vitamin C, alpha-tocopherol, carotenoids and flavonoids. The importance of flavonoids is also emphasized, and their body protection mechanism is detailed.
oxidative stress; antioxidants; reactive species
oxidative stress; antioxidants; reactive species
DIVULGAÇÃO
Estresse oxidativo: relação entre geração de espécies reativas e defesa do organismo
Oxidative stress: relations between the formation of reactive species and the organism's defense
André L. B. S. BarreirosI; Jorge M. DavidI, *; Juceni P. DavidII
IInstituto de Química, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador-BA
IIFaculdade de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador-BA
ABSTRACT
This work describes the mechanism of action of some reactive oxygen species (ROS) and reactive nitrogen species (RNS) in the oxidative stress of the human body, and their consequences on damage to DNA, RNA, proteins and lipids. It also illustrates the defense system of our organism against these ROS and RNS species. The action of nonenzymatic protection systems is reported, with emphasis on micromolecules like Q10 coenzyme, vitamin C, a-tocopherol, carotenoids and flavonoids. The importance of flavonoids is also emphasized, and their body protection mechanism is detailed.
Keywords: oxidative stress; antioxidants; reactive species.
INTRODUÇÃO
Atualmente existe um grande interesse no estudo dos antioxidantes devido, principalmente, às descobertas sobre o efeito dos radicais livres no organismo. A oxidação é parte fundamental da vida aeróbica e do nosso metabolismo e, assim, os radicais livres são produzidos naturalmente ou por alguma disfunção biológica. Esses radicais livres cujo elétron desemparelhado encontra-se centrado nos átomos de oxigênio ou nitrogênio são denominados ERO ou ERN1-4. No organismo, encontram-se envolvidos na produção de energia, fagocitose, regulação do crescimento celular, sinalização intercelular e síntese de substâncias biológicas importantes. No entanto, seu excesso apresenta efeitos prejudiciais, tais como a peroxidação dos lipídios de membrana e agressão às proteínas dos tecidos e das membranas, às enzimas, carboidratos e DNA5. Dessa forma, encontram-se relacionados com várias patologias, tais como artrite, choque hemorrágico, doenças do coração, catarata, disfunções cognitivas, câncer e AIDS, podendo ser a causa ou o fator agravante do quadro geral6.
O excesso de radicais livres no organismo é combatido por antioxidantes produzidos pelo corpo ou absorvidos da dieta. De acordo com Halliwell3 "Antioxidante é qualquer substância que, quando presente em baixa concentração comparada à do substrato oxidável, regenera o substrato ou previne significativamente a oxidação do mesmo". Os antioxidantes produzidos pelo corpo agem enzimaticamente, a exemplo da GPx, CAT e SOD2 ou, não-enzimaticamente a exemplo de GSH, peptídeos de histidina, proteínas ligadas ao ferro (transferrina e ferritina), ácido diidrolipóico e CoQH2. Além dos antioxidantes produzidos pelo corpo, o organismo utiliza aqueles provenientes da dieta como o a-tocoferol (vitamina-E), b-caroteno (pro-vitamina-A), ácido ascórbico (vitamina-C), e compostos fenólicos onde se destacam os flavonóides e poliflavonóides4,7. Dentre os aspectos preventivos, é interessante ressaltar a correlação existente entre atividade antioxidante de substâncias polares e capacidade de inibir ou retardar o aparecimento de células cancerígenas, além de retardar o envelhecimento das células em geral8. Outro interesse ligado aos antioxidantes é a sua aplicação na indústria, para a proteção de cosméticos, fármacos e alimentos, prevenindo a decomposição oxidativa desses pela ação da luz, temperatura e umidade9.
O ESTRESSE OXIDATIVO
O organismo humano sofre ação constante de ERO e ERN geradas em processos inflamatórios, por alguma disfunção biológica ou provenientes dos alimentos. As principais ERO distribuem-se em dois grupos, os radicalares: hidroxila (HO), superóxido (O2-), peroxila (ROO) e alcoxila (RO); e os não-radicalares: oxigênio, peróxido de hidrogênio e ácido hipocloroso. Dentre as ERN incluem-se o óxido nítrico (NO), óxido nitroso (N2O3), ácido nitroso (HNO2), nitritos (NO2-), nitratos (NO3-) e peroxinitritos (ONOO-)10. Enquanto alguns deles podem ser altamente reativos no organismo atacando lipídios, proteínas e DNA, outros são reativos apenas com os lipídios. Existem ainda alguns que são pouco reativos, mas apesar disso podem gerar espécies danosas.
O radical HO é o mais deletério ao organismo, pois devido a sua meia-vida muito curta dificilmente pode ser seqüestrado in vivo. Estes radicais freqüentemente atacam as moléculas por abstração de hidrogênio e por adição a insaturações. Nos experimentos de laboratório o HO pode facilmente ser seqüestrado in vitro por inúmeras moléculas, devido a sua alta reatividade. No entanto, para que os resultados in vitro se reproduzam in vivo, é necessário ministrar alta concentração do antioxidante para que este alcance o local onde o radical HO está presente em concentração suficiente para suprimí-lo. Existem duas maneiras de controlar a presença do radical HO: reparar os danos causados por ele ou inibir sua formação.
O radical HO é formado no organismo principalmente por dois mecanismos: reação de H2O2 com metais de transição e homólise da água por exposição à radiação ionizante6 (Equação 1). A incidência de radiação no ultravioleta, radiação g e raios X podem produzir o radical HO nas células da pele. O ataque intensivo e freqüente deste radical pode originar mutações no DNA e, conseqüentemente, levar ao desenvolvimento de câncer em seres humanos no período de 15 a 20 anos.
O peróxido de hidrogênio isoladamente é praticamente inócuo, porém pode se difundir facilmente através das membranas celulares como, por ex., a membrana do núcleo. Devido ao fato da célula possuir metais de transição, ocorre geração do radical HO em seu interior5 (Equação 2).
Em nosso organismo, os metais de transição mais importantes para a ocorrência dessa reação são Cu1+ e Fe2+. Nesse sistema, a importância do ferro é mais pronunciada devido a sua maior biodisponibilidade e, no organismo, na maior parte do tempo ele encontra-se complexado com proteínas de transporte (ex. transferrina), e armazenamento (ex. ferritina e hemosiderina). A reação do Fe2+ com o H2O2 (reação de Fenton) pode ser representada de maneira simplificada na Equação 3 ou de forma mais complexa na Equação 4.
O radical hidroxila causa danos ao DNA, RNA, às proteínas, lipídios e membranas celulares do núcleo e mitocondrial. No DNA ele ataca tanto as bases nitrogenadas quanto a desoxirribose (Figura 1). O ataque ao açúcar pode ser realizado por abstração de um dos átomos de hidrogênio (1-3) e quase sempre leva à ruptura da cadeia de DNA10. O mecanismo dessa ruptura tem como principais produtos 5'-8-ciclo-2'-desoxiadenosina 8OHdA (4) e 5'-8-ciclo-2'-desoxiguanosina 8OHdG (5). A eletrofilicidade do HO possibilita sua interação com as bases nitrogenadas por adição às insaturações em sítios de alta densidade eletrônica. Assim, reage com as bases púricas por adição a C-4 e C-8, e em menor proporção com C-5, gerando 2,6-diamino-4-hidroxi-5-formamidopirimidina (FapyG) (6), 4,6-diamino-5-formamido-pirimidina (FapyA) (7), 8-oxo-7,8-diidro-2'-desoxiguanosídeo (8-oxoG) (8), 8-oxoA (9)11 (Figura 1). O ataque às bases pirimidínicas dá-se por adição à ligação dupla D5,6, e produz os radicais livres em C-6 e C-5 nas proporções aproximadamente de 70 e 30%, respectivamente (14 e 15), gerando 5-hidroxi-6-hidrocitosina (16), 6-hidroxi-5-hidrocitosina (17), 5-hidroxi-6-peroxicitosina (20), 6-hidroxi-5-peroxicitosina (21), 5-hidroxi-6-oxocitosina (22) e 6-hidroxi-5-oxocitosina (23). Os radicais peroxila (18 e 19) podem decompor-se gerando citosinaglicol (24) como produto majoritário. A timina sofre a adição do radical à ligação dupla D5,6, formando os radicais livres em C-5 e C-6 (25 e 26), e em menor teor o radical decorrente da abstração de um próton da metila em C-5 (27), que gera 5-hidroxi-6-hidrotimina (28), 6-hidroxi-5-hidrotimina (29), 5-hidroxi-6-oxotimina (36) e timinaglicol (37) como principais produtos10. A fragmentação completa da citosina e da timina é mostrada na Figura 2.
Nos aminoácidos e proteínas, HO pode reagir na cadeia lateral, onde ataca preferencialmente cisteína, histidina, triptofano, metionina e fenilalanina, e, em menores proporções, arginina e asparagina11. Os ataques aos aminoácidos que compõem as proteínas podem gerar danos como clivagens de ligações com ou sem geração de fragmentos e ligações cruzadas, o que pode ter como conseqüência perda de atividade enzimática, dificuldades no transporte ativo através das membranas celulares, citólise e morte celular. O ataque ocorre por adição do radical ou por abstração de hidrogênio. Todos os aminoácidos podem sofrer abstração do hidrogênio do carbono Ca -COO- ligado ao carboxilato e ao grupo amino. Essa abstração, com exceção da glicina, leva à perda de CO2 e formação de carbono radicalar11. Na Figura 3 são mostrados os principais produtos dessas reações, destacando-se o tio-hidroperóxido (42), cistina (43)12, 2-oxo-histidina (44) em equilíbrio com a 2-hidroxi-histidina (45)13, metionina sulfóxido (46), metionina sulfona (47)14, derivados da arginina, lisina e prolina (48, 49 e 50), nitroacetato (51), oxima (52), hidroxilamina (53)14, oxalato (54)11 e derivados da tirosina (55-60).
O exemplo mais comum do ataque de radicais hidroxila a lipídios é a ação deste nos lipídios de membrana. Os radicais livres centrados no oxigênio (HO) atacam a cadeia lipídica em sítios susceptíveis como o grupo metilênico alílico, convertendo-o em novo centro de radical livre. O carbono radicalar facilmente adiciona oxigênio gerando o radical lipídio-peroxila, que pode facilmente atacar as proteínas de membrana, produzindo danos nas células A Figura 6 traz exemplos dessa atuação. Os ácidos graxos poliinsaturados são mais susceptíveis ao ataque por radicais livres, devido ao carbono metilênico bis-alílico. O radical formado pela abstração do hidrogênio gera os ácidos decadienóicos HPODE, 13-Z,E-HPODE (61), 9-E,Z-HPODE (62), 9-E,E-HPODE (63) e 13-E,E-HPODE (64) e a decomposição destes gera os aldeídos a,b-insaturados 4-hidroperoxi-2-nonenal (65), 4-hidroxi-2-nonenal (66), 4-oxo-2-nonenal (67) e 4,5-epóxi-2(E)-decenal (68). Aldeídos a,b-insaturados são conhecidos por sua ação genotóxica, pois em presença do 2'-desoxiguanosídeo e do 2'-desoxiadenosídeo sofrem adição gerando heptanona-eteno-desoxiguanosídeo (69), heptanona-eteno-desoxiadenosídeo (70), eteno-desoxiadenosídeo (71), eteno-adenosídeo e hexanol-1,N-2-propano-desoxiguanosídeo (72). A decomposição dos ácidos graxos com três ou mais insaturações gera como produto adicional o aldeído malônico (73), que pode se adicionar ao 2'-desoxiguanosídeo gerando pirimidol-[1,2a]purin-10-ona desoxiguanosídeo (74)15 (Figura 4).
A forma mais deletéria do oxigênio ao organismo é o oxigênio singleto (1O2), pois é a causa ou o intermediário da toxicidade fotoinduzida do O2 em organismos vivos. O seu tempo de meia-vida depende muito do meio onde se encontra. Em meio aquoso, sua meia-vida é muito pequena, pois ele se choca com as moléculas de H2O transferindo sua energia, desativando-se e retornando à forma de oxigênio tripleto. Em meio orgânico é mais comum a ocorrência de choque com transferência de energia, sem reação química, seguida da dissipação dessa energia na forma de calor. Esse tipo de choque é denominado "quenching" colisional e representa a forma como a água desativa o 1O2. Porém, em meio orgânico, a meia-vida do oxigênio singleto é maior e, portanto, pode causar algumas reações químicas com determinados aceptores por incorporação do O2. O oxigênio singleto reage com algumas classes de biomoléculas e, em geral, essas reações são do tipo eno (Equação 5) e dieno (reações de Diels-Alder) (Equação 6). Os compostos naturais mais reativos frente ao 1O2 são os carotenóides, devido as múltiplas insaturações conjugadas. Assim, o 1O2 reage mais lentamente com os ácidos graxos que com o b-caroteno, e quanto maior o número de insaturações presentes nos ácidos graxos, mais rapidamente eles irão reagir. Essa reação se dá por incorporação do oxigênio à cadeia com conseqüente migração da ligação dupla, formando ácidos hidroperóxidos como os HPODE16 (Figura 4).
Na Figura 3 estão representados os produtos da reação do 1O2 com os aminoácidos cisteína, metionina, triptofano, tirosina e histidina27. A reação do oxigênio singleto com os ácidos nucléicos é significativa apenas para a base guanina, que origina 8OHG (8).
O peróxido de hidrogênio (H2O2) é pouco reativo frente às moléculas orgânicas na ausência de metais de transição. No entanto, exerce papel importante no estresse oxidativo por ser capaz de transpor as membranas celulares facilmente e gerar o radical hidroxila. Ele somente oxida proteínas que apresentem resíduos de metionina ou grupos tiol muito reativos, GSH por ex.
O H2O2 é gerado in vivo pela dismutação do ânion-radical superóxido (O2) por enzimas oxidases ou pela b-oxidação de ácidos graxos. As mitocôndrias são importantes fontes de O2 e, como a presença deste ânion-radical pode causar sérios danos, elas são ricas em SOD que o converte em H2O2. O peróxido de hidrogênio gerado é então parcialmente eliminado por catalases, glutationa peroxidase e peroxidases ligadas à tioredoxina, mas como essa eliminação tem baixa eficiência, grande parte do H2O2 é liberado para a célula18. O H2O2 também pode ser encontrado em bebidas como chás e principalmente café instantâneo e, rapidamente se difunde pelas células da cavidade oral e do trato gastrintestinal. Pode também ser produzido por bactérias presentes na boca, sendo utilizado pela peroxidase salivar para oxidar o tiocianeto (SCN) em tiocianato (OSCN), um produto tóxico para certas bactérias. Ele é utilizado pelos fagócitos na produção de ácidos hipoalogenosos, que são oxidantes muito efetivos no combate a vírus, bactérias e outros corpos estranhos, mas que por outro lado apresentam efeitos deletérios quando expostos às moléculas biológicas14,18.
A maior fonte de energia para os organismos aeróbicos está na terceira etapa da respiração, que ocorre no interior da mitocôndria, onde uma molécula de O2 é reduzida a duas moléculas de H2O, com consumo de 4 elétrons (Equação 7). Nas equações seguintes (Equações 8-11) estão descritas as etapas da redução de O2, formação de radical hidroxila e a segunda molécula de água (Equação 11)19.
O radical ânion superóxido (O2) ao contrário da maioria dos radicais livres é inativo. Em meio aquoso, sua reação principal é a dismutação, na qual se produz uma molécula de peróxido de hidrogênio e uma molécula de oxigênio (Equação 12). Ele também é uma base fraca cujo ácido conjugado, o radical hidroperóxido (HOO) é mais reativo (Equação 13).
O radical ânion superóxido (O2) participa de certos processos químicos importantes no contexto biológico. O principal deles é auxiliar na produção de radical HO, através da redução de quelatos de Fe (III) (Equação 14), formando Fe+2. Assim, o HO pode ser obtido através da reação de Haber-Weiss6,20 (Equação 15).
Além disso, o radical ânion O2 possui a habilidade de liberar Fe2+ das proteínas de armazenamento e de ferro-sulfoproteínas, tais como ferritina e aconitase, respectivamente. O radical ânion O2 também reage com o radical HO produzindo oxigênio singleto 1O2 (Equação 16) e com o óxido nítrico (NO) produzindo peroxinitrito (ONOO-) (Equação 17).
A atuação do radical ânion superóxido (O2) como oxidante direto é irrelevante. Dentre os aminoácidos, o único que sofre oxidação com o radical O2 é a cisteína. A partir dessa reação forma-se um superóxido (42) e o tio-radical (43) (Figura 3)18. Além disso, o radical ânion superóxido O2 presente no organismo é eliminado pela enzima superóxido dismutase, que catalisa a dismutação de duas moléculas de O2 em oxigênio e peróxido de hidrogênio (Equação 12). Este último, quando não eliminado do organismo pelas enzimas peroxidases e catalase, pode gerar radicais hidroxila18.
Apesar destes efeitos danosos, o radical O2 tem importância vital para as células de defesa e sem ele o organismo está desprotegido contra infecções causadas por vírus, bactérias e fungos. O radical O2 é gerado in vivo por fagócitos ou linfócitos e fibroblastos durante o processo inflamatório, para combater corpos estranhos. Os fagócitos o produzem com auxílio da enzima leucócito NADPH oxidase, que catalisa a redução por um elétron do O2 com gasto de uma molécula de NADPH (Equação 18)18,19.
O radical ânion superóxido formado é bactericida fraco, capaz de inativar proteínas ferro-sulfurosas das bactérias, porém gera alguns produtos que possuem forte atividade antimicrobiana, tais como ácido hipocloroso (HOCl), peróxido de hidrogênio (H2O2) e peroxinitrito (ONOO) que são os principais responsáveis pelo combate a corpos estranhos.
Em alguns casos o radical ânion O2 age como antioxidante, reduzindo semiquinonas para que elas possam retomar suas atividades metabólicas na célula. Um exemplo é a redução da ubiquinona para ubiquinol, no interior da mitocôndria18,19.
Por fim, o radical ânion superóxido funciona como sinalizador molecular através da sua capacidade de oxidar grupos SH em ligações dissulfeto (Equação 19), podendo ativar e desativar enzimas que contenham metionina.
O radical óxido nítrico (NO) pode ser produzido no organismo pela ação da enzima óxido nítrico sintase a partir de arginina, oxigênio e NADPH, gerando também NADP+ e citrulina21. Esse radical também pode ser produzido em maiores quantidades através dos fagócitos humanos, quando estimulados10,18. O nitrato pode transformar-se em nitrito, que reage com os ácidos gástricos gerando o ácido nitroso (HNO2). O óxido nitroso (N2O3) também é precursor do HNO2 através da sua reação com a água. O HNO2 promove a desaminação das bases do DNA que contêm grupo NH2 livre que são citosina, adenina e guanina, formando-se uracila, hipoxantina (11) e xantina (12), respectivamente (Figura 1)10. O óxido nítrico NO não é suficientemente reativo para atacar o DNA diretamente, mas pode reagir com o radical ânion superóxido O2-, produzido pelos fagócitos, gerando peroxinitrito. Esse último, por sua vez, pode sofrer reações secundárias formando agentes capazes de nitrar aminoácidos aromáticos, a exemplo da tirosina gerando nitrotirosina (59) e as bases do DNA, em particular a guanina, na qual o produto principal é a 8-nitroguanina (13)10,18,22. A presença do tampão CO2/HCO3- contribui para a nitração de biomoléculas pois o carbonato ao ser protonado forma o radical HCO3 e este oxida anéis aromáticos, produzindo bicarbonato (HCO3-) e o radical aromático correspondente, facilitando a entrada do radical NO2 23.
A PROTEÇÃO AO ORGANISMO CONTRA O ESTRESSE OXIDATIVO
Os radicais livres promovem reações com substratos biológicos podendo ocasionar danos às biomoléculas e, conseqüentemente, afetar a saúde humana. Os danos mais graves são aqueles causados ao DNA e RNA. Se a cadeia do DNA é quebrada, pode ser reconectada em outra posição alterando, assim, a ordem de suas bases. Esse é um dos processos básicos da mutação e o acúmulo de bases danificadas pode desencadear a oncogênese. Uma enzima que tenha seus aminoácidos alterados pode perder sua atividade ou, ainda, assumir atividade diferente. Ocorrendo na membrana celular, a oxidação de lipídios interfere no transporte ativo e passivo normal através da membrana, ou ocasiona a ruptura dessa, levando à morte celular. A oxidação de lipídios no sangue agride as paredes das artérias e veias, facilitando o acúmulo desses lipídios, com conseqüente aterosclerose, podendo causar trombose, infarto ou acidente vascular cerebral. As proteções conhecidas do organismo contra as ERO e ERN abrangem a proteção enzimática ou por micromoléculas, que podem ter origem no próprio organismo ou são adquiridas através da dieta.
As macromoléculas são representadas pelas enzimas e podem atuar diretamente contra as ERO e ERN ou, ainda, reparar os danos causados ao organismo por essas espécies. Um exemplo é a catalase (CAT) que converte o peróxido de hidrogênio em H2O e O2. Outras são capazes de eliminar a molécula ou a unidade dessa que se encontra danificada, como por ex., as enzimas responsáveis pela excisão das bases nitrogenadas danificadas e substituição por outras intactas10,19. São conhecidos três sistemas enzimáticos antioxidantes: o primeiro é composto por dois tipos de enzimas SOD, que catalisam a destruição do radical ânion superóxido O2-, convertendo-o em oxigênio e peróxido de hidrogênio. A decomposição do radical ânion superóxido O2- ocorre naturalmente porém, por ser uma reação de segunda ordem, necessita que ocorra colisão entre duas moléculas de O2-, de forma que há necessidade de maior concentração do radical ânion superóxido. A presença da enzima SOD favorece essa dismutação tornando a reação de primeira ordem, eliminando a necessidade da colisão entre as moléculas. A ação desta enzima permite a eliminação do O2- mesmo em baixas concentrações. Existem duas formas de SOD no organismo, a primeira contém Cu2+ e Zn2+ como centros redox e ocorre no citosol, sendo que sua atividade não é afetada pelo estresse oxidativo. A segunda contém Mn2+ como centro redox, ocorre na mitocôndria e sua atividade aumenta com o estresse oxidativo19. O segundo sistema de prevenção é muito mais simples, sendo formado pela enzima catalase que atua na dismutação do peróxido de hidrogênio (H2O2) em oxigênio e água19 (Equação 20).
O terceiro sistema é composto pela GSH em conjunto com duas enzimas GPx e GR. A presença do selênio na enzima (selenocisteína) explica a importância desse metal e sua atuação como antioxidante nos organismos vivos. Esse sistema também catalisa a dismutação do peróxido de hidrogênio em água e oxigênio, sendo que a glutationa opera em ciclos entre sua forma oxidada e sua forma reduzida19. A GSH reduz o H2O2 a H2O em presença de GPx, formando uma ponte dissulfeto e, em seguida, a GSH é regenerada (Equações 21-23).
Dentre os antioxidantes biológicos de baixo peso molecular, podem ser destacados os carotenóides, a bilirrubina, a ubiquinona e o ácido úrico. Porém, as mais importantes micromoléculas no combate ao estresse oxidativo são os tocoferóis e o ácido ascórbico (vitamina C)19.
Vitamina C no ciclo oxidativo
O ácido ascórbico ou vitamina C é comumente encontrado em nosso organismo na forma de ascorbato (75). Por ser muito solúvel em água, está localizado nos compartimentos aquosos dos tecidos orgânicos. O ascorbato desempenha papéis metabólicos fundamentais no organismo humano, atuando como agente redutor, reduzindo metais de transição (em particular Fe3+ e Cu2+) presentes nos sítios ativos das enzimas ou nas formas livres no organismo24. Por ser um bom agente redutor o ascorbato pode ser oxidado pela maioria das ERO e ERN que chegam ou são formadas nos compartimentos aquosos dos tecidos orgânicos. Sua oxidação produz inicialmente o radical semidesidroascorbato (76), que é pouco reativo. Esse radical pode ser reconvertido em ascorbato, ou duas moléculas dele podem sofrer desproporcionamento originando uma molécula de desidroascorbato (77) e regenerando uma molécula de ascorbato. O desidroascorbato pode ser então regenerado para ascorbato através de um sistema enzimático, ou ser oxidado irreversivelmente gerando oxalato (78) e treonato (79)19,24 (Figura 5). Tendo em vista que o ascorbato converte as ERO e ERN em espécies inofensivas e que os derivados do ascorbato são pouco reativos, esse age como antioxidante in vivo. Devido a estas propriedades, muitos autores sugerem a ingestão diária de doses maiores de ascorbato, para proteção contra o desenvolvimento de doenças crônicas, cardiovasculares e de alguns tipos de câncer24.
O ascorbato possui também propriedades pró-oxidantes pois os íons Fe2+ e Cu1+ reagem com o peróxido de hidrogênio (reação de Fenton, Equação 3) gerando o radical hidroxila. Indiretamente, o ascorbato pode induzir as reações de radicais livres. Porém, em função do Fe encontrar-se, na maior parte do tempo, ligado a proteínas de transporte ou armazenamento, em situação normal, as propriedades antioxidantes do ascorbato suplantam suas propriedades pró-oxidantes24. O ascorbato pode atuar contra a peroxidação de lipídios de duas maneiras: no plasma sanguíneo, atua na prevenção através da reação com as ERO e ERN presentes, ou na restauração doando hidrogênio ao radical lipídio (80). Isso explica seu papel na prevenção de doenças cardiovasculares, devido ao fato de que sem a formação dos radicais lipídio-peroxila (81) não ocorre o ataque às proteínas das paredes dos vasos e artérias sanguíneos, causando o acúmulo de lipídios nessas paredes e, conseqüentemente, seu entupimento. Por outro lado, nas membranas celulares ele atua em parceria com o a-tocoferol (82). O radical livre normalmente abstrai um próton do carbono metilênico alílico, e o radical lipídio formado (80) rapidamente adiciona oxigênio tripleto gerando o radical lipídio-peroxila (81). Nesta etapa, o tocoferol (82) age doando um hidrogênio para esse radical formando o lipídio-hidroperóxido (83) e o radical tocoferoxila (84). O ascorbato (75) na interface da membrana celular regenera o tocoferol doando um hidrogênio, transformando-se em semidesidroascorbato (76) (Figura 6). As enzimas fosfolipase A2, fosfolipídio hidroperóxido glutationa peroxidase, GPx e ácido graxo coenzima A restauram o lipídio25.
O papel do ascorbato na proteção à oxidação do DNA e, conseqüentemente, sua ação preventiva no câncer é ambíguo. Estudos indicam que o consumo de ascorbato inferior ao recomendado (40-60 mg/dia), por ex., consumo de 5 mg/dia aumentou os níveis de 8OHdG (5) em 91%. O consumo de 60 mg/dia reduziu os níveis de 8OHdG e 8OHG (8) no organismo reduzindo-se, assim, o risco de câncer. Foi verificado que uma suplementação superior a 500 mg/dia de ascorbato fez com que os níveis de 8OHdG e 8OHG decrescessem ainda mais, porém ocorrendo aumento nos níveis de 8OHA (9), Fapy-A (7) e Fapy-G (6). Mesmo com o aumento dessas espécies, o processo pode ser considerado benéfico, pois o 8OHdG e o 8OHG têm maior poder mutagênico que 8OHA, Fapy-A e Fapy-G. Não está estabelecido se a queda nos níveis de 8OHdG e 8OHG é conseqüência direta da ação do ascorbato como antioxidante ou da sua atuação como cofator das enzimas de reparo. Além disso, os níveis de 8OHA, Fapy-A e Fapy-G só aumentam expressivamente quando a concentração de ascorbato no plasma sanguíneo está acima de 70 µM. Como a ingestão de 100 mg/dia promovia uma concentração de 60 µM no plasma, recomendou-se uma ingestão entre 100-200 mg/dia, para otimizar suas propriedades antioxidantes sem causar danos ao DNA24.
A vitamina E no ciclo oxidativo
A vitamina E é constituída principalmente por quatro tocoferóis, e secundariamente por quatro tocotrienóis, sendo o a-tocoferol (82) o mais ativo26. Estudos comprovam que a vitamina E é um eficiente inibidor da peroxidação de lipídios in vivo. Estas substâncias agem como doadores de H para o radical peroxila, interrompendo a reação radicalar em cadeia. Cada tocoferol pode reagir com até dois radicais peroxila e, nesse caso, o tocoferol é irreversivelmente desativado. Para que eles não se desativem, necessitam do mecanismo de regeneração sinergético com o ascorbato nas membranas celulares e com a ubiquinona na membrana mitocondrial25,27 (Figura 6).
A reação de doação do H radicalar fenólico para os radicais peroxila é acelerada pela presença de um grupo metoxi em para, pois este estabiliza o radical formado por ressonância, e grupos metila em orto ou em orto e meta que apresentam pequeno impedimento estérico. Ao mesmo tempo, essa reação é retardada quando a hidroxila fenólica se encontra estericamente impedida por grupos alquila maiores em orto, ou quando em presença de um grupo retirador de elétrons em para. Deste modo, não é possível prever qual dos tocoferóis tem maior atividade. No entanto, estudos cinéticos realizados in vitro demonstram que o a-tocoferol possui uma constante de velocidade grande (k= 235 ± 50 M-1 s-1) para a transferência do H para um radical peroxila. Essa constante é maior que para a maioria dos antioxidantes sintéticos e ligeiramente superior aos outros tocoferóis: b-tocoferol (k= 166 ± 33 M-1 s-1), g-tocoferol (k= 159 ± 42 M-1 s-1) e d-tocoferol (k= 65 ± 13 M-1 s-1). Esses resultados estão em acordo com o observado em testes in vivo28.
As observações do efeito cinético em a-tocoferol com a hidroxila fenólica marcada com deutério confirmam que a reatividade reside na porção fenólica da molécula. Com base nessa observação foram avaliadas as constantes de velocidade de doação do H para o 2,3,5,6-tetrametil-4-metoxifenol (TMMP) (85) e o 2,2,5,7,8-pentametil-6-hidroxicromano (PMHC) (86). Observa-se que a constante de velocidade para o TMMP (k= 21 ± 2 M-1 s-1) representa apenas 9% da atividade do a-tocoferol, enquanto que para o PMHC (k= 214 ± 81 M-1 s-1) é aproximadamente idêntica à atividade do a-tocoferol. Esta aparente incoerência pode ser explicada por efeitos estéricos. A presença do grupo metoxi em para nos fenóis (87) aumenta a velocidade de doação do H radicalar. Isso é devido ao fato que o elétron não ligante do oxigênio metoxílico pode se deslocalizar migrando para o oxigênio do radical fenóxido (88) formando o íon fenolato, que é estabilizado por sua deslocalização com o anel aromático. O radical TMMP não apresenta esse aumento de velocidade na doação do H, devido ao impedimento estérico dos grupos metila. Esses grupos promovem o deslocamento da metoxila por efeito estérico para fora do plano do anel aromático, de modo que o orbital p com o seu par de elétrons fique no plano do anel aromático, inviabilizando a migração do elétron. Com o PMHC e os tocoferóis ocorre o aumento da velocidade de doação do H. Esse fato é explicado pela presença de um segundo anel com o oxigênio, que impede o giro do grupo e mantém o orbital p perpendicular ao anel aromático. Assim, torna-se possível a migração do elétron não ligante do oxigênio do anel para o orbital semipreenchido do oxigênio radicalar (89). Embora o a-tocoferol e o PMHC apresentem atividades semelhantes in vitro, o PMHC apresenta pouca ou nenhuma atividade in vivo. Esse fato é explicado pela cadeia carbônica lateral dos tocoferóis que aumenta sua solubilidade nas biomembranas, sítio onde eles atuam28.
Com base em observações estruturais é de se esperar que os tocotrienóis apresentem atividade semelhante à dos tocoferóis perante as ERO e ERN. Porém a atividade do a-tocotrienol contra a peroxidação de lipídios é maior que a do a-tocoferol, assim como a atividade dos tocotrienóis é maior que a dos respectivos tocoferóis. Essa diferença de atividade é justificada por uma distribuição mais uniforme na bicamada lipídica das membranas, que leva à interação mais eficiente do anel cromano com os radicais lipídicos e à maior eficiência na reciclagem do radical cromanoxila26.
O papel dos carotenóides e da vitamina A no ciclo oxidativo
Dentre os carotenóides, o b-caroteno é a mais importante fonte de vitamina A29. Eles formam um tipo incomum de agentes redutores biológicos, pois reduzem melhor os produtos de oxidação a baixos níveis de oxigênio. Altos níveis de oxigênio levam à destruição dos carotenóides. Na maioria dos tecidos biológicos, o nível de oxigênio é baixo, de modo que os carotenóides adquirem importância como antioxidantes. Os carotenóides agem in vivo como desativadores do oxigênio singleto ou como seqüestradores dos radicais peroxila, reduzindo a oxidação do DNA e lipídios, que está associada a doenças degenerativas, como câncer e doenças cardíacas29.
A principal atividade antioxidante dos carotenóides é a desativação do oxigênio singleto, sendo que a velocidade para essa reação é superior à dos tocoferóis. A desativação do 1O2 pode se dar de duas formas, pela transferência física da energia de excitação do 1O2 para o carotenóide e pela reação química do carotenóide com o 1O2. Em condições normais no organismo, 95% da desativação do 1O2 é física, restando somente 5% para reagir quimicamente, o que torna os carotenóides antioxidantes mais efetivos. Os produtos destas reações são apresentados na Figura 8 29,30.
Uma outra atividade recentemente estudada é do seqüestro de radicais peroxila. Os radicais peroxila adicionam-se à dupla ligação 5-6, 5'-6' ou 15-15' da cadeia do caroteno. Estudos de mecanismo revelaram a preferência pela adição em 5,6 ou 5',6', gerando o radical altamente estabilizado por ressonância (93). Esse radical sofre, então, uma substituição homolítica intramolecular, originando os éteres cíclicos (91 e 92), interconversíveis em meio ácido, além do radical alcoxila30 (Figura 8).
O processo completo de oxidação dos carotenóides pode ser dividido em duas etapas. Na primeira, ocorre a formação de éteres cíclicos e compostos carbonílicos. Na segunda etapa os produtos primários são convertidos em compostos carbonílicos de cadeias menores, com liberação de CO2 e ácidos carboxílicos. O processo completo é descrito por Woodall et al.30,31. Os mecanismos propostos esclarecem a atividade dos carotenóides frente ao oxigênio singleto e aos radicais peroxila, porém não esclarecem a atividade contra outros radicais e se esses são capazes de interromper a reação radicalar em cadeia. Observa-se também a menor atividade antioxidante para os carotenóides que possuem substituição em 4 e/ou 4', em relação aos outros. Essas observações podem ser explicadas pela presença de carbonos metilênico em 4 e 4' vizinhos às insaturações conjugadas, que doam um hidrogênio para os radicais livres, devido ao fato do radical gerado ser extremamente estabilizado por ressonância (94)31.
Outro aspecto da atividade dos carotenóides diz respeito à polaridade. Aqueles que possuem grupos polares nos anéis A e B são efetivos na prevenção da oxidação das membranas. Essa polaridade os localiza de maneira tal que estão em contato mais próximo com a fase aquosa, reagindo com os radicais que penetram a membrana. Os apolares, tais como o licopeno e o b-caroteno são mais regeneradores que preventivos, combatendo os radicais formados com mais eficiência no interior da membrana31. Os retinóides (vitamina A) possuem grupos polares que os localizam na membrana celular na região próxima à fase aquosa. No entanto, eles apresentam atividade antioxidante cerca de cinco vezes menor que a do b-caroteno sendo, provavelmente, a menor extensão da conjugação29,31.
Coenzima Q10 no ciclo oxidativo
A coenzima Q10 é uma ubiquinona lipossolúvel que possui uma cadeia longa isoprenóide lateral. A ubiquinona é o único lipídio endogenamente sintetizado que apresenta função redox32. Embora de forma diferenciada e bem específica essa é biossintetizada por todas as células, o que a torna o maior constituinte da membrana mitocondrial interna, membrana do complexo de Golgi e membrana dos lisossomos. Por outro lado, apenas poucas moléculas são encontradas na membrana do LDL. Essa variação na distribuição sugere funções diferentes para diferentes membranas biológicas. A ubiquinona ingerida como suplemento alimentar distribui-se principalmente entre o fígado e o plasma sanguíneo, não sendo absorvida pelas membranas com concentração elevada desta substância. Nos humanos, sua biossíntese é muito ativa até os 30 anos de idade, época que ocorre a estagnação de sua produção e, a partir desta idade, os níveis de ubiquinona começam a decrescer. Estudos indicam que a administração de suplementos de ubiquinona possui efeito benéfico no tratamento de doenças do coração, degeneração muscular e outras doenças degenerativas33. Sua forma reduzida ubiquinol-10 (CoQH2) é uma hidroquinona que ocorre predominantemente no coração, rins e fígado e a forma oxidada ubiquinona (CoQ10) é abundante no cérebro e no intestino34. A principal função da ubiquinona acontece na membrana mitocondrial interna, onde participa da cadeia de transporte de elétrons e translocação de prótons H+ na mitocôndria, juntamente com os citocromos e as desidrogenases mitocondriais. As desidrogenases oxidam os NADH, NADPH e FADH2 e transferem prótons e elétrons para a ubiquinona, convertendo-a em ubiquinol. Este por sua vez transfere prótons para a matriz mitocondrial e elétrons para os citocromos. Dessa forma, citocromos reduzem o O2 para H2O com esses elétrons e prótons da matriz. Todo esse processo é indispensável para produção de ATP33.
O ciclo redox da ubiquinona, porém, também é capaz de transferir elétrons desemparelhados para aceptores que não participam da cadeia respiratória. A oxidação do ubiquinol dá-se pela doação de hidrogênio para um radical livre, gerando a respectiva semiquinona. O prosseguimento da oxidação leva à formação da ubiquinona com a desativação final de dois radicais livres. Dessa maneira, essa substância possui grande poder antioxidante através do seqüestro de radicais livres, bem como se mostra eficiente na interrupção de reações radicalares em cadeia. Tal atividade está limitada ao meio lipossolúvel, devido a sua longa cadeia lateral16,33.
Outra importante função da ubiquinona é a regeneração do tocoferol na membrana mitocondrial, onde exerce a mesma função regenerativa que o ascorbato exerce na membrana celular. O ubiquinol (101) doa um hidrogênio radicalar para o radical tocoferil (84), gerando ubiquinona semiquinona (102) e a-tocoferol (82). O prosseguimento dessa reação gera ubiquinona e regenera mais uma molécula de a-tocoferol25,27,35 (Figura 9).
A ubiquinona também exerce papel considerável na desativação do radical ânion superóxido, pois este após ser gerado na mitocôndria é prontamente oxidado pela ubiquinona formando oxigênio e a forma reduzida ubiquinol18,19. A cadeia lateral da ubiquinona e ubiquinol também exerce função importante na atividade desses, uma vez que suas insaturações participam na desativação do oxigênio singleto 1O2, tanto por desativação física colisional quanto por adição às insaturações16. Uma última atividade relevante da ubiquinona na mitocôndria é a redução do nitrito (NO2-) a óxido nítrico (NO), que é um agente bioregulador33.
Toda essa atividade antioxidante está favorecida na mitocôndria devido à estabilização do radical livre intermediário (102) pelos seus pares redox, através do fluxo de elétrons da cadeia respiratória. Em pH = 6,0 da mitocôndria esse radical encontra-se predominantemente na forma desprotonada. Nesse estado, sem a presença de seus pares redox ele se desestabiliza em presença de oxigênio, gerando ubiquinona e radical ânion superóxido O2-. Porém, em situações de acúmulo de NADH e/ou NADPH, tal como na isquemia, ou em outras membranas que não possuem tal estabilização, o acúmulo da forma desprotonada aumenta a reação de formação do radical ânion superóxido. Como o ubiquinol possui atividade análoga à SOD, o superóxido é dismutado gerando H2O2. O contato da ubiquinona semiquinona desprotonada com o peróxido de hidrogênio ou o radical peroxila é desastroso, gerando radicais hidroxila (HO) e alcoxila (RO), respectivamente.
Na membrana dos lisossomos a atividade apresentada pela ubiquinona é diferente. Esta membrana é muito rica em ubiquinona, com a peculiaridade de que a espécie dominante é a CoQ9, que se encontra 70% na forma reduzida desprotonada. Sua função é o transporte de H+ para o interior do lisossomo, além de ter uma função prooxidante. Nesse caso, a geração de radicais livres auxilia na função do lisossomo33,34. Nas outras membranas e no plasma, o papel da ubiquinona é fundamentalmente de antioxidante. Como não há a presença dos pares redox da mitocôndria para estabilizar as ubiquinonas semiquinonas, elas são controladas por desproporcionamento onde duas moléculas de semiquinonas geram uma molécula de ubiquinol e uma de ubiquinona. Outra forma de eliminação do excesso de semiquinonas é sua regeneração pelo ascorbato, gerando ubiquinol e semidesidroascorbato. Os efeitos deletérios das semiquinonas são eliminados em condições normais. Isso favorece os efeitos benéficos da ubiquinona, tornando-a útil como antioxidante para o organismo33,34.
Ácido úrico no ciclo oxidativo
O ácido úrico é a principal forma de excreção de nitrogênio das aves e dos répteis. Nos mamíferos, é produto secundário de excreção, derivado das bases purínicas. Na maioria dos tecidos orgânicos encontra-se na forma de ânion urato (pKa1=5,4). Somente a partir dos anos 80 foi demonstrado que é um antioxidante efetivo nos sistemas biológicos, capaz de proteger o DNA e lipídios de ERO e ERN. A alta polaridade do ácido úrico restringe sua atividade ao meio aquoso. A sua concentração nos compartimentos aquosos do organismo encontra-se muito próxima do limite de solubilidade (300 µM). Indivíduos com aterosclerose podem apresentar nível elevado de ácido úrico no sangue, que é indicativo da existência de um mecanismo compensatório encontrado pelo organismo para controlar o estresse oxidativo16,36.
O mecanismo antioxidante do urato (103) pode ser resumido pela reação com a maioria dos agentes oxidantes em velocidade superior a das outras purinas (Figura 10). Nessa reação, há formação do radical urato (104) estabilizado. Devido ao baixo pKa=3,1 do radical urato, esse se encontra na forma de ânion radical urato (105), o que facilita a doação de um próton em conjunto com o elétron. O pKa de segunda ionização de 9,5 não permite que o radical urato se encontre na forma de um diânion no organismo36.
O urato reage rapidamente com o radical hidroxila HO, no entanto, o urato é inerte às espécies superóxido (HOO), radical ânion superóxido (O2), peróxidos (ROOH) e peróxido de hidrogênio (H2O2). Sozinho não é capaz de desativar o oxigênio singleto 1O2, porém no meio biológico ele causa indiretamente sua desativação através da desativação de outras espécies excitadas. Sua reação mais importante é com os radicais peroxila (ROO) e NO2 (gerando NO2). Essa grande atividade contra os radicais peroxila é a base do seu efeito antioxidante protetor do DNA e lipídios. Como ocorre em meio aquoso, o urato reage com os radicais peroxila antes desses penetrarem a membrana e iniciarem seus danos.
O urato é capaz de recuperar estruturas já atacadas que se tornaram radicais livres através da doação de um elétron e um próton. Ele também é responsável pela estabilização do ascorbato no plasma sanguíneo, inibindo a reação de Fenton16,36 através de sua capacidade de quelar íons metálicos como Fe+3, Fe+2, Cu+2 e Cu+ (106 e 107) (Figura 10).
O ânion radical urato pode ser regenerado a urato pelo ascorbato, gerando semidesidroascorbato. Porém, o urato não é capaz de regenerar a vitamina E. A decomposição oxidativa irreversível do urato leva à formação inicialmente da alantoína (108) e prossegue gerando o ácido alantoínico (109), ácido cianúrico, ácido parabânico, ácido oxálico e ácido glioxílico36.
O papel da hemoglobina no ciclo oxidativo
A degradação da hemoglobina libera o grupo heme no organismo. A ferroporfirina ou grupo heme da hemoglobina é liberada no baço, originária das células vermelhas mortas. A sua degradação libera Fe+3 e produz a biliverdina, um intermediário tetrapirrolico linear, que é reduzido pelo NADPH sob ação da enzima biliverdina redutase a bilirrubina, que pode se apresentar na forma lactâmina ou lactímica. O heme não é diretamente transportado pelo sangue devido à sua atividade prooxidante. Devido ao Fe central, esse é capaz de reagir com peróxidos ROOH ou H2O2 originando vários radicais livres (Equações 24-28).
Tanto a biliverdina quanto a bilirrubina possuem propriedades pró e antioxidantes, além de propriedades tóxicas in vitro e in vivo. O aumento da biliverdina é detectado em indivíduos com necrose hepática e pode ampliar a atividade de certos oncogenes do fígado, ocasionando câncer. No entanto, em condições normais a atividade antioxidante da bilirrubina suplanta sua atividade prooxidante38.
A atividade antioxidante da bilirrubina ocorre principalmente quando se encontra ligada à albumina sérica, sendo esse complexo considerado um dos antioxidantes naturais dos fluidos extracelulares. Essa atividade acontece principalmente devido à sua grande reatividade com radicais peroxila (ROO). No entanto, ela também reage com radicais superóxido a 1/10 da velocidade do ascorbato. A reação da bilirrubina com o oxigênio singleto é variável, podendo ser tanto um gerador a partir do oxigênio tripleto, quanto um desativador físico efetivo. Por último, essa exerce o papel de regeneradora do a-tocoferol, embora com menor importância que outros regeneradores, tais como o ascorbato (75) e a CoQ10 (101)16,38.
Flavonóides como antioxidantes
De modo geral, os polifenóis e em particular os flavonóides possuem estrutura ideal para o seqüestro de radicais, sendo antioxidantes mais efetivos que as vitaminas C e E. A atividade antioxidante dos flavonóides depende da sua estrutura e pode ser determinada por cinco fatores: reatividade como agente doador de H e elétrons, estabilidade do radical flavanoil formado, reatividade frente a outros antioxidantes, capacidade de quelar metais de transição e solubilidade e interação com as membranas.
A atividade de seqüestro está diretamente ligada ao potencial de oxidação dos flavonóides e das espécies a serem seqüestradas. Quanto menor o potencial de oxidação do flavonóide, maior é sua atividade como seqüestrador de radicais livres. Flavonóides com potencial de oxidação menor que o do Fe+3 e Cu+2 e seus complexos podem reduzir esses metais, sendo potencialmente prooxidantes, tendo em vista que o Fe+2 e o Cu+ participam da reação de Fenton geradora de radicais livres39. Quanto maior o número de hidroxilas, maior a atividade como agente doador de H e de elétrons40. Flavonóides monoidroxilados apresentam atividade muito baixa, por ex. a 5-hidroxi-flavona tem atividade abaixo dos limites de detecção. Flavonas possuindo apenas uma hidroxila em 3, 6, 3' ou 4', assim como flavanonas apresentando apenas uma hidroxila em 2'-OH, 3'-OH, 4'-OH, 6-OH também mostram fraca atividade. A 7-hidroxi-flavanona representa uma exceção, que pode ser justificada pela tendência maior da 7-OH em doar H devido à estabilização do radical formado por deslocalização com a carbonila em C-4 (110 e 111) (Figura 11). Entretanto, apesar dessa exceção, para proteger os lisossomos e outras membranas contra o estresse oxidativo foi constatada a necessidade de no mínimo duas hidroxilas fenólicas no flavonóide, demonstrando que os monoidroxiflavonóides não são efetivos. Entre os flavonóides diidroxilados, destacam-se aqueles que possuem o sistema catecol (3',4'-diidroxi) no anel B. Os flavonóides com múltiplas hidroxilas como a miricetina (118), quecertina (117), luteolina (119), fustina (120), eriodictiol (121) e taxifolina (122) possuem forte atividade antioxidante quando comparados ao a-tocoferol, ácido ascórbico, b-caroteno, glutationa, ácido úrico e bilirrubina40,41 (Figura 11).
A estabilidade do radical livre flavanoil formado depende da habilidade do flavonóide em deslocalizar o elétron desemparelhado. A presença de hidroxilas em orto é o principal fator que auxilia nessa deslocalização. Os outros fatores são a presença de insaturação no anel C e hidroxila em C-4' em B conjugada com a carbonila; ângulo do anel B do flavonóide e do radical formado em relação ao restante da estrutura, sendo que esse ângulo é regulado pela presença ou ausência de hidroxila em C-3; presença de duas insaturações em C; conjugação da carbonila em C-4 com hidroxila em C-5 e, presença de hidroxila em C-7 42. A doação do H ocorre principalmente nas posições 7-OH > 4'-OH > 5-OH, seguindo a seqüência das constantes de dissociação42. Os flavonóides, devido ao seu caráter fracamente ácido encontram-se, em geral, parcialmente ionizados, o que aumenta a estabilidade na posição C-4' e favorece a deslocalização do elétron desemparelhado do radical formado entre os anéis A, B e C [por ex., quercetina parcialmente ionizada em C-4' (112)]. A doação do H radicalar para o radical livre ocorre principalmente nas posições C-4' (113) e C-7 (114). Ambos os radicais livres formados podem ter seu elétron deslocalizado pela estrutura, com maior estabilidade para os radicais 113, 115 e 116, devido à estabilização resultante das ligações de hidrogênio4,42,43.
A remoção de metais de transição livres no meio biológico é fundamental para a proteção antioxidante do organismo, visto que esses catalisam as reações de Fenton (Equação 3) e de Haber-Weiss (Equação 15). Para a atividade de quelação de metais de transição é fundamental a presença de grupos orto-difenólicos, onde o mais comum é o sistema 3',4'-diidroxi, unidade catecol em B e/ou estruturas cetol como 4-ceto-3-hidroxi e 4-ceto-5-hidroxi. A substituição de qualquer uma das hidroxilas envolvidas na quelação de metais reduz essa atividade devido, principalmente, ao impedimento estérico provocado. Outros sistemas orto-difenólicos em flavonóides menos comuns também podem quelar os metais de transição, como por ex. o 6,7-diidroxi ou 7,8-diidroxi4,39,43.
O último fator importante que influencia a atividade antioxidante dos flavonóides é a sua interação com as biomembranas. A lipofilicidade do flavonóide indica a incorporação desse pela membrana, que é alvo da maioria das ERO e ERN. Assim, deve haver uma concentração mínima do flavonóide por ácido graxo, de modo a assegurar a presença de uma de suas moléculas próxima ao sítio de ataque do radical44. Flavonóides que possuem uma cadeia de açúcares ligada em sua estrutura são muito polares, não sendo assimilados pela membrana, porém, nesta forma eles podem ser armazenados em vesículas, possuindo um tempo maior de permanência no organismo. Os flavonóides que são assimilados pelas membranas exercem a função de moduladores de fluidez. Restringindo essa fluidez os flavonóides geram um impedimento físico para a difusão das ERO e ERN, de modo que decresce a cinética das reações responsáveis pelo estresse oxidativo. Esse tipo de atividade antioxidante é similar ao relatado para o a-tocoferol e o colesterol45.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O organismo humano está sujeito ao estresse oxidativo causado por ERO e ERN provenientes do meio ambiente ou geradas pelo próprio organismo. Entre as biomoléculas alvo dessas espécies encontram-se as que compõem membranas celulares, proteínas DNA e RNA. Hoje em dia sabe-se que a ação de espécies oxidantes sobre o DNA é responsável por mutação ou mesmo oncogênese. No entanto, o organismo é protegido em parte por macro e micromoléculas de origem endógenea ou obtidas diretamente da dieta. A proteção enzimática baseia-se quase que exclusivamente na decomposição de ânion superóxido ou dismutação de peróxido de hidrogênio, agentes oxidantes brandos. Cabe às micromoléculas, tais como tocoferóis, carotenóides e flavonóides entre outros, o papel de impedir o ataque de ERO e ERN ou regenerar os danos causados em sistemas biológicos essenciais. O mecanismo complexo de atividade anti e pró-oxidante destas substâncias é alvo de extensos estudos científicos contemporâneos, tendo em vista que o sucesso destas investigações está diretamente relacionado com a melhoria da qualidade de vida do ser humano.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, à FAPESB e ao IMSEAR pelas bolsas e auxílios.
LISTA DE ABREVIATURAS
8OHdA 5'-8-ciclo-2'-desoxiadenosina
8OHdG 5'-8-ciclo-2'-desoxiguanosina
8-oxoA 8-oxo-7,8-diidro-2'-desoxiadenosídeo
8-oxoG 8-oxo-7,8-diidro-2'-desoxiguanosídeo
AG-CoA Ácido graxo coenzima A
CAT - Catalase
ERN Espécies Reativas de Nitrogênio
ERO Espécies Reativas de Oxigênio
FapyA 4,6-diamino-5-formamido-pirimidina
FapyG 2,6-diamino-4-hidroxi-5-formamidopirimidina
GPx Se-glutationa peroxidase
GR Glutationa Redutase
GSH Glutationa
HPODE Ácido hidroperoxioctadecadienóico
PMHC 2,2,5,7,8-pentametil-6-hidroxicromano
SHi Substituição Homolítica Intramolecular
SOD Superóxido dismutase
TMMP 2,3,5,6-tetrametil-4-metoxifenol
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Recebido em 1/7/04; aceito em 18/5/05; publicado na web em 24/8/05
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Mar 2006 -
Data do Fascículo
Fev 2006
Histórico
-
Aceito
18 Maio 2005 -
Recebido
01 Jul 2004