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Obtenção e avaliação de concentrados proteicos de corvina (Micropogonias furnieri) processados por extração química

Obtainment and evaluation of protein concentrates of whitemouth croaker (Micropogonias furnieri) processed by chemical extraction

Resumo

The objective of this study was to obtain and evaluate physicochemical and functional properties of protein concentrates from Micropogonias furnieri produced by pH shifting process, using alkaline and acid solubilization followed by isoelectric precipitation of muscle proteins. The concentrates showed high protein content and the maxim solubility for the minced (96.5%), for the alkaline (97.5%) and acid (93.7%) extraction was obtained at pH 11.0. The water holding capacity of the alkaline concentrate resulted in a value same or superior to water holding capacity of the acid concentrate in all investigated values of pH. The oil holding capacity of alkaline and acid concentrates showed no significant difference between the studied processes.

fish protein concentrates; functional properties; pH shifting process


fish protein concentrates; functional properties; pH shifting process

ARTIGO

Obtenção e avaliação de concentrados proteicos de corvina (Micropogonias furnieri) processados por extração química

Obtainment and evaluation of protein concentrates of whitemouth croaker (Micropogonias furnieri) processed by chemical extraction

Aline Fontana; Graciela Salete Centenaro; Simone Canabarro Palezi; Carlos Prentice-Hernández* * e-mail: dqmprent@furg.br

Escola de Química e Alimentos, Universidade Federal do Rio Grande, CP 474, 96201-900, Rio Grande - RS, Brasil

ABSTRACT

The objective of this study was to obtain and evaluate physicochemical and functional properties of protein concentrates from Micropogonias furnieri produced by pH shifting process, using alkaline and acid solubilization followed by isoelectric precipitation of muscle proteins. The concentrates showed high protein content and the maxim solubility for the minced (96.5%), for the alkaline (97.5%) and acid (93.7%) extraction was obtained at pH 11.0. The water holding capacity of the alkaline concentrate resulted in a value same or superior to water holding capacity of the acid concentrate in all investigated values of pH. The oil holding capacity of alkaline and acid concentrates showed no significant difference between the studied processes.

Keywords: fish protein concentrates; functional properties; pH shifting process.

INTRODUÇÃO

As proteínas mais comumente usadas para a produção de isolados e concentrados proteicos são as derivadas do leite, soja, carne e pescado.1-5 Os concentrados proteicos de pescado são ingredientes preparados a partir de matérias-primas de diferentes espécies, sem interferir na estrutura original do músculo. Podem ser obtidos pela hidrólise química da proteína por processo de extração que resulta em produto livre de interferentes. Em geral, eles não são consumidos diretamente, sendo utilizados como matéria-prima para elaboração de produtos de elevado valor agregado. O concentrado proteico de pescado pode ser utilizado como substituto de gordura, originando um produto com textura e sabor similares aos tradicionais. Sua incorporação na produção de embutidos emulsionados pode melhorar as propriedades funcionais e nutricionais, uma vez que as proteínas musculares do pescado apresentam elevado valor biológico, decorrente da alta sensibilidade à hidrólise, e composição balanceada em aminoácidos, particularmente daqueles que costumam ser limitantes em proteínas de origem vegetal, como a metionina e a cisteína. Proteínas de diferentes origens são utilizadas para melhorar a eficiência de processos e, consequentemente, a adição de uma ou mais proteínas disponíveis em produtos cárneos podem trazer benefícios ao consumidor, tanto na qualidade como na redução de custos.6,7

A preparação de concentrados proteicos provenientes de subprodutos da indústria processadora de pescado, obtidos pela aplicação do processo de mudança de pH (ou pH shifting process), tem recebido mais atenção nestes últimos anos. Muitos estudos têm sido realizados sobre a avaliação dos parâmetros de processo e das propriedades funcionais desse tipo de isolado proteico de pescado baseado no pescado inteiro, filé ou músculo7 e estes estudos resultaram na obtenção de concentrados de pescado com boas propriedades funcionais. No entanto, a funcionalidade é altamente dependente das espécies e do tipo da propriedade funcional estudada.2,8 Uma vantagem do uso de pescado é o fato das espécies utilizadas serem pouco adequadas para a filetagem e de menor valor comercial.9 Não existem dados que possibilitem determinar com clareza qual a espécie de pescado mais adequada ao processo de obtenção de isolados proteicos. A escolha da matéria-prima depende da disponibilidade do fabricante e das especificações exigidas pelo cliente. Geralmente se utiliza o descarte comestível do processamento do pescado magro, visto que espécies com alto teor de gordura promovem o desenvolvimento de aromas intensos nos produtos elaborados.10 Este processo pode ser usado para qualquer espécie de pescado, remove essencialmente todos os lipídios e aumenta o rendimento proteico.11 Muitas técnicas usadas para isolar proteínas empregam a hidrólise proteica, no entanto, as características funcionais da proteína recuperada se apresentam diminuídas.12 Este trabalho teve por objetivo obter e avaliar físico-química e funcionalmente concentrados proteicos de pescado processados por extração química, por processos de solubilização alcalina e ácida seguidos de precipitação isoelétrica da proteína, e compará-los entre si e também com a polpa de corvina in natura.

PARTE EXPERIMENTAL

Matéria-prima e reagentes

A matéria-prima utilizada para obtenção da polpa e dos concentrados proteicos foi corvina (Micropogonias furnieri), fornecida pelas indústrias de processamento de pescado localizadas na cidade do Rio Grande, sul do Brasil. Todos os reagentes e soluções utilizados durante os testes foram de grau P. A.

Caracterização físico-química

A polpa e os concentrados foram caracterizados pela determinação de pH medido com potenciômetro de bancada.13 A composição proximal (proteína, umidade, lipídios e cinza) da polpa e dos concentrados protéicos foi determinada segundo metodologia oficial da AOAC.14

Preparo da polpa e dos concentrados proteicos

O pescado foi transportado rapidamente em recipiente com gelo (proporção de 1:1, pescado:gelo) ao Laboratório de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) para realizar os processos de extração. Previamente, foram realizadas lavagens sucessivas da corvina inteira com água clorada (5 ppm). A seguir, o pescado foi filetado e triturado em cutter (Metvisa, modelo de bancada) até se obter a polpa, que foi lavada com água clorada (5 ppm) numa proporção 1:5 (p/v).

Para obtenção dos concentrados proteicos, foi empregado o processo de extração química com mudança de pH aplicado por diferentes autores (Hultin e Kelleher,11 Costa et al.,15 Lopes,16 Nolsoe e Undeland17). A solubilização das proteínas foi realizada com HCl 1N ou NaOH 1M em pH 2,6 e 10,8 por 20 min a 30 ºC, respectivamente. As proteínas solubilizadas foram centrifugadas a 10000 x g por 15 min, para separá-las dos lipídios (fase superior) e das proteínas insolúveis (fase inferior). As proteínas solúveis (fase intermediária) foram precipitadas ao atingir o ponto isoelétrico (pH 5,0) com adição das soluções diluídas de HCl ou NaOH.

A seguir, foi realizada uma segunda centrifugação a 10000 x g por 15 min, onde o sobrenadante foi descartado e o precipitado (denominado de concentrado proteico) foi reservado e armazenado em congelador a -5 ºC para posterior análise e caracterização. O produto obtido por solubilização alcalina foi chamado de concentrado alcalino (CPAl) e aquele obtido por solubilização ácida, de concentrado ácido (CPAc).

Determinação do rendimento do processo

O rendimento do processo foi determinado como a relação entre a massa final de concentrado proteico (g) e a massa inicial da polpa de corvina (g), expresso em porcentagem.

Propriedades funcionais

Solubilidade

A solubilidade dos concentrados e da polpa foi determinada na faixa de pH entre 3,0 e 11,0, utilizando-se metodologia descrita por Morr et al..18 Os teores de proteína total e proteína solúvel no sobrenadante foram determinados pelo método de Kjeldhal, (Nx6,25) e pelo método de Lowry et al.,19 respectivamente. A solubilidade da proteína foi calculada como a relação entre a proteína presente no sobrenadante e a proteína total x 100, conforme a Equação 1.

Capacidade de retenção de água (CRA)

A CRA dos concentrados e da polpa foi medida por centrifugação conforme metodologia descrita por Regenstein et al.,20 com variação de pH na faixa de 3,0 a 11,0. As proteínas solúveis no sobrenadante foram quantificadas pelo método de Lowry et al.19 e descontadas do total de proteínas da amostra original. A CRA foi determinada como a quantidade de água retida pela proteína contida na amostra, expressa em mL de água retida por grama de proteína, de acordo com a Equação 2.

Capacidade de retenção de óleo (CRO)

A CRO dos concentrados proteicos foi determinada segundo metodologia descrita por Fonkwe e Singh.21 A diferença entre o óleo adicionado e o óleo não retido foi considerada como a quantidade de óleo retido pelos hidrolisados. A CRO foi expressa como a quantidade de óleo retido por grama de proteína presente no hidrolisado, de acordo com a Equação 3.

Análise estatística

Todos os resultados das características avaliadas foram submetidos à análise de variância (ANOVA), sendo que as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a nível de 5% de significância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização físico-química

A polpa de corvina in natura utilizada para obtenção dos concentrados apresentou valor médio de pH de 6,6 ± 0,07. Valores de pH abaixo de 6,5 podem levar à desnaturação das proteínas miofibrilares e, consequentemente, à redução na capacidade de geleificação.22 Os resultados mostraram que o produto se manteve na faixa normal de qualidade para esse parâmetro, considerando que os valores de pH para o pescado in natura não ultrapassaram o indicado pela legislação brasileira, que propõe um máximo de 6,8.23 A Tabela 1 apresenta a composição da polpa de corvina e dos concentrados proteicos obtidos pelos processos de solubilização alcalina e ácida.

Segundo Badolato et al.,24 a composição da corvina varia em função das estações do ano, apresentando oscilações de 77,2 a 83,8% para o conteúdo de umidade, 14,5 a 20,7% para proteína, 0,8 a 1% para os lipídios e 1 a 1,2% para cinza. Estas variações também podem ocorrer devido a fatores como sexo, tamanho, ciclo reprodutor e alimentação.25 Como se pode observar na Tabela 1, os valores encontrados para a composição proximal da polpa de corvina estão próximos aos resultados obtidos por Centenaro e Salas-Mellado,26 em que o valor de umidade foi de 80,2%, proteína 18,1%, lipídios 1,1%, e cinza 0,7%, bem como Moraes et al.,27 e Contreras-Guzmán,28 os quais encontraram 79,1% de umidade, 18,8% de proteína, 1% de cinza e 0,8% de lipídios. O conteúdo de proteína da polpa apresentou-se levemente inferior aos valores encontrados pelos autores, estimando-se que a lavagem do músculo com água clorada tenha ocasionado uma diminuição no conteúdo total de proteínas pela eliminação de proteínas solúveis como as sarcoplasmáticas.29

O conteúdo de proteínas dos concentrados apresentou valores acima de 97% (b.s), resultados estes superiores aos reportados em outras pesquisas, em que o teor proteico de concentrados apresentou-se em torno de 90% (b.s).8,30-32 Empregando ANOVA foi possível verificar que houve diferença significativa (α=0,05) entre os concentrados em relação ao conteúdo proteico apresentado. O processo de solubilização alcalina resultou num concentrado com maior conteúdo proteico, em relação à polpa e ao concentrado ácido, sendo o mesmo verificado por Batista et al..8

Os concentrados proteicos obtidos apresentaram reduzido conteúdo lipídico, quando comparados à polpa de corvina, visto que a maior parte dos lipídios foi separada junto com a fração das proteínas insolúveis durante a primeira centrifugação. Assim como verificado neste estudo, pesquisas realizadas por Undeland et al.33 também demonstraram a eficácia dos processos de solubilização ácida e alcalina na remoção de lipídios. Em estudo realizado por Kristinsson et al.,2 o processo alcalino mostrou-se mais eficaz na redução dos lipídios comparado com o processo ácido.

Neste estudo foi observado que o processo mais eficiente foi o alcalino, porém o processo ácido não apresentou diferença significativa na redução do conteúdo lipídico (85,7%) em relação ao alcalino (84,7%), conforme se pode observar na Tabela 1. A diminuição do conteúdo lipídico nos concentrados proteicos pode contribuir significantemente para a redução da oxidação lipídica, aumentando a estabilidade do produto.34,35

A elevada concentração de cinza é decorrente do acúmulo de NaCl, em razão do ajuste de pH durante o processo de extração dos concentrados proteicos.4,32,36 Elevados teores de minerais foram encontrados por Liceaga-Gesualdo e Li-Chan,37 em isolados proteicos de arenque e em estudo realizado com cação.38 Neste estudo foi verificado que não houve diferença significativa (α=0,05) entre os conteúdos de cinza dos concentrados ácido e alcalino (Tabela 1), que apresentaram reduzidos teores deste componente, quando comparados com a polpa de corvina.

Rendimento do processo de obtenção dos concentrados

Para o processo alcalino obteve-se rendimento de 55,3% (±2,89) enquanto para o processo ácido o rendimento encontrado foi de 46,6% (±1,83), em relação à quantidade inicial de polpa. Através dos valores de rendimento para os concentrados ácido e alcalino, pode-se verificar que os dados se apresentaram normais pelo teste de Shapiro-Wilk's e homocedásticos pelo teste de Levene. Assim, foi possível confirmar pelo teste t-Student que o rendimento dos processos apresentou diferença significativa (α=0,05) indicando maior eficiência na produção do concentrado pelo processo alcalino.

Propriedades funcionais

Solubilidade

Foram construídas curvas para expressar a solubilidade da polpa e dos concentrados proteicos de corvina com pH variando na faixa de 3,0 a 11,0 e foi possível observar mudanças na porcentagem solúvel dos concentrados e da polpa. Os valores de solubilidade dos concentrados alcalino e ácido variaram de 32,5 a 97,5% e 30,2 a 93,7%, respectivamente, como pode ser observado na Figura 1.


Pela ANOVA e teste de Tukey foi possível verificar que a solubilidade dos concentrados e da polpa não diferiu significativamente (p<0,05) nos valores de pH 3,0 e 11,0. Quando medida em pH 5,0 a solubilidade dos concentrados não apresentou diferença significativa, porém a solubilidade dos mesmos foi diferente da polpa de corvina. No pH 7,0 a solubilidade do concentrado ácido diferiu estatisticamente da polpa e do concentrado alcalino, e no pH 9,0 verificou-se que existe diferença significativa entre a solubilidade dos concentrados proteicos obtidos pelos processos de solubilização ácida e alcalina.

De acordo com Sgarbieri39 o pH isoelétrico (pI) das proteínas pode variar entre 4,0 e 6,0. No pH 5,0 tanto a polpa como os concentrados apresentaram a menor solubilidade, pois este valor de pH se encontra próximo ao pI das proteínas, onde o número de cargas negativas e positivas tende a se neutralizar intramolecularmente, apresentando menor afinidade pelo solvente. Estes resultados concordam com Sathivel,40 que estudou a influência do pH sobre a solubilidade em isolados proteicos de pescado de diferente espécies e encontrou menor solubilidade em pHs próximos de 4,0.

Foi observado rápido aumento da solubilidade quando o pH foi ajustado de 5,0 para 3,0 (Figura 1). Este aumento tem sido observado para vários tipos de modificações químicas, as quais introduzem cargas negativas na superfície da proteína. Trabalhos realizados com proteína de farinha de trigo, miosina, soja, pescado e levedura demonstraram o mesmo comportamento de solubilidade para valores abaixo do ponto isoelétrico.41 Isso poderia se dever às diferentes capacidades tamponantes dos aminoácidos nas moléculas das proteínas.42

Verificou-se aumento progressivo do pH neutro para os pHs alcalinos, sendo que os maiores valores de solubilidade foram obtidos no pH 11,0 pois, à medida que o pH se torna mais alcalino, há predominância de cargas negativas, havendo interação mais forte das moléculas de proteína com a água e, também, maior repulsão entre as moléculas de proteína, aumentando significativamente a solubilidade. Isso indica que a polpa de corvina e os concentrados ácidos e alcalinos poderiam ser solubilizados tanto em pH ácido como em pH alcalino. Nos valores de pH acima de 7,0 observou-se maior solubilidade tanto da polpa como dos concentrados proteicos de corvina. Segundo Pacheco e Sgarbieri,43 a solubilidade é uma das mais importantes propriedades das proteínas e varia consideravelmente em função do pH e da força iônica. A maioria das proteínas alimentícias exibe uma curva de solubilidade proteica em função do pH na forma de "U".8 Resultados similares foram relatados para outras espécies de pescado, como os de rocha,44 sardinha,8 bagre2 e também em outros estudos com corvina.45

Capacidade de retenção de água

A Figura 2 representa as curvas de CRA em função do pH. Observa-se que, para todas as amostras, a CRA aumentou em pH 3,0, apresentou decréscimo em pH 5,0 e novamente aumentou em pH 7,0; 9,0 e 11,0.


Pela ANOVA e teste de Tukey verificou-se que a CRA dos concentrados obtidos não apresentou diferença significativa (p<0,05) entre os processos alcalino e ácido, em todos os valores de pH estudados, apresentando valores máximos de 21,9 e 22,9 mLágua/gproteína, respectivamente, em pH 11,0. A máxima CRA (12,5 mLágua/gproteína) para a polpa foi alcançada também em pH 11,0, no entanto, foi significativamente menor (p<0,05) que a CRA dos concentrados.

A CRA medida em pH 5,0 foi inferior à obtida nos demais valores de pH, pois, de acordo com Kinsella,41 ocorre diminuição da capacidade da proteína em se ligar com a água, devido às interações intermoleculares e formação de grandes aglomerados proteicos e pode ainda ser afetada por outras propriedades, como a solubilidade. Em pHs afastados do pI das proteínas, a predominância de cargas de mesmo sinal provoca repulsão e afastamento entre as moléculas, deixando maior espaço para ser preenchido pelas moléculas de água aumentando, portanto, a CRA.43 Em pHs abaixo de 5,0 e acima de 7,0, as moléculas de água se combinam com os grupos polares das proteínas e a CRA tende a aumentar.46,47

Esta constatação pode servir de indicação para possível utilização dos concentrados como ingredientes funcionais em produtos cárneos. Diversos estudos mostraram que os isolados proteicos úmidos de pescado apresentam boa CRA e podem aumentar o rendimento quando adicionados à carne cominutada utilizada em formulações alimentícias.32,35,36

Capacidade de retenção de óleo

A capacidade de retenção de óleo é uma das propriedades funcionais mais importantes na elaboração de produtos, podendo influenciar na ordem de adição dos ingredientes secos na mistura, contribuindo para uma distribuição uniforme. De acordo com Kinsella,47 altos valores de CRO são desejáveis em produtos como extensores de carne para melhorar sua sensação na boca, assim como em produtos viscosos como sopas, queijos processados e massas.

O mecanismo de retenção de óleo deve-se principalmente à captura física do óleo pela proteína e é uma característica funcional muito importante, requerida principalmente pela indústria alimentícia de carne e produtos emulsionados.44,48

Neste estudo, a CRO média obtida para a polpa de corvina foi de 3,1 mLóleo/gproteína, enquanto que para os concentrados obtidos pelos processos alcalino e ácido se obtiveram valores de CRO de 4,7 e 4,6 mLóleo/gproteína, respectivamente. A Figura 3 mostra os valores médios da CRO para a polpa de corvina e para os concentrados proteicos obtidos por solubilização alcalina e ácida.


A retenção de óleo varia em função do número de grupos hidrofóbicos expostos da proteína e, provavelmente, as cadeias laterais não polares das proteínas têm afinidade com as cadeias hidrofóbicas da molécula de óleo, contribuindo para a absorção e melhora da CRO.16,49,50

Observou-se neste estudo que houve aumento de aproximadamente 51% da CRO para ambos concentrados proteicos, quando comparados com a polpa de corvina. Estes valores indicam alta hidrofobicidade dos concentrados proteicos em relação à polpa de corvina, pois quando há grande quantidade de regiões hidrofóbicas nas proteínas, há favorecimento de interações destas com o óleo.51,52 Pela aplicação da análise de variância e teste de Tukey verificou-se que existe diferença significativa (p<0,05) entre a CRO da polpa e dos concentrados proteicos obtidos, porém entre os concentrados esta propriedade não apresentou diferença significativa, indicando que tanto a solubilização ácida como a alcalina resultam em produtos com a mesma capacidade de reter óleo.

Estudos futuros são necessários para investigar a possibilidade de melhorar o rendimento proteico e o comportamento de propriedades funcionais não estudadas neste trabalho.

CONCLUSÃO

Os concentrados proteicos obtidos por solubilização química de proteínas resultaram em produtos com elevado teor proteico e reduzido conteúdo de gordura e cinza. Os concentrados proteicos obtidos apresentaram boa solubilidade, acima de 60% nos valores de pHs estudados. Quando comparados entre si, os concentrados proteicos se mostraram mais solúveis em pHs alcalinos. Considerando todas as propriedades avaliadas neste estudo, observou-se que o concentrado alcalino apresentou melhores resultados de CRA em relação à polpa de corvina e ao concentrado ácido. Assim, este processo pode ser avaliado como alternativa para recuperar proteína de subproduto pescado com sucesso.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelo financiamento do projeto e à CAPES pela bolsa de estudos outorgada.

Recebido em 23/9/08; aceito em 22/5/09; publicado na web em 20/10/09

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    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 2008
    • Aceito
      22 Maio 2009
    Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), CP6154, 13083-0970 - Campinas - SP - Brazil
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