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Preparo de amostras de combustíveis fósseis por piroidrólise para a determinação de flúor e cloro

Fluoride and chloride determination in fossil fuels after sample preparation by pyrohydrolysis

Resumo

Pyrohydrolysis is proposed for fossil fuels sample preparation for further fluorine and chlorine determination. Samples were heated during 10 min at temperatures up to 1000 °C. Water vapor was passed through the reactor and the volatile products were condensed and collected in NH4OH solution. Fluoride was determined by potentiometry using an ion selective electrode (ISE) and Cl by ICP OES and DRC-ICP-MS. The results are in good agreement with certified values and the precision is better than 10% (n = 4). Sample preparation by means of pyrohydrolysis is relatively simple, whereas chlorine and fluorine can be determined at low concentrations.

pyrohydrolysis; halogens; fossil fuels


pyrohydrolysis; halogens; fossil fuels

ARTIGO

Preparo de amostras de combustíveis fósseis por piroidrólise para a determinação de flúor e cloro

Fluoride and chloride determination in fossil fuels after sample preparation by pyrohydrolysis

Fabiane G. Antes; Fábio A. Duarte; Éder L. M. Flores; José Neri G. Paniz; Érico M. M. Flores; Valderi L. Dressler* * e-mail: valdres@quimica.ufsm.br

Departamento de Química, Universidade Federal de Santa Maria, 97105-900 Santa Maria - RS, Brasil

ABSTRACT

Pyrohydrolysis is proposed for fossil fuels sample preparation for further fluorine and chlorine determination. Samples were heated during 10 min at temperatures up to 1000 °C. Water vapor was passed through the reactor and the volatile products were condensed and collected in NH4OH solution. Fluoride was determined by potentiometry using an ion selective electrode (ISE) and Cl by ICP OES and DRC-ICP-MS. The results are in good agreement with certified values and the precision is better than 10% (n = 4). Sample preparation by means of pyrohydrolysis is relatively simple, whereas chlorine and fluorine can be determined at low concentrations.

Keywords: pyrohydrolysis; halogens; fossil fuels.

INTRODUÇÃO

Petróleo e carvão são os principais combustíveis fósseis consumidos no mundo. A determinação de halogênios, especialmente flúor e cloro, nestes materiais é de grande importância, principalmente devido aos aspectos ambientais e industriais. A alta volatilidade destes halogênios, aliada ao elevado consumo de combustíveis fósseis, pode ocasionar a emissão de quantidades consideráveis destes elementos para o meio ambiente. Por outro lado, a presença destes elementos no petróleo, principalmente de sais de cloro, pode ocasionar severos problemas de corrosão dos equipamentos durante o processo de refino. Além disso, a presença de flúor e cloro também é indesejada em materiais onde é necessário elevado grau de pureza, como é o caso do coque de petróleo. Neste sentido, é indispensável o uso de métodos analíticos que permitam a determinação destes elementos com rapidez, exatidão e em baixas concentrações.1,2

O preparo de amostras com elevado teor de matéria orgânica, tais como carvão, petróleo e seus derivados, para a determinação de halogênios sempre foi considerado um desafio, principalmente devido à elevada volatilidade destes elementos e da possibilidade de contaminação. Quando é feita a decomposição da amostra com ácidos minerais, procedimento mais comumente empregado, estes elementos formam compostos voláteis, podendo levar a perdas dos analitos. Além disso, para a decomposição de carvão com elevado teor de sílica, geralmente é necessário o uso de ácido fluorídrico, o que inviabiliza a determinação de flúor.3 A piroidrólise também tem sido utilizada para o preparo de amostras de carvão para a posterior determinação de F, Cl, Br e I.4-10 Atualmente, a piroidrólise é recomendada pela American Society for Testing and Materials (ASTM) para a determinação de F em carvão.11 Além disso, o preparo de amostras de combustíveis fósseis à base de plutônio e urânio para a posterior determinação de boro, cloro e flúor, preparo de amostras de solo contaminado com combustíveis nucleares para posterior determinação de iodo e preparo de amostras biológicas e geológicas para a determinação de halogênios são outras aplicações recentes da piroidrólise.12-14 Em vista disso, a piroidrólise é uma das técnicas mais adequadas para o preparo de amostras inorgânicas, combustíveis fósseis e, até mesmo, amostras biológicas, para a posterior determinação de halogênios, boro e enxofre.12,15

A piroidrólise consiste na hidrólise de alguns elementos a elevadas temperaturas (~1000 °C) na presença de vapor d'água. Para fins analíticos, esta reação tem sido usualmente aplicada para o preparo de amostras sólidas, geralmente de materiais inorgânicos. Durante a piroidrólise, os halogênios, boro e enxofre são convertidos quantitativamente em seus ácidos voláteis correspondentes (SO2 e SO3, no caso do enxofre). Os compostos voláteis são coletados após a condensação ou absorvidos em uma solução adequada. Na reação de piroidrólise, óxidos e hidróxidos de metais também são formados, porém estes são pouco voláteis nas temperaturas usualmente empregadas. Isto pode ser considerado uma vantagem, uma vez que permite separar o analito da matriz, minimizando possíveis interferências na etapa de medição.3

No caso da determinação de halogênios, outra característica importante da piroidrólise é que os produtos da reação podem ser recolhidos em uma solução levemente alcalina, o que evita perdas dos analitos e possibilita a sua determinação direta por diversas técnicas analíticas, como a potenciometria com eletrodo íon seletivo (ISE),16cromatografia de íons (IC),15espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS) e espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES).14,17 Além disso, a instrumentação requerida para efetuar a reação de piroidrólise é bastante simples, uma vez que é necessário apenas um sistema para a geração de vapor d'água, um sistema de aquecimento, um reator (geralmente um tubo de quartzo ou platina) e um condensador.17 Desta forma, um sistema de piroidrólise pode ser facilmente construído em laboratório, a um custo relativamente baixo, principalmente quando comparado com a instrumentação utilizada em outras técnicas de preparo de amostras, tais como os sistemas baseados na decomposição assistida por micro-ondas.18,19

Nos trabalhos pioneiros envolvendo a piroidrólise para o preparo de amostras,20 foi observado que a reação de hidrólise dos fluoretos aumentava com o aumento da temperatura e que a termodinâmica de hidrólise dos compostos de fluoretos estava relacionada com a forma como se encontravam na amostra. Assim, no caso dos fluoretos de metais alcalinos, alcalino-terrosos e berílio, foi observado que a liberação quantitativa do flúor era facilitada pela presença de alguns óxidos, tais como SiO2, TiO2, WO3, Bi2O3, Al2O3 , MnO2, MoO3, Cr2O3 e V2O5, geralmente denominados de aceleradores, catalisadores ou auxiliares.3 Estas substâncias reagem facilmente com os compostos mais refratários, aos quais o flúor está ligado, facilitando a reação de hidrólise. Entre os compostos acima citados, o mais utilizado é o V2O5. No entanto, recentemente, foi observado que a necessidade do uso de acelerador depende também da matriz da amostra. Dressler et al.obtiveram recuperações quantitativas de flúor em carvão, com apenas 10 min de reação, sem uso de acelerador.16 Porém, em amostras de rocha fosfática, materiais fósseis e argila, recuperações quantitativas de flúor somente foram alcançadas quando V2O5 foi adicionado na proporção de 1:3 (amostra:acelerador). Antes et al. determinaram cloro em coque de petróleo por espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado com cela dinâmica de reação (DRC-ICP-MS) após preparo da amostra de coque por piroidrólise. Para esta amostra também não foi necessário o uso de acelerador.17

Tendo-se em vista o que foi anteriormente discutido, este trabalho teve por objetivo mostrar a aplicabilidade da piroidrólise no preparo de diferentes combustíveis fósseis para a posterior determinação de flúor e cloro. Foram analisadas amostras de carvão, coque de petróleo, resíduos da destilação do petróleo à pressão atmosférica (RAT) e sob vácuo (RV) e petróleo extrapesado.

PARTE EXPERIMENTAL

Sistema de piroidrólise

A reação de piroidrólise foi feita em sistema desenvolvido no próprio laboratório, o qual está representado na Figura 1. Dependendo da amostra e do elemento, foram necessárias algumas modificações dos sistemas usualmente descritos na literatura,12,14,15 principalmente no que se refere à eliminação da matriz da amostra. O sistema desenvolvido consiste basicamente de uma unidade para geração de vapor d'água, um reator, um sistema para aquecimento do reator e um condensador. A unidade para geração de vapor d'água (3) consiste de um frasco para aquecimento de água, o qual é conectado a um fluxômetro (2) e a um trap de vidro (5) com o auxílio de tubos de politetrafluoretileno (PTFE) (4). O trap é necessário para evitar que gotas d'água sejam projetadas sob a amostra posicionada no interior do reator e, assim, evitar perdas da amostra. O reator (7) é um tubo de quartzo, dentro do qual é inserido um suporte em forma de "barqueta", utilizada para a introdução da amostra (9). O vapor d'água é transportado através do reator pelo fluxo de ar. O aquecimento do reator é feito eletrotermicamente (8a) ou mediante uma chama usando um queimador de Mecker (8b). Os produtos gasosos gerados na reação de piroidrólise são transportados pelo fluxo de ar até o condensador (11), o qual é constituído de uma serpentina de vidro ou de PTFE imerso em um banho de gelo. O condensado é coletado em um frasco de vidro ou polietileno (12).


O gás carreador do vapor d'água é gerado por uma bomba de ar cuja vazão deve ser ajustada. O controle de temperatura é feito com um termopar, que é colocado no centro do forno (ou próximo ao meio do reator quando o queimador de Mecker é usado), junto à parede externa do reator.

Instrumentação

As determinações de flúor foram feitas por potenciometria, utilizando um potenciômetro (modelo 781 pH/Ion Meter, Metrohm Herisau, Suíça) equipado com um eletrodo íon seletivo para fluoreto (modelo 6.0502.150, Metrohm) e um eletrodo de referência Ag/AgCl (modelo 6.0258.012, Metrohm). As determinações de Cl foram feitas por DRC-ICP-MS e ICP OES. Foi utilizada NH3 (99,999% de pureza) como gás de reação, a fim de minimizar interferências espectrais sobre o 35Cl+.17 Para tanto, foi empregado um espectrômetro PerkinElmer SCIEX (ELAN DRC II, Tornhill, Canadá), equipado com nebulizador pneumático (Meinhard tipo A3), câmara de nebulização ciclônica (Glass Expansion) e tocha de quartzo com tubo injetor de quartzo de 2 mm de diâmetro interno. O plasma foi gerado a partir de argônio (99,998% de pureza, White Martins). As determinações de Cl por ICP OES forma feitas com um espectrômetro Spectro CIRUS (Spectro Analytical Instruments, Kleve, Germany).

Na Tabela 1 são resumidas as condições empregadas para as determinações de Cl por DRC-ICP-MS e ICP OES.

Reagentes

A água utilizada foi previamente destilada, deionizada em uma coluna de troca iônica e, posteriormente, purificada em um sistema Milli-Q (Millipore, Bedford, USA), com resistividade de 18,2 MΩ cm. A descontaminação dos materiais utilizados foi feita com solução de HNO3 10% (v/v), preparada a partir de HNO3 (Carlo Erba), o qual foi purificado em sistema de destilação abaixo do ponto de ebulição (modelo duoPUR 2.01E, Millestone, Sorisole, Itália)). Os materiais foram imersos em solução de HNO3 10% (v/v) por, pelo menos, 24 h e depois lavados com água. As soluções de calibração foram preparadas a partir de soluções estoque monoelementares de F e Cl (1000 mg L-1), preparadas a partir da dissolução de NaF e NaCl (Merck) em água. As determinações de F por ISE foram feitas na presença de solução tampão de ajuste da força iônica total (TAFIT), em pH 5,5. Para a medição, foram adicionados volumes equivalentes entre o tampão e amostras ou padrões. O V2O5 utilizado na piroidrólise foi preparado de acordo com Nebesar,21 a partir de NH4VO3 (Merck), mediante aquecimento em forno mufla a 500 °C, durante 4 h. HNO3 concentrado e Mg(NO3)2 (Merck) foram usados como auxiliares na decomposição das amostras de petróleo, RAT e RV. Soluções de (NH4)2CO3 (Merck) e NH4OH, em concentração de até 750 mmol L-1, foram preparadas.

Amostras

Amostras de carvão (provenientes do município de Candiota, RS/Brasil), coque de petróleo, RAT, RV e petróleo extrapesado (doadas pelo CENPES/Petrobras) foram analisadas. As amostras de carvão e coque foram secadas em estufa a 105 °C até peso constante, homogeneizadas e, quando necessário, cominuídas em gral de ágata para a obtenção de partículas com granulometria inferior a 100 μm. As amostras de petróleo extrapesado, RAT e RV, foram aquecidas em estufa a 60, 80 e 120 °C, respectivamente, e depois transferidas, com auxílio de uma seringa de vidro, diretamente para o suporte de quartzo mostrado na Figura 1.

A avaliação do método foi feita através da determinação de flúor e cloro em materiais de referência certificados (CRM), após preparo por piroidrólise. Foram analisados os seguintes CRM's: Coal (NIST 1632c do National Institute of Standards and Technology, Gaithesburg, EUA), Coking Coal (BCR 181 do European Commission, Measurements and Testing Programme, Geel, Belgium) e Trace Elements in Fuel Oil (NIST 1634c).

Procedimento de preparo das amostras

Após secagem e cominuição das amostras de coque de petróleo e carvão, e aquecimento e homogeneização das amostras de petróleo extrapesado, RAT e RV, alíquotas entre 50 e 250 mg de cada amostra foram pesadas diretamente no suporte de quartzo. Para o preparo do petróleo extrapesado, RAT e RV, HNO3 concentrado ou Mg(NO3)2 foram utilizados como auxiliares para a decomposição prévia da amostra, o que foi feito a temperaturas inferiores à volatilização dos analitos. Em seguida, o suporte contendo a amostra foi introduzido no interior do reator de quartzo. O frasco coletor, contendo 10 mL da solução absorvedora (quando necessária), foi conectado no capilar na saída do condensador e a vazão do gás carreador foi ajustada para 300 mL min-1. A seguir, foi iniciado o aquecimento do reator (com taxa de aquecimento de aproximadamente 200 °C min-1) e do gerador de vapor d'água. Quando o aquecimento foi feito eletrotermicamente,17 o controle do aquecimento foi feito por um controlador de potência. Quando o queimador de Mecker foi empregado para aquecer o reator, o controle da temperatura foi feito pelo ajuste da intensidade da chama.9

Como tempo inicial de piroidrólise, foi considerado o instante em que a temperatura do reator atingiu 950 °C. Depois de transcorridos 10 min a esta temperatura, o aquecimento foi desligado, o frasco coletor removido e o volume da solução completado para 20 mL com água de alta pureza. Quando a piroidrólise foi utilizada visando somente a posterior determinação de F, não foi necessário o uso de solução absorvedora. Neste caso, cerca de 5 mL do condensado foram recolhidos diretamente no frasco de polipropileno.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ajuste das condições do sistema de piroidrólise e escolha da solução absorvedora

A reação de hidrólise dos halogênios é termodinamicamente favorecida em temperaturas próximas a 1000 °C.9,23 Portanto, o sistema utilizado para a piroidrólise deve garantir um aquecimento efetivo da amostra, na presença de vapor de água. Na Figura 1 é mostrado o sistema de piroidrólise desenvolvido no presente trabalho, cujo aquecimento pode ser eletrotérmico (Figura 1 (8a)) ou por uma chama (Figura 1 (8b)). Ambos os sistemas de aquecimento foram avaliados e ajustados para o preparo das amostras e posterior determinação de F e Cl. Os resultados obtidos foram considerados estatisticamente iguais com um nível de confiança de 95%, segundo o teste t-Student. Entretanto, o aquecimento eletrotérmico permite um melhor controle de temperatura do sistema. Conforme observado para ambos os elementos determinados, tanto em carvão, como em coque de petróleo e petróleo extrapesado, recuperações dos analitos superiores a 90% foram obtidas somente a temperaturas acima de 800 °C. Entretanto, resultados mais precisos foram obtidos em temperaturas superiores a 900 °C. Portanto, a temperatura de trabalho escolhida foi de 950 °C.

Outro fator importante na piroidrólise é a coleta dos produtos da reação, de forma a garantir que não haja perdas dos analitos. Assim, as frações volatilizadas durante a reação foram somente condensadas e coletadas no frasco coletor (polipropileno ou vidro) ou absorvidas em soluções alcalinas. Em trabalho anterior havia sido observado que não é necessário o emprego de uma solução absorvedora para coletar os compostos voláteis de flúor, possivelmente devido a maior solubilidade do HF em água, em relação aos demais halogênios.16 Recuperações quantitativas para F foram obtidas com a coleta de cerca de 5 mL do condensado, o que foi possível em 10 min de aquecimento. Porém, para o Cl foi necessária a utilização de uma solução absorvedora levemente alcalina.

A escolha da solução absorvedora foi feita de acordo com a técnica de determinação utilizada. Como é conhecido, o sódio, dependendo da concentração, causa interferências espectrais e forte supressão da intensidade do sinal de diversos elementos nas técnicas de ICP OES e ICP-MS.23 Sendo assim, somente soluções (10 mL) de (NH4)2CO3 ou NH4OH nas concentrações 10, 25, 50 e 100 mmol L-1 foram avaliadas como soluções absorvedoras no preparo das amostras de coque de petróleo e carvão. Foi observado que empregando ambas as soluções, na concentração de 50 mmol L-1, foram obtidas recuperações superiores a 95%. A solução de NH4OH 50 mmol L-1 foi escolhida para os estudos posteriores por apresentar valores de desvio padrão relativo (RSD) mais baixos.

No entanto, para o preparo de petróleo extrapesado, RAT e RV, foi observada liberação de grande quantidade de compostos voláteis em temperaturas inferiores a 500 °C, os quais condensavam no reator de quartzo logo após a saída do sistema de aquecimento e no próprio condensador. Neste caso, a recuperação dos analitos foi da ordem de 70% e a precisão dos resultados foi extremamente baixa (RSD > 30%). Estes resultados indicam que os analitos podem ter ficado parcialmente retidos neste resíduo condensado, ocasionando baixas recuperações, bem como efeito de memória. Além disso, parte deste resíduo era transportado até o frasco coletor, interferindo na determinação dos analitos, tanto por potenciometria, quanto por ICP OES e DRC-ICP-MS. Devido a este problema e considerando que a reação de piroidrólise só ocorre a temperaturas acima de 500 °C,20 foi adaptada uma válvula na saída do reator (Figura 1 (10)) a fim de permitir que os componentes voláteis liberados até esta temperatura fossem eliminados. Assim, a válvula foi mantida aberta e a temperatura elevada até 500 °C até que não fosse mais observada a volatilização destes compostos. Em média, o tempo necessário para eliminação destes compostos foi de cerca de 2 min. Em seguida, a válvula foi fechada e a temperatura aumentada até cerca de 950 °C. Com isso, a formação de resíduo no sistema foi minimizada.

A vazão do gás carreador e a quantidade de vapor d'água gerado também foram ajustadas. A vazão deve ser suficiente para permitir o transporte adequado do vapor d'água gerado e, também, para transportar os produtos gasosos da piroidrólise até o condensador e o frasco coletor. Se a vazão for muito elevada pode haver o transporte excessivo de vapor d'água para o reator, diminuindo a temperatura no interior deste e dificultando a absorção do analito na solução absorvedora. Sendo assim, a vazão utilizada para todas as amostras analisadas foi ajustada para 300 mL min-1. Com o ajuste da vazão para 300 mL min-1 o volume de condensado coletado foi de 5 mL em 10 min de reação.

Avaliação do uso de auxiliar da piroidrólise

Um acelerador, auxiliar ou catalisador pode ser necessário principalmente para o preparo de materiais inorgânicos, onde os halogênios estão presentes, muitas vezes, na forma de compostos refratários. Neste trabalho, mesmo tratando-se de amostras com matrizes predominantemente orgânicas, o uso do V2O5 foi avaliado, uma vez que as formas químicas do flúor e cloro presentes nas amostras são desconhecidas. Os testes para avaliar o efeito do V2O5 foram feitos utilizando 150 mg de amostra, tempo de reação de 10 min, temperatura de 950 °C e vazão do ar de 300 mL min-1. A adição do V2O5 foi feita na proporção de até 1:3 (amostra:V2O5). Todos os ensaios de avaliação da influência do V2O5 foram feitos comparando-se os resultados obtidos na presença e na ausência do reagente. Foi observado que não houve diferença significativa entre os resultados obtidos para flúor e cloro com nível de confiança de 95% (teste t-Student). Para todas as amostras analisadas no presente trabalho os resultados foram semelhantes.

Em virtude do acúmulo de resíduos no condensador, conforme mencionado anteriormente, foi investigado também o efeito do HNO3 e do Mg(NO3)2 a fim de decompor e eliminar a matriz orgânica das amostras de petróleo extrapesado, RAT e RV, a temperaturas inferiores a 500 °C, na qual ainda não foi observada perda dos analitos. Ambos os reagentes auxiliam na oxidação dos compostos orgânicos, cuja reação é favorecida a temperaturas da ordem de 400 °C, principalmente devido à formação de espécies como o NO2 e O2. Quando o Mg(NO3)2 foi adicionado às amostras de petróleo extrapesado, RAT e RV, na proporção 1:1, se observou que não houve a deposição de resíduos nas paredes internas do sistema e o RSD (para quatro determinações) foi inferior a 10%. Também foi avaliado o efeito do HNO3 para auxiliar na decomposição da matriz da amostra. Assim, quando 200 μL de HNO3 foram adicionados a 250 mg de amostra, os resultados foram semelhantes aos obtidos com o uso de Mg(NO3)2. Para carvão e coque de petróleo não foi necessário o emprego de reagente auxiliar, mas no caso do petróleo extrapesado, RAT e RV, foi utilizado Mg(NO3)2 na proporção 1:1 ou 200 μL de HNO3 concentrado a 250 mg de amostra. Entretanto, quando do uso de HNO3, foi necessária a utilização de uma solução absorvedora mais concentrada, para garantir que o pH da solução final fosse superior a 7,0. Para tanto, solução de NH4OH 750 mmol L-1 foi empregada (pH ~ 8,0). Uma vez que a solução de NH4OH já havia sido escolhida para o preparo de coque e carvão, as soluções de (NH4)2CO3 não foram mais avaliadas para as demais amostras.

Avaliação do tempo de aquecimento e da quantidade de amostra

O tempo de reação deve ser suficiente para a liberação completa do analito da matriz e também para garantir que todo o analito seja transportado para o frasco coletor, prevenindo efeitos de memória. O tempo de aquecimento do reator, segundo a maioria dos trabalhos descritos na literatura, varia entre 8 e 20 min.9,10,15 Para o sistema utilizado, foi observado que 10 min de aquecimento eram suficientes, havendo recuperação quantitativa dos analitos nos materiais de referência certificados. Além disso, não foi observado qualquer efeito de memória.

A massa de amostra utilizada foi de até 300 mg, cujo fator limitante foi a dimensão do reator e do suporte da amostra. Para massas de amostra superiores a 300 mg, seria necessário o uso de um reator de diâmetro maior, que possibilitasse a introdução de um suporte maior para a amostra. Na Tabela 2 estão mostrados os resultados obtidos da análise das amostras. De acordo com estes resultados, o RSD é inferior a 7% para as amostras de carvão e inferior a 10% para as amostras de petróleo extrapesado, RAT e RV. Além disso, foi observada boa concordância entre os resultados obtidos por DRC-ICP-MS e ICP OES (intervalo de confiança de 95%, teste t-Student), mostrando que ambas as técnicas são adequadas para a determinação de cloro após o preparo da amostra utilizando piroidrólise.

Avaliação da exatidão do método

Para avaliar a exatidão do método foram analisados materiais de referência certificados, cujos resultados estão mostrados na Tabela 3. Como pode ser visto, os resultados obtidos são concordantes com os valores certificados e o RSD é inferior a 10% para todas as amostras. Cabe destacar que, no caso do Cl, determinado por DRC-ICP-MS, o limite de quantificação (10σ, n = 10) foi de 6,0 μg g-1 (considerando-se 300 mg de amostra e volume final de 20 mL). O Cl também foi determinado por ICP OES e os resultados foram considerados concordantes (quando superiores ao limite de quantificação) para o intervalo de confiança de 95% (teste t-Student) àqueles obtidos por DRC-ICP-MS. No caso das determinações por ICP OES, o limite de quantificação (10σ, n = 10) foi de 48 μg g-1. O limite de quantificação para flúor (determinado por ISE) foi de 2,0 μg g-1.

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos demonstram que a utilização da piroidrólise para o preparo de amostras de combustíveis fósseis (carvão e petróleo) e produtos do refino de petróleo é adequada para a posterior determinação de F e Cl, em concentrações relativamente baixas. Além disso, não foram observadas perdas dos halogênios, o que é uma das vantagens em relação a outras técnicas de decomposição, como a digestão com ácidos minerais ou fusão alcalina.3 O método desenvolvido é relativamente rápido e são necessários poucos reagentes e em pequena quantidade para o preparo de materiais de difícil decomposição, como petróleo extrapesado, coque de petróleo, RAT e RV. Entretanto, para o preparo das amostras de petróleo extrapesado, RAT e RV, é indispensável o uso de HNO3 ou (Mg)2NO3 como auxiliares. O sistema de piroidrólise utilizado é de fácil montagem e operação, além de ser de baixo custo. Cabe destacar, que a solução final obtida pode ser analisada diretamente por ICP OES, ICP-MS e ISE, para as quais é fundamental que a amostra tenha sido adequadamente preparada. Adicionalmente, a piroidrólise permite a separação dos analitos da matriz, minimizando interferências na etapa de medição. De acordo com os resultados obtidos, a piroidrólise pode ser considerada uma técnica adequada para análises de rotina.

Recebido em 22/9/09; aceito em 16/12/09; publicado na web em 8/4/10

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Set 2009
    • Aceito
      16 Dez 2009
    Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), CP6154, 13083-0970 - Campinas - SP - Brazil
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