Open-access Detecção e caracterização biológica e molecular de Rupestris stem-pitting associated virus e seu efeito na fotossíntese de videiras

Biological and molecular detection and characterization of Rupestris stem-pitting associated virus and its effect on photosynthesis of grapevines

Resumos

Rupestris stem pitting associated virus (RSPaV) é o agente causal das "caneluras do tronco de Rupestris" da videira (Vitis spp.). Neste trabalho, um isolado de RSPaV, encontrado em videiras cv. Cabernet Franc no Rio Grande do Sul, foi estudado. O vírus foi detectado biologicamente, por enxertia em videira indicadora cv. Rupestris du Lot, em 26,2% das amostras avaliadas. A seqüência parcial do gene da replicase do RSPaV, isolado sul-brasileiro, com 831 nucleotídeos amplificados por RT-PCR e 276 aminoácidos deduzidos, apresentou maior identidade de nucleotídeos (98,1%) e aminoácidos deduzidos (99,6%), com dois isolados norte-americanos. O RSPaV estudado apresentou baixa homologia (37-41%) com outros vírus do gênero Foveavirus. A maioria das mudas de videira cv. C. Franc infetadas com RSPaV apresentou diminuição no potencial fotossintético (2,68 a 5,12 vezes) e aumento na taxa respiratória no escuro quando comparadas a mudas sadias, salientando os impactos que esse vírus pode proporcionar no potencial produtivo de videiras.

Vitis; RSPaV; Foveavirus; caracterização


The Rupestris stem-pitting associated virus (RSPaV) is reported to cause stem pitting disease in grapevines (Vitis spp.). This work studies an RSPaV-isolate found infecting grapevine cv. C. Franc in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. This isolate was detected biologically, by grafting on Rupestris du Lot grapevine indicator, in 26.2% of the analysed samples. The partial replicase gene sequence of the Southern Brazilian RSPaV isolate, with 831 nucleotides amplified by RT-PCR and 276 deduced amino acids, showed high identities of nucleotides (98.1%) and deduced amino acids (99.6%), with two RSPaV North American isolates. The RSPaV studied showed low homology (37-41%) with other members of the genus Foveavirus. Most of the virus-free rootstocks grafted with RSPaV infected scions showed photosynthetic potential reduction (2.68 to 5.12 times) and dark respiratory rate increase when compared to healthy ones, emphasizing the potential negative impact of this virus on grapevine production.


COMUNICAÇÕES COMMUNICATIONS

Detecção e caracterização biológica e molecular de Rupestris stem-pitting associated virus e seu efeito na fotossíntese de videiras

Biological and molecular detection and characterization of Rupestris stem-pitting associated virus and its effect on photosynthesis of grapevines

Thor V.M. FajardoI; Marcelo EirasII; Henrique P. SantosI; Osmar NickelI; Gilmar B. KuhnI

IEmbrapa Uva e Vinho, Cx. Postal 130, CEP 95700-000, Bento Gonçalves, RS, e-mail: thor@cnpuv.embrapa.br

IICentro de Sanidade Vegetal, Instituto Biológico de São Paulo, Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP

RESUMO

Rupestris stem pitting associated virus (RSPaV) é o agente causal das "caneluras do tronco de Rupestris" da videira (Vitis spp.). Neste trabalho, um isolado de RSPaV, encontrado em videiras cv. Cabernet Franc no Rio Grande do Sul, foi estudado. O vírus foi detectado biologicamente, por enxertia em videira indicadora cv. Rupestris du Lot, em 26,2% das amostras avaliadas. A seqüência parcial do gene da replicase do RSPaV, isolado sul-brasileiro, com 831 nucleotídeos amplificados por RT-PCR e 276 aminoácidos deduzidos, apresentou maior identidade de nucleotídeos (98,1%) e aminoácidos deduzidos (99,6%), com dois isolados norte-americanos. O RSPaV estudado apresentou baixa homologia (37-41%) com outros vírus do gênero Foveavirus. A maioria das mudas de videira cv. C. Franc infetadas com RSPaV apresentou diminuição no potencial fotossintético (2,68 a 5,12 vezes) e aumento na taxa respiratória no escuro quando comparadas a mudas sadias, salientando os impactos que esse vírus pode proporcionar no potencial produtivo de videiras.

Palavras-chave adicionais: Vitis, RSPaV, Foveavirus, caracterização.

ABSTRACT

The Rupestris stem-pitting associated virus (RSPaV) is reported to cause stem pitting disease in grapevines (Vitis spp.). This work studies an RSPaV-isolate found infecting grapevine cv. C. Franc in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. This isolate was detected biologically, by grafting on Rupestris du Lot grapevine indicator, in 26.2% of the analysed samples. The partial replicase gene sequence of the Southern Brazilian RSPaV isolate, with 831 nucleotides amplified by RT-PCR and 276 deduced amino acids, showed high identities of nucleotides (98.1%) and deduced amino acids (99.6%), with two RSPaV North American isolates. The RSPaV studied showed low homology (37-41%) with other members of the genus Foveavirus. Most of the virus-free rootstocks grafted with RSPaV infected scions showed photosynthetic potential reduction (2.68 to 5.12 times) and dark respiratory rate increase when compared to healthy ones, emphasizing the potential negative impact of this virus on grapevine production.

O lenho rugoso da videira (Vitis spp.) ("Rugose wood"), que ocorre em vinhedos no Brasil e em vários outros países vitícolas do mundo, é um complexo de quatro doenças causadoras de alterações no lenho de plantas infetadas, do qual faz parte a virose "Rupestris stem pitting - RSP" (Credi, 1997; Stewart & Nassuth, 2001), conhecida por "lenho estriado de Rupestris" em São Paulo e por "caneluras do tronco de Rupestris" no Rio Grande do Sul (Espinha et al., 2003).

O Rupestris stem pitting-associated virus (RSPaV) foi identificado e caracterizado molecularmente (Meng et al., 1998; Zhang et al., 1998) como o agente causal das caneluras do tronco de Rupestris (RSP) e classificado na família Flexiviridae no gênero Foveavirus (Martelli & Jelkmann, 2000). O vírus possui partículas alongadas e flexuosas com cerca de 800 x 12 nm e genoma de RNA de fita simples e senso positivo com 8726 nucleotídeos e proteína capsidial de 28 kDa (Meng et al., 1998; Zhang et al., 1998; Minafra et al., 2000). A videira é a única hospedeira natural do RSPaV conhecida. O vírus não é transmitido mecanicamente e não tem vetor conhecido. A transmissão do RSPaV ocorre através da enxertia utilizando-se gemas infetadas, enquanto a dispersão da virose se dá por meio de material propagativo infetado (Martelli & Jelkmann, 2000).

Há relatos de que RSP é o mais freqüente e importante componente do lenho rugoso da videira na Itália (Credi, 1997), assim como provavelmente também ocorre no restante dos países vitícolas (Meng et al., 1998, 1999a). Zhang et al. (1998) mencionam que a ampla distribuição de RSPaV em videiras no mundo pode ser parcialmente atribuída à fraca expressão de sintomas do vírus em muitas cultivares, à descoberta relativamente recente desta doença e ao período de até dois anos que a indicadora lenhosa necessita para o término da indexagem biológica. Verifica-se lento declínio no crescimento de videiras infetadas com RSP, além de efeitos negativos em relação à qualidade dos frutos e à produção (Credi, 1997).

Os vírus, de modo geral, são capazes de induzir desordens dentro da célula vegetal que incluem alterações na fotossíntese e outras funções metabólicas, tais como a respiração, atividade enzimática, transporte de assimilados e balanço hormonal (Sampol et al., 2003). Tais alterações metabólicas afetam a qualidade e a quantidade da produção da videira, revestindo-se assim de importância econômica (Sampol et al., 2003). Entretanto, pouco é conhecido a respeito do alvo molecular da ação viral que provocaria decréscimos na taxa fotossintética. Já foi demonstrado que a proteína capsidial viral acumula nos cloroplastos e membranas dos tilacóides de plantas infetadas, sugerindo, desta forma, que poderia induzir a inibição do fotossistema II (FSII) de transporte de elétrons (Sampol et al., 2003). Este tipo de inibição metabólica foi demonstrado em infecções com os vírus Tobacco mosaic virus (TMV) gênero Tobamovirus e Cucumber mosaic virus (CMV) família Bromoviridae, gênero Cucumovirus, os quais também reduzem a atividade de enzimas envolvidas na assimilação de CO2, síntese de amido e transporte de fotoassimilados (Técsi et al., 1994). Esta tendência de redução fotossintética e, conseqüentemente, de produtividade foi claramente demonstrada em plantas de Vitis vinifera L. cv. Thompson Seedless infetadas com Grapevine fanleaf virus (GFLV) família Comoviridae, gênero Nepovirus, as quais apresentaram uma taxa de assimilação líquida de CO2 66,5% menor do que a observada em plantas sadias (Auger et al., 1992). Todos esses efeitos evidenciam o grande impacto que algumas infecções virais podem promover na fotossíntese e na produção da videira. Entretanto, apesar da descrição sintomática, não se tem registros dos efeitos que o vírus RSPaV pode exercer sobre a capacidade fotossintética e, conseqüentemente, sobre a produção de videiras.

Os objetivos deste trabalho foram detectar, através de testes biológicos e moleculares, RSPaV em videiras provenientes de vinhedos gaúchos, caracterizar parcialmente um isolado local de RSPaV, além de determinar o efeito deste vírus sobre a fotossíntese de videiras.

Isolado viral

O isolado de RSPaV, denominado sul-brasileiro, foi detectado em videiras cv. Cabernet Franc, situadas em vinhedo experimental na Embrapa Uva e Vinho, Bento Gonçalves (RS).

Extração de RNA total

A extração de RNA total, a partir de 100 mg de fragmentos do lenho de videiras cv. Cabernet Franc infetadas com RSPaV, foi realizada utilizando-se o "RNeasy Plant Mini Kit" (Qiagen), triturando-se o tecido vegetal em nitrogênio líquido.

Síntese do cDNA e RT-PCR

Procedeu-se a síntese do cDNA viral conforme descrito por Fajardo et al. (2000). Foram empregados os oligonucleotídeos descritos por Zhang et al. (1998) na amplificação do RSPaV: RSP21: 5' CCCTCTGGCGATTGAATTG 3' (complementar) e RSP2: 5' CAAGCATGCTCTTGGCAAC 3' (viral). As reações da PCR foram preparadas conforme publicado (Fajardo et al., 2000), seguindo-se 35 ciclos de amplificação, compostos de desnaturação (94 oC/45 seg), pareamento (42 oC/45 seg) e extensão (72 oC/1 min.). O produto da amplificação foi analisado em gel de agarose 1,5%, preparado em tampão TBE, pH 8,0. A banda, do fragmento de DNA de tamanho esperado, foi extraída do gel e o DNA foi eluído utilizando-se o "GFX PCR DNA and Gel Band Purification Kit" (Amersham Biosciences), de acordo com as especificações do fabricante.

Clonagem, seleção de clones recombinantes e estudo de homologia de seqüências

O fragmento de DNA eluído foi ligado ao vetor pGEM-T Easy (Promega), de acordo com as instruções do fabricante. A seguir, a ligação foi utilizada na transformação, por choque térmico, de células competentes de Escherichia coli DH5a. O DNA plasmidial das colônias bacterianas transformadas foi extraído utilizando-se o kit "Flexi Prep" (Amersham Biosciences), seguindo-se as recomendações do fabricante. A confirmação da presença do fragmento de RSPaV nos plasmídeos recombinantes foi realizada por PCR, nas condições mencionadas anteriormente. Procedeu-se o seqüenciamento automático de nucleotídeos de três dos clones recombinantes obtidos. As seqüências de nucleotídeos e de aminoácidos deduzidos foram comparadas às seqüências existentes no banco de dados GenBank, utilizando-se o "site" do NCBI (www.ncbi.nlm.nih.gov).

Indexagem biológica

Foi realizada a indexagem do RSPaV por enxertia de mesa, do tipo ômega, no período de repouso vegetativo das plantas, empregando-se a cv. Rupestris du Lot (=Vitis rupestris Scheele cv. St. George) como indicadora. As amostras analisadas consistiram de material vegetativo, a maioria obtido em vinhedos comerciais da Serra Gaúcha. Foram realizadas 122 enxertias, testando-se as seguintes cultivares produtoras: Azal, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Catalunha, Chenin Blanc, Isabel, Itália, Lourciro, Merlot, Niagara Rosada, Petit Syrah, Red Globe, Sauvignon Blanc, Semillon, Tannat e Trajadura e os porta-enxertos 101-14, 3309, 420 A, P1103 e SO4. Após as enxertias, as plantas permaneceram em casa de vegetação, por um período mínimo de 24 meses, para serem avaliadas.

Avaliação do efeito da infecção viral sobre a fotossíntese de mudas de videira

Para essa análise foram utilizadas folhas da cv. Cabernet Franc, a qual foi previamente enxertada (enxertia de mesa do tipo ômega) sobre porta-enxertos das cultivares 420A, P1103 e 101-14. As estacas de cada porta-enxerto foram enxertadas com gemas sadias (plantas previamente testadas por ELISA e/ou indexagem biológica) e infetadas com RSPaV. As mudas enxertadas permaneceram 30 dias em caixa de madeira, cobertas com serragem úmida e tratadas com benomil, em câmara de forçagem a 28 ºC para permitir a soldadura do enxerto. Concluída esta etapa, as estacas foram plantadas em sacos plásticos contendo solo esterilizado, corrigido nutricionalmente, e mantidas em casa de vegetação com temperatura controlada por três meses. Após este período, foi determinada a taxa fotossintética líquida (ou seja, a taxa de fixação de CO2), em diferentes níveis de radiação e em folhas totalmente expandidas sadias e infetadas (uma folha por planta, cinco plantas/tratamento para P1103 e 101-14; 4 plantas/tratamento para 420A), utilizando-se um analisador portátil de fotossíntese (LI-6400 Portable Photosynthesis System, LI-COR, Lincoln, USA). Para esta análise foram realizadas curvas rápidas de fotossíntese líquida em relação à disponibilidade de radiação, utilizando uma câmara fechada (Blue + Red LED LI-6400-02B, LI-COR, Lincoln, USA) com fonte artificial de radiação fotossinteticamente ativa (PAR). Todas as medidas foram realizadas no mesmo dia, no período das 10:00 às 15:00 h, o qual correspondeu ao período de máxima atividade fotossintética (observações prévias utilizando a fonte artificial de PAR). A ordem e os níveis de PAR (em mmol de fótons.m-2.s-1) empregados foram 2500, 1300, 1000, 800, 270, 90, 30 e 0 (escuro), aguardando-se um minuto de intervalo entre cada nível. O CO2 utilizado foi do ambiente, o qual manteve-se, em média, na concentração de 367 mmol.mol-1. Durante as análises, as temperaturas do ar e da folha mantiveram-se entre 25 e 28 oC e a velocidade do fluxo de ar empregado foi de 500 µmol.s-1, com umidade relativa de 45%. A leitura na radiação zero (escuro) corresponde à taxa de respiração no escuro das diferentes folhas analisadas. Os valores médios, determinados para as taxas fotossintéticas nas diferentes radiações e repetições (plantas), foram plotados graficamente. A determinação do ponto de compensação de luz (intensidade de radiação onde a fotossíntese é igual à respiração) foi realizada pela extrapolação da fase linear da curva (baixas intensidades de radiação) até o ponto de intersecção com o eixo x (intensidade de PAR quando a taxa de fixação de CO2 é igual a zero). Os valores dos pontos de compensação e das taxas de respiração no escuro foram analisados estatisticamente somente entre plantas infetadas e sadias de cada porta-enxerto, utilizando um teste de comparações múltiplas de médias (Tukey 5%). As porcentagens de sintoma foliar (avermelhamento em manchas) das folhas utilizadas para a determinação da taxa fotossintética foram visualmente estimadas.

Com os oligonucleotídeos RSP21 e RSP2 foi amplificado por RT-PCR um fragmento de DNA de 831 pb do RSPaV, a partir de todas as videiras cv. C. Franc infetadas, confirmando-se, desta forma, a identidade do isolado viral. Para alcançar alta eficiência na detecção do RSPaV por RT-PCR, a seleção dos oligonucleotídeos utilizados é importante. Meng et al. (1999a), dependendo dos oligonucleotídeos, detectaram RSPaV em 85% a, aproximadamente, 100% das amostras de videiras previamente indexadas positivas. Zhang et al. (1998) relataram que a taxa de detecção variou de 58 a 90% quando dois pares de oligonucleotídeos (incluindo aquele empregado neste trabalho), derivados de diferentes regiões do genoma viral, foram utilizados. Estes autores citam que a inconsistência pode ser devida à distribuição irregular do vírus dentro da videira; presença de outros vírus não caracterizados, e que poderiam induzir caneluras; resultado falso-positivo em indexagens biológicas e presença de diferentes estirpes nas plantas analisadas. Concordando com esta última explicação, Meng et al. (1999b) relatam a ocorrência de uma família de seqüências variantes de RSPaV, com variações de até 24% de nucleotídeos, associada a videiras com caneluras. Desta forma, para a detecção confiável do RSPaV por RT-PCR, Meng et al. (1999a,b) recomendam a utilização de oligonucleotídeos de amplo espectro, ou seja, desenhados para amplificar regiões mais conservadas do genoma do RSPaV, como o gene da replicase viral (Meng et al., 1998). Zhang et al. (1998) e Meng et al. (1999a) mencionam que a RT-PCR facilitará a indexagem do RSPaV por promover sua rápida detecção.

Stewart & Nassuth (2001) avaliaram que a sensibilidade e a confiabilidade da RT-PCR para a detecção de RSPaV em videiras a campo depende do título viral, da presença de inibidores vegetais, do tipo de tecido testado e do estádio fenológico da planta. As informações de Stewart & Nassuth (2001), Zhang et al. (1998) e do presente trabalho sobre RT-PCR têm como foco o controle das doenças virais, que depende da capacidade de se detectar precocemente e eliminar plantas infetadas pelo RSPaV em programas de produção de material livre de vírus e de certificação e em procedimentos de quarentena.

O alinhamento da seqüência obtida, em relação à seqüência do isolado norte-americano (Nova Iorque) de RSPaV-1 (Meng et al., 1998), mostrou que o fragmento amplificado está localizado entre os nucleotídeos 654-1484 da replicase viral (ORF1), que, por sua vez, estende-se dos nucleotídeos 62 ao 6547. A seqüência obtida neste trabalho, contendo parte (12,8%) do gene da replicase do RSPaV isolado sul-brasileiro, com 831 pb e 276 aminoácidos deduzidos, foi depositada no banco de dados GenBank com o código de acesso AY244640 (nucleotídeos) e AAO85390 (aminoácidos deduzidos).

As maiores identidades de nucleotídeos e aminoácidos deduzidos, respectivamente, foram verificadas entre o RSPaV, isolado sul-brasileiro, e os isolados norte-americanos RSPaV-1 (acesso AF057136/AAC35498 - Nova Iorque) de Meng et al. (1998), com 98,1% e 98,5% e Grapevine rupestris stem pitting associated virus (GRSPaV, acesso AF026278/AAC62910 - Califórnia) de Zhang et al. (1998), com 97,7% e 99,6%. Em relação ao isolado de Nova Iorque e da Califórnia, o isolado sul-brasileiro de RSPaV apresentou quatro e uma substituições de aminoácidos deduzidos, respectivamente. Não é conhecido o reflexo destas substituições nas propriedades biológicas do isolado sul-brasileiro em relação aos demais isolados.

A identidade de nucleotídeos e aminoácidos deduzidos que Espinha et al. (2003) encontraram entre um isolado paulista de RSPaV e os dois isolados norte-americanos deste vírus foi de 88% e 94%, respectivamente, comparando o fragmento amplificado com os oligonucleotídeos RSP2/21 de Zhang et al. (1998). Portanto, os valores de identidade verificados neste trabalho entre o isolado sul-brasileiro e os dois isolados norte-americanos são significativamente superiores em relação à comparação citada anteriormente. A divergência de nucleotídeos e de aminoácidos deduzidos, entre os isolados paulista e sul-brasileiro e considerando-se ofragmento da replicase mencionado, é de 87,8% e 97,1%, respectivamente. As explicações para a divergência verificada entre os isolados de RSPaV mencionados necessitam estudos adicionais, em especial, o seqüenciamento de fragmentos maiores do genoma dos dois isolados brasileiros. Meng et al. (1999b) citam que a análise das seqüências de clones de cDNA, obtidos de várias videiras infetadas com as caneluras do tronco de Rupestris (RSP), sugere que uma família de seqüências variantes do RSPaV está associada com esta virose, sendo a ORF5 (proteína capsidial) e o carboxi-terminal da ORF1 (replicase) as regiões maisconservadas do genoma do RSPaV. Minafra et al. (2000), analisando por Western blot várias amostras de videira com um anti-soro produzido contra a proteína capsidial recombinante de um isolado europeu de RSPaV, obtiveram resultados que indicam homogeneidade da proteína capsidial entre diferentes isolados deste vírus.

A comparação da seqüência parcial da replicase do RSPaV, isolado sul-brasileiro, com outro vírus do gênero Foveavirus, Apple stem pitting virus (ASPV), e da família Flexiviridae, Cherry green ring mottle virus (CGRMV), demonstrou maiores identidades de aminoácidos deduzidos com ASPV (41%), acessos BAB15950 e BAA04853 e, com CGRMV (37%), acessos CAC18739 e AAC35433. Zhang et al. (1998) e Meng et al. (1998) foram os primeiros a demonstrarem a maior similaridade entre RSPaV e ASPV com base na análise filogenética das seqüências de nucleotídeos e aminoácidos deduzidos e na organização genômica. Zhang et al. (1998) e Meng et al. (1998) encontraram, respectivamente, 63% e 39,6-49,2% de identidade de aminoácidos entre a ORF1 (replicase) do RSPaV, isolados da Califórnia e de Nova Iorque, com o ASPV. Neste trabalho, considerando a homologia de apenas parte do gene da replicase, a identidade de aminoácidos deduzidos entre o RSPaV, isolado sul-brasileiro, e o ASPV foi próxima àquela determinada por Meng et al. (1998).

Trinta e duas das 122 plantas avaliadas (26,2%), correspondendo às cvs. Cabernet Franc, incluindo as plantas fontes do isolado de RSPaV, Cabernet Sauvignon, Niagara Rosada, Itália, Isabel, Petit Syrah, Trajadura, Azal, 101-14 e SO4, manifestaram a formação de pequenas reentrâncias (caneluras) ao redor do lenho da indicadora Rupestris du Lot após a última avaliação visual, confirmando o valor da indexagem biológica para a detecção do RSPaV. A caracterização biológica dos isolados de RSPaV permite esclarecer a associação dos mesmos com sintomas específicos (Meng et al., 1998).

Na análise da taxa de fotossíntese líquida, observou-se, nos diferentes níveis de radiação, que as mudas sadias apresentaram maior taxa do que as infetadas (Figura 1A,B,C), o que as potencializa a apresentarem maior acúmulo de reservas e capacidade de crescimento (Auger et al., 1992). Considerando os níveis saturantes de radiação (>800 µmol de fótons.m-2.s-1), as folhas de mudas infetadas com RSPaV da cv. Cabernet Franc sobre 420A, P1103 e 101-14 apresentaram reduções na taxa máxima de fotossíntese líquida de 2,68; 5,12 e 4,07 vezes (Figura 1A, B, C), respectivamente, em relação a folhas de mudas sadias. Cabaleiro et al. (1999) mencionam que embora o desenvolvimento de videiras durante os três primeiros anos produtivos não tenha sido muito afetado pelo Grapevine leafroll-associated virus 3 (GLRaV), a menor taxa fotossintética líquida verificada nas folhas com sintomas de enrolamento pode afetar a produção das videiras a longo prazo. Auger et al. (1992) também verificaram redução (66,5%) na taxa fotossintética de folhas de videira infetadas com GFLV. Sampol et al. (2003) observaram reduções de 30 a 50% na fotossíntese de videiras infetadas por GFLV e GLRaV, valores similares àqueles relatados por Cabaleiro et al. (1999). Entretanto, neste trabalho foram verificados decréscimos mais marcantes (de até 5,12 vezes) na taxa fotossintética de mudas de videiras infetadas com RSPaV. Possivelmente, em mudas de videira de três meses, formadas a partir da enxertia do porta-enxerto com gemas infetadas, os reflexos negativos do vírus sobre a fisiologia da planta sejam maiores ou o RSPaV apresenta impactos mais relevantes do que os observados com outros vírus.


Em todos os porta-enxertos o ponto de compensação de luz foi, numericamente, maior nas mudas infetadas (Tabela 1), ou seja, a planta infetada, em comparação com a sadia, necessita de mais luz para que a taxa de respiração se iguale à taxa fotossintética. Este resultado exemplifica a diminuição do potencial fotoquímico nas folhas sintomáticas analisadas, possivelmente, como conseqüência da redução de clorofila e do aumento de antocianinas (avermelhamento) nestas folhas, como observado neste trabalho e por Auger et al. (1992) em folhas da cv. Thompson Seedless.

Embora alguns relatos tenham demonstrado a diminuição da taxa fotossintética induzida por vírus, os alvos específicos (sítios e rotas metabólicas da planta) que são afetados pela ação viral neste processo são desconhecidos ou não são completamente compreendidos. De acordo com Auger et al. (1992) e Sampol et al. (2003), a redução na taxa fotossintética de folhas infetadas pode ser principalmente atribuída aos danos diretos que os vírus podem exercer sobre os cloroplastos. Esses efeitos vão desde a interação da proteína capsidial do vírus com o fotossistema II até reduções de clorofila, de proteína solúvel total e da atividade da enzima Rubisco. Esses efeitos, apesar de não terem sido analisados no presente trabalho, também podem estar ocorrendo em folhas infetadas pelo RSPaV, pois observa-se claramente que o avermelhamento em manchas nas folhas corresponde a uma menor capacidade fotossintética.

A redução na atividade fotossintética, que as plantas infetadas com RSPaV apresentaram, também pode estar relacionada, de modo indireto, com o bloqueio da drenagem (saída) de carboidratos, pois os vírus, que se concentram no floema, normalmente obstruem o seu carregamento, resultando em acúmulos de fotoassimilados (amido) nas folhas infetadas (Sampol et al., 2003). Este bloqueio no transporte de carboidratos pode interferir no metabolismo foliar através dos princípios da teoria do "sugar sensing" (Jang & Sheen, 1994), os quais salientam a relação entre os níveis de açúcares e o controle da expressão de genes da fotossíntese.

Plantas infetadas por patógenos virais podem apresentar alterações metabólicas e fisiológicas que incluem o aumento da taxa respiratória (Auger et al., 1992; Sampol et al., 2003). Nesse enfoque, as folhas de Cabernet Franc infetada sobre os porta-enxertos 101-14 e 420A apresentaram uma tendência de aumento nas taxas de respiração no escuro, embora a diferença não tenha sido significativa no 420A (Tabela 1). Em relação à taxa respiratória no porta-enxerto P1103, não houve diferenças significativas (Tabela 1), indicando que esta variável pode ser dependente da cultivar do porta-enxerto.

A explicação para a não observação de diferenças estatísticas significativas em algumas comparações de valores médios do ponto de compensação de luz e da taxa de respiração de folhas de mudas de videiras sadias e infetadas, em particular em relação ao porta-enxerto 420A (Tabela 1), pode ser atribuída à padronização insuficiente do estado fisiológico (dormência, nível de reservas e maturidade) do material propagativo empregado. Não se pode atribuir a ausência de diferença estatística no experimento a resistência genética das cultivares de porta-enxertos ou produtora utilizadas, visto que, de modo geral, todas as cultivares utilizadas apresentam nível semelhante de suscetibilidade ao RSPaV. Entretanto, não se pode descartar a hipótese de que os porta-enxertos possam imprimir diferenças metabólicas (vigor) na parte aérea, o que poderia compensar os efeitos danosos promovidos pelo RSPaV.

Neste estudo ficou evidente que alguns impactos fisiológicos provocados pelo RSPaV são grandes e possíveis de serem precocemente detectados através da avaliação fotossintética. Ou seja, mudas de três meses infetadas com o RSPaV já teriam seu potencial de crescimento prejudicado pelo vírus. Considerando que uma muda comercial de videira é comercializada com 12 meses ou mais, o efeito negativo do vírus pode ser ainda maior.

AGRADECIMENTOS

À Joseliane Tuchtenhagen Cardoso e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), pela concessão da bolsa de Iniciação Científica à estudante.

Aceito para publicação em 29/09/2003

Autor para correspondência: Thor V. M. Fajardo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004
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