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A ESTÉTICA FILOSÓFICA DE GIANNI VATTIMO

THE PHILOSOPHICAL AESTHETICS OF GIANNI VATTIMO

RESUMO

Este texto tem como escopo mostrar a plausibilidade da tese de Gianni Vattimo, segundo a qual, a morte ou fim da arte, pensada pelo filósofo italiano como tramonto ou crepúsculo da arte, pode ser uma chance para pensar a estética filosófica na chamada condição pós-moderna. A plausibilidade dessa tese é mostrada por meio de um percurso estético-filosófico a partir das obras estéticas na língua original do autor, nas quais se evidenciam a constante dos conceitos de produção, ontologia, verdade e Verwindung com o intuito de mostrar a vocação ontológica da estética vattimiana. A pergunta que norteia as reflexões estéticas de Vattimo não tem por finalidade responder o que é a arte e, sim, qual o sentido de produzir obras artísticas na época do fim da arte. Lidas nessa perspectiva, as obras estéticas de Vattimo mostram a necessidade de iniciar toda e cada estética filosófica da aceitação do pressuposto da historicidade da arte e da necessária experiência artística porque nela, seguindo a filosofia de Heidegger, acontece a arte como posta em obra da verdade.

Palavras-chave
Estética ontológica; Verdade; Produção artística; Enfraquecimento do ser; Gianni Vattimo

ABSTRACT

This text aims to show the plausibility of Gianni Vattimo’s thesis, according to which the death or end of art, thought by the Italian philosopher as a sunset or twilight of art, can be a chance to think about philosophical aesthetics in the so-called postmodern condition. The plausibility of this thesis is shown through an aesthetic-philosophical path from the aesthetic works in the author’s original language, in which the constant of the concepts of production, ontology, truth and Verwindung (twist) are evidenced in order to show the ontological vocation of Vattimo’s aesthetics. The question that guides Vattimo’s aesthetic reflections is not meant to answer what art is, but rather what the meaning of producing artistic works at the time of the end of art is. From this perspective Vattimo’s aesthetic works show the need to initiate each and every philosophical aesthetic acceptance from the assumption of art historicity and the necessary artistic experience, because following Heidegger’s philosophy, art happens as a work of truth.

Keywords
Ontological aesthetics; Truth; Artistic production; Weakening of being; Gianni Vattimo

1. Introdução

A pergunta pela estética filosófica em Gianni Vattimo não é análoga a uma tentativa de definir o que é a arte. Por essa razão, não pode ser pensada a partir dos cânones da estética filosófica como uma reflexão filosófica sobre o belo a partir de uma conditio sine qua non transcendental. A pergunta filosófica pela estética e pela arte tem seu ponto de partida, para Vattimo, na condição histórica onde acontece a experiência artística. É a condição histórica da arte e das produções artísticas, na relação com uma experiência estética da verdade, que possibilita a filosofia pensar a condição estética. Certamente, uma vez que aceitamos, por um lado, a historicidade da arte, das produções artísticas e do artista como ser histórico e, por outro lado, o fim da história, o fim da metafísica e o fim da arte, nos termos apresentados por Vattimo, a pergunta: o que é arte? torna-se sem sentido e contraditória.

Se a pergunta fundamental de Vattimo, no âmbito da estética filosófica, não é o que é arte, então, essa pergunta adquire um tom heideggeriano: qual é o sentido da arte ou, melhor ainda, qual é o sentido de produzir obras artísticas na época do fim ou morte da arte? Como é possível justificar filosoficamente a estética a partir da morte da arte, quando na época denominada pós-moderna acontece uma revolução de todo tipo de obras artísticas?

Nossa hipótese interpretativa, porém, é que a tese de Gianni Vattimo, segundo a qual a passagem da morte ou fim da arte para o crepúsculo da arte é uma chance para a estética filosófica, parece plausível se realizarmos uma análise a partir dos textos ditos estéticos do filósofo italiano. Embora muitos desses textos ainda não possuam tradução para o português, o certo é que essa produção estético-filosófica poderia, por um lado, servir como porta de entrada para a compreensão da totalidade da obra publicada pelo filósofo, como tem afirmado alguns de seus comentadores (Giorgio, 2006GIORGIO, G. “Il pensiero di Gianni Vattimo”. Milão: Franco Angeli, 2006., p. 25; Amoroso, 2008AMOROSO, L. “Gianni Vattimo e il primato «debole» dell’estetica”. In: Pensare l’attualità, cambiare il mondo. Confronto con Gianni Vattimo. Org. Gaetano Chiurazzi. Milão: Mondadori, 2008, pp. 11-22., p. 11) ao ponto de poder ser afirmado que existiria um primado da estética na filosofia do filósofo de Turim e, por outro lado, que neles reside a matéria-prima sobre os quais realizar um percurso com o escopo de mostrar a pertinência filosófica dessa tese vattimiana.

O diagnóstico feito por Roberto Esposito, no âmbito da filosofia política, pode, com plausibilidade, ser predicado também da análise feita por Gianni Vattimo no âmbito da estética filosófica. No livro Politica e negazione o filósofo napolitano escreve:

È vero che i quattro maggiori filosofi politici novecenteschi - Max Weber, Carl Schmitt, Hannah Arendt e Michel Foucault - hanno tutti, a vario titolo, avvertito il progressivo rattrappirsi dello spazio politico, prosciugato al ponto do rovesciarsi nel proprio contrario [...] Weber, Schmitt, Arendt e Foucault hanno diversamente sottoposto a critica i concetti di potere, autorità, rappresentanza, libertà. Ma senza focalizzare a sufficienza il dispositivo metafisico che li porta a negare quanto pure affermano (Esposito, 2018ESPOSITO, R. “Politica e negazione. Per una filosofia affermativa”. Turim: Einaudi, 2018., p. VIII).

Para além dos elementos de natureza política, o importante para nossa análise é o fato que Esposito percebe, e denuncia, ou seja, o dispositivo metafísico presente nas categorias filosóficas usadas pelos maiores pensadores da filosofia política e como são estes conceitos que, ao mesmo tempo, negam o que afirmam. Nesse sentido, a análise feita por Esposito da filosofia política é análoga à análise feita antes por Gianni Vattimo referente à estética filosófica e ao uso de seus conceitos. Nas palavras do filósofo italiano:

si tratta di un insieme di fenomeni con cui l’estetica filosofica tradizionale si misura con difficoltà. I concetti di questa tradizione si rivelano privi di referente nella concreta esperienza [...] incontriamo davvero ancora l’opera d’arte come opera esemplare del genio, come manifestazione sensibile dell’idea, come <messa in opera della verità>? (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 67).

Os conceitos da estética filosófica, no raciocínio de Vattimo, não conseguem dar conta das experiências artísticas concretas o que as deixa sem possibilidades de emitir juízos estéticos ou pensar a beleza fora dos moldes do pensamento tradicional. O dispositivo metafísico, usando a expressão de Esposito, presente na estética filosófica segundo Vattimo, mostra e demonstra o problema categorial e conceitual das estéticas metafísicas deixando patente a questão do crepúsculo da arte na época denominada moderna. A pergunta vattimiana, em chave heideggeriana, pela posta em obra da verdade na produção artística, como desenvolveremos mais adiante, parece pertinente, do ponto de vista filosófico, porque ela abre o espaço para pensar a estética filosófica não a partir das categorias e conceitos gastos da metafísica tradicional, mas sim, como uma estética ontológica que assume, em termos de uma Verwindung, a crítica heideggeriana à metafísica como um enfraquecimento do ser que Vattimo denomina com o rótulo de pós-modernidade (Chiurazzi, 2002CHIURAZZI, G. “Il postmoderno”. Milão: Mondadori, 2002., pp. 40-44).

O que apresentamos nesse artigo é um estudo das obras estéticas originais de Gianni Vattimo, que tem como escopo mostrar a plausibilidade da tese segundo a qual o enfraquecimento da estética é uma via possível a ser explorada pela estética filosófica a fim de ter sentido na época do fim da metafísica. Para tal, faremos uma análise a partir do livro de 1961 Il concetto di fare in Aristotele, passando pelo livro de 1967 Ontologia e poesia e concluindo com a segunda parte do livro de 1985 La fine della modernità.

2. A estética da produção

A preocupação estética é o signo distintivo da reflexão filosófica de Gianni Vattimo durante seus primeiros anos de vida acadêmica. A publicação de seu primeiro livro, intitulado: Il concetto di fare in Aristotele, em 1961, atesta essa preocupação que, por um lado, tem levado a alguns de seus intérpretes a considerar a estética como a porta de entrada ao pensamento filosófico do pensador italiano (Giorgio, 2006GIORGIO, G. “Il pensiero di Gianni Vattimo”. Milão: Franco Angeli, 2006., p. 25-31) e, por outro, constatar a forte influência intelectual de Luigi Pareyson presente nessa obra (Cedrini; Martinengo; Zabala, 2007CEDRINI, M., MARTINENGO, A., ZABALA, S. “Presentazione”. In: VATTIMO, G. Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 9-16., pp. 12-13). Contudo, a relação com Pareyson não é só de um discipulado acrítico, ao contrário, Vattimo procura se confrontar filosoficamente com o mestre. Como afirmam os organizadores das obras completas, Cedrini, Martinengo e Zabala, Vattimo quer

confrontarsi con il paradigma pareysoniano della teoria della formatività, da una parte per capovolgere i temi consolidati dell’esegesi romantica di Aristotele e dall’altra per integrare in modo significativo lo stesso modello di Pareyson. In questa chiave, l’analisi si concentra soprattutto sugli aspetti strutturali della produzione artistica (2007, p. 13).

Em termos filosóficos, Vattimo pretendia sair das interpretações românticas de Aristóteles, em particular dos conceitos de μίμησις e κάθαρσις, que tinham vigorado até fins dos anos cinquenta (Vattimo, 2008a______. “Imitazione e catarsi in alcuni recenti studi aristotelici”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008a, pp. 201-210., pp. 202-203) e integrar as reflexões de Pareyson, presentes na teoria da formatividade, assumindo a questão da contingência da forma em Aristóteles e, pensando, desse modo, a produção artística em termos de organicidade da forma; ou seja, organizar o contingente em termos de mundo histórico (Cedrini; Martinengo; Zabala, 2007CEDRINI, M., MARTINENGO, A., ZABALA, S. “Presentazione”. In: VATTIMO, G. Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 9-16., p. 14). Apresento as ideias centrais deste texto a fim de mostrar a interpretação estética de Aristóteles realizada por Vattimo.

Gianni Vattimo realiza uma interessante análise do conceito aristotélico de τέχνη a partir do livro VI da Ética a Nicômaco de Aristóteles. Como é sabido, nesta se apresenta a divisão da alma em uma parte racional (λόγον ἔχον) e outra irracional (λόγον οὐκ ἔχον), sendo esta última regida pela primeira, por meio das virtudes éticas e sendo a primeira (a racional) pelas virtudes dianoéticas, também chamadas virtudes intelectuais. No entanto, a parte racional se subdivide em duas partes: a parte ἐπιστημονικόν que diz respeito ao necessário e a parte λογιστικόν que, ao contrário, diz respeito ao contingente (Vattimo, 2007______. “Il concetto di fare in Aristotele”. In: Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 19-180., p. 21). Pois bem, esta última parte tem duas virtudes, a saber, a τέχνη (Ars, arte) e a ϕρόνησις (Prudência). Assim, a τέχνη ou arte faz relação com um fazer cuja finalidade é a ποίησις (produção), mas regidas pela prudência. Em outras palavras, a arte, ao menos na Ética a Nicômaco, é um fazer como produção virtuosa que não se esgota na finalidade individual do artista, mas que está organizada em vista da finalidade da πόλις que é a ɛὐδαιμονία (felicidade) e distinguindo-se do simples operar, ou seja, um fazer por fazer. A arte como fazer em Aristóteles, na leitura de Vattimo, “não tem um valor autônomo” (2007, p. 26) e sim, um valor contingente porque se faz em vistas não do artista, senão da πόλις. Em outras palavras, a arte tem uma finalidade política.

Na leitura de Vattimo de Aristóteles, a τέχνη, cuja finalidade é a produção, tem relação com a γένɛσις (origem). A produção é a geração de alguma coisa, de um produto. Aqui a análise se volta para a questão do movimento em sua acepção de δὐναμις e sua relação com a μίμησις (imitação). Desse modo, existiria uma relação estreita entre τέχνη e ϕὐσις porque a arte deve ser capaz de originar, produzir, uma obra que seja imitação da natureza. Nesse sentido, a arte é o princípio do movimento segundo a natureza. Contudo, para Vattimo é nesse ponto que se apresenta o problema acerca da compreensão da imitação. Em outras palavras: como o artista é capaz de dar forma (ɛἶδος) a uma obra? Qual seria a natureza da imitação com relação a seu original? Vattimo, para ultrapassar esse impasse, faz uma retomada do conceito de imitação no sentido aristotélico presente na Poética. Aqui a imitação por excelência é a tragédia, enquanto é imitação do mundo moral humano sobre a base da construção do mito. Nessa leitura o poeta é um mitômano, um gerador de mitos segundo as regras da imitação, um artífice de mitos, um artífice que se movimenta entre o prazer e a catarse. Todavia, para Vattimo, essas tragédias e mitos têm uma natureza dinâmica (2007, p. 72). Ou seja, que não permanecem estáticas e invariáveis, mas que, segundo as regras morais (porque a Tragédia é dos homens bons, assim como a Comédia é dos maus) vão dando forma a tragédia.

Embora Vattimo faça uma retomada do conceito de μίμησις na Poética de Aristóteles, a questão da geração da forma do produto artificial permanece como um problema. Para o pensador de Turim a solução desse problema é renunciar a “spiegare tutta l’arte secondo il concetto di imitazione-riproduzione come a noi sembra si debba fare […] ci si trova di fronte al grave problema della nascita della forma artistica” (Vattimo, 2007______. “Il concetto di fare in Aristotele”. In: Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 19-180., p. 75). Em outras palavras, segundo Vattimo, o binômio conceitual imitação/reprodução, com uma forte influência platônica, não consegue fazer jus ao fazer artístico do artista enquanto produtor da forma da obra de arte; se requer a renúncia da explicação da arte com base nesse binômio. Contudo, para Aristóteles, ao contrário de Platão, a forma tem uma causa que a faz ser ato de uma substância particular. A forma não é causa e sim efeito, segundo Aristóteles. Isto é, que a forma artística em Aristóteles não é um arquétipo estável, uma forma preexistente, mas que chega a ser. Eis aqui onde Vattimo manifesta sua adesão a interpretação de Aristóteles realizada por seu mestre Luigi Pareyson. Nomeadamente, para Pareyson, a forma da obra de arte só se realiza no fazer e é neste que tem sentido (Pareyson, 2002PAREYSON, L. “Estetica. Teoria della formatività”. Milão: Bompiani, 2002., p. 57). A forma só torna-se ato no fazer, na produção.

Uma vez esclarecido que a forma artística é um efeito e não uma causa, que a forma artística é fruto de um fazer produtivo, e depois de ter retomado o conceito de τέχνη, Vattimo enfrenta o processo produtivo da obra de arte. Esse processo produtivo é inseparável da noção de movimento, tendo em vista que produzir algo é, ao mesmo tempo, por algo em movimento. Com efeito, estes movimentos estão em relação com causa formal, da finalidade e contingência, mas, sobretudo, com um movimento orgânico (Vattimo, 2007______. “Il concetto di fare in Aristotele”. In: Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 19-180., p. 134). O produto de uma obra artística é um organismo (Vattimo, 2007______. “Il concetto di fare in Aristotele”. In: Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 19-180., p. 147), uma obra em movimento. A noção de organismo que faz referência ao movimento em si, quer dizer aos corpos com alma, volta a problemática da referência a obra de arte. No entanto, esse problema se resolve toda vez que Aristóteles refere esta noção tanto aos organismos naturais quanto aos artificiais enquanto ambos são substâncias. Aliás, no caso das produções artificiais ou artísticas o movimento é dado por ser um instrumento de produção ou de uso e, neste sentido, o movimento é originado pelo produtor ou por quem utiliza o instrumento; isto é, que “il concetto di strumento rimane quello essenziale e fondamentale” (Vattimo, 2007______. “Il concetto di fare in Aristotele”. In: Opere Complete. Vol. I, Tomo 1. Roma: Meltemi, 2007, pp. 19-180., p. 151) para explicar o processo produtivo da obra de arte.

Isto posto, e tendo em vista a questão da história, Vattimo reforça que “in Aristotele il prodotto, anche dell’arte bella, è strumento non di comunicazione, bensì d’uso” (2007, p. 174) e que, justamente por esse aspecto, as obras de arte e da técnica adquirem um caráter ativo. O caráter ativo, de mutabilidade, é pensado por Vattimo em termos de uma inevitável vinculação com a história. Como bem afirma Vattimo, “il mondo della τέχνη, visto così, è lo stesso mondo della storia, e l’arte è παρά ϕὐσιν come è παρά ϕὐσιν la storia” (2007, p. 174). Neste sentido, a estética, longe de ser contemplação do belo, adquire para Vattimo uma dimensão ativa e histórica. Não se poderia, portanto, pensar a estética como uma pura ciência da expressão, no sentido de Croce, ou da contemplação, desvencilhando-se deste modo das estéticas filosóficas que imperavam na Itália dessa época. A estética, como pode se apreciar, já na perspectiva do jovem Vattimo é pensada como uma filosofia da arte da produção em relação necessária e íntima com a história, porque a τέχνη é, ao mesmo tempo, o princípio do movimento do singular e do devir do todo. Portanto, a estética a partir da leitura de Aristóteles, é pensada por Vattimo como uma estética da produção, histórica e concreta.

3. A estética ontológica

A estética, após as análises da obra de Aristóteles, não permite continuar a pensar seu fazer, segundo Vattimo, voltado para a contemplação do belo e deve se confrontar com as questões relativas à produção das obras artísticas. Nesse contexto, e tendo presente a publicação de seu segundo livro em 1963, Essere storia e linguaggio in Martin Heidegger, Gianni Vattimo publicará em 1967 sua segunda obra de conteúdo estético Poesia e ontologia. O livro, republicado em 1985 e que agora faz parte do tomo dois de suas Obras completas, publicadas em 2008, é uma virada no que diz respeito ao seu pensamento estético anterior. Se em Il concetto di fare in Aristotele, em relação direta com os conceitos de Aristóteles em sua interpretação pareysoniana, a questão girava em torno à produção das obras de artes e suas vinculações com o mundo histórico, agora em Poesia e ontologia, que evidenciam sua passagem por Heidelberg, os interlocutores serão Gadamer e, sobretudo, Martin Heidegger.

Martin Heidegger, por um lado, tinha apresentado, em Der Ursprung des Kunstwerks, a tese segundo a qual “Im Werk ist die Wahrheit am Werk” (Heidegger, 1977HEIDEGGER, M. “Der Ursprung des Kunstwerks”. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1977., p. 44) e que Gadamer, por outro lado, tinha pensado na primeira parte de Wahrheit und Methode, ressaltando que na experiência da arte acontece uma verdade extrametódica (GADAMER, 2004GADAMER, H.-G. “Verità e metodo”. Trad. G. Vattimo. Edição Bilíngue AlemãoItaliano. Milão: Bompiani, 2004., p. 28-361), ou seja, uma verdade extrametódica que é primeiramente experiência de verdade. Nas palavras de Chiurazzi,

la defensa de una verdad extrametódica es entonces, la defensa de una verdad experiencial; la verdad no es solamente la propiedad de una proposición o de una ley física, sino la calificación de aquello que efectivamente - realmente - ocurre en nuestra experiencia […] toda experiencia de verdad es también la experiencia de una accidentalidad que […], es y permanece tal - es decir accidental - al interior de la experiencia” (Chiurazzi, 2016______. “Verdad extrametódica y ontología de la praxis: la racionalidad mediadora de la phrónesis”. Trad. Luis Uribe Miranda. Hybris. Revista de Filosofía. Viña del Mar, Chile, Vol. 7, Nr. 1. Ed. Cenaltes, 2016, pp. 151-170., p. 154).

Com esses antecedentes, Gianni Vattimo desenvolverá a tese segundo a qual uma estética ontológica deve realizar “lo sforzo di riconoscere l’esperienza estetica come il luogo di una esperienza della verità, contro la tendenza a riservarle un dominio separato e, in definitiva, inessenziale: quello della pura contemplazione, del gioco, delle emozioni, o del museo” (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 21). Em outras palavras, trata-se de pensar uma estética ontológica que assuma o acontecimento do enfraquecimento do ser, e que pense a arte como experiência da verdade.

A tese anterior não pode ser entendida como uma tentativa de retornar as estéticas metafísicas. Para Vattimo, “l’ontologia non è la <filosofia prima> o scienza prima” (2008b, p. 44), que a tradição clássica denominou metafísica, porque não se pergunta pelos primeiros princípios e as primeiras causas de algo, nem é a doutrina do ser enquanto ser. Entretanto, a estética ontológica, para não ser metafísica, requer duas condições: “anzitutto, che l’essenza venga considerata come evento; in secondo luogo, che venga considerata come evento dell’essere” (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 40). Isto é, que a essência deve ser pensada como acontecimento e que esse acontecimento da essência é o acontecimento do ser. Dito de outro modo, a essência, em termos da finitude humana, não poderia ser alcançada enquanto entidade única, estável e eterna e, por conseguinte, cabe ao homem aproximar-se dela em termos de acontecimento, nunca pleno, do ser nos acontecimentos históricos e culturais. Nas palavras de Vattimo, “in quanto tale ulteriorità non sarà mai raggiungibile pienamente, rimane alla filosofia una certa natura apofatica o <nostalgica>; resta il fatto che, considerate così, le situazioni umane si rivelano davvero come vie di approccio all’essere” (2008b, p. 45). Aliás, “l’arte è uno di queste vie di approccio, e tocca all’estetica ontologica evidenziarla in questo suo carattere” (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 45) ou, o que vem a ser o mesmo, que na arte, como experiência humana histórico-cultural, se dá o acontecimento do ser, como posta em obra da verdade, e que essa só pode ser compreendida, pensada e interpretada, pela estética ontológica. A obra de arte, como posta em obra da verdade, é pensável pela estética ontológica como experiência (humana) da verdade enfraquecida do acontecimento do ser. A estética ontológica, ao contrário das estéticas metafísicas, não pretende ter um caráter fundacional da realidade e da verdade, em termos de adaequatio intellectus et rei, se não, como veremos depois, de desrealização da realidade o de experiência da verdade.

A partir da tese apresentada, Vattimo afirmará que as poéticas do século passado ainda se movimentam nas teses metafísicas do romantismo (2008b, p. 47). Com efeito, particularmente as poéticas de vanguarda e de compromisso político, com uma referência explícita a representações da realidade, põem em jogo a questão do artista em relação com um mundo ou, em outras palavras, com a produção de um mundo. Neste sentido, a tese de Vattimo é que as poéticas do século XIX possuem uma vocação ontológica. Sobre esse aspecto, afirma Vattimo,

le poetiche rivendicano la portata ontologica dell’arte anzitutto nella misura in cui rifiutano di vederla e praticarla come attività <disinteressata> al di qua di vero e falso, bene e male [...] dando questo significato, almeno provvisoriamente, all’espressione portata ontologica dell’arte, è chiaro che tutte o la massima parte delle poetiche del Novecento possono definirsi poetiche ontologiche (2008b, p. 62).

Com a finalidade de aprofundar o que foi dito, Vattimo afirmará que a ideia de vincular as produções poéticas já indicadas, com a perspectiva ontológica da arte, não é algo que só faça a filosofia. Com efeito, diz Vattimo:

essa è anche il significato filosofico che si può desumere dai manifesti e dalle rivoluzioni artistiche delle avanguardie del nostro secolo. Tutte le grandi rivoluzioni artistiche del Novecento, dall’espressionismo al surrealismo a dada alle poetiche dell’engagement, nascono nel segno di una rivendicazione dell’importanza e del significato fondamentale dell’arte nella storia e nell’esistenza dell’uomo (2008b, p. 87).

Assim sendo, as revoluções artísticas, marcadas pelo seu compromisso ideológico e político, evidenciam que as poéticas têm uma vocação ontológica.

A união entre ontologia e poesia passa pela aceitação de Vattimo, das teses de Heidegger e Gadamer sobre a linguagem que, por sua vez, vinculam a estética ontológica à hermenêutica porque toda interpretação, inclusive da obra de arte, é linguística. Para o filósofo italiano,

Questo ultimo passaggio è operato attraverso lo studio del concetto di linguaggio, in cui appunto il linguaggio si rivela come l’orizzonte di questa ontologia ermeneutica. Il rapporto con gli eventi storici o con l’opera d’arte è sempre, infatti, un colloquio, un Gespräch in cui si tratta di ascoltare e di rispondere, soprattutto di interpretare, mediando il mondo dell’opera o dell’evento con il proprio, facendo venire in luce nell’interpretazione proprio l’evento o l’opera in questione (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 175-176).

Da mesma forma, tanto a estética ontológica quanto a filosofia nutrem-se da experiência da arte que manifesta e desdobra a verdade. O encontro com a obra de arte modifica, enquanto experiência da verdade, tanto ao artista quanto ao espectador das obras. Nessa perspectiva, a relação da experiência artística como experiência de verdade só pode ser apreendida e compreendida através do conceito de acontecimento. Na experiência artística acontece uma verdadeira experiência porque alguma coisa acontece e, deste modo, a estética deixa sua matriz metafísica e pode ser pensada em termos ontológicos. Nas palavras do filósofo italiano:

Che nell’arte si dia un’esperienza di verità significa dunque anzitutto che l’incontro con l’opera, e prima la stessa produzione di essa, sono eventi che modificano realmente coloro che vi si trovano coinvolti. L’arte è così esperienza di verità perché è vera esperienza, cioè accadimento in cui avviene davvero qualcosa (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 190).

A estética ontológica para Vattimo, e aqui se sente ecoar tanto a estética de Pareyson quanto a de Gadamer, nasce da experiência existencial da arte porque nela acontece o desdobrar-se da verdade. Mas, também, a estética ontológica de Vattimo é a que põe em crise o conceito de identidade que perpassa toda a tradição metafísica da estética filosófica. A tese vattimiana segundo a qual “è l’arte che oggi si configura come luogo privilegiato della negazione dell’identità, e dunque dell’accadere della verità” (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 195), permite pôr em discussão a questão da morte da arte. Como evidencia Vattimo no final do livro:

La morte dell’arte, che molti vedono come esito necessario, è teorizzata solo sempre dal ponto di vista di un ideale della continuità e dell’identità. Questa morte sarebbe però non solo la morte dell’arte come forma sociale specifica [...], ma anche la scomparsa dell’arte come accadimento di discontinuità e cioè di verità (Vattimo, 2008b______. “Poesia e ontologia”. In: Opere Complete. Vol. 1, Tomo 2. Roma: Meltemi, 2008b, pp. 19-198., p. 196).

Configura-se, então, a relação entre morte ou fim da arte com o acontecer descontínuo da verdade. Isto é, que a estética filosófica não pode conceber a arte como uma totalidade contínua e idêntica a si mesma, como uma relação de causalidade necessária, porque, ao contrário, na análise de Vattimo, é a própria arte que manifesta a descontinuidade da verdade evidenciando, ao mesmo tempo, a sua morte. A estética filosófica com vocação ontológica, por conseguinte, é a que pode pensar a experiência artística como uma experiência da verdade, a partir da aceitação da tese da morte da arte, que, segundo Vattimo, também é uma chance para a sobrevivência da estética enquanto filosofia.

4. O enfraquecimento da estética filosófica

A relação entre a estética filosófica e a modernidade (e a pós-modernidade) pode ser pesquisada na própria origem da palavra estética. No texto publicado em 1977, e republicado em 2010, Gianni Vattimo afirmava que “l’estetica come specifica disciplina filosofica nasce soltanto nel settecento (così come, del resto, la parola stessa, coniata da Alexander G. Baumgarten); è quindi un fenomeno essenzialmente moderno” (Vattimo, 2010______. “Introduzione all’estetica”. Org. Leonardo Amoroso. Pisa: ETS, 2010., p. 15). No seu surgimento, seguindo o raciocínio de Vattimo, a estética “si serve ampiamente di concetti elaborati dalla tradizione precedente, sia nella teoria filosofica, sia nelle riflessioni interne alle singole arti, e si radica in una pratica sociale, quella che istituisce, inquadra, rende possibile e qualifica in maniera determinata l’esperienza sociale dell’arte” (Vattimo, 2010______. “Introduzione all’estetica”. Org. Leonardo Amoroso. Pisa: ETS, 2010., p. 15). Neste sentido, a estética filosófica é eminentemente moderna porque se serve dos conceitos herdados da tradição anterior e sua compreensão surge da reflexão de uma experiência social da arte. Dito de outro modo, para Vattimo, influenciado em certo sentido por Pareyson (2002, p. 17), a estética surge a partir das experiências sociais, concretas, da arte e que, por essa razão, colocam-na em relação direta com a modernidade. Por conseguinte, se a modernidade entra em crise por razões não só teóricas, como Vattimo acredita, então, a estética filosófica também entraria, dado que ela se nutre da cosmovisão moderna e utiliza seus conceitos para pensar e refletir sobre a beleza ou a arte em geral. Se as categorias da estética/metafísica herdadas da modernidade não conseguem pensar as múltiplas experiências artísticas, decretando a morte da arte, mesmo que a arte continue acontecendo, configura-se, assim, o lugar para desenvolver a tese do enfraquecimento da estética filosófica em Gianni Vattimo.

Os textos de estética que estarão na base de uma estética fraca, durante a primeira metade da década de oitenta do século passado, na maioria foram publicados na Rivista di Estetica da Universidade de Turim. A literatura filosófica sobre Vattimo confirma esse fato:

Gianni Vattimo ha elaborato l’estetica e la teoria dell’arte del <pensiero debole> soprattutto in alcuni articoli pubblicati nella <Rivista di Estetica> (della quale è stato direttore) [...] parte di questi saggi è stata poi raccolta nella seconda sezione di una delle sue opere centrali, La fine della modernità (Bertinetto, 2008BERTINETTO, A. “Arte ed estetizzazione nel pensiero di Gianni Vattimo”. Trópos. Rivista di ermeneutica e critica filosofica. Roma, Ano 1, Número Especial, Ed. Aracne, 2008, pp. 127-144., p. 127).

Estabelecida uma relação direta entre estética, modernidade e pós-modernidade e seguindo a indicação de Bertinetto, desenvolveremos o que Vattimo apresentou no referido texto.

Na segunda parte de La fine della modernità, intitulada La verità dell’arte, Gianni Vattimo assume a tarefa de pensar a questão da arte em relação com a sentença de Hegel sobre a morte da arte, anunciada nas Vorlesungen über die Áesthetik (Hegel, 1967HEGEL, G. W. F. “Estetica”. Trad. N. Merker y N. Vaccaro. Turim: Einaudi, 1967., p. 674), mas pensada em termos de tramonto (crepúsculo, pôr do sol, entardecer, ocaso) da arte. Como é sabido, Hegel não fala de uma morte da arte, senão mais propriamente, de um Ende der Kunst. Contudo, como evidencia Paolo Gambazzi, “notiamo innanzitutto che Hegel non parla di <morte> dell’arte, ma di una sua <fine> (Ende) [...] dell’arte nella modernità” (2000GAMBAZZI, P. “Introduzione”. In: HEGEL, G. W. F. Arte e morte dell’arte. Org. P. Gambazzi e G. Scaramuzza. Milão: Mondadori, 2000., p. 44). No entanto, para além da precisão acerca do termo, o que aparece com clareza é que tanto a morte quanto o fim da arte, ao menos em Hegel, é pensada com relação à modernidade e será justamente esse o fio condutor da reflexão vattimiana.

A estética na sua origem moderna não poderia eludir o problema da morte ou fim da arte, gerado a partir da filosofia de Hegel e que, segundo Vattimo, só pode ser pensada na pós-modernidade como um constante enfraquecimento do ser que, por sua vez, é uma consequência da realização pervertida do espírito absoluto na metafísica, ao menos, nas interpretações de Nietzsche e Heidegger. Todavia, Vattimo ressalta que,

quando parliamo della morte dell’arte, è bene dirlo fin dall’inizio anche se non sviluppiamo ulteriormente il discorso in questi termini generali, parliamo nella cornice di questa effettiva realizzazione pervertita dello spirito assoluto hegeliano; o, che è lo stesso, nella cornice della metafisica realizzata, giunta a la sua fine, nel senso in cui ne parla Heidegger, vedendola filosoficamente annunciarsi nell’opera di Nietzsche (1999, pp. 59-60).

Em outras palavras, Vattimo vincula a questão do anúncio hegeliano da morte da arte com o anúncio do fim da metafísica, o qual Heidegger retoma a partir de Nietzsche e que o fará desembocar na assunção do termo heideggeriano Verwindung, no sentido de convalescença e remissão, para pensar a questão da arte na época denominada pós-moderna. Entretanto, Vattimo chama atenção para o que se segue,

che ci si muova in questa cornice significa anche, per riprendere un altro termine heideggeriano, che quel che è in gioco qui non è tanto una Ueberwindung della metafisica, ma una Verwindung: non un oltrepassamento della realizzazione pervertita dello spirito assoluto o, nel nostro caso, della morte dell’arte; ma un rimettersi; nei vari sensi che questo verbo ha [...] rimettersi come convalescenza, ma anche inviarsi (come il rimettere un messaggio), e affidarsi a. La morte dell’arte è uno di quei termini che descrivono, o meglio costituiscono, l’epoca della fine della metafisica così come Hegel la profetizza, come Nietzsche la vive e come Heidegger la registra (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 60).

Por conseguinte, para Vattimo, a morte da arte anunciada por Hegel só pode ser pensada em termos de remissão, convalescença e confiança, porque é desse modo que se pode sair da metafísica, neste caso da estética metafísica, sem ultrapassá-la. Também porque a morte da arte não é um conceito e, por isso, pode ser constatado como um acontecimento, no qual já não existe a arte como algo definido e específico, do qual não podemos escapar porque forma parte de nossa constelação histórico-ontológica na qual já existimos. Paradoxalmente, a morte da arte se expressará historicamente como uma revolução ou explosão das artes em lugares e espaços em que antes não acontecia; ou seja, a morte da arte gerará a estetização das sociedades gerando que a arte abandone as elites e se massifique e, como dirá Vattimo, “di conseguenza, lo statuto dell’opera diventa costitutivamente ambiguo” (1999, p. 61). Assim, “uno dei criteri di valutazione dell’opera d’arte sembra essere, in primissimo luogo, la capacità dell’opera di mettere in discussione il proprio statuto” (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 62), a autoironia do artista na criação de sua obra, posto que não existiriam critérios universais de avaliação artística como acontecia na época do reinado da metafísica ou da estética metafísica.

Na mesma linha argumentativa, Vattimo afirma que “la morte dell’arte significa due cose: in senso forte, e utopico, la fine dell’arte come fatto specifico e separato dal resto dell’esperienza, in una esistenza riscattata e reintegrata; in senso debole, o reale, l’estetizzazione come estensione del dominio dei mass media” (1999, 64). Afirma-se desse modo, que a morte da arte pode ser entendida, e essa é a via de Vattimo, em um sentido fraco, como a estetização da realidade exercida pelo poder dos meios de comunicação e as novas tecnologias. Esse sentido fraco ou real, que contrasta com o sentido forte ou utópico, é, ao mesmo tempo, uma chance na qual a obra de arte se manifesta como protesto às pretensões, ainda metafísicas, das críticas utópicas de propor a existência de uma arte verdadeira, tornando desnecessária a pergunta metafísica O que é arte? A pergunta desnecessária pela essência da arte, própria da cultura dialéticometafísica expressada nas vanguardas, cede, então, seu lugar a pergunta filosófica, no contexto da estetização da realidade, pela pergunta: se ainda tem sentido produzir obras de arte? Ou, em outros termos, que mesmo com a proclamação da morte da arte, as obras de arte continuam produzindo-se. É o ponto onde Vattimo deslizará a reflexão para a teorização não tanto já da morte da arte, mas do tramonto ou crepúsculo da arte como um problema central da estética filosófica.

Na visão de Vattimo, é claro que os protestos dos artistas à proclamação da morte da arte exercida pela mídia, em seus aspectos de utopia, Kitsch e silêncio (Cf. Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., pp. 64-66), longe de confirmar a morte e o fim da arte, ou o apelo a uma arte verdadeira, só manifestam que a arte segue, paradoxalmente, viva. Vattimo nos remete para a seguinte passagem: “con questa situazione ha da fare l’estetica filosofica. Una situazione che, per il suo carattere perdurante, in cui l’evento morte dell’arte è sempre annunciato e sempre de nuovo rinviato, si può indicare con il termine di tramonto dell’arte” (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 67). As razões para realizar este percurso conceitual residem, fundamentalmente, na constatação da insuficiência dos conceitos da estética filosófica, em sua maior parte derivados da tradição filosófica metafísica, para dar conta da experiência da arte nas sociedades denominadas pós-modernas. Como afirma Vattimo:

si tratta di un insieme di fenomeni con cui l’estetica filosofica tradizionale si misura con difficoltà. I concetti di questa tradizione si rivelano privi di referente nella concreta esperienza [...] incontriamo davvero ancora l’opera d’arte come opera esemplare del genio, come manifestazione sensibile dell’idea, come <messa in opera della verità>? (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 67).

Se os conceitos da estética, na sua origem metafísica, estão gastos e não conseguem dar conta da real experiência concreta da arte, abre-se para Vattimo a pergunta pela verdade da arte que, ao mesmo tempo, põe em questão a ideia da obra de arte exemplar fruto do gênio. As respostas para essa questão, da posta em obra da verdade na obra de arte, poderiam ser de dois modos: por um lado, a estética filosófica, de cunho forte ou utópica, sugeriria que ainda não se encontram obras de arte verdadeiras porque, em termos dialéticos, ainda não se realizou a síntese total da realidade e, por outro lado, a estética crítica suscitaria a eliminação dos conceitos filosóficos e colocaria em seu lugar os conceitos derivados das chamadas ciências humanas, como a semiótica, a psicologia, a antropologia ou a sociologia, a fim de referir concretamente a experiência artística e, nisto, descobrir a obra de arte verdadeira ou do gênio. Todavia, essas respostas ou vias não são suficientes para Vattimo, uma vez que permanecem ainda na linguagem da tradição metafísica anterior. O filósofo de Turim reforça que:

entrambi questi atteggiamenti rimangono profondamente - reattivamente, direbbe Nietzsche - legati alla tradizione: suppongono che il mondo dei concetti estetici tramandato dalla tradizione sia l’unico possibile per la costruzione di un discorso filosofico sull’arte; e allora, o lo mantengono salvandolo in una prospettiva negativa, sia essa utopica o critica, oppure dichiarano che l’estetica filosofica non ha più alcun senso (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 67-68).

Nesta linha de raciocínio, aparece com clareza o diagnóstico da relação entre morte da arte e morte da estética. A tese de Vattimo, segundo a qual “entrambi casi, sia pure su piani diversi siamo di fronte alla morte dell’estetica filosofica che è simmetrica alla morte dell’arte” (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 68), mas que, ao mesmo tempo, ela não implica a renúncia de pensar a estética em termos filosóficos. Para resolver esta encruzilhada, e com o escopo de sugerir um caminho para fazer estética filosófica, Vattimo recorrerá às reflexões de Martin Heidegger sobre a impossibilidade de ultrapassar a metafísica. A tentativa vattimiana consiste em assumir o conceito de Verwindung, por um lado, e o <pôr em obra da verdade>, tal e como aparece em Der Ursprung des Kunstwerkes, por outro. Com efeito, diz Vattimo:

la situazione che viviamo, di morte o meglio di tramonto dell’arte, è leggibile filosoficamente come aspetto di questo più generale accadimento che è la Verwindung della metafisica, di questo evento che concerne l’essere stesso [...] per chiarirlo, occorre mostrare come, sia pure in un senso che non è stato ancora tanto frequentato dalla stessa letteratura su Heidegger, l’esperienza che facciamo nel momento del tramonto dell’arte è descrivibile con la nozione heideggeriana di opera d’arte come <messa in opera della verità> (1999, pp. 68-69).

No entanto, que frente as estéticas metafísicas, do ser como presença, que são incapazes de contemplar o acontecimento das obras de arte, na época da reprodutibilidade técnica e da indústria cultural, Vattimo vai colocar que

è possibile invece che proprio nella fruizione distratta che sembra l’unica possibile nella nostra condizione, il Wesen dell’arte ci interpelli in un senso che ci obbliga a fare, anche in questo terreno, un passo oltre la metafisica. L’esperienza della fruizione distratta non incontra più opere, si muove in una luce di tramonto e di declino (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 69).

Contudo, a via a percorrer seria a da apropriação do fim da metafísica que se faz presente na fruição distraída, essa que não encontra obras de arte verdadeiras, porque se movimenta a partir de uma luz que não esclarece, ao contrário, se movimenta em frente a um pôr do sol onde a luz cada vez é menor, onde o ser é aquele que se lembra como sido, Andenken, e que se vincula, igualmente, com uma ontologia do declínio.

Portanto, cabe dizer como a apropriação da noção heideggeriana de obra de arte como pôr em obra da verdade, poderia permitir a passagem do conceito de morte da arte ao de crepúsculo da arte e permitir com isso a sobrevivência da estética filosófica. Na leitura de Vattimo, a noção heideggeriana de obra de arte como pôr em obra da verdade tem dois aspectos: a exposição e a produção. Nas palavras de Vattimo, “l’opera è <esposizione> (Aufstellung) di un mondo e <produzione> (Her-stellung) della terra” (1999, p. 69).

A respeito do primeiro aspecto, que a obra é exposição de um mundo, Vattimo coloca que a “Esposizione, che Heidegger accentua nel senso in cui si dice <metter su> una mostra, ecc., significa che l’opera d’arte ha una funzione di fondazione e costituzione delle linee che definiscono un mondo storico” (1999, p. 69-70). Ou seja, que neste primeiro aspecto, um mundo histórico, um grupo social ou uma sociedade se reconhecem nos elementos constitutivos do próprio mundo em uma obra de arte. Em outras palavras, que a obra de arte põe em obra a verdade epocal de um grupo ou sociedade onde estes se reconhecem como compartilhando-os. Vattimo chama atenção para “l’elemento essenziale, qui, mi pare essere non tanto l’inauguralità o una “verità” opposta a errore, bensì la costituzione delle linee fondamentali di una esistenza storica. Quello che, in termini svalutati, si chiama la funzione estetica come organizzazione del consenso” (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 70). A obra de arte, como exposição e pôr em obra da verdade, gera a coesão e o consenso de um mundo histórico ou, o que vem a ser o mesmo, o pertencimento a um grupo social determinado.

A respeito do segundo aspecto, que a obra é produção da terra, Vattimo afirma o que segue:

l’idea dell’opera come Her-stellung della terra viene riportata sia alla materialità dell’opera, sia soprattutto al fatto che, in virtù di questa materialità (non “fisica”, mai), l’opera si dà come qualcosa che si mantiene sempre in riserva. La terra, nell’opera, non è la materia in senso stretto; è però la sua presenza come tale, il suo puntuale manifestarsi come qualcosa che richiama sempre di nuovo l’attenzione [...] La terra è bensì l’hic et nunc dell’opera a cui ogni nuova interpretazione sempre ritorna, e che suscita sempre nuove letture, dunque nuovi possibili <mondi> (1999, p. 71).

Desse modo, a obra de arte como pôr em obra da verdade, em seu aspecto de produção da terra, refere a materialidade da mesma em que a temporalidade se faz presente. A passagem do tempo, entendido como envelhecimento da obra de arte, abre a possibilidade para as inúmeras interpretações da verdade posta nela (ἄλήθɛια), sendo esta por sua vez o deslocar-se da mortalidade da mesma e, consequentemente, pondo em obra a mortalidade de seu ser como uma verdade incontestável.

A mortalidade da obra de arte mostra, pois, a produção da terra, que tem os caracteres da physis para Heidegger e que Vattimo interpreta nos seguintes termos:

l’opera d’arte è messa in opera della verità perché in essa l’aprirsi di un mondo come contesto di rimandi articolati, come un linguaggio, è permanentemente ricondotto alla terra, all’altro dal mondo, che in Heidegger ha caratteri della physis [...], che è definita dal fatto di nascere e crescere e, dobbiamo intendere, morire (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 71).

A obra de arte, e eis aqui o paradoxo, é a única obra humana em que se valoriza a sua temporalidade, a sua finitude, e não a sua eternidade. O acontecimento do envelhecimento de uma obra de arte faz com que essa adquira um maior valor, e que, ao mesmo tempo, permitem a passagem da questão da morte da arte à do crepúsculo da mesma para o filósofo italiano.

Pensar a morte da arte como tramonto ou crepúsculo é uma possibilidade para sair das estéticas metafísicas e, ao mesmo tempo, afirmar a necessidade da estética filosófica. As dificuldades encontradas pelas estéticas filosóficas, não só do ponto de vista dos conceitos utilizados, para pensar as obras de arte nas sociedades massificadas ou pós-modernas, consistiriam em seguir raciocinando em termos metafísicos e, deste modo, continuam pensando as obras de arte em termos de eternidade e imutabilidade. Assim, pensar as obras de arte em termos de mortalidade abre uma via para seguir realizando uma estética filosófica não metafísica. Como afirma o filósofo turinense:

il tramonto dell’arte è invece un aspetto della più generale situazione della fine della metafisica, in cui il pensiero è chiamato a una Verwindung della metafisica, nei vari sensi del rimettersi che abbiamo illustrato. L’estetica può assolvere al suo compito di estetica filosofica, in questa prospettiva, se sa cogliere nei vari fenomeni in cui si è voluta vedere la morte dell’arte l’annunciarsi di un’epoca dell’essere in cui, nella prospettiva di una ontologia che non può indicarsi se non come «ontologia del declino», il pensiero si apra anche ad accogliere il senso non puramente negativo e deietivo che l’esperienza dell’esteticità ha assunto nell’epoca della riproducibilità e della cultura massificata (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 72).

A passagem feita por Vattimo da morte da arte ao crepúsculo da arte configura a possibilidade de uma estética filosófica pós-metafísica ou ontológica. Ou seja, uma estética filosófica que assume a tese segundo a qual o ser é tempo, o que implica sua mortalidade e finitude, provocando o enfraquecimento do ser e configurando um tipo de pensamento que não poderia ser, senão fraco. O pensamento fraco, deste modo, vincular-se-ia com uma ontologia do declinar do ser e permitiriam fundar uma estética filosófica que pode, sim, ser denominada fraca. A estética fraca de Gianni Vattimo seria a que permitiria pensar filosoficamente a arte na época de sua massificação, também denominada pós-modernidade, em que advém o acontecimento da morte da arte, ou melhor dito, de seu crepúsculo. Mas, também, emerge com clareza que a perspectiva de Vattimo é um chamado à democratização ou socialização da arte em detrimento de sua elitização.

Contudo, o Crepúsculo da arte também pode ser lido em termos de estetização da realidade. Isto é, que na época do acontecimento do enfraquecimento do ser, que para Vattimo se denomina pós-modernidade, se produz, ao mesmo tempo, a desrealização estética da realidade.

No último capítulo do livro La società trasparente, acrescentado na edição italiana de 2000, e que em 2012 Vattimo considerará como uma virada em seu pensamento (Vattimo, 2012VATTIMO, G. “Della realtà. Fini della filosofia”. Milão: Garzanti, 2012., p. 11), intitulado, com o estilo de Umberto Eco, I limiti della derealizzazione, o filósofo italiano afirma:

ciò che chiamiamo derealizzazione, e di cui cerchiamo i limiti è quell’insieme di fenomeni che si chiama anche «estetizzazione». L’estetizzazione generale dell’esistenza - dalla pubblicità alla prevalenza dello status symbol sull’uso, all’informazione «confezionata» eccetera - è solo il punto di arrivo di un processo, che coincide con la modernità stessa (Vattimo, 2000______. “La società trasparente”. Milão: Garzanti, 2000., pp. 109-110).

E acrescenta em seguida:

Per parlare di derealizzazione e dei suoi limiti, dunque, si deve riferirsi all’esperienza estetica per due motivi. Primo: è l’arte che, nella modernità, condensa, rappresenta, anticipa, (non solo nei suoi contenuti, ma nel suo stesso modo di essere sociale) le trasformazione che stanno avvenendo o stanno per avvenire nell’insieme della cultura collettiva; secondo: questa funzione emblematica dell’arte (che si può veder confermata dalla centralità che assume la figura dell’artista nella cultura moderna, per esempio dopo Vasari) si spiega da ultimo con il fatto che le trasformazioni che in essa si annunciano culminano nella estetizzazione e derealizzazione che caratterizzano la nostra esistenza tardo-moderna o post-moderna (Vattimo, 2000______. “La società trasparente”. Milão: Garzanti, 2000., p. 110).

A arte tem a capacidade de condensar, representar e antecipar as transformações culturais da sociedade, e essas transformações geram a estetização e desrealização da mesma sociedade caracterizando nossa existência como pósmoderna. A existência humana na pós-modernidade caracteriza-se por uma crescente estetização, na qual a realidade é enfraquecida de seus componentes metafísicos, e por sua vez, abre as possibilidades para uma estética filosófica com um profundo desejo de emancipação.

Posto isso, bem pode ser afirmado que a estética fraca de Gianni Vattimo, enquanto crítica da modernidade, ao introduzir a ideia de estetização como desrealização da realidade, contém em si um profundo desejo de emancipação do eterno luto pela morte da arte. A filosofia, e nela a estética, “introducendo l’idea che la derealizzazione non è una perdita a cui agire con la nevrosi di un luto insuperabile, ma un evento di cui cogliere tutte le chances di emancipazione” (Vattimo, 2000______. “La società trasparente”. Milão: Garzanti, 2000., p. 121) tornando a estética filosófica possível. Quer dizer, a passagem operada por Vattimo da morte da arte ao crepúsculo da arte, entendido agora como desrealização estética da realidade, permite descobrir a vocação emancipatória da estética vattimiana.

5. Conclusão

O percurso realizado tinha como objetivo mostrar os desenvolvimentos estéticos de Gianni Vattimo, bem como estabelecer uma linha interpretativa delas, partindo das obras originais, com a finalidade de descobrir a continuidade das questões estéticas e como essas permeiam, também, questões centrais da obra do filósofo italiano. As conclusões que temos chegado podem ser elencadas como se segue:
  1. A estética filosófica não é uma questão periférica na totalidade da produção de Gianni Vattimo, pelo contrário, ela constitui a porta de entrada para a obra do filósofo, como atesta a literatura filosófica sobre o argumento (Giorgio, 2006GIORGIO, G. “Il pensiero di Gianni Vattimo”. Milão: Franco Angeli, 2006.; Amoroso, 2008AMOROSO, L. “Gianni Vattimo e il primato «debole» dell’estetica”. In: Pensare l’attualità, cambiare il mondo. Confronto con Gianni Vattimo. Org. Gaetano Chiurazzi. Milão: Mondadori, 2008, pp. 11-22.; Bertinetto, 2008BERTINETTO, A. “Arte ed estetizzazione nel pensiero di Gianni Vattimo”. Trópos. Rivista di ermeneutica e critica filosofica. Roma, Ano 1, Número Especial, Ed. Aracne, 2008, pp. 127-144.). A força do argumento não está, indubitavelmente, só numa referência à ordem cronológica de publicação, numa leitura apressada dos textos, e sim, como pode ser constatado nos mesmos textos, em um constante aprofundamento das análises estéticas com relação aos temas, questões, argumentações, embasamentos teórico-filosóficos e problemas filosóficos que aparecem e permeiam, também, as obras posteriores de Vattimo que, embora não sejam lidas do ponto de vista estético, estabelecem uma linha de continuidade intelectual e filosófica que chega até os nossos dias. Talvez, e não só, a polêmica que suscitou a publicação na Itália do livro, organizado por Gianni Vattimo e Pier Aldo Rovatti, Il pensiero debole (O pensamento fraco) fez com que muitos filósofos e pesquisadores concentrassem seus esforços em estudar, compreender e criticar esse modo de fazer filosofia, nomeadamente relativista e crítico da modernidade e da religião, gerando, desse modo, o esquecimento da pertinência da obra estética de Vattimo para compreender e dar sentido a muitas passagens teórico-filosóficas dos livros posteriores. A estética filosófica, a título pleno, pode ser lida e interpretada como a porta de entrada para a compreensão da obra completa de Gianni Vattimo e, inclusive, ser considerada como uma possibilidade para a permanência e sentido da estética no âmbito da filosofia.

  2. No percurso que temos feito aparece com clareza a constante de certos conceitos que permitem desenhar a linha de continuidade da obra estética de Gianni Vattimo. Os conceitos de produção, ontologia, verdade e Verwindung são, segundo nossa leitura, os que constituem e dão sentido ao percurso estético vattimiano. O conceito de produção, cerne do primeiro livro publicado por Vattimo, é analisado a partir de Aristóteles, mostrando a relevância do problema da questão da forma das produções artísticas e propondo uma análise a partir do conceito de organismo histórico. Essa passagem, com o intuito de valorizar os instrumentos e as técnicas, permite Vattimo propor uma estética filosófica fundada na experiência artística da produção, em contraponto com as estéticas da contemplação e da expressão que vigoravam na Itália dos anos cinquenta do século passado. Esse movimento, que está na base da análise sobre a estética metafísica, presente nas vanguardas poéticas do século XX, autoriza Vattimo afirmar a vocação ontológica da estética com embasamento nas obras de Heidegger e Gadamer. O conceito de ontologia, na sua contraposição ao de metafísica, possibilita Vattimo tirar as consequências da ontologia hermenêutica de Gadamer no seu aspecto estético e hermenêutico, por um lado, e a crítica à metafísica de Heidegger por outro. Mas, também, é o conceito de ontologia ou estética ontológica o que concede a ligação com a crítica da modernidade, na sua versão de ontologia do declínio, porquanto a pós-modernidade não é mais que o contínuo enfraquecimento do ser, marcando desse modo a crítica da metafísica e a tentativa de formular um novo modo de fazer estética. Nesse contexto, aparece o conceito de verdade como nexo entre hermenêutica, ontologia e estética. A verdade é recuperada por Vattimo, em primeiro lugar, a partir de Heidegger, segundo o qual a obra de arte põe em obra a verdade e, em segundo lugar, a partir de Gadamer, como experiência estética da verdade ou verdade extrametódica, introduzindo o conceito de Verwindung, como remissão, torção/distorção e, no âmbito da estética, mostrando a passagem da morte ou fim da arte para o tramonto ou crepúsculo da arte, permitindo, assim, a persistência e permanência da estética filosófica. Confirma-se, por conseguinte, a plausibilidade da tese de Gianni Vattimo, segundo a qual a passagem da morte ou fim da arte para o crepúsculo da arte é uma chance para a estética filosófica, tal e como temos mostrado ao longo deste artigo.

  3. A análise sobre a filosofia política feita por Roberto Esposito é análoga à realizada por Gianni Vattimo com relação à estética filosófica. No livro Politica e negazione o filósofo napolitano afirmava que tanto Weber e Schmitt quanto Arendt e Foucault não tinham percebido a presença do dispositivo metafísico presente nas suas categorias e conceitos o que provoca a negação do que afirmavam (Esposito, 2018ESPOSITO, R. “Politica e negazione. Per una filosofia affermativa”. Turim: Einaudi, 2018., p. VIII), e mostrando que a dificuldade da filosofia para pensar a política é conceitual e categorial. Gianni Vattimo, por sua vez, mostra que o problema fundamental da estética filosófica também é conceitual e categorial. Segundo Vattimo, a estética filosófica tradicional não consegue pensar a experiência artística contemporânea porque seus conceitos não têm referência na experiência artística concreta (Vattimo, 1999______. “La fine della modernità”. Milão: Garzanti, 1999., p. 67). Os conceitos gastos da estética filosófica, no raciocínio de Vattimo, deixam-na sem possibilidades de emitir juízos estéticos ou pensar a beleza fora dos moldes do pensamento tradicional. O dispositivo metafísico, usando a expressão de Esposito, presente na estética filosófica segundo Vattimo, mostra e demonstra o problema categorial e conceitual das estéticas metafísicas deixando patente a questão do fim da arte na época moderna. Contudo, o problema conceitual e categorial da estética filosófica, fruto da sua dependência metafísica, é a possibilidade para pensar uma estética ontológica na época do enfraquecimento do ser.

  4. À luz dos desenvolvimentos anteriores, é indiscutível a influência da filosofia de Luigi Pareyson no modo como Gianni Vattimo trabalha as questões estéticas. Uma influência, na nossa leitura, que não se limita ao fato de Vattimo ter mantido uma relação de amizade com Pareyson, senão que essa relação é acadêmica e filosófica. A marca pareysoniana presente na estética ontológica de Vattimo, como apresentado neste artigo, em particular da estética da formatividade, permite compreender a preeminência da ontologia e a produção como ponto de partida para pensar toda estética. Esse nos parece ser o sentido das afirmações de Leonardo Amoroso sobre o primeiro livro de estética de Vattimo. Segundo Amoroso,

    il fatto che fin dal titolo sia evidente un’influenza dell’estetica di Pareyson, alla quale, per certi versi, Vattimo rilegge Aristotele, è senz’altro spiegabile come un omaggio al maestro da parte del giovanissimo allievo, ma ha anche un suo interesse filosofico che è opportuno sottolineare: un’estetica come quella di Pareyson può ben svolgere questo ruolo di riferimento utile per comprendere un’<estetica> precedente all’estetica come filosofia dell’arte bella, perché essa stessa, l’estetica di Pareyson, è qualcosa di diverso e di più rispetto a un’estetica intesa come filosofia dell’arte bella ed è invece caratterizzata, anche grazie ai suoi legami con l’esistenzialismo e con l’ermeneutica, da una decisiva vocazione ontologica (2008, p. 15).

Pode-se dizer que a estética da formatividade de Pareyson é lida, compreendida e ampliada por Vattimo, a fim de poder afirmar que a estética tem uma vocação ontológica. Assumindo o apresentado por Amoroso, segundo o qual “appunto la rivendicazione di una vocazione ontologica dell’estetica è l’istanza di fondo fatta valere da Vattimo in Poesia e ontologia, richiamandosi a Pareyson” (2008, p. 15). E assim como na estética ontológica de Vattimo, que é, ao mesmo tempo, hermenêutica, como na de Pareyson, afirma Amoroso, “lo stesso valore di verità, la stessa portata ontologica attribuita all’arte non si comprende se non nel senso di una concezione della verità come interpretazione e, parallelamente, nel senso di un’ontologia che si definisce in contrapposizione alla metafisica tradizionale” (2008, p. 15). Em outras palavras, que a vocação ontológica da estética, na hermenêutica filosófica de cunho pareysoniano, para Vattimo, implica assumir a verdade da arte e do ser como o que se dá na interpretação. Parafraseando Luigi Pareyson, só existe verdade da interpretação e interpretação da verdade (Pareyson, 2005______. “Verità e interpretazione”. In: Opere complete. Vol. 15. Milão: Mursia, 2005., p. 53). A vinculação da estética filosófica com a verdade é uma constante na proposta estética de Gianni Vattimo, ao menos, a partir das obras que temos mostrado neste artigo.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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