Open-access EDITORIAL

O movimento realizado pelos residentes para conseguir melhoria de suas bolsas leva-nos a tecer alguns comentários a respeito.

A residência é definida no decreto n° 80.281, de 5 de setembro de 1977, decreto que a regulamentou e criou a Comissão Nacional de Residência Médica, da seguinte maneira:

- Art. 1° - "A residência em medicina constitui modalidade do ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, em regime de dedicação exclusiva, funcionando em instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional".

Vemos, portanto, que constitui um curso de pós-graduação "sensu lato", feito através da prestação de serviço, único meio pelo qual se pode ensinar medicina. Não é obrigatória e destina-se apenas àqueles que desejam aperfeiçoar-se ou especializar-se.

Algumas distorções em relação à residência vêm ocorrendo em nosso meio. Por exemplo, o conceito errôneo de que todos os médicos recém-formados devem realizá-la. E natural que o médico novo sinta-se inseguro. Somente o exercício da profissão por longos anos permite-lhe desembaraço e segurança que, aliás, serão sempre relativos, uma vez que está lidando com a vida humana. Assim, a residência tem funcionado para muitos como ponte entre o curso de graduação e a vida prática, retardando o momento de enfrentá-la. Outros fatores a serem considerados são o preparo insuficiente, com internato de baixo nível, que oferecem muitas faculdades e o desejo de terminar a formação em centros mais adiantados, com maior desenvolvimento e melhor massa critica.

Por esses fatores e, ainda, em conseqüência do aumento exagerado do número de médicos que terminam o curso, a demanda de vagas em residência aumentou consideravelmente. Daí adveio o fato de que inúmeros hospitais, muitos sem quaisquer condições de oferecer verdadeira residência médica, passaram a dispor de vagas, procuradas avidamente. Caracterizou-se, assim, o aproveitamento de mão-de-obra barata no atendimento médico.

E preciso ficar bem claro, entretanto, que residência não é emprego e há necessidade urgente de serem criados mecanismos que separem as verdadeiras residências daquelas instituídas com finalidades diferentes e às quais não se deveria nem permitir usar esse título. Consciente disso, o Ministério da Educação e Cultura criou a Comissão Nacional de Residência Médica, cujos trabalhos foram iniciados há pouco e que, certamente, logo nos dará regras e meios para que seja realizada a seleção. Enquanto isso não for feito, estaremos dando o nome de residência médica a uma variada coleção de atividades diferentes, desde o simples aproveitamento de mão-de-obra barata até os verdadeiros cursos bem estruturados.

Há alguns aspectos da residência e possíveis conseqüências do movimento atual que convém serem ressaltados.

  1. - A vida do residente, como tal, é efêmera. Dura dois anos para a maioria e, para alguns, três anos. Algum benefício que advenha da luta de hoje será muito mais para os que estão para vir do que para os atuais.

  2. - Aquelas instituições capazes de dar residência de bom nível, nas quais ela é fim e não meio, sentir-se-ão desestimuladas porquanto estão verificando que não podem continuar mantendo uma estrutura funcional cuja base pode falhar, como está ocorrendo atualmente.

  3. - As instituições em que a residência é meio, como os hospitais particulares e talvez, mesmo, o INAMPS, ainda pagando melhor o residente estarão obtendo mão-de-obra barata, porquanto o residente trabalha em regime de tempo integral, o que não ocorre com o médico contratado.

Em conseqüência:

  1. - Haverá a institucionalização do aproveitamento de mão-de-obra barata e desestimulo à manutenção de residências de bom nível.

  2. - O médico residente será o maior concorrente do médico não residente.

Estão, portanto, jogando para o alto uma pedra que poderá cair em suas próprias cabeças.

Será que estamos assistindo ao começo do fim da residência médica no Brasil?

Horácio Kneese de Mello
Presidente, ABEM

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1978
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