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O MÉDICO NO CINEMA: UMA NOVA ABORDAGEM NA DISCUSSÃO DE ÉTICA E PSICOLOGIA MÉDICA

“Há espetáculos para os quais cooperam todas as magnificências materiais de que o homem dispõe”.
(Honoré de Balzac)

A grande ênfase que se têm aos aspectos tecnológicos da Medicina, especialmente pelos meios de comunicação, em detrimento aos aspectos humanísticos, faz com que seja necessário o surgimento de novas estratégias para que se restabeleça o desejável equilíbrio na for mação do estudante de Medicina, uma vez que este traz para a faculdade as expectativas geradas pelas sociedades modernas de que, cada vez mais, as soluções para os problemas, de um modo geral, e médicos, em particular, serão resolvidos por essa tecnologia.

Esta visão pode, até mesmo, se solidificar no interior do curso médico, quando da passagem do aluno pelas diversas disciplinas, caso não haja o cuidado de se colocar a tecnologia corno um meio de alcançar um determinado objetivo, não tendo, portanto, um fim em si.

Se, de alguma maneira, a tecnologia pode desumanizar a vida, acreditamos que ela também possa ser usada para humaniza-la e o vislumbre dessa possibilidade nos estimulou a realizar, em junho de 1991, o 1º ciclo de debates sobre filmes abordando temas de Ética e Psicologia Médica denominado “O Médico no Cinema”, com o objetivo de discutir estes temas, através de filmes selecionados que continham personagens médicos.

Através desses filmes exibidos em telão no Anfiteatro do Hospital Universitário, os alunos tiveram a chance de debatera dúvida do atormentado neurocirurgião, personificado por Montgomery Clift, em aceitar a proposta da majestosa tia (Katharine Hepburn) de fazer lobotomia em sua esplendorosa sobrinha (Elizabeth Taylor) em troca da construção de um hospital, no antológico “De repente, no Último Verão”, do diretor Joseph “A Malvada” Manckiewiez, filme este tão instigante, que um ano após a sua exibição ainda haviam alunos que lembravam do nome da figura central do filme, o enigmático Sebastian. Este exemplo extremo da influência de algum tipo de poder, no caso, o econômico, sobre a relação médico-paciente fez com que viessem à tona situações analógicas do cotidiano médico. Ou ainda, a chance de polemizar a respeito da influência da forma sobre o conteúdo, quando urna simples cirurgia plástica, para correção de uma cicatriz no rosto de uma mulher, desencadeia uma grande mudança em sua personalidade, no belíssimo “Um Rosto de Mulher” com a grande Joan Crawford, sendo dirigida por um profundo conhecedor da alma feminina - George Cukor. “Em Cada Coração um Pecado” nos traz algumas das sequências mais emocionantes da história do cinema, sendo um dos filmes prediletos do nosso querido “poetinha”11 - Calil, C.A. Os banquetes de Sam Wood - Em cada coração um pecado. In:. Vinicius de Moraes. O Cinema de Meus Olhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.112- 115..

Este filme propiciou a discussão da observação que se verifica, com alguma frequência, em nossos dias, que é o julgamento de pacientes pelo médico. O indesejável papel de “médico-juiz” é colocado, de modo emblemático neste filme, quando o médico da cidade se atribui o direito de mutilar pessoas que vivem, de certo modo, à margem da sociedade local. Para finalizar, a estreia de Marlon Brando no cinema em “Espíritos Indômitos”, de Fred Zinnemann, o diretor que melhor conseguiu traduzir em imagem o “Imperativo Categórico” de Kant (vide " Matar ou Morrer” e “O Homem que não Vendeu a sua Alma”), em que sentimos saudades do modo que eram conduzidas as visitas nas enfermarias pelos antigos clínicos, que conseguiam misturar, na dose certa, simpatia e respeito aos pacientes.

Após cada sessão havia um debate, por vezes caloroso, com a plateia, estimulada previamente pela participação de um crítico de cinema e um médico especialista no tema abordado. Contamos com a presença, em média, de 45 participantes por sessão, em sua maioria constituída por estudantes de Medicina e Psicologia, sendo esta programação desenvolvida semanalmente, como extracurricular noturna. A iniciativa foi considerada válida pelos participantes que responderam ao questionário distribuído na “última Sessão de Cinema” por duas razões principais:

1°) Estimular o raciocínio sobre os temas abordados, e proporcionar uma visão mais aberta, e ao mesmo tempo mais objetiva de situações reais com que os médicos podem ser defrontar;

2o) Conciliar lazer e cultura. Ao contrário do que poderia ser esperado atualmente, o fato dos filmes serem em preto e branco, em nada diminuiu o interesse demonstrado pela plateia.

Na nossa avaliação, acreditamos que se conseguiu abordar temas profundos, que de outro modo (aulas teóricas, por exemplo) seriam extremamente difíceis de conseguir a atenção de uma plateia. A presença de debatedores por outro lado, tenta garantir que sobre o filme haja um juízo crítico, evitando a fascinação, e mesmo a hipnose que alguns espectadores podem ter diante de um recurso áudio-visual tão poderoso22 - Eco, U. Apontamentos sobre a Televisão. In: Apocalíticos e Integrados. 4ªed. São Paulo: Perspectiva, 1990. p.325- 364..

Devido a aceitação que esta iniciativa obteve, estamos organizando um novo ciclo de debates através de filmes que será sobre a relação aluno-professor. Como o processo ensino-aprendizagem acontece de modo permanente no cotidiano das pessoas, este ciclo será aberto à participação da comunidade universitária e à participação da comunidade em geral.

AGRADECIMENTOS

Aos patrocinadores do evento:

  • Centro de Ciências da Saúde (CCS)

  • Núcleo de Estudo em Saúde Coletiva (NESCO)

  • 10o Período do Curso de Medicina;

  • À Jane Bandeira Dichi, pelo estímulo constante, e ao Prof. Márcio José da Almeida, pelo empenho para que esta ideia se concretizasse.

Aos debatedores deste ciclo: Carlos Eduardo, Lourenço Jorge (crítico de cinema), e aos médicos Heber Soares Vargas, Máximo Gonzalez Donoso, Daniel Martins e Vladmir Garcia.

Referências Bibliográficas

  • 1
    - Calil, C.A. Os banquetes de Sam Wood - Em cada coração um pecado. In:. Vinicius de Moraes. O Cinema de Meus Olhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.112- 115.
  • 2
    - Eco, U. Apontamentos sobre a Televisão. In: Apocalíticos e Integrados. 4ªed. São Paulo: Perspectiva, 1990. p.325- 364.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1994
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