Open-access Autoeficácia de Estudantes de Medicina em Duas Escolas com Metodologias de Ensino Diferentes (Aprendizado Baseado em Problemas versus Tradicional)

Resumo:

Introdução:  A autoeficácia acadêmica refere-se à crença do estudante em sua capacidade de organizar e executar ações relacionadas às atividades e exigências acadêmicas. Nesse contexto, a autoeficácia tem recebido grande destaque da literatura tanto pela relevância quanto pelo poder preditivo dos acontecimentos no âmbito escolar. Estudantes com maiores níveis de autoeficácia têm maiores probabilidades de ser bem-sucedidos nas suas intervenções, pois conseguem mais facilmente testar e utilizar as suas competências. O objetivo deste estudo foi avaliar a autoeficácia acadêmica de estudantes do quarto ano de Medicina em duas escolas com metodologia de ensino diferentes: aprendizado baseado em problemas (ABP) versus tradicional.

Método:  Trata-se de estudo transversal e quantitativo que foi conduzido em duas escolas de Medicina: uma com metodologia ABP e outra com metodologia tradicional. Participaram deste estudo 147 estudantes de Medicina do quarto ano divididos em dois grupos: 73 da escola com metodologia ABP e 74 da escola com metodologia tradicional. A coleta de dados foi realizada pelo preenchimento de questionário autorrespondido, contendo perguntas de avaliação sociodemográfica e aspectos gerais de saúde, além da Escala de Autoeficácia na Formação Superior.

Resultados:  Os alunos da escola com metodologia ABP apresentaram média geral do somatório do escore maior (p < 0,01) e média do escore maior em cada domínio da escala de autoeficácia quando comparados com a escola de metodologia tradicional. As variáveis sexo feminino, ser mais velho, morar sozinho, não usar medicamento para doença crônica e exercer atividade extracurricular apresentaram influência positiva na média de escore de autoeficácia nos diferentes domínios da escala.

Conclusões:  Os estudantes de Medicina do quarto ano de ambas as instituições analisadas apresentaram autoeficácia de moderada a forte. Os estudantes da escola do ABP apresentaram escores de autoeficácia maiores em relação aos da escola com metodologia tradicional. Esses resultados indicam que o uso de metodologia ativa de ensino, como a do ABP, pode se relacionar a um maior grau de autoeficácia acadêmica. Mais estudos são necessários para uma melhor compreensão da influência do modelo curricular adotado na autoeficácia acadêmica, em estudantes de Medicina.

Palavras-chave: Autoeficácia; Educação Médica; Estudantes de Medicina; Currículo

Abstract

Introduction:  Academic self-efficacy refers to the student’s belief in their ability to organize and perform actions regarding academic activities and demands. In this context, self-efficacy has received great importance in the literature, both for the relevance and the predictive power of the events in the school setting. Students with higher levels of self-efficacy are more likely to succeed in their interventions, as they can more easily test and use their skills. Objective: To evaluate the academic self-efficacy of students in the 4th year of medical school and its correlation with the teaching method (PBL x traditional).

Method:  This is a cross-sectional and quantitative study carried in two medical schools: one with PBL methodology and another with traditional methodology. A total of 147 4th-year medical students participated in this study, who were divided in two groups, 73 from the school using the PBL methodology and 74 from the school with the traditional methodology. Data collection was carried out by filling out a self-answered questionnaire, containing questions on sociodemographic information and general health aspects, in addition to the Self-efficacy Scale in Higher Education.

Result:  Students from the school using the PBL methodology had a overall higher mean sum of the highest score (p <0.01) and higher mean score in each domain of the self-efficacy scale when compared to the school using the traditional methodology. The variables female gender, older age, living alone, not using medication for chronic disease and having an extracurricular activity had a positive influence on the mean self-efficacy score in the different scale domains.

Conclusion:  The 4th-year medical students of the assessed institutions showed moderate to strong self-efficacy. Students from PBL school had higher self-efficacy scores than those using the traditional methodology. These results may indicate that the active learning methodology such as the PBL curriculum may be related to a higher degree of academic self-efficacy. Further studies are required to understand the influence of the curricular model on medical students’ academic self-efficacy.

Keywords: Self-efficacy; Medical Education; Medical Students; Curriculum

INTRODUÇÃO

A autoeficácia é definida como o “julgamento que o sujeito tem acerca das suas capacidades para organizar e executar ações necessárias a fim de atingir determinados tipos de desempenhos”1. A autoeficácia se fundamenta na noção de competência pessoal, pois é essa noção que permite aos sujeitos estimar a possibilidade de realizar tarefas e alcançar os resultados desejados, levando-os a formar expectativas para a sua realização, de modo a auxiliá-los na determinação das escolhas referentes às atividades e aos meios, ao esforço, à persistência, aos padrões cognitivos e às reações emocionais necessárias para o enfrentamento dos desafios1-3. A crença de autoeficácia é desenvolvida a partir de quatro fontes:
  1. 1. desempenho pessoal, baseado em resultados das próprias experiências que servem como indicadores de capacidade; 2. experiência vicária, que se refere à capacidade de o ser humano aprender com as experiências vividas por outras pessoas, que atua por meio da transmissão de competências e da comparação dos resultados obtidos; 3. persuasão social, quando o ambiente social promove a percepção de que a pessoa possui as capacidades para resolver problemas; e 4. estados físico e emocional, a partir dos quais a pessoa infere a sua capacidade, força e vulnerabilidade perante os desafios

. Em tal proposição, a autoeficácia não garante a habilidade necessária para a realização de uma atividade, pois não compensa a falta de competências mínimas necessárias para o desempenho das tarefas, mas proporciona a percepção de capacidade para iniciar e manter o processo para sua realização1,5.

Considerando o domínio da autoeficácia acadêmica, os processos de autopercepções e crenças individuais ajudam o estudante a transformar competências psicológicas em competências de desempenho escolar6. Assim, a autoeficácia acadêmica refere-se à crença do estudante em sua capacidade de organizar e executar ações relacionadas às atividades acadêmicas7,8. A relevância desse construto está na possibilidade de predizer a ação dos estudantes em função das crenças que têm em suas capacidades, mais do que pelo que realmente são capazes de realizar9. Estudantes com elevada crença de eficácia acadêmica estão mais disponíveis para o estudo e são mais persistentes diante dos desafios acadêmicos7,10. A autoeficácia dos estudantes, com outras crenças e atitudes, está relacionada com vários aspectos da aprendizagem, tais como: a performance, o rendimento, a magnitude da motivação; o valor atribuído à determinada tarefa de aprendizagem; o controle da aprendizagem percebida, o envolvimento com o curso; a cooperação com os colegas; o pensamento crítico e o conhecimento11-14.

Segundo Guerreiro-Casanova e Polydoro15, a autoeficácia apresenta-se como fator importante na integração do estudante ao ensino superior. Estudantes com maiores níveis de autoeficácia têm maiores probabilidades de ser bem-sucedidos nas suas intervenções, pois conseguem testar e utilizar as suas competências mais facilmente, uma vez que estão mais disponíveis para aceitar desafios e se recuperar mais rapidamente do insucesso. Não é a quantidade de habilidades de um indivíduo que garantirá a realização da tarefa, mas a crença e aptidão para mobilizá-las, convertendo ambas (crença e competência) em importante mecanismo de influência pessoal4,16,17.

Especificamente no curso de Medicina, os estudantes precisam desenvolver habilidades para resolução de problemas, tomada de decisão e julgamento clínico, e, uma vez que o conhecimento médico se encontra em constante evolução, é essencial que os estudantes desenvolvam habilidades de aprendizagem autorregulada (AAR) para que possam se manter atualizados ao longo da vida18. As habilidades anteriormente descritas dependem para o seu desenvolvimento de motivação, sendo a autoeficácia um dos construtos automotivacionais mais estudados17,19.

Uma metodologia de ensino apontada como facilitadora para o desenvolvimento da AAR é o aprendizado baseado em problemas (ABP), que ajuda os alunos a desenvolver habilidades efetivas de solução de problemas e a tornar-se participantes ativos em sua própria aprendizagem, capacitando-os a construir conhecimento18. No ABP, os alunos aprendem conteúdos e estratégias, desenvolvem habilidades de aprendizagem autodirigidas, resolvem problemas de forma colaborativa, refletem sobre suas experiências e são incentivados a assumir responsabilidade por seu próprio aprendizado; trata-se, portanto, de uma metodologia ativa de ensino18. Segundo Bandura1, as metodologias ativas de ensino têm efeito sobre os fatores da autoeficácia: as experiências pessoais, as experiências vicárias, a persuasão social e os indicadores fisiológicos. As atividades embasadas na resolução de problemas, as simulações e o desenvolvimento de projetos podem levar a experiências pessoais positivas e ao aumento na crença pessoal de capacidade de realização de determinada tarefa. Nesse sentido, as metodologias ativas possibilitam o envolvimento ativo dos alunos em seu próprio processo de formação. Em estudo realizado por Reeve20, o autor enfatizou que os estudantes que se percebiam como autônomos em suas interações acadêmicas apresentavam resultados positivos em relação à motivação e à percepção de competência.

No entanto, enquanto a maioria dos estudos sugere que o ABP promove maior AAR em relação aos programas de ensino tradicionais, alguns relatam resultados negativos18. O questionamento referente ao fato de o tipo de modelo curricular adotado pela escola médica ser capaz de influenciar no desenvolvimento da autoeficácia dos estudantes motivou a realização deste estudo, que teve como objetivo avaliar a autoeficácia acadêmica de estudantes do quarto ano de Medicina de duas instituições com metodologias de ensino diferentes (ABP e tradicional), localizadas na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

METODOLOGIA

Estudo e participantes

Realizou-se um estudo transversal e quantitativo conduzido por meio de questionário autorrespondido para avaliar a autoeficácia dos estudantes de Medicina. Foram recrutados alunos do quarto ano do ensino médico de duas instituições situadas em Belo Horizonte que adotam metodologias de ensino diferentes: a primeira instituição, aqui chamada de instituição A, utiliza-se da metodologia da ABP, e a segunda, a instituição B, adota um método de ensino caracterizado como tradicional. O quarto ano do ensino médico foi considerado, por tratar-se de período de transição do curso de medicina, com o aprofundamento para o profissionalizante e para as atividades práticas. Até este momento do curso, as duas instituições apresentam diferenças nas metodologias, sendo que na tradicional há uma passagem mais robusta de atividades teóricas para as práticas em comparação com o PBL, que se inicia na prática desde os primeiros períodos do curso. O início dos internatos favorece aos alunos uma maior prática clínica ativa em ambas as instituições. Os alunos foram selecionados por conveniência, sendo o convite realizado pelos pesquisadores nas salas de aula, em horário predeterminado com o professor, seguido do preenchimento do questionário pelos alunos que concordaram em participar e assinaram o termo de consentimento.

Instrumentos

O instrumento utilizado para a coleta de dados continha 52 questões: 18 questões de avaliação sociodemográfica elaboradas pelos pesquisadores e 34 questões pertencentes à Escala de Autoeficácia na Formação Superior, construída e validada por Guerreiro-Casanova e Polydoro21

Questionário sociodemográfico: As variáveis analisadas foram: nome, gênero, idade, renda familiar, ter parente médico de primeiro grau, estado civil, morar sozinho ou com a família, ter trabalho remunerado, número de horas semanais trabalhadas, ter algum problema de saúde, usar medicação antidepressiva, usar medicação crônica, ser fumante, ter feito o curso todo na instituição, estar regularmente matriculado no curso, exercer atividade extracurricular e participar de atividade extracurricular.

Escala de Autoeficácia na Formação Superior: Trata-se de um questionário composto por 34 questões, com resposta em uma escala do tipo Likert com dez pontos, divididas em cinco dimensões. Dessas 34 questões que constituem o questionário, nove avaliam a autoeficácia acadêmica (confiança percebida na capacidade de aprender, demonstrar e aplicar conhecimento); sete, a autoeficácia na regulação da formação (confiança percebida na capacidade de estabelecer metas, fazer escolhas, planejar e autorregular as ações no processo de formação e desenvolvimento de carreira); sete, a autoeficácia em ações proativas (confiança percebida na capacidade de aproveitar as oportunidades de formação, atualizar os conhecimentos e promover melhorias institucionais); sete, a autoeficácia na interação social (confiança percebida na capacidade de relacionar-se com os colegas e professores com fins acadêmicos e sociais); e quatro, a autoeficácia na gestão acadêmica (confiança percebida na capacidade de envolver-se, planejar e cumprir prazos em relação às atividades acadêmicas). Segundo Guerreiro-Casanova e Polydoro21, é possível escalonar a autoeficácia em fraca (valores até 5,9), moderada (valores entre 6 e 7,9) e forte (valores entre 8 e 10). A consistência interna da escala é de 0,94. Varia de 0,80 a 0,81 nas dimensões, e a variância total explicada é de 56,68, o que evidencia a adequação do instrumento21.

Desempenho acadêmico: O desempenho acadêmico foi medido pela média geral obtida, levando-se em consideração todas as matérias cursadas pelos estudantes até o momento do estudo e que foram disponibilizadas pelas instituições.

Análise dos dados

Utilizaram-se a média do somatório dos escores das 34 questões para avaliar a autoeficácia geral em cada instituição (escore total) e a média dos escores das questões relacionadas a cada uma das cinco dimensões, para avaliar a autoeficácia dos alunos em cada domínio do instrumento. Para a análise dos dados, realizou-se estatística descritiva e conduziu-se uma análise univariada, em que se utilizaram o teste t de Student e/ou a Análise de Variância (ANOVA), o teste qui-quadrado e a correlação de Pearson, com o propósito de pré-selecionar as variáveis de interesse para a condução da análise multivariada, em que foi aplicada a análise de regressão linear múltipla. O nível de significância utilizado foi de 5% (p < 0,05). Utilizou-se o programa SPSS 14.0 for Windows (software estatístico).

O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas), tendo recebido parecer favorável, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 84589418.5.0000.5143.

RESULTADOS

Perfil sociodemográfico

O estudo envolveu 147 alunos que cursavam o quarto ano da graduação (49% do total de alunos matriculados nas duas instituições), sendo 73 alunos da instituição A e 74 da instituição B. Essa amostra representou 44,2% dos alunos do quarto ano matriculados na instituição A e 55,2% dos alunos do quarto ano matriculados na instituição B. No geral, estas eram as características dos participantes: eram do gênero feminino (67,1% na instituição A e 73% na instituição B); tinham idade entre 19 e 30 anos e renda familiar maior que dez mil reais; não tinham parente de primeiro grau médico; eram solteiros; não exerciam trabalho remunerado; não tinham problemas de saúde; não faziam uso de medicamentos; não eram fumantes; não haviam mudado de instituição de ensino no curso de Medicina; frequentavam regularmente o curso; e exerciam alguma atividade extracurricular. Na comparação das características dos alunos das duas instituições, observou-se diferença significativa em relação às seguintes variáveis: idade, ter parente de primeiro grau médico e morar sozinho ou com a família, onde um percentual maior de alunos da instituição A tinha média de idade maior, não tinha parente de primeiro grau médico e morava sozinho. Não houve diferença significativa entre os grupos em relação às demais variáveis estudadas.

Análise da Escala de Autoeficácia na Formação Superior

A autoeficácia dos estudantes foi avaliada em cada instituição considerando a média geral dos escores obtidos, e observou-se que os estudantes da instituição A (ABP) apresentavam forte autoeficácia percebida quando comparados com os estudantes da instituição B (tradicional), cuja autoeficácia foi moderada (Tabela 1). A autoeficácia também foi avaliada nos cinco domínios da escala de autoeficácia, e observou-se que os alunos da instituição A apresentavam valores maiores em todos os domínios da escala de autoeficácia, com exceção do domínio de autoeficácia na interação social, que não apresentou diferença entre os grupos (Tabela 2).

Tabela 1
Autoeficácia percebida dos estudantes do quarto ano de Medicina das instituições A e B
Tabela 2
Análise comparativa entre as instituições no que se refere aos domínios da escala de autoeficácia

Para identificar possíveis associações entre as variáveis sociodemográficas e os níveis de autoeficácia acadêmica demonstrados pelos estudantes, foi realizada a análise comparativa. Neste estudo, no geral, os estudantes do gênero feminino tiveram resultados superiores nos domínios da autoeficácia acadêmica e da gestão acadêmica. Identificou-se correlação positiva fraca entre a idade e o domínio de autoeficácia na regulação da formação. Os alunos mais velhos apresentaram maior autoeficácia quando comparados aos alunos mais novos. Os alunos que moram sozinhos apresentaram resultados significativamente superiores em relação à escala de autoeficácia em ações proativas. Resultados significativamente superiores nos domínios da autoeficácia na interação social e gestão acadêmica foram observados no grupo de alunos que não faziam uso de medicamento para doença crônica. Os alunos que exercem atividades extracurriculares apresentaram maior autoeficácia acadêmica. E observou-se correlação significativa, positiva e fraca entre o desempenho acadêmico do aluno e a autoeficácia na gestão acadêmica.

Ressalta-se que os grupos estudados foram homogêneos em relação às características sociodemográficas, exceto em relação às variáveis idade e morar sozinho. Assim, realizaram-se análises univariadas da influência dessas variáveis na autoeficácia dos estudantes do quarto ano de Medicina de cada instituição e não se observavam diferenças significativas no escore de autoeficácia acadêmica entre as duas instituições.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivos comparar a autoeficácia dos estudantes do quarto ano de graduação em Medicina de instituições de ensino que adotam modelos curriculares diferentes (ABP e tradicional) e correlacionar os escores de autoeficácia aos fatores sociodemográficos dos participantes. De acordo com a nossa hipótese inicial, os alunos da instituição de ensino que utiliza a metodologia da ABP apresentariam maior autoeficácia acadêmica. Nossos resultados confirmaram essa hipótese.

Neste estudo, observou-se que os estudantes de Medicina de ambas as instituições apresentaram autoeficácia que variou de moderada a forte, e aqueles da instituição que adota a metodologia da ABP obtiveram escores maiores de autoeficácia acadêmica. Esse fato foi observado quando se avaliou a autoeficácia geral dos estudantes das duas instituições.

Esses resultados podem estar relacionados com a estrutura da ABP que se baseia em uma aprendizagem na qual o aluno tem papel ativo. A ABP potencializa o desenvolvimento do raciocínio clínico, favorece o desenvolvimento da habilidade de estudo autodirigido, valoriza a forma como ocorre a aprendizagem e estimula a motivação e a autorregulação15,22. Segundo Polydoro e Azzi23, a autorregulação está associada ao julgamento da própria capacidade e ao uso de estratégias cognitivas e metacognitivas que levam ao autorreforçamento. Assim, a autorregulação influencia a crença de autoeficácia ao fornecer informações sobre o desempenho, esforço e tempo despendidos na realização da atividade, participando de sua construção24. Outro importante aspecto da metodologia da ABP a ser ressaltado é a ênfase no feedback que estimula a autoavaliação e a reflexão sobre a própria conduta e a dos demais membros do grupo. Segundo Bandura25, a ação controlada, com feedback instrutivo, serve como um veículo para converter concepções em desempenhos proficientes. O feedback que acompanha as ações proporciona as informações necessárias para detectar e corrigir diferenças entre concepções e ações. Dessa forma, o comportamento é modificado com base nas informações comparativas, de maneira que as competências desejadas sejam dominadas potencializando a autoeficácia.

Neste estudo, fatores sociodemográficos correlacionaram-se de forma significativa com os diferentes domínios da escala de autoeficácia. Em relação à autoeficácia acadêmica, que avalia a confiança percebida do estudante na sua capacidade de aprender, demonstrar e aplicar o conteúdo do curso, observou-se correlação positiva com o fato de o estudante exercer atividades extracurriculares. Esses resultados eram esperados, uma vez que, segundo Vieira et al.26, a importância das atividade extracurriculares se traduz no fato de que elas são capazes de dimensionar a formação profissional para além do que é proposto pelas ações educativas encontradas em uma estrutura curricular, proporcionando uma maior liberdade de escolha, por parte dos alunos, sobre as atividades a serem desenvolvidas. De acordo com Santos27 e Fior e Mercuri28, as atividades extracurriculares têm o potencial de estimular o desenvolvimento de características do estudante universitário em cinco domínios principais:
  1. 1. conhecimentos e habilidades acadêmicas, 2. complexidade cognitiva, 3. competência prática, 4. competência interpessoal e 5. humanitarismo

. Para Pascarella e Terenzini29, os benefícios das experiências não obrigatórias se refletem em diversos aspectos, que podem auxiliar no desenvolvimento do estudante em várias áreas e levar à maior satisfação com o curso, ao aprimoramento das habilidades de liderança, à facilidade nos relacionamentos interpessoais e ao desenvolvimento de valores altruísticos.

No âmbito da autoeficácia na regulação da formação, observou-se correlação positiva, porém fraca, com a idade, em que os alunos mais velhos apresentaram resultados superiores. Isso pode ser devido à maior experiência vivida, levando-os a ser mais eficientes em autorregular o próprio aprendizado. Os dados registrados pela pesquisa foram consistentes com os observados por Dias e Azevedo30 e Oliveira e Simões31 que observaram que os estudantes mais velhos, com maior experiência educacional e conhecimento das próprias limitações, apresentaram maior autoeficácia quando comparados aos mais jovens.

No domínio da autoeficácia em ações proativas, morar sozinho teve influência positiva. Com base nos conceitos de autoeficácia, já mencionados neste estudo, em que Bandura32 e Martins33 relatam que as experiências vividas em sua inserção nos sistemas sociais levam o indivíduo à percepção realista de suas fraquezas e potencialidades, podemos inferir que o fato de morar sozinho faz com que o estudante adquira maior conhecimento de suas limitações e de sua capacidade de resolver problemas, o que impacta de forma positiva suas ações proativas.

A utilização de medicamentos para doença crônica teve correlação negativa com a autoeficácia na interação social e na gestão acadêmica. Essa correlação deverá ser mais bem investigada, entretanto esses achados são importantes, uma vez que, de acordo com Ramos34, pesquisar a realidade vivenciada pelos estudantes, no sentido de compreendê-la, é fundamental para atuar em situações estressoras que possam afetar a saúde e interferir nas expectativas, resultando em fracasso acadêmico e diminuição da autoeficácia.

Em relação ao gênero, os dados encontrados na literatura são controversos. Turan, Demirel e Sayek35, ao estudarem a autoeficácia acadêmica de estudantes de Medicina de escolas com modelos curriculares diferentes (ABP e tradicional) na Turquia, não encontraram diferenças entre gêneros. Entretanto, em outro estudo realizado na Turquia por Demirören, Turan e Öztuna18 com estudantes de Medicina de um curso com metodologia ABP, observou-se que as mulheres apresentaram escores mais altos em relação ao planejamento e estabelecimento de metas. Nossos achados estão de acordo com o observado por esses autores, uma vez que, no domínio de autoeficácia na gestão acadêmica relacionado com confiança percebida na capacidade de envolver-se, planejar e cumprir prazos em relação às atividades acadêmicas, a média de escore das mulheres foi superior. Estudos relatam que as mulheres apresentam maior autoconfiança na capacidade de organização, planejamento e estruturação de estratégias que visem à melhoria da sua aprendizagem, sendo consideradas mais responsáveis em relação ao estudo36,18.

O desempenho acadêmico teve correlação positiva com a autoeficácia na gestão acadêmica. Esses resultados estão de acordo com o relato de Rodrigues e Barrera37, segundo os quais a autoeficácia influencia o desempenho escolar e, ao mesmo tempo, é influenciada por ele. Os alunos com elevado senso de autoeficácia tendem a se esforçar mais, o que acaba por influenciar a qualidade dos resultados e, direta ou indiretamente, a aquisição de competências, graças à persistência. Segundo Zimmerman6, a autopercepção de eficácia estimula o processo de autorregulação, com reflexos positivos no desempenho acadêmico.

CONCLUSÃO

Neste estudo, os estudantes de Medicina do quarto ano das instituições analisadas apresentaram autoeficácia de moderada a forte. Os estudantes da escola da ABP apresentaram escores de autoeficácia maiores em relação aos da escola com metodologia tradicional. Esses resultados podem indicar que o uso de metodologia ativa de ensino, como a do modelo ABP, pode se relacionar a um maior grau de autoeficácia acadêmica. Assim, os resultados deste estudo, orientados pela perspectiva da teoria social cognitiva, reforçam o papel do ambiente no desenvolvimento da autoeficácia acadêmica. Entretanto, esses resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que se trata de um estudo transversal, realizado somente entre estudantes do quarto ano da graduação em Medicina, e, portanto, não podem ser representativos da autoeficácia ao longo do curso. Este estudo fornece orientação para futuras pesquisas. Um estudo da autoeficácia dos estudantes de forma longitudinal poderia ajudar a compreender como a autoeficácia evolui no decorrer do curso médico, se os estudantes ao final da graduação apresentam maior desenvolvimento desse construto, o que favoreceria a formação de profissionais com capacidade de estudo autorregulado, habilidade relevante para o aprendizado ao longo da vida profissional. Novos estudos devem ser realizados visando à maior compreensão de quais fatores (entre eles, o modelo curricular) se relacionam ao desenvolvimento da autoeficácia acadêmica em estudantes de Medicina, para o embasamento de ações que possam repercutir de forma positiva no desempenho acadêmico do estudante e para o planejamento de adequações curriculares.

Referências bibliográficas

  • 1 Bandura A. Self-efficacy: the exercise of control. New York: Freman; 1997.
  • 2 Bong M, Skaalvik EM. Academic self-concept and self-efficacy: how different are they really? Educ. psychol. rev. 2003;15(1):1-40.
  • 3 Schunk DH, Ertmer PA. Self-regulation and academic learning: self-efficacy enhancing interventions. In: Boekaerts M, Pintrich PR, Zeidner M., editors. Handbook of self-regulation. San Diego: Academic Press; 2000. p. 631-49.
  • 4 Pajares F, Olaz F. Teoria social cognitiva e autoeficácia: uma visão geral. In: Bandura A, Azzi RG, Polydoro S., editores. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 97-114.
  • 5 Bandura A. Social cognitive theory: an agentic perspective. Ann. rev. psychol. 2001;52(1):1-26.
  • 6 Zimmerman BJ. Attaining self-regulation: A social-cognitive perspective. In: Boekaerts M., Pintrich P, Zeidner M., editors. Self-regulation: theory, research, and applications. Orlando: FL7 Academic Press; 2000. p. 13-39.
  • 7 Joly MCRA, Prates EAR. Teaching and learning in information society: the importance of self-regulation and self-efficacy. In: Mendez-Villas A., editor. Education in technological world: communicating current and emerging research and technological efforts. Badajoz: Formatex; 2011. p. 448-56.
  • 8 Bandura A. Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Education Psychologist 1993;28 (2):117-48.
  • 9
  • 10 Pajares F. Self-efficacy beliefs in academic settings. Rev. educ. res. 1996;66(4):543-78.
  • 11 Byer JL. The effects of college students’ perceptions of teaching and learning on academic self-efficacy and course evaluations. 2001. [acesso em 20 mar 2018]. Disponível em: Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED460142.pdf
    » https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED460142.pdf
  • 12 Cole JS, Denzine GM. I’m not doing as well in this class as I’d like to: exploring achievement motivation and personality. Journal of College Reading and Learning 2004;34(2): 29-44.
  • 13 Jakubowski TG, Dembo MH. The relationship of self-efficacy, identity style, and stage of change with academic self-regulation. Journal of College Reading and Learning 2004;35(1):7-24.
  • 14 Azzi RG, Polydoro S. Autoeficácia em diferentes contextos. Campinas: Alínea; 2006.
  • 15 Guerreiro-Casanova DC, Polydoro SAJ. Autoeficácioa na formação superior: percepções durante o primeiro ano de graduação. Psicol. ciênc. prof. 2011;31(1):50-65.
  • 16 Bandura A, Cervone D. Differential engagement of self-reactive influences in cognitive motivation. Org. behave. hum. decis. process. 1986;38(1):92-113.
  • 17 Bandura A. Self-efficacy determinants of anticipated fears and calamities. J. pers. soc. psychol. 1983;45(2):464-9.
  • 18 Demirören M, Turan S, Öztuna D. Medical students’ self-efficacy in problem-based learning and its relationship with self-regulated learning. Med. educ. online 2016;21:30049.
  • 19 Buckley T, Gordon C. The effectiveness on high fidelity simulation on medical-surgical registered nurses’ ability to recognize and respond to clinical emergencies. Nurse educ. today 2011;31(7):716-21.
  • 20 Reeve J. Why teachers adopt a controlling motivating style toward students and how they can become more autonomy supportive. Educational Psychologist 2009;44(3):159-75.
  • 21 Guerreiro-Casanova DC, Polydoro SA. Escala de Autoeficácia na Formação Superior: construção e estudo de validação. Aval. psicol . 2010;9(2):267-78.
  • 22 Toledo Júnior AC de C, Ibiapina C da C, Lopes SCF, Rodrigues ACP, Soares SMS. Aprendizagem baseada em problemas: uma nova referência para a construção do currículo médico. Educação Médica de Minas Gerais 2008;18(2):123-31.
  • 23 Polydoro SAJ, Azzi, RG. Autorregulação da aprendizagem na perspectiva da teoria sociocognitiva: introduzindo modelos de investigação e intervenção. Psicol. educ. 2009;29:75-94.
  • 24 Zimmerman BJ, Cleray TJ. Adolescents’ development of personal agency. In: Pajares F, Urdant T., editors. Self-efficay beliefs of adolescents. Charlotte: Information Age Publishing; 2006. p. 45-69.
  • 25 Bandura A. The evolution of social cognitive theory. In: Smith KG, Hitt MA. Great minds in management. Oxford: University Press; 2005. p. 9-35.
  • 26 Vieira E, Barbieri C, Vilela D, IanhezJúnior E, Tomé F, Woida F, et al. O que eles fazem depois da aula? As atividades extracurriculares dos alunos de ciências médicas da FMRP-USP. Medicina (Ribeirão Preto, Online) 2004;37(1/2):84-90.
  • 27 Santos LTM dos. Vivências acadêmicas e rendimento escolar: estudo com alunos universitários do 1º ano [dissertação]. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho; 2000.
  • 28 Fior CA. Mercuri E. Formação universitária: o impacto das atividades não obrigatórias. In: Mercuri E , Polydoro SAJ ., organizadores. Estudante universitário: características e experiências de formação. Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária; 2003. p. 241-47.
  • 29 Pascarella ET, Terenzini PT. How college affects students: a third decade of research. 2nd ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2005. v. 2.
  • 30 Dias GF, Azevedo M. Desenvolvimento psicológico, atitudes em relação ao estudo e sucesso acadêmico. Fases on-line: factores de sucesso/insucesso do ensino superior. n 1 [acesso em 20 mar 2018]. https://www.ualg.pt/pt/OPQE/fases
    » https://www.ualg.pt/pt/OPQE/fases
  • 31 Oliveira AL, Simões A. Validação do questionário de autoeficácia para a aprendizagem autodirigida: sua relevância na facilitação da aprendizagem dos estudantes do ensino superior. Revista Portuguesa de Pedagogia 2001;35(1):171-90.
  • 32 Bandura A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Psychol. rev. 1977;84(2): 191-215.
  • 33 Martins JCA, Baptista RCN, Coutinho VRD, Mazzo A, Rodrigues MA, Mendes IAC. Autoconfiança para intervenção em emergências: adaptação e validação cultural da self-confidence scale em estudantes de Enfermagem. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4): 554-61.
  • 34 Ramos SIV. Motivação académica dos alunos de ensino superior. Psicologia.PT 2013;1-15.
  • 35 Turan S, Demirel O, Sayek I. Metacognitive awareness and self regulated learning skills of medical students in different medical curricula. Med. teach. 2009;31:477-83.
  • 36 Pajares F. Self-efficacy beliefs in academic contexts: an outline 2002 [acesso em 20 mar 2018]. Disponível em: Disponível em: http://www.emory.edu/EDUCATION/mfp/efftalk.html.
    » http://www.emory.edu/EDUCATION/mfp/efftalk.html.
  • 37 Rodrigues LC, Barrera SD. Autoeficácia e desempenho escolar em alunos do ensino fundamental. Psicol. pesq. 2007;1(2):41-53.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2019
  • Aceito
    09 Jan 2020
location_on
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 , Asa Norte | CEP: 70712-903, Brasília | DF | Brasil, Tel.: (55 61) 3024-9978 / 3024-8013 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro