Resumos
O grau de ameaça e a importância ecológica dos mamíferos terrestres de médio e grande porte evidenciam a necessidade da busca de informações em inventários e diagnósticos ambientais. Objetivo deste estudo foi inventariar e avaliar a freqüência de ocorrência e riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte na Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental (EPTEA) Mata do Paraíso, em Viçosa - MG. A área de estudo foi aleatoriamente percorrida, em busca de evidências indiretas e diretas de mamíferos. Também foram utilizadas armadilhas Tomahawk e fotográficas para o registro e identificação das espécies. Para registrar a freqüência de ocorrência, estabeleceu-se 20 parcelas de 2 x 2 m ao longo de um transecto, as quais foram vistoriadas 29 vezes entre abril de 2005 e abril de 2006. A partir dos dados de freqüência de ocorrência, estimou-se a riqueza de espécies, pelo procedimento Jackknife 1, utilizando o Programa EstimateS. Foram registradas 23 espécies de mamíferos, das quais três estão ameaçadas de extinção: Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815), Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) e Leopardus tigrinus (Schreber, 1775). As espécies silvestres com maior freqüência de registro foram Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766), L. tigrinus e L. pardalis. Foi estimada a riqueza de 15 (intervalo de confiança = 0,95) espécies de mamíferos terrestres silvestres para a EPTEA Mata do Paraíso. O presente trabalho mostra que apesar de pequena, a área de estudo desempenha um importante papel na conservação da mastofauna da região de Viçosa - MG.
mamíferos; riqueza de espécies; pegadas; Mata Atlântica
The degree of threat and the ecological importance of both medium and large-sized terrestrial mammals point out the necessity of searching for information on inventories and environmental diagnostics. This work aimed to inventory and evaluate the species frequency of occurrence and richness of both medium and large-sized mammals from the Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental (EPTEA) Mata do Paraíso, Viçosa - MG. The area analyzed was randomly walked in order to find direct or indirect evidences of mammals. It was also used both Tomahawk and photographic traps to register and identify the species. In order to register frequency of occurrence, it was established 20 plots having 2 by 2m each one along one transect which were inspected 29 times from April 2005 to April 2006. Based on data of frequency of occurrence, it was estimated the species richness by using Jackknife 1 procedure and the EstimateS program. It was registered 23 species of mammals, from which three are endangered: Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815), Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) and Leopardus tigrinus (Schreber, 1775). The wild species most frequently registered were Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766), L. tigrinus e L. pardalis. The degree of richness estimated to the EPTEA on Mata do Paraíso was 15 species of terrestrial wild animals (confidence interval = 0.95). This work shows that in spite of the studied area is small it has an important role in the conversation of the mastofauna of Viçosa's neighborhood.
mammals; species richness; tracks; Atlantic Forest
Mamíferos de médio e grande porte em um fragmento de mata atlântica, Minas Gerais, Brasil
Medium and large-sized mammal in a forest fragment of atlantic forest, Minas Gerais, Brazil
Maressa Rocha do PradoI; Ednaldo Cândido RochaI; Gisele Mendes Lessa del GiudiceII
IPrograma de Pós-Graduação em Ciência Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa-MG.. E-mail: <marerp@yahoo.com>
IIDepartamento de Biologia Animal da UFV. E-mail: <csfboaro@ibb.unesp.br>
RESUMO
O grau de ameaça e a importância ecológica dos mamíferos terrestres de médio e grande porte evidenciam a necessidade da busca de informações em inventários e diagnósticos ambientais. Objetivo deste estudo foi inventariar e avaliar a freqüência de ocorrência e riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte na Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental (EPTEA) Mata do Paraíso, em Viçosa - MG. A área de estudo foi aleatoriamente percorrida, em busca de evidências indiretas e diretas de mamíferos. Também foram utilizadas armadilhas Tomahawk e fotográficas para o registro e identificação das espécies. Para registrar a freqüência de ocorrência, estabeleceu-se 20 parcelas de 2 x 2 m ao longo de um transecto, as quais foram vistoriadas 29 vezes entre abril de 2005 e abril de 2006. A partir dos dados de freqüência de ocorrência, estimou-se a riqueza de espécies, pelo procedimento Jackknife 1, utilizando o Programa EstimateS. Foram registradas 23 espécies de mamíferos, das quais três estão ameaçadas de extinção: Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815), Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) e Leopardus tigrinus (Schreber, 1775). As espécies silvestres com maior freqüência de registro foram Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766), L. tigrinus e L. pardalis. Foi estimada a riqueza de 15 (intervalo de confiança = 0,95) espécies de mamíferos terrestres silvestres para a EPTEA Mata do Paraíso. O presente trabalho mostra que apesar de pequena, a área de estudo desempenha um importante papel na conservação da mastofauna da região de Viçosa MG.
Palavras-chave: mamíferos, riqueza de espécies, pegadas, Mata Atlântica.
ABSTRACT
The degree of threat and the ecological importance of both medium and large-sized terrestrial mammals point out the necessity of searching for information on inventories and environmental diagnostics. This work aimed to inventory and evaluate the species frequency of occurrence and richness of both medium and large-sized mammals from the Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental (EPTEA) Mata do Paraíso, Viçosa MG. The area analyzed was randomly walked in order to find direct or indirect evidences of mammals. It was also used both Tomahawk and photographic traps to register and identify the species. In order to register frequency of occurrence, it was established 20 plots having 2 by 2m each one along one transect which were inspected 29 times from April 2005 to April 2006. Based on data of frequency of occurrence, it was estimated the species richness by using Jackknife 1 procedure and the EstimateS program. It was registered 23 species of mammals, from which three are endangered: Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815), Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) and Leopardus tigrinus (Schreber, 1775). The wild species most frequently registered were Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766), L. tigrinus e L. pardalis. The degree of richness estimated to the EPTEA on Mata do Paraíso was 15 species of terrestrial wild animals (confidence interval = 0.95). This work shows that in spite of the studied area is small it has an important role in the conversation of the mastofauna of Viçosa's neighborhood.
Keywords: mammals, species richness, tracks, Atlantic Forest
1. INTRODUÇÃO
Considerando os mamíferos descritos atualmente, 652 espécies ocorrem em território brasileiro, o que representa aproximadamente 12% da mastofauna do mundo. Estes números fazem com que o Brasil apresente a maior riqueza de mamíferos em toda a Região Neotropical. Na Mata Atlântica ocorrem cerca de 250 espécies de mamíferos, sendo cerca de 22% endêmicas a este bioma (REIS et al., 2006).
A Mata Atlântica, por sua localização predominantemente litorânea, foi alvo de forte pressão antrópica desde o descobrimento do Brasil pelos europeus. A extração madeireira, iniciada com o ciclo do pau-brasil e os grandes ciclos da cana-de-açúcar, café, ouro e, mais recentemente, a expansão da pecuária e da silvicultura com espécies exóticas, foram fragmentando a floresta nativa (MENDES, 2004). Esses fatores foram decisivos para gerar o padrão de distribuição das florestas encontrado atualmente na Zona da Mata de Minas Gerais, em pequenos fragmentos secundários (LOPES et al., 2002).
O desmatamento e a fragmentação da Mata Atlântica produziram graves conseqüências para a biota nativa, em função da drástica redução de habitats e isolamento genético das populações. Entretanto, deve-se considerar que além da óbvia conseqüência da redução de habitats, muitas espécies de mamíferos são apreciadas como caça ou como animais de estimação e são permanentemente perseguidas em seus habitats naturais (MENDES, 2004).
A região de Viçosa é uma das áreas prioritárias para conservação de mamíferos no Estado de Minas Gerais, sendo classificada como área de alta importância biológica (DRUMMOND et al. 2005). No entanto, estudos sobre mastofauna nessa região ainda são incipientes, possuindo apenas trabalhos precedentes sobre pequenos mamíferos (PAGLIA et al., 1995; LESSA et al., 1999; GONÇALVES e OLIVEIRA, 2004) e primatas (MELO, 1995; PEREIRA, 1995; MORAIS JÚNIOR, 1998; OLIVEIRA et al., 2003; SANTANA, 2006). Sobre os mamíferos de médio e grande porte foi realizado somente um estudo, na Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental (EPTEA) Mata do Paraíso, o qual apresenta apenas uma lista de espécies para a área (GRIFFITH et al., 1979).
Nestes termos, este estudo foi desenvolvido com o objetivo de inventariar e avaliar a abundância relativa e riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte na EPTEA Mata do Paraíso, em Viçosa MG. As informações apresentadas neste trabalho poderão subsidiar futuros planos de manejo e conservação da mastofauna da área.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1. Área de estudo
Este estudo foi desenvolvido na Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental (EPTEA) Mata do Paraíso (ponto central com as seguintes coordenadas geográficas: 20º48'S e 42º51'W). Trata-se do maior fragmento de Mata Atlântica presente no município de Viçosa - MG, distante cerca de 5 km da sede administrativa do município, com área de aproximadamente 384,5 ha (RIBON, 1998), dos quais 194 ha pertencem à Universidade Federal de Viçosa (UFV) e são utilizados para fins educativos e de pesquisa (SILVA et al., 2004).
A área de estudo está inserida na região conhecida como Zona da Mata Mineira e apresenta relevo montanhoso com predominância de solos Latossolo Vermelho-Amarelo, no topo e nas encostas das elevações, e Podzólicos Vermelho-Amarelo Câmbico, nos terraços (REZENDE, 1971; CORRÊA, 1984). A precipitação média anual na região é de 1.221 mm, concentrada entre os meses de outubro a março, e a temperatura média anual é de 19ºC (VIANELLO e ALVES, 1991). O clima da região, segundo Köppen, é do tipo Cwb, tropical de altitude, com verões quentes e chuvosos e invernos frios e secos (ANTUNES, 1986).
A vegetação arbórea natural da EPTEA Mata do Paraíso foi classificada como floresta secundária residual, composta por vários estádios sucessionais (LEAL-FILHO, 1992). Porém, no passado, a lavoura de café (Coffea arabica) foi a cultura que mais influenciou a paisagem na região. Após o declínio da cultura do café e abandono dos cafezais, surgiram as pastagens de capim-gordura (Melinis minutiflora), sapé (Imperata brasilienses) e matas secundárias em diferentes estádios de sucessão (VOLPATO, 1994).
2.2 Inventário das espécies
Neste estudo, seguiu-se a classificação taxonômica de Wilson e Reeder (2005) e foram considerados mamíferos de médio e grande porte aqueles com peso corporal acima de 1 kg quando adultos, assim como adotado por Chiarello (2000). Desta forma, embora Didelphis aurita (Wied-Neuwied, 1826), Philander frenatus (Olfers, 1818) e Sylvilagus brasiliensis (Linnaeus, 1758) sejam de pequeno porte, foram incluídas neste estudo pois puderam ser seguramente identificadas na área amostrada.
A lista de espécies de mamíferos da área de estudo foi obtida empregando-se os seguintes procedimentos:
1- Toda a área de estudo foi aleatoriamente percorrida, de outubro de 2004 a julho de 2006, em busca de evidências de mamíferos terrestres de médio e grande porte. Tal amostragem incluiu métodos indiretos (identificação de sinais acústicos, pegadas, fezes e pêlos) e direto (visualizações) para o registro das espécies (BECKER e DALPONTE, 1991; BORGES e TOMÁS, 2004).
2- Dez armadilhas do tipo Tomahawk (70,0 x 23,5 x 30,5 cm) foram instaladas na trilha do aceiro, que margeia a área pertencente à UFV, a qual passa por ambientes de floresta secundária em diferentes níveis de regeneração, sendo que em alguns trechos havia pastagem em um dos lados. A coleta foi realizada no período de fevereiro a julho de 2006, totalizando 21 noites de amostragem, com 17,14% de sucesso de captura. Utilizou-se carne ou frutas como iscas e os animais capturados foram identificados, fotografados e liberados logo em seguida.
3- Quatro armadilhas fotográficas do tipo trapa-câmera, com sensor infravermelho de detecção de presença e de movimento, foram instaladas individualmente na trilha do aceiro. As armadilhas foram posicionadas no nível do solo, mantendo aproximadamente 4 metros de distância entre elas, e permaneceram ligadas durante todo o dia. O período de coleta foi de agosto de 2005 a maio de 2006, totalizando 198 dias de amostragem.
4- Realizou-se consulta ao acervo da coleção de mamíferos do Museu de Zoologia João Moojen (MZ-UFV) para verificar a presença de espécimes provindos da EPTEA Mata do Paraíso.
2.3. Freqüência de registro de pegadas das espécies
A freqüência de registros de pegadas das espécies de mamíferos terrestres foi obtida utilizando 20 parcelas de 2 x 2 m cada, com uma distância aproximada de 100 m entre elas, estabelecidas ao longo de 2 km da trilha do aceiro na EPTEA Mata do Paraíso. As parcelas foram preparadas revolvendo o substrato da própria trilha, com o auxílio de enxada, vassoura e rastelo. Elas não foram iscadas e nem umedecidas, visando não alterar o padrão de movimentação dos animais ao longo da área amostrada. A coleta de dados ocorreu de abril de 2005 a abril de 2006, sendo realizadas de uma a três vistorias mensais às parcelas, que totalizaram 29 inspeções e 580 parcelas vistoriadas.
As parcelas eram inspecionadas sempre pela manhã (a partir de 07:30 horas) e cada vistoria demorava cerca de 2 horas. Para evitar recontagem de rastros, na tarde anterior ao dia de coleta de dados, o substrato das parcelas foi revolvido com a enxada e varrida ou rastelada, de forma a apagar as pegadas dos dias anteriores e a tornar o local adequado à impressão de novas pegadas. Uma vez encontradas pegadas, estas foram identificadas (BECKER e DALPONTE, 1991; BORGES e TOMÁS, 2004), fotografadas e, quando necessário, desenhadas para posterior confirmação da identificação.
2.4. Análise dos dados
A partir dos dados de presença ou ausência de pegadas de cada espécie nas parcelas, estimou-se a riqueza de espécies, pelo procedimento Jackknife 1 (HELTSHE e FORRESTER, 1983), utilizando o Programa EstimateS versão 7.0 (COLWELL, 2005). O método de registros de pegadas em parcelas previamente preparadas tem se mostrado eficiente para estimar a riqueza de espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte (PARDINI et al., 2003; SCOSS et al., 2004).
A riqueza de espécies total é estima somando a riqueza observada a um parâmetro calculado a partir do número de espécies raras e do número de amostras. Quando todas as espécies observadas ocorrem em mais de uma amostra, a riqueza estimada é igual a observada, ou seja, o método considera que todas as espécies do ambientes foram amostradas (SANTOS, 2003). A estimativa de riqueza de espécies é apresentada seguida de seu intervalo de confiança (IC), ao nível de significância de 95%.
Avaliou-se também a freqüência de registros das espécies, como indicativo de abundância relativa, dada pelo número total de registros de pegadas de cada espécie nas parcelas, acompanhada de sua representatividade em porcentagem.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Inventário das espécies
Foram registradas 20 espécies de mamíferos silvestres de médio e grande porte e três de pequeno porte, distribuídas em 8 Ordens (Tabela 1), sendo elas: dois didelfídeos, dois pilosas, dois cingulatos, três primatas, sete carnívoros, um artiodáctilo, cinco roedores e um lagomorfo.
As Ordens mais representativas foram Carnivora (30,4%), Rodentia (21,7%) e Primates (13,0%), já as de menor representatividade foram Lagomorpha e Artiodactyla, ambas com 4,3% cada, seguidas por Cingulata, Pilosa e Didelphimorphia com 8,7% cada.
O registro por vocalização ocorreu apenas para os primatas e por fezes para os felinos e canídeos. Houve um registro de espinhos de Coendou prehensilis (Linnaeus, 1758) encontrados nas fezes de Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758). Utilizando as armadilhas Tomahawk, só houve captura de três espécies: Leopardus tigrinus (Schreber, 1775) (n = 1), D. aurita (n = 14) e P. frenatus (n = 20). Com o uso das armadilhas fotográficas obteve-se fotos de três espécies silvestres (S. brasiliensis, P. frenatus e D. aurita), três exóticas (Canis lupus familiaris Linnaeus, 1758) (cachorro doméstico), Bos taurus Linnaeus, 1758 (gado) e Capra sp. (cabra)) e de pessoas.
Consulta ao acervo da coleção mastozoológica do MZ-UFV permitiu registrar Dasyprocta leporina (Linnaeus, 1758), Bradypus variegatus Schinz, 1825 e Dasypus novemcinctus Linnaeus, 1758. As duas primeiras espécies foram identificadas exclusivamente por esse método, sendo que o registro de D. leporina no acervo do MZ-UFV é único e datado de 1999. Tal fato pode ter ocorrido em função do histórico de caça predatória em décadas passadas, de forma que sua população pode ter sido muito reduzida ou mesmo extinta na área amostrada, já que não foi obtido registro de D. leporina em campo. Além disto, embora B. variegatus tenho sido registrada somente através de consulta ao MZ-UFV, moradores e pesquisadores da área confirmam a presença desta espécie na EPTEA Mata do Paraíso.
Três espécies registradas estão incluídas na lista da fauna brasileira ameaçada de extinção: Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815), L. pardalis e L. tigrinus (MMA, 2003; MACHADO et al., 2005).
A presença de C. brachyurus, uma espécie típica de ambientes com formações vegetais abertas (DIETZ, 1985), possivelmente, é resultado da expansão recente da espécie, em resposta à transformação de áreas de Mata Atlântica em pastagens, zonas agrícolas, campos antrópicos e florestas de Pinus e Eucalyptus. Essas áreas podem ser utilizadas por C. brachyurus, tanto para forragear quanto para descansar (RODRIGUES, 2002; MACHADO et al., 1998).
A grande quantidade de indícios (pegadas e fezes) e evidências diretas (visualização e fotografias) de animais domésticos - cachorros, bovinos, caprídeos e eqüinos - na EPTEA Mata do Paraíso é preocupante dada a sua capacidade de afetar negativamente a fauna silvestre local. Além disto, há relatos da ação de caçadores dentro da EPTEA Mata do Paraíso, pois a caça, mesmo ocorrendo em pequena escala, provoca efeitos sensíveis sobre as densidades populacionais de várias espécies, a qual, juntamente com a fragmentação de habitats, é uma das principais ameaças para a conservação dos mamíferos (COSTA et al., 2005).
3.2. Freqüência de registro de pegadas e riqueza de espécies
Registros de pegadas de 13 espécies de mamíferos silvestres terrestres foram obtidos nas parcelas, o que totaliza 76,5% das espécies listadas neste estudo para a EPTEA Mata do Paraíso e passíveis de identificação por pegadas. Aproximadamente 52% do total de parcelas apresentaram no mínimo um registro durante o período de coleta. A espécie mais freqüente foi C. lupus familiaris, representando 38,4% dos registros. Entre as espécies silvestres, as de maior número de registros foram Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766), L. tigrinus e L. pardalis, que apresentaram freqüências de ocorrência de 18,6%, 9,9% e 7,9%, respectivamente. Já as menos freqüentes foram D. novemcinctus e Conepatus semistriatus (Boddaert, 1785) com 0,4% dos registros cada, C. brachyurus, com 0,8% e D. aurita e Tamandua tetradactyla (Linnaeus, 1758), com 1,2% cada (Tabela 2).
A alta freqüência de registros de pegadas de C. lupus familiaris, C. thous, L. tigrinus e L. pardalis está relacionada à limitações do método. O procedimento de registro de pegadas em parcelas ao longo de trilhas tende a gerar elevado número de registros das espécies que percorrem longos trechos em estradas e trilhas, uma vez que um único indivíduo pode deixar suas pegadas marcadas em várias parcelas. Além disto, embora a presença de L. tigrinus tenha sido confirmada na EPTEA Mata do Paraíso por meio da captura de um indivíduo, sua freqüência de registros pode ter sido elevada também em função de suas pegadas serem facilmente confundidas com as de outros gatos pequenos, inclusive com as de Felis catus (Linnaeus, 1758) (gato doméstico) (BECKER e DALPONTE, 1991), que já foi visualizado na área de estudo (LEANDRO MORAES SCOSS, com. pess.). Por outro lado, espécies que possuem o hábito de cruzar as trilhas sem percorrê-las ou percorrendo-as em apenas pequenos trechos, como D. novemcinctus (EDNALDO CÂNDIDO ROCHA, com. pess.), tendem a produzir baixa freqüência de registro, sem que sejam necessariamente menos abundantes.
C. semistriatus foi registrada apenas uma vez na EPTEA Mata do Paraíso, indicando que essa espécie seja realmente rara na área de estudo. Da mesma forma, a baixa freqüência de registros de C. brachyurus pode ser explicada pela preferência desta espécie por áreas mais abertas (DIETZ, 1985). Provavelmente, ela tenha utilizado apenas parte da trilha onde uma das margens apresenta vastas áreas abertas, com pastagens, que seriam locais mais adequados à ocorrência dessa espécie.
Fato preocupante é C. lupus familiaris aparecer como a espécie com maior freqüência de registros (38,4%), pois sua presença pode influenciar na distribuição e abundância da fauna nativa, na medida em que são potenciais transmissores de doenças, têm a capacidade de predar animais silvestres e são competidores diretos por recursos alimentares (BUTLER et al., 2004; CAMPOS, 2004; ROCHA e DALPONTE, 2006).
A riqueza de espécies de mamíferos terrestres silvestres de médio e grande porte estimada, utilizando a freqüência de registro obtida nas parcelas, foi 15 (IC ± 0,95) (Figura 1), valor próximo ao observado (13 espécies registradas), indicando que a amostragem representou bem esse grupo de mamíferos na área de estudo.
A curva de acumulação de espécies (curva do coletor) teve um acentuado crescimento inicial, mas tendeu à estabilidade a partir de 350 parcelas amostradas, indicando que a amostragem foi suficiente para representar a comunidade de mamíferos terrestres de médio e grande porte da área de estudo (Figura 1).
A metodologia de registro de pegadas em parcelas previamente preparadas mostrou-se eficiente para inventariar e para estimar a riqueza de espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte na EPTEA Mata do Paraíso. Mas, não é um método apropriado para avaliar a abundância relativa das espécies, pois o padrão de deslocamento, o tamanho das áreas de vida e outras características que diferem grandemente entre as espécies de mamíferos terrestres impedem que se assegure a premissa de que o número de pegadas e o número de indivíduos de uma área apresentem o mesmo tipo de correlação em todas as espécies da comunidade (PARDINI et al., 2003).
4. CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo mostram que a EPTEA Mata do Paraíso, apesar de pequena, abriga uma riqueza de espécies de mamíferos silvestres de médio e grande porte considerável (20 espécies), incluindo três ameaçadas de extinção: C. brachyurus, L. pardalis e L. tigrinus. Além disto, funciona como área de refúgio num ambiente bastante fragmentado e com muita influência antrópica.
As espécies de mamíferos silvestres que apresentaram maior freqüência de registros de pegadas na EPTEA Mata do Paraíso foram C. thous, L. tigrinus e L. pardalis; já as com menor freqüência foram D. novemcinctus, C. semistriatus, C. brachyurus.
A riqueza de espécies de mamíferos terrestres silvestres de médio e grande porte estimada para a EPTEA Mata do Paraíso foi 15 (IC ± 0,95), valor próximo ao observado (13 espécies registradas).
Por fim, as espécies de mamíferos silvestres presentes na EPTEA Mata do Paraíso não estão totalmente protegidas, tendo em vista a presença de animais domésticos, principalmente de C. lupus familiaris que foi a espécie com maior freqüência de registros dentro da área amostrada. Assim, torna-se importante a realização de trabalhos de educação ambiental com os moradores de seu entorno, abordando a importância da EPTEA Mata do Paraíso e o impacto da caça e de animais domésticos sobre ela.
5. AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão da bolsa de Iniciação Científica; à Universidade Federal de Viçosa, através do Departamento de Biologia Animal, do Museu de Zoologia João Moojen e do Departamento de Engenharia Florestal por ter possibilitado e apoiado a execução deste trabalho; ao Leandro Moraes Scoss e aos revisores anônimos pelas valiosas sugestões.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Out 2008 -
Data do Fascículo
Ago 2008
Histórico
-
Recebido
11 Set 2006 -
Aceito
19 Maio 2008