Resumos
As demandas legais da sociedade civil e dos produtores de cana-de-açúcar em áreas inclinadas colocam em evidência deficiências tecnológicas dos processos de colheita que ameaçam a produção de cana-de-açúcar em extensas regiões canavieiras. O estudo analisa o sistema de colheita mecânica atual, comparativamente a uma proposta de colheita semimecanizada, com base em 11 características consideradas determinantes para a disseminação rápida da colheita da cana sem queima prévia, em áreas declivosas, com menor impacto sobre a demanda de mão-de-obra agrícola e sobre a capacidade de investimento dos produtores.
investimento; declividade; emprego agrícola
Civil society and sugarcane farmer demands indicate that harvesting technology has enough limitations to jeopardize production in large sugar cane producing areas. This work analyses the current mechanical harvesting compared to a semi-mechanical harvesting proposal, on the bases of eleven characteristics considered determinant for a quick spreading of green cane harvesting on hilly areas, with lower impact on agricultural labor and farmers investment capacity.
capital investment; land slope; agricultural jobs
ARTIGOS TÉCNICOS
MÁQUINAS E MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA
Colheita de cana-de-açúcar com auxílio mecânico
Mechanical aid for sugarcane harvesting
Oscar A. BraunbeckI; Julieta T. A. OliveiraII
IEngº Industrial, Prof. Associado, Faculdade de Engenharia Agrícola, UNICAMP, Campinas - SP, Fone: (0XX19) 3788.1071, oscar@agr.unicamp.br
IIEngª Agrônoma, Doutora, Faculdade de Engenharia Agrícola, UNICAMP, Campinas - SP
RESUMO
As demandas legais da sociedade civil e dos produtores de cana-de-açúcar em áreas inclinadas colocam em evidência deficiências tecnológicas dos processos de colheita que ameaçam a produção de cana-de-açúcar em extensas regiões canavieiras. O estudo analisa o sistema de colheita mecânica atual, comparativamente a uma proposta de colheita semimecanizada, com base em 11 características consideradas determinantes para a disseminação rápida da colheita da cana sem queima prévia, em áreas declivosas, com menor impacto sobre a demanda de mão-de-obra agrícola e sobre a capacidade de investimento dos produtores.
Palavras-chave: investimento, declividade, emprego agrícola.
ABSTRACT
Civil society and sugarcane farmer demands indicate that harvesting technology has enough limitations to jeopardize production in large sugar cane producing areas. This work analyses the current mechanical harvesting compared to a semi-mechanical harvesting proposal, on the bases of eleven characteristics considered determinant for a quick spreading of green cane harvesting on hilly areas, with lower impact on agricultural labor and farmers investment capacity.
Keywords: capital investment, land slope, agricultural jobs.
INTRODUÇÃO
A agricultura representa importante fonte de emprego para a fração da população com baixo nível de instrução. Em diversas culturas agrícolas, a mecanização tem substituído, gradativamente, esses empregos como conseqüência da necessidade de manter um patamar competitivo para os produtos e facilitar o gerenciamento das tarefas intrínsecas à atividade. As operações envolvidas no processo de produção, desde o preparo do solo até a colheita, apresentam níveis de complexidade e demanda de energia bastante diversificada. Algumas operações, como o preparo do solo ou o plantio direto, demandam energias elevadas, em magnitudes que colocam o trabalho manual fora de análise, exceto em áreas muito pequenas. Outras operações, como os tratos culturais e a colheita, envolvem menos energia, porém maior complexidade operacional, o que abre a possibilidade de complementar o trabalho manual com auxílios mecânicos. Nesses casos, a mão-de-obra executa as funções que demandam discernimento e/ou manuseio delicado, e o equipamento executa a parte da operação que demanda mais energia e apresenta maiores riscos de acidentes ocupacionais. A mecanização de algumas operações de colheita, como é o caso dos cereais e das forragens, sofreu grande evolução desde seus primórdios, no início do século XIX e, dificilmente, poderão ser substituídas competitivamente por operações semimecanizadas. No entanto, a colheita de outras culturas, como frutas, hortaliças e cana-de-açúcar, encontram-se, ainda, em estádio incipiente de mecanização ou com deficiências tecnológicas, tais que, no quadro socioeconômico atual, permitem considerar os processos semimecanizados, ou de auxílio mecânico, com as vantagens descritas neste estudo.
A queima do canavial como parte do processo de colheita da cana-de-açúcar tende a ser eliminada, no Estado São Paulo, por motivos ambientais e de saúde pública (Decreto Estadual nº 42.056). Nessas condições de corte sem queima prévia, a mão-de-obra fica sujeita a limitações ergonômicas e econômicas severas, e as vantagens comparativas da colheita manual sobre a mecânica só se mantêm com a redução drástica do pagamento da mão-de-obra. Assim, a mecanização total ou parcial representa, atualmente, a única opção para a colheita da cana que atenda simultaneamente aos requisitos ergonômicos, de viabilidade econômica do setor e, principalmente, das exigências legais e ambientais, uma vez que somente com o corte mecânico é possível a colheita sem queima prévia. Essas condições, somadas à forte pressão mercadológica dos fabricantes de colhedoras, têm promovido crescimento da colheita mecânica, principalmente no Estado de São Paulo.
Ademais, atualmente, o processo de colheita da cana vem sofrendo, também, modificações em função da entrada em foco do aproveitamento do palhiço para aplicações não consolidadas ainda comercialmente, tais como geração de energia e cobertura vegetal para agricultura convencional ou orgânica. Perfila-se, dessa forma, novo conceito de colheita, que visa ao aproveitamento integral da cultura, envolvendo operações adicionais para a retirada do palhiço e a disposição adensada de colmos e palhiço para o transporte. Essa abordagem tem implicações profundas nos processos convencionais de colheita, tanto manual quanto mecânica, implicações essas associadas às perdas de colmos, contaminação do produto com matéria-prima mineral, altos investimentos para a colheita e a recuperação do palhiço, além da inviabilidade econômica do despalhamento manual. Cabe destacar os esforços realizados pelos usuários e fabricantes para adaptar as máquinas a essa nova realidade, mas o sucesso tem sido parcial e tudo indica que os princípios utilizados por esses equipamentos precisam ser reformulados para enfrentar as novas exigências da colheita integral da planta.
A importância da cana-de-açúcar para os mercados interno e externo brasileiro, somada ao quadro de restrições descrito, indica a necessidade de propor e discutir alternativas tecnológicas suficientemente agressivas ou menos convencionais que ofereçam respostas para os problemas apontados, contribuindo, assim, para manter uma competitividade sustentável da atividade. As propostas podem ser focadas na solução das restrições das colhedoras ou do corte manual, considerando variáveis como perdas e qualidade da matéria-prima, custo operacional e de investimento, manutenção do emprego, longevidade do canavial (compactação), mobilidade em terreno declivoso, assim como recuperação, qualidade e densidade do palhiço.
Este trabalho propõe uma alternativa tecnológica orientada à colheita de cana crua, em terrenos declivosos com maior preservação do emprego no meio rural.
DESCRIÇÃO DO ASSUNTO
O trabalho é apresentado na forma de discussão comparativa entre a tecnologia atual descrita por BRAUNBECK et al. (1999) e conceito alternativo de colheita na forma de mecanização parcial denominada de auxílio mecânico, o qual se encontra, atualmente, em fase de projeto mecânico para construção do protótipo, na Seção de Protótipos, da Faculdade de Engenharia Agrícola da UNICAMP. Os pontos discutidos são: ocupação da mão-de-obra, dirigibilidade e estabilidade em terrenos inclinados, corte dos ponteiros, alimentação das cortadoras, corte de base, despalhamento, transferência dos colmos para o transporte, transferência do palhiço, investimento e capacidade operacional.
Nas Figuras 1; 2 e 3, encontra-se ilustrado o conceito de auxílio mecânico, em que cada componente foi identificado pela mesma letra nas três figuras. O equipamento auxilia a colheita manual, realizando as operações de corte de base, corte dos ponteiros, remoção e compactação das folhas, condução dos colmos até a caçamba armazenadora e empilhamento dos mesmos em montes de, aproximadamente, 3 t. O homem efetua tarefas que demandam discernimento, como a retirada dos colmos da massa entrelaçada de canas deitadas, e determina o ponto onde será efetuado o corte do ponteiro.
Observa-se que a unidade consta, essencialmente, de uma frente de corte com largura de três ou cinco fileiras, incluindo um disco flutuante para o corte basal de cada fileira, seguida de um conjunto de transportadores helicoidais rotativos que conduzem o material até à célula de trabalho com dois operadores por fileira, que recolhem manualmente os colmos, cortam o ponteiro utilizando um disco serrilhado disponível para cada fileira e encaixam os colmos nas presilhas de um transportador lateral que os leva até um despalhador de rolos. Esse despalhador retira as folhas e lança os colmos inteiros até uma carreta de descarga vertical onde os mesmos são armazenados ordenadamente, na direção longitudinal de marcha, para manter a densidade de carga requerida pela operação posterior de transporte.
Essa concepção de lançamento, armazenamento ordenado, descarga vertical e posterior carregamento convencional mostrou-se tecnicamente viável em diversas frentes de colheita de três usinas. A frente do equipamento efetua o corte de base e o transporte da massa integral de cana sobre um plano inclinado, sem separação entre as fileiras. O equipamento interrompe o corte a intervalos de 8 a 10 min (40 a 60 m), manobra em retrocesso e descarrega montes de, aproximadamente, 3 t. A velocidade de deslocamento oscila entre 250 e 500 m h-1. A unidade é acionada por um motor de combustão interna de 36 cv que serve de fonte de potência para os circuitos elétricos que acionam os dispositivos de corte, limpeza, adensamento, transporte de material e locomoção do equipamento.
O primeiro aspecto a ser abordado na comparação entre a atual tecnologia disponível para a colheita de cana e a proposta de auxílio mecânico, refere-se à ocupação da mão-de-obra no campo, tendo em vista que a cana-de-açúcar é, historicamente, a maior empregadora da mão-de-obra dentre as principais lavouras do Estado de São Paulo (VICENTI, 2003). Todavia, observa-se, pelos dados apresentados na Tabela 1, ter havido redução de sua contribuição relativa à oferta total do emprego agrícola, pois, em 1996, a cana respondia por 46% dos 810.295 equivalentes-homem-ano (EHA) ocupados nas lavouras anuais paulistas e, em 2002, essa participação caiu para 36%, o que, adicionado à queda significativa (-13%) na oferta global do emprego agrícola, corresponde a 250.907 EHA. Nota-se, ainda, que, nesse período, a área plantada com cana cresceu 9% em termos absolutos e 2% em termos relativos (de 39% para 41% da área total), passando de aproximadamente 2,8 milhões de hectares em 1996 para cerca de 3,1 milhões de hectares em 2002.
Uma análise mais detalhada dos dados da Tabela 1 evidencia o aumento da produtividade do trabalho agrícola no período em cerca de 37,8%, uma vez que, em 1996, a atividade mobilizava cerca de 13,14 EHA para cada 100 ha de lavoura, enquanto, em 2002, essa relação desceu para 8,17 EHA/100 ha. Esse aumento de produtividade resultou do crescimento da mecanização do processo produtivo, sobretudo da colheita. OLIVEIRA (2002) mostrou, a partir das estatísticas publicadas pela Revista Idea News (Tabela 2), que a área paulista de colheita mecanizada dobrou entre 1987 (17%) e 2002 (35%), e a brasileira aumentou 236%. No entanto, a velocidade desse crescimento deve diminuir no tempo, na medida que a percentagem de colheita mecânica se aproxima de 50%, valor esse reconhecido como o limite permitido pela declividade do terreno para a tecnologia de colheita atualmente disponível.
É importante considerar que a adoção de colhedoras por parte dos empresários do setor deve ser analisada numa perspectiva mais ampla e inexorável de modernização da agricultura (VEIGA FILHO, 1994) à qual se somam as pressões sindicais que tiveram seu auge nos anos de 1980 com as greves dos cortadores de cana da região de Guariba (ALVES, 1991) e as restrições ambientais impostas por força da legislação nos anos de 1990.
Para SCOPINHO (2003), a incorporação das inovações tecnológicas no corte da cana se traduz na eliminação de postos de trabalho para muitos, mas nas ocupações que se mantêm não há garantia de supressão do trabalho penoso, visto que as jornadas passam a ser ditadas pelo ritmo das máquinas, podendo chegar até 15 horas diárias (turnos de 12 horas mais os deslocamentos entre municípios).
Tendo em vista que a maior parte da mão-de-obra ocupada na atividade canavieira atua especificamente na colheita, pode-se estimar que a produção paulista, com 200 milhões de toneladas, seja colhida em 150 dias, com desempenho médio de 8 t/homem/dia, do que resulta uma demanda potencial de força de trabalho para a colheita manual, de 167 mil homens (VEIGA FILHO et al., 2003). Aproximadamente 50% das áreas de cana apresentam relevo inadequado para a colheita mecânica, o que indica que aproximadamente 83 mil homens teriam de ser deslocados para a colheita das áreas inaptas para mecanização. Por outro lado, a produção canavieira nessas áreas tem sua continuidade ameaçada diante da legislação ambiental que restringe as queimadas e, com isso, elimina o corte manual como alternativa de colheita. Portanto, conforme GUILHOTO et al. (2002), GUEDES & RÉ (1999) e OLIVEIRA & BRAUNBECK (2004), esse cenário não parece nem social nem economicamente aceitável, razão pela qual as leis de proteção ambiental foram sucessivamente flexibilizadas no aguardo de uma saída tecnológica que resolva esse impasse.
No caso do auxílio mecânico, a manutenção de pelo menos parte do emprego agrícola na colheita de cana seria possível. Estimou-se o desempenho dos operadores de 20 t/homem-dia do que resultaria uma demanda potencial sustentável de força de trabalho de 33 mil homens atuando nas áreas não mecanizáveis, que poderia evoluir para 67 mil homens se toda a colheita passasse a ser processada com auxílio mecânico.
Em relação às características tecnológicas, destaca-se, inicialmente, a questão da dirigibilidade em terrenos inclinados. O auxílio mecânico utiliza as quatro rodas direcionais para corrigir continuamente a direção de movimento, tanto no eixo traseiro quanto no dianteiro. Paralelamente, a baixa velocidade de deslocamento do equipamento, inferior a 0,5 km h-1, facilita a correção da trajetória pelo operador, sem atingir desalinhamentos significativos com as fileiras de plantio.
Os equipamentos que operam em terrenos inclinados devem manter-se alinhados com os sulcos de plantio, sem sofrer escorregamento lateral. A componente lateral de peso da colhedora deforma os pneus, o qual provoca desvio de trajetória do veículo no sentido da declividade. Esse desvio deve ser continuamente corrigido por meio da angulação das rodas efetuada pelo mecanismo de direção.
Os veículos com direção apenas no eixo dianteiro apresentam escorregamento do eixo traseiro sem possibilidade de correção. Resulta disso um desalinhamento da colhedora com a fileira de cana e, com isso, dificulta-se o processo de alimentação. Embora a inclinação teórica de tombamento lateral das colhedoras atuais seja da ordem de 46%, efeitos dinâmicos resultantes das irregularidades do terreno e da elasticidade dos pneus reduzem esse limite de inclinação ao referido valor de 12% (para máquinas de pneus). Essa condição é a principal responsável pelas áreas canavieiras consideradas não- aptas para a colheita mecanizada.
No caso do auxílio mecânico, a inclinação teórica de tombamento é da ordem de 100% em função da grande largura do equipamento e a altura reduzida do centro de gravidade. No entanto, a inclinação máxima permitida não é determinada pela estabilidade lateral ao tombamento e, sim, pelo deslizamento estático dos pneus sobre o solo. Essa condição corresponde à inclinação de terreno da ordem de 50%. A falta de estabilidade ao tombamento é que, juntamente com as deficiências de dirigibilidade, limita a utilização das colhedoras de uma fileira a terrenos com declividades inferiores a 12% (para máquinas de pneus).
Com relação ao corte dos ponteiros, no auxílio mecânico, o operador é quem define a posição de corte e executa o despontamento de todos os colmos, reduzindo-se, assim, a permanência de grande parte dos ponteiros não-cortados pelo dispositivo despontador utilizado nas colhedoras totalmente mecanizadas.
O processo de alimentação das colhedoras (cana picada) impõe aos colmos uma forte flexão por meio de um defletor. Essa flexão provoca danos à soqueira e prejudica a qualidade do corte basal. Nesse processo, os colmos são deitados sobre o solo onde os mesmos recebem grande quantidade de matéria estranha lançada pelos discos do cortador basal. No caso do auxílio mecânico, os colmos são cortados na base e afastados do solo, mantendo sua posição original, vertical ou inclinada. Elimina-se, assim, o contato dos colmos com a terra, o abalo de soqueira e o processo de varredura. Ainda no processo de alimentação, em canaviais acamados ou deitados, as colhedoras que cortam apenas uma fileira precisam, a cada passada, efetuar a separação delas, cortando os colmos num plano vertical localizado entre duas fileiras adjacentes. Essa condição faz com que fragmentos de colmos fiquem soltos sobre a superfície do solo, o que obriga o posicionamento do cortador de base no nível de subsuperfície, com conseqüências negativas em termos de perdas, demanda de potência, desgaste de facas e contaminação da matéria-prima com matéria estranha mineral. O auxílio mecânico corta cinco ruas na base e eleva-as, simultaneamente, até a mesa onde os operadores separam os colmos manualmente, sem tombamento e com apenas uma separação de fileiras a cada cinco.
Na colheita de cana picada, o corte de base é efetuado pelo princípio de corte inercial. As facas atingem os colmos e, freqüentemente, o solo, com velocidade de 20-22 m s-1, pelo que rapidamente perdem o gume e, conseqüentemente, aumentam as perdas, o teor de terra da matéria-prima e os danos às soqueiras. A matéria estranha mineral incorporada pelo cortador de base, quantificada por HENKEL et al. (1979), oscilou entre 0,25 e 5%, sendo os valores mais freqüentes aproximando-se de 0,5%. No auxílio mecânico, um único disco flutuante, centralizado na fileira de cana, efetua o corte da base sem a necessidade de efetuar a varredura da superfície do solo para catar fragmentos ou colmos inteiros liberados pela colhedora. Os colmos não são deitados sobre o solo para serem introduzidos ao equipamento. Os operadores recolhem manualmente os colmos em sua posição original (Figura 1) e entregam-nos ao processo de despalhamento mecânico sem contato com o solo. A menor movimentação de solo provocada por esse tipo de cortador de base resulta em menor demanda de potência e desgaste ou quebra de facas.
A operação de despalhamento ou limpeza das colhedoras (cana picada) impõe compromisso antagônico entre os níveis de perdas e matéria estranha que correspondem à determinada regulagem da velocidade do fluxo de ar nos extratores e/ou ventiladores. Canas colhidas com teor de matéria estranha vegetal inferior a 6% freqüentemente provocam perdas próximas de 10%. No caso do auxílio mecânico, as folhas são retiradas dos colmos inteiros, no que resultam duas peças, colmos e folhas, com propriedades aerodinâmicas muito diferentes, o que facilita sua separação. Essa acontece espontaneamente durante o lançamento dos colmos, na saída do despalhador, já que a massa reduzida das folhas não lhes permite acumular energia cinética suficiente para acompanhar os colmos na trajetória até a carreta de descarga vertical.
A transferência dos colmos para o transporte que acompanha a colhedora ocorre a granel, em queda livre, o que elimina o custo da operação de carregamento. No entanto, com a evolução do sistema de colheita de cana picada, tornou-se necessário retirar os caminhões do canavial, introduzindo a operação de transbordo que, em termos econômicos, eliminou a vantagem original de ausência do carregamento. No auxílio mecânico, a transição entre a colheita e o transporte é efetuada dispondo o material colhido transitoriamente sobre o solo, em montes de, aproximadamente, 3 t (Figura 3). A caçamba efetua a descarga em poucos segundos pela abertura de uma porta no fundo da mesma, que permite a descida vertical e ordenada da carga, de forma a manter o posicionamento paralelo dos colmos e com isso manter também a densidade de carga no carregamento subseqüente. O grande volume dos montes faz com que seja, proporcionalmente, pequena a quantidade de colmos em contato com o solo, o que minimiza a necessidade de rastelamento, reduzindo a contaminação com terra, mesmo sob condições de alta umidade e solo desagregado.
A transferência do palhiço para o transporte não faz parte do processo de colheita de cana picada. A proposta de colheita com auxílio mecânico inclui a compactação do palhiço de forma a liberar o mesmo ao solo já compactado, eliminando, assim, as operações posteriores de enleiramento e enfardamento e, principalmente, eliminar a contaminação com matéria estranha mineral que o mesmo sofre durante tais operações. Encontra-se em desenvolvimento na FEAGRI-UNICAMP um processo contínuo de compactação utilizando roscas convergentes com capacidade de 5 kg s-1, dimensionado para ser instalado no auxílio mecânico. O sistema propõe-se a receber as folhas e ponteiros liberados pelo despalhador e os despontadores, com densidade na faixa de 30 a 50 kg m-3 e compactar esse material até densidades de 180 a 200 kg m-3.
Finalizando essa análise, destaca-se o elevado investimento, da ordem de R$ 700 mil e a alta capacidade operacional, em torno de 90 mil t ano-1, que tornam a colhedora de cana picada inacessível para um número significativo de agricultores (fornecedores). O auxílio mecânico requer investimento da ordem de 15% do valor apontado acima e produção diária corresponde a 30% de uma colhedora de cana picada.
O valor de aquisição do auxílio mecânico foi estimado em função do peso de equipamentos no projeto e o preço por unidade de peso de equipamentos similares em complexidade mecânica e tipo de componentes. Estimou-se que o valor do equipamento deverá estar contido na faixa de R$ 60 mil a R$ 120 mil, para o qual o custo de colheita seria entre R$ 3,00 e R$ 10,00 por tonelada, com larguras de trabalho de uma a cinco fileiras, e produção diária de 200 t.
O objetivo desta simulação foi verificar, apenas, a ordem de magnitude do custo de colheita, assim como a sensibilidade do mesmo às variáveis números de fileiras e valor inicial do equipamento. Verificou-se que os custos estimados para os equipamentos de três e cinco fileiras são compatíveis com os existentes atualmente com as colhedoras (cana picada).
CONCLUSÕES
Tanto a colheita manual quanto a mecânica apresentam restrições impostas pelo relevo e pelo ambiente. A evolução lenta da colheita mecânica em São Paulo e no País indicam que as soluções tecnológicas disponíveis apresentam limitadores que restringem sua implementação.
O sistema de colheita de cana picada, após ter contribuído com a produção canavieira do mundo por aproximadamente 50 anos, mostra, atualmente, limitações em seus princípios básicos de operação para atender aos requerimentos legais, ambientais, de relevo, econômicos e sociais do Brasil.
O auxílio mecânico propõe manter o nível de emprego inferior ao do corte manual, porém sustentável e superior ao do corte mecânico atual, em condições ergonômicas compatíveis com a natureza humana.
As estimativas efetuadas para a colheita integral da cana com auxílio mecânico apresentam-se técnica e economicamente viáveis para operar em áreas declivosas com produção diária de, aproximadamente, 200 t por unidade.
O auxílio mecânico apresenta princípios alternativos de estabilidade, dirigibilidade, corte de base, despontamento e despalhamento que abrem novos horizontes de desenvolvimento para as fronteiras tecnológicas observadas nas colhedoras de cana picada.
O auxílio mecânico apresenta um desafio no gerenciamento da maior quantidade de mão-de-obra envolvida, o qual pode não ser atrativo para os grandes produtores, como é o caso das usinas de açúcar e álcool, mas representa uma oportunidade para fornecedores de cana ou de serviços de colheita com menor capacidade de investimento.
AGRADECIMENTOS
À FAPESP, pelo financiamento do projeto temático 2001/14302-1 e diversos projetos ligados à colheita da cana-de-açúcar que contribuíram para viabilizar esta proposta.
Recebido pelo Conselho Editorial em: 3-11-2005
Aprovado pelo Conselho Editorial em: 15-3-2006
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Abr 2008 -
Data do Fascículo
Abr 2006
Histórico
-
Aceito
15 Mar 2006 -
Recebido
03 Nov 2005