Open-access Características físicas e mecânicas do endocarpo e da amêndoa da castanha de caju 'CCP 76' antes e após tratamento térmico

Mechanical characteristics of endocarp and kernel of cashew nut 'CCP 76' prior and post thermal treatment

Resumos

As características viscoelásticas da casca da castanha de caju in natura dificultam a sua decorticação por compressão. Para facilitar a abertura da casca e a liberação da amêndoa, as castanhas são submetidas à hidratação e tratamento térmico em banho de líquido da casca da castanha (LCC) a 210 ºC. Com o objetivo de conhecer o comportamento do produto, para futuros desenvolvimentos de mecanismos decorticadores, procurou-se caracterizar a castanha do clone 'CCP 76' por meio das principais dimensões, massa, volume e ensaios mecânicos do endocarpo e da amêndoa, antes e após o tratamento térmico. Os tratamentos consistiram em várias combinações de tempo de hidratação e tempo de residência em banho de LCC. Aplicou-se a metodologia de superfície de resposta para identificar o melhor tratamento. Construíram-se dispositivos de abertura manual da castanha, cisalhamento do endocarpo e penetração da amêndoa para a realização dos ensaios mecânicos. Observaram-se alterações no comprimento, na largura e na espessura, assim como na massa e no volume, antes e após os tratamentos. Os resultados do ensaio de cisalhamento do endocarpo e da rigidez da amêndoa indicam diferença entre o material in natura e o tratado termicamente. As alterações nas dimensões de massa e de volume apontam para a necessidade de uma classificação após o tratamento térmico, quando essas constituírem parâmetros relevantes no processo de decorticação. A tendência da superfície de resposta mostrou que o ensaio com 79 h de hidratação e 165 s de residência em LCC a 210 ºC foi o mais próximo da região de ótimo.

Anacardium ocidentale; viscoelasticidade; propriedades mecânicas


Viscoelastic characteristics of raw cashew nut shell hinder its decortication by compression. In order to facilitate the shell opening and to liberate the kernel, nuts were subjected to hydration and thermal treatment in cashew nut shell liquid (CSL) at 210 ºC. With the objective of developing more appropriate shelling mechanisms the cashew nut 'CCP 76' was characterized by its main dimensions, mass and volume, as well as mechanical behavior of the endocarp and kernel, prior and after thermal treatments. The treatments consisted in submitting the nuts to several combinations of hydration and thermal treatment times. The response surface methodology was applied to identify the best treatment. Specially built devices were used for manual opening of the cashew nut, shear of the endocarp and penetration of the kernel. Changes were observed in the dimensions, length, width, and thickness as well as in mass and volume values prior and after treatments. Results of endocarp shear and kernel stiffness tests pointed out differences between raw and treated nuts. Changes in dimensions, mass, and volume pointed out to performing sizing after thermal treatments if dimensions are relevant in shelling. The response surface methodology indicated that the treatment comprising 79 h hydration and 165 s of residence in CSL at 210 ºC was the closest to the optimum region.

Anacardium ocidentale; viscoelasticity; mechanical properties


ARTIGOS CIENTÍFICOS

CIÊNCIA E TECNOLOGIA PÓS-COLHEITA

Características físicas e mecânicas do endocarpo e da amêndoa da castanha de caju 'CCP 76' antes e após tratamento térmico1

Mechanical characteristics of endocarp and kernel of cashew nut 'CCP 76' prior and post thermal treatment

Max C. de AraújoI; Antonio C. de O. FerrazII

IProfessor Adjunto I, Departamento de Engenharia Agrícola e Solos, CCA, Universidade Federal do Piauí, max@ufpi.br

IIProfessor Livre-Docente, Faculdade de Engenharia Agrícola, UNICAMP, carlos@agr.unicamp.br

RESUMO

As características viscoelásticas da casca da castanha de caju in natura dificultam a sua decorticação por compressão. Para facilitar a abertura da casca e a liberação da amêndoa, as castanhas são submetidas à hidratação e tratamento térmico em banho de líquido da casca da castanha (LCC) a 210 ºC. Com o objetivo de conhecer o comportamento do produto, para futuros desenvolvimentos de mecanismos decorticadores, procurou-se caracterizar a castanha do clone 'CCP 76' por meio das principais dimensões, massa, volume e ensaios mecânicos do endocarpo e da amêndoa, antes e após o tratamento térmico. Os tratamentos consistiram em várias combinações de tempo de hidratação e tempo de residência em banho de LCC. Aplicou-se a metodologia de superfície de resposta para identificar o melhor tratamento. Construíram-se dispositivos de abertura manual da castanha, cisalhamento do endocarpo e penetração da amêndoa para a realização dos ensaios mecânicos. Observaram-se alterações no comprimento, na largura e na espessura, assim como na massa e no volume, antes e após os tratamentos. Os resultados do ensaio de cisalhamento do endocarpo e da rigidez da amêndoa indicam diferença entre o material in natura e o tratado termicamente. As alterações nas dimensões de massa e de volume apontam para a necessidade de uma classificação após o tratamento térmico, quando essas constituírem parâmetros relevantes no processo de decorticação. A tendência da superfície de resposta mostrou que o ensaio com 79 h de hidratação e 165 s de residência em LCC a 210 ºC foi o mais próximo da região de ótimo.

Palavras-chave:Anacardium ocidentale, viscoelasticidade, propriedades mecânicas.

ABSTRACT

Viscoelastic characteristics of raw cashew nut shell hinder its decortication by compression. In order to facilitate the shell opening and to liberate the kernel, nuts were subjected to hydration and thermal treatment in cashew nut shell liquid (CSL) at 210 ºC. With the objective of developing more appropriate shelling mechanisms the cashew nut 'CCP 76' was characterized by its main dimensions, mass and volume, as well as mechanical behavior of the endocarp and kernel, prior and after thermal treatments. The treatments consisted in submitting the nuts to several combinations of hydration and thermal treatment times. The response surface methodology was applied to identify the best treatment. Specially built devices were used for manual opening of the cashew nut, shear of the endocarp and penetration of the kernel. Changes were observed in the dimensions, length, width, and thickness as well as in mass and volume values prior and after treatments. Results of endocarp shear and kernel stiffness tests pointed out differences between raw and treated nuts. Changes in dimensions, mass, and volume pointed out to performing sizing after thermal treatments if dimensions are relevant in shelling. The response surface methodology indicated that the treatment comprising 79 h hydration and 165 s of residence in CSL at 210 ºC was the closest to the optimum region.

Keywords: Anacardium ocidentale, viscoelasticity, mechanical properties.

INTRODUÇÃO

A castanha de caju in natura apresenta características viscoelásticas que dificultam a sua decorticação por compressão, pois tende a absorver a energia por meio da deformação do pericarpo e da amêndoa. Para modificar essas características, prepara-se a castanha por meio de hidratação e de tratamento térmico, tornando a casca mais frágil e, portanto, mais fácil de romper com aplicação de pequena deformação.

O tratamento térmico, no entanto, não deve afetar a amêndoa, evitando o seu escurecimento e conseqüente depreciação. O tratamento térmico, por meio do banho das castanhas no próprio líquido da casca (LCC) em alta temperatura, realizado na indústria de beneficiamento, tem como objetivo, além de tornar a casca frágil, promover uma folga (espaço) entre a casca e a amêndoa. Os parâmetros de controle mais importantes envolvidos no tratamento térmico são o teor de água da castanha, a temperatura e o tempo de residência. As transferências de calor e massa no processo são muito complexas e, devido à geometria e à distribuição irregular de massa da castanha, fica difícil obter um tratamento térmico uniforme. Assim, as extremidades aquecem-se mais rapidamente que o restante da amêndoa.

Uma situação ideal seria a de um corpo perfeitamente esférico, onde as trocas de calor ocorressem de maneira uniforme. Balasubramanian (2001) relata resultados da determinação de algumas propriedades físicas da castanha in natura, tais como: massa, porosidade, densidade aparente, densidade real e coeficiente de atrito para vários graus de umidade. Quanto ao comportamento mecânico, PERSSON (1987) levantou a hipótese de que a ruptura do material fibroso ocorre quando a tensão de cisalhamento excede o valor crítico. Essa tensão na parede fibrosa pode ser ocasionada pela combinação de tensão de tração na direção da fibra e da tensão de compressão na direção perpendicular à fibra.

OLOSO & CLARKE (1993), estudando alguns aspectos das propriedades mecânicas da castanha de caju, concluíram que a deformação de ruptura e a energia absorvida no ponto de ruptura aumentavam com o acréscimo do teor de água de castanhas tratadas termicamente no LCC a 190 ºC por 150 s. Embora as propriedades mecânicas do endocarpo e da amêndoa tenham grande relevância no processo de decorticação, essas têm sido pouco estudadas. A determinação dessas propriedades favorece a adequação dos procedimentos atuais de preparação das castanhas, bem como poderá fornecer subsídios para a concepção de mecanismos de máquinas.

Ao se projetarem mecanismos decorticadores, baseados na compressão à determinada deformação específica, alguns fatores devem ser considerados, entre os quais: as alterações nas dimensões das castanhas devido ao tratamento térmico, à fragilidade da casca, à rigidez da amêndoa e à deformação total imposta no momento da decorticação, uma vez que o espaço existente entre a casca e a amêndoa é, via de regra, muito reduzido.

Com base no exposto, este trabalho teve como objetivos comparar as variações das principais dimensões, massa e volume da castanha antes do tratamento térmico e após o tratamento térmico, e avaliar o efeito do tratamento térmico por meio das propriedades mecânicas do endocarpo e das amêndoas, buscando indicar o melhor tratamento térmico.

MATERIAL E MÉTODOS

Hidratação e tratamento térmico da castanha de caju: preliminares

Para o estabelecimento dos tempos de hidratação e de residência no LCC para a castanha 'CCP 76', ensaios preliminares foram realizados, tomando como referência o tempo de hidratação da castanha e o tempo da castanha imersa no LCC, praticados pela indústria brasileira de beneficiamento da castanha de caju. Lotes de 25 castanhas de tamanho médio foram submetidos à hidratação, e o tratamento térmico no LCC, em vários intervalos de tempo, com o objetivo de determinar o tratamento mais adequado para a castanha 'CCP 76'. Em seguida, avaliaram-se os referidos lotes, visualmente, pela cor da amêndoa, observando se o tratamento térmico tinha sido excessivo a ponto de comprometer a sua qualidade, procedimento semelhante ao utilizado pela indústria. O valor encontrado para a hidratação da castanha foi de 86 h e de 150 s para o tempo de residência em LCC, a 210 ºC. Esses valores foram utilizados como ponto central do planejamento experimental.

Planejamento experimental

Utilizou-se da superfície de resposta (BARROS NETO et al., 2002) para analisar o efeito combinado do tempo de hidratação e do tempo de residência no LCC. As respostas para identificar o melhor tratamento térmico para a castanha de caju foram os índices de fragilidade do endocarpo, quantificados pela força máxima, deformação específica correspondente e energia de deformação. Os efeitos na amêndoa foram avaliados pela resistência à penetração, por meio da força máxima e da energia de deformação. O delineamento experimental escolhido foi fatorial 22, com três pontos na região central e quatro pontos axiais, totalizando 11 pontos experimentais. Os valores experimentais para os níveis das variáveis do tempo de hidratação e do tempo de residência no LCC encontram-se na Tabela 1. A ordem dos fatores foi aleatória.

Esse tipo de planejamento estatístico gera um modelo quadrático, em que o valor das variáveis dependentes Y (força máxima, deformação específica e energia) é função das variáveis independentes (tempo de hidratação (Th) e tempo de residência (Tr) no LLC a 210 ºC), conforme descrito na eq.(1).

em que,

Th - tempo de hidratação, horas;

Tr - tempo de residência, segundos;

β0 - valor populacional da média de todas as respostas do planejamento, e

β1,β2,β11,β22 e β12 - valores populacionais dos dois efeitos principais e do efeito de interação, por unidade de Th e de Tr.

Os pontos centrais servem para estimar o erro experimental e determinar a precisão da equação polinomial. Os pontos axiais (±α) são utilizados para a ampliação do modelo linear, tornando-o modelo quadrático. Os coeficientes dos modelos de regressão foram obtidos por meio do software STATISTICA® 6.0, sendo considerado preditivo o modelo com regressão significativa com 95% de confiança, falta de ajuste não-significativa com o mesmo nível de confiança e alto valor de R2 (BARROS NETO et al., 2002).

O planejamento estatístico indicará uma região de máxima resposta ou de mínimo, em função do tempo de hidratação e de residência no LCC, ou seja, a região na qual as características mecânicas do material apontem para o que se deseja. Após essa análise, procedeu-se à comparação de médias entre os diversos tratamentos, e o material in natura (testemunha) pelo teste de Tukey (p<0,05). A escolha do melhor parâmetro (força máxima, deformação específica ou energia) a ser utilizado na caracterização da fragilidade do endocarpo e na rigidez da amêndoa da castanha de caju foi feita em função do menor coeficiente de variação apresentado.

Procedimentos para hidratação e tratamento térmico das castanhas de caju

Após a identificação do ponto central, procedeu-se à preparação dos lotes para a determinação do teor de água, da caracterização dimensional, das medidas de massa, assim como os ensaios mecânicos para todos os tratamentos. Utilizaram-se castanhas de tamanho médio do clone 'CCP 76', fornecidas pela Embrapa - Agroindústria Tropical, Fortaleza - CE. Os lotes de 25 castanhas in natura foram imersos em água, em recipiente fechado, por período de 2 h. Em seguida, drenou-se a água, e as castanhas foram colocadas em recipiente hermético por um período de repouso durante 72; 79; 86; 93 e 100 h para sua hidratação. Após esse tempo, foram submetidas ao tratamento térmico em LCC a 210 ºC, por 120; 135; 150; 165 e 180 s, de acordo com o planejamento experimental. Utilizou-se de 'fritadeira' elétrica comercial (Croydon, modelo F1B-200000-A0), com capacidade de 4,5 L, para o tratamento térmico, sendo o tempo de residência no LCC medido por meio de cronômetro digital (Casio modelo HS10W). Para a determinação do volume, foi considerado o tempo de 86 h para a hidratação e 150 s de residência no LCC.

Dimensões, massa e volume das castanhas de caju antes do tratamento térmico e após o tratamento térmico

Para identificar possíveis variações nas dimensões, na massa e no volume das castanhas, foram realizadas medidas antes e após o tratamento térmico, por meio de paquímetro digital (Digimess), com resolução centesimal, e balança com 0,1 g de precisão. As dimensões consideradas da castanha, tais como, comprimento, largura e espessura, são representadas, esquematicamente, na Figura 1.


Devido aos cuidados operacionais para a determinação do volume, mensuraram-se 30 castanhas antes e após o tratamento térmico. Cada castanha foi perfurada com um arame de aço, pela inserção do pedúnculo, e introduzida, com o auxílio de uma haste de altura regulável, em recipiente contendo quantidade conhecida de água. Mediu-se, então, a massa de cada castanha submersa, por meio das leituras da balança, calculando-se o seu respectivo volume pela relação de densidade (MOHSENIN, 1970). As mesmas castanhas foram submetidas ao tratamento térmico central e submetidas a nova determinação do volume.

Determinação do teor de água

Para a determinação do teor de água das castanhas, utilizou-se da metodologia proposta por MELO et al. (1998), com estufa com circulação de ar forçado (Fanem 320 SE) e temperatura de 65±3 ºC, até atingir peso constante, com trituração do material, tanto para a amêndoa como para a casca (epicarpo, mesocarpo e endocarpo). Foram realizadas determinações em três repetições com 50 castanhas de cada lote tratado termicamente, utilizando-se de 5 g de amêndoa triturada e 10 g de casca triturada para cada repetição. Utilizou-se de balança analítica (Gehaka BG2000), com carga máxima de 2.100 g e precisão de 0,01 g.

Avaliação do efeito combinado de hidratação e tratamento térmico nas propriedades do endocarpo

Cisalhamento do endocarpo

Após os tratamentos térmicos, retirou-se o LCC superficial de cada castanha, com papel toalha, submetendo-as a período de repouso de 2 h para resfriamento. Cada castanha foi decorticada por meio de dispositivo manual construído para esse fim, apresentado na Figura 2, tomando-se o cuidado de preservar a integridade das amêndoas.


Após a decorticação, retiraram-se o epicarpo e o mesocarpo por meio de escarificação com faca afiada, isolando-se o endocarpo das demais camadas. Em seguida, posicionou-se o endocarpo no dispositivo para o ensaio de cisalhamento (Figura 3). Para avaliar o efeito dos tratamentos térmicos nas propriedades do endocarpo, concebeu-se um método que avaliasse o nível de fragilidade do endocarpo, por meio de dispositivo de cisalhamento, cujo princípio de funcionamento é mostrado, esquematicamente, nas Figuras 3 e 4. O dispositivo é composto por ponteira cilíndrica de 3,6 mm de diâmetro (faca), em aço inox, e base com orifício central (contrafaca), em aço 1020 temperado, sendo montado em máquina universal de ensaios (Ottowa Texture Measuring System), equipado com célula de carga de 500 N, sendo utilizados 25 endocarpos para cada tratamento. A avaliação foi feita pelo valor da força máxima, deformação específica correspondente e energia de deformação. Escolheu-se o parâmetro de menor coeficiente de variação para a avaliação da fragilidade do endocarpo.



Avaliação do efeito combinado de hidratação e tratamento térmico nas propriedades da amêndoa

Penetração da amêndoa

O ensaio de penetração foi realizado com as amêndoas obtidas, cuidadosamente, por meio de decorticação manual. Utilizou-se de ponteira cilíndrica de 2 mm de diâmetro (Figura 5) acoplada à máquina universal de ensaios (TEXTURE ANALYSER, Modelo TA 500), com célula de carga de 50 N, à taxa de deformação constante de 0,6 mm s-1 e profundidade máxima de 30% da espessura da amêndoa. Cada espécime foi disposto sobre prato plano e horizontal, perpendicularmente à direção da ponteira e, em seguida, posicionado até o contato com a amêndoa na sua região de maior espessura, iniciando-se o ensaio. Utilizaram-se 25 amêndoas para cada tratamento. A avaliação foi feita pelo valor da força máxima e energia de deformação até 30% de penetração. O parâmetro escolhido para a avaliação da resistência da amêndoa foi o que obteve o menor coeficiente de variação.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação das dimensões, da massa e do volume antes e após o tratamento térmico

As dimensões médias das castanhas de caju antes do tratamento térmico e após o tratamento térmico (Tabela 2) apresentaram acréscimo médio de 6,78% no comprimento, 5,73% na largura, 5,47% na espessura, 28,58% no volume e redução de 24,61% na massa.

Observa-se que, após o tratamento térmico, os coeficientes de variação das dimensões e da massa são de 4,5 a 11 vezes maiores, evidenciando que esse tipo de tratamento introduz variabilidade adicional significativa às castanhas. No entanto, para o volume, constatou-se pequena redução no coeficiente de variação, de 9,19% antes do tratamento térmico, para 8,04% após o tratamento térmico. Em geral, as alterações observadas apontam para a necessidade de classificação após o tratamento térmico quando essa representar parâmetro importante no processo de decorticação da castanha. Quando se aplica deformação limitada na castanha, tendo como objetivo romper o endocarpo e preservar a integridade da amêndoa, essas alterações nas dimensões, na massa e no volume devem ser levadas em consideração para uma boa eficiência no processo de beneficiamento.

Determinação do teor de água

A determinação do teor de água da casca, composta pelo epicarpo, mesocarpo e endocarpo, e da amêndoa mais a película da castanha de caju, foi realizada triturando-se o material e secando-o em estufa com circulação forçada de ar a 65 ºC, até obter peso constante. Esse procedimento mostrou-se eficaz, comparado com os resultados de ensaios preliminares utilizando metodologias tradicionais de determinação da umidade em que houve dificuldade de obter estabilidade nas medidas do peso seco.

Dos valores percentuais médios do teor de água em base seca (b.s.), obtidos (Tabela 3) para a amêndoa e para a casca da castanha de caju para os dez tratamentos (ensaios), observa-se que, para os ensaios com mesmo tempo de hidratação (Th), o teor de água resultante tende a ser maior com a redução do tempo de residência no LCC (Tr). Para os ensaios com o mesmo tempo de residência, o aumento do tempo de hidratação não representa, necessariamente, acréscimo no teor de água. Portanto, o fator que exerce a maior influência no teor de água final é o tempo de residência no LCC a 210 ºC.

Para os ensaios 1; 8; 9 e 10, ocorreu hidratação da amêndoa; para os demais, ocorreu perda de água, comparados ao teor médio da amêndoa in natura (ensaio 12). Observou-se maior ganho de água para as amêndoas do ensaio 9, com 13,1% de aumento no teor médio, e a maior perda foi de 10%, correspondente ao ensaio 11. Os tratamentos 9; 10 e 8 diferenciaram-se significativamente dos tratamentos 3; 5; 4 e 11, evidenciando que os ensaios afetaram distintamente a absorção e a dessorção de água da amêndoa.

BORGES & PELEG (1997) afirmaram que a presença de óleo nas nozes parece ser a principal causa da ausência de fragilidade, sendo o fator limitante da absorção ou dessorção de água, tornando-as mais ou menos rígidas. A afirmação é válida para a amêndoa da castanha de caju que, para os tratamentos considerados, tanto na absorção como na dessorção, apresentaram alterações relativamente pequenas no teor de água, comparadas àquelas sofridas pela casca. A perda de água pela amêndoa, promovida por alguns dos tratamentos, pode ser inconveniente na decorticação, pois pode enrijecê-la (ARAÚJO, 2005).

Observou-se perda de água na casca para todos os ensaios. A casca in natura (ensaio 12) apresentou teor de água médio que variou de 35,4% a 65,1% superior, e diferiu significativamente (Tukey, p<0,05) dos demais tratamentos. Esse resultado aponta para possíveis alterações no comportamento mecânico da casca, pois a perda d'água pode torná-la mais frágil.

A comparação de médias revelou ser complexa a interação entre o tempo de hidratação e o tempo de residência em LCC e será analisada a seguir por meio da metodologia de superfície de resposta.

Efeito combinado de hidratação e tratamento térmico nas propriedades do endocarpo

Para a avaliação do efeito combinado de hidratação e tratamento térmico nas propriedades mecânicas do endocarpo, elegeu-se como índice de resistência do endocarpo a deformação específica na força máxima, por apresentar o menor coeficiente de variação. Duas curvas características das relações força-deformação, obtidas no ensaio de cisalhamento do endocarpo, ensaios 1 e 12, mostradas na Figura 6, exemplificam os distintos comportamentos observados. O endocarpo submetido à hidratação e ao tratamento térmico (ensaio 1) apresentou menores valores de força máxima e de deformação específica na força máxima, indicando que o endocarpo se tornou mais frágil (CHIAVERINI, 1986). Para os demais tratamentos, verificou-se comportamento semelhante.


Os valores médios obtidos para a deformação específica (Tabela 4) apresentaram menores coeficientes de variação que a força máxima e a energia de deformação e, por isso, foram utilizados como índice de resistência do endocarpo.

Observam-se, na Tabela 5, os efeitos estimados, erro puro e grau de significância da deformação específica para o cisalhamento do endocarpo. Os efeitos estimados nos diferentes fatores estudados não apresentaram diferenças estatísticas (p< 0,05). Para o tempo de hidratação e o tempo de residência, no modelo linear, o efeito teve sinal positivo, indicando que a resposta da deformação específica deve ser maior quando se aumenta o tempo de hidratação ou de residência no LCC. Para a interação, o efeito teve sinal negativo, apontando para uma resposta menor da deformação específica quando se aumenta a interação dos dois fatores estudados. O tempo de umidificação no modelo quadrático foi o que apresentou maior valor de efeito na resposta da deformação específica. Quanto maior o tempo de hidratação, menores as respostas de deformação específica.

Em virtude da dificuldade de extrair conclusões práticas com essa análise, buscou-se identificar, pelo método de superfície de resposta (BARROS NETO et al., 2002), possível tendência dos ensaios em tornar o endocarpo mais frágil, isto é, com menores valores de deformação específica na força máxima. Na superfície de resposta (Figura 7a), a região do ótimo, no sentido das menores deformações, é representada pela cor verde. A curva de contorno da superfície de resposta (Figura 7b) permite identificar os ensaios 1; 8 e 10, assim como os ensaios 11; 4 e 9, como os mais próximos da região de ótimo. Evidencia-se que o ensaio 11 (Th = 86 h e Tr = 180 h), com o maior tempo de residência no LCC, não proporcionou, significativamente, um endocarpo mais frágil, ou mesmo se aproximou mais da região de mínimos. As demais combinações de Th e Tr também não apresentam tendência, revelando que o efeito dessas combinações são interações e alterações complexas nos tecidos do endocarpo.


Efeito combinado de hidratação e do tratamento térmico nas propriedades da amêndoa

Para a avaliação do efeito combinado de hidratação e do tratamento térmico nas propriedades da amêndoa, utilizou-se, como índice de resistência da amêndoa, da energia de deformação a 30% de deformação específica por apresentar menor coeficiente de variação. Na Figura 8, mostram-se duas curvas características das relações força-deformação obtidas no ensaio de penetração da amêndoa, sendo uma delas com tratamento térmico (ensaio 1) e a outra sem tratamento térmico (ensaio 12). A maioria das curvas, como ilustra a Figura 8, apresentou comportamento monotônico crescente com maior rigidez no início da penetração, identificado pela maior inclinação da curva. Para os demais tratamentos, o comportamento foi semelhante.


A amêndoa mais úmida deveria apresentar menor resistência, implicando menores níveis de força durante a penetração, tendência essa identificada por inspeção visual das curvas.

Os valores médios da energia de deformação até 30% da deformação específica, obtidos nos ensaios de penetração e respectivos coeficientes de variação, são mostrados na Tabela 6, com seus respectivos coeficientes de variação para os ensaios realizados. Os coeficientes de variação para a energia de deformação foram significativamente menores que aqueles obtidos para a força máxima e, por essa razão, foram escolhidos para a comparação.

No entanto, não foram observadas diferenças pela análise de variância ( p<0,05) nos fatores estudados, como é observado nos resultados da Tabela 7, que apresenta o efeito estimado, erro puro e grau de significância para a energia do ensaio de penetração da amêndoa. Os efeitos estimados para todos os fatores estudados foram não-significativos a 95% de confiança (p<0,05). O tempo de hidratação e a interação no modelo linear tiveram efeitos negativos, indicando que a energia deve ser menor quando se aumenta o tempo de umidificação ou a sua interação. O tempo de residência no modelo linear teve efeito positivo, apontando para energia menor quando o tempo de residência no LCC é maior. Maiores tempos de residência proporcionam maior rigidez da amêndoa e, conseqüentemente, maiores riscos de danos.

Devido a isso, e semelhantemente ao estudo do comportamento do endocarpo, apresentam-se, na Figura 9, a tendência da superfície de resposta e a curva de contorno para a energia na amêndoa em função do tempo de hidratação e do tempo de residência no LCC. Os níveis de menor energia estão indicados pelas regiões em verde, crescentes no sentido dos tons mais escuros, e evidenciam tendências opostas, isto é, ensaios 1 e 10, com menores tempos de hidratação e de residência, apresentam tendência semelhante aos ensaios 4; 9 e 11, que possuem os maiores períodos de hidratação e de residência. Os ensaios 8 e 3 foram os que mais se distanciaram das regiões de menor energia, indicando maior resistência da amêndoa à penetração. Os ensaios 5 e 2, com tempos intermediários de hidratação e residência, também exibiram posição intermediária na região de menores índices de energia. Esses resultados evidenciam não haver tendência única das diversas combinações de tempos de hidratação e de residência na resistência à penetração da amêndoa. Evidenciam, também, que maiores valores do índice de resistência não estão somente associados ao conteúdo de água da amêndoa, na faixa de variação considerada.


Efeito combinado de hidratação e tratamento térmico para a decorticação da castanha

Combinando as duas análises anteriores, os tratamentos cujos tempos de hidratação e de residência no LCC que tendem a produzir, simultaneamente, endocarpo mais frágil e amêndoa menos rígida, condições desejadas na decorticação da castanha de caju, são os tratamentos 1; 10; 4 e 9.

CONCLUSÕES

As diferenças dimensionais encontradas após a preparação das castanhas de caju 'CCP 76' indicam a necessidade de classificação após o tratamento térmico. Os períodos de 79; 86; 93 e 100 h de hidratação combinados, respectivamente, com os períodos de 135; 120; 165 e 150 s de residência no LCC a 210 ºC representam as combinações que tendem a produzir, simultaneamente, endocarpo mais frágil e amêndoa menos rígida, que são características desejáveis para a decorticação.

AGRADECIMENTOS

À Embrapa - Agroindústria Tropical, Fortaleza - CE, pelo apoio e envio do material; ao Laboratório de Propriedades Mecânicas dos Materiais Biológicos e à Oficina Mecânica da Faculdade de Engenharia Agrícola, UNICAMP, Campinas - SP, pelo apoio técnico durante a realização dos ensaios e construção dos dispositivos, e ao aluno Acássio Farias Barbosa, pelo auxílio nos desenhos.

Recebido pelo Conselho Editorial em: 19-6-2006

Aprovado pelo Conselho Editorial em: 12-6-2008

Referências bibliográficas

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  • 1
    Extraído da Tese de Doutorado do primeiro autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Recebido
      19 Jun 2006
    • Aceito
      12 Jun 2008
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