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Uso do sistema VAC no tratamento da fascite necrosante da parede abdominal

Vacuum assisted closure sistem in the treatment of necrotizing fasciitis of abdominal wall

Resumos

O paciente cirúrgico portador de abdome aberto é de difícil manuseio devido as perdas de água e eletrólitos, a difícil reposição volêmica, o grande número de curativos diários e o risco de infecção. A utilização do sistema VAC permite medir rigorosamente as perdas por um período de 48 horas, que pode ser renovado, facilita a reposição volêmica, diminue o risco de contaminação e de infecção e cria um ambiente úmido que facilita o processo de cicatrização. Quando comparado o custo com processos tradicionais além da vantagem verificada com o sistema VAC. Ocorre também uma redução do risco e do período de permanência hospitalar. Os autores relatam o tratamento de um paciente do no HC-UFPE que documenta essas vantagens.

Terapêutica; Custos de cuidados de saúde; Parede abdominal; Fasciíte necrosante


The patient with peritoneostomy is difficult to manege due to the losses of water and alectrolytes, the difficult volemic replacement, the great number of daily dressings and the risk of infection. The use of system VAC allows the acurate measurement of the losses for a period of 48 hours, that can be renewed, facilitates the volemic replacement, decreases the infection and contamination risk and creates a humid environment that helps the healing process. When compared with traditional processes beyond the advantage verified with system VAC, the costs are lower. A reduction of the risk and the period of hospital stay also occurs. The authors present a case carried out in the HC-UFPE that registers these advantages.

Therapeutics; Health Care Costs; Abdominal wall; Fasciitis, Necrotizing


NOTA TÉCNICA

Uso do sistema VAC no tratamento da fascite necrosante da parede abdominal

Vacuum assisted closure sistem in the treatment of necrotizing fasciitis of abdominal wall

Edmundo Machado Ferraz, TCBC-PEI; César Henrique Alves LiraII; João Paulo Cardoso MartinsII; Juan Pablo MaricevichII; Sônia Maria dos Santos PradinesIII; Luiz Gonzaga Granja FilhoIV

IProfessor Titular e Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do H.C./ UFPE

IIMédico Residente do Serviço de Cirurgia Geral do H.C./ UFPE

IIIEnfermeira Estomaterapeuta – CCIH - H.C./ UFPE

IVMédico Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral do H.C./ UFPE

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Av. Dom Sebastião Leme,171/2501 Graças 52011-160 – Recife – PE E-mail: edferraz@truenet.com.br

RESUMO

O paciente cirúrgico portador de abdome aberto é de difícil manuseio devido as perdas de água e eletrólitos, a difícil reposição volêmica, o grande número de curativos diários e o risco de infecção. A utilização do sistema VAC permite medir rigorosamente as perdas por um período de 48 horas, que pode ser renovado, facilita a reposição volêmica, diminue o risco de contaminação e de infecção e cria um ambiente úmido que facilita o processo de cicatrização. Quando comparado o custo com processos tradicionais além da vantagem verificada com o sistema VAC. Ocorre também uma redução do risco e do período de permanência hospitalar. Os autores relatam o tratamento de um paciente do no HC-UFPE que documenta essas vantagens.

Descritores: Terapêutica; Custos de cuidados de saúde; Parede abdominal; Fasciíte necrosante.

ABSTRACT

The patient with peritoneostomy is difficult to manege due to the losses of water and alectrolytes, the difficult volemic replacement, the great number of daily dressings and the risk of infection. The use of system VAC allows the acurate measurement of the losses for a period of 48 hours, that can be renewed, facilitates the volemic replacement, decreases the infection and contamination risk and creates a humid environment that helps the healing process. When compared with traditional processes beyond the advantage verified with system VAC, the costs are lower. A reduction of the risk and the period of hospital stay also occurs. The authors present a case carried out in the HC-UFPE that registers these advantages.

Key words: Therapeutics; Health Care Costs; Abdominal wall; Fasciitis, Necrotizing.

INTRODUÇÃO

A fasciíte necrotizante é uma infecção rara e grave e com rápida progressão. É caracterizada por extensa necrose e celulite das fáscias superficial e profunda e do tecido subcutâneo, com envolvimento secundário da pele, podendo atingir a musculatura e o peritônio, com letalidade ultrapassando 45% em casos com fatores de risco elevados. O trauma, a infecção, o Diabetes Mellitus e operações prévias são consideradas fatores predisponentes. Os sinais e sintomas são: aparecimento de eritema, edema e dor, localizada no abdome, períneo e áreas da ferida cirúrgica, com evolução rápida para quadro de toxemia, febre alta e extrema prostração. A etiologia pode ser por Sreptococcus beta hemolítico do grupo A, Streptococcus aureus, Clostridium perfringens ou por associação de bactérias, sendo uma delas anaeróbia. Neste caso, o tratamento preconizado é o desbridamento cirúrgico precoce, extenso e repetido, com a remoção da fáscia, subcutâneo e demais tecidos necrosados, antibioticoterapia, medidas coadjuvantes de tratamento e mais recentemente o uso do Sistema VAC (Vacuum Assisted Closure) 1, 2, 3.

A terapia VAC4, é um sistema utilizado na cicatrização de feridas em que se institui uma pressão negativa localizada e controlada, com o objetivo de estimular a granulação e a cicatrização.

Promove a vasodilatação arterial e conseqüentemente o aumento do fluxo sangüíneo nos tecidos, estimulando a formação de tecido cicatricial de granulação. A remoção dos fluidos diminui o edema, a pressão intersticial, e a colonização bacteriana, criando um ambiente úmido benéfico para a migração epitelial e a cicatrização. Remove ainda as metaloproteinas que comprometem a cicatrização e aumentam a colonização bacteriana. A pressão negativa contínua ou intermitente estimula a diminuição da ferida das bordas para o centro, sendo considerada ideal uma pressão de 125 mm Hg. O custo de utilização é de aproximadamente 150 a 3.500 dólares por dia, dependendo da complexidade do curativo, bastante reduzido quando comparado com o tempo prolongado de hospitalização, uso de drogas caras, alta evidência de complicações e mortalidade. Devendo ainda ser lembrado o grande número de curativos tradicionais realizados e o tempo transcorrido para a correção definitiva da parede abdominal. O sistema VAC pode ser renovado a cada dois ou quatro dias, dependendo do processo infeccioso e quantidade de exsudação. Recentemente tem sido utilizado um sistema portátil de vácuo que permite a continuação do tratamento, em regime ambulatorial.

O uso deste sistema abrevia o período de internação, o tempo de reparo definitivo da parede abdominal, nos casos em que esta se apresente comprometida. Existindo comprometimento da parede abdominal, inicialmente é aplicada uma esponja envolta por um filme plástico transparentes sobre as alças intestinais, seguida da colocação de outra esponja por sobre a qual são aplicados filmes adesivos, obliterando totalmente a ferida. Em seguida, o curativo é conectado a um sistema aspirativo, inicialmente ativado com uma pressão negativa contínua de 125 mm Hg. Diversos autores utilizaram a técnica de "sanduíche" e a utilização de vácuo no fechamento de feridas abertas, descrevendo outras estratégias de abordagem e tratamento5-10.

Neste relato queremos demonstrar o resultado obtido com a aplicação do sistema VAC, no tratamento de ferida abdominal aberta com infecção grave; e também fazer uma comparação de custo/benefício entre este tratamento e o tradicionalmente preconizado, na Instituição.

MÉTODO

O curativo VAC é composto de um kit com esponjas de vários tamanhos, filmes transparentes adesivos, tubo de conexão, reservatório e aparelho para aspiração.

Após a exploração da ferida cirúrgica, sob anestesia geral, são realizados o desbridamento de tecidos necrosados, a hemostasia e a limpeza com solução salina, em temperatura ambiente. Coloca-se a primeira esponja envolvida por filme transparente, sobre as alças intestinais (Figuras 1 e 2), fixando-a na cavidade com a película não adesiva. As demais esponjas são ajustadas ao tamanho e contorno da lesão, sendo necessário recortá-las com tesoura (Figuras 3 e 4). Recoberta as esponjas com películas adesivas, fixando-as na pele (Figura 5). Realizado um pequeno orifício na película, fixado o tubo do VAC na esponja, reforçada a fixação com película adesiva (Figuras 6 e 7). Conectado o tubo de aspiração ao aparelho de sucção, programada o funcionamento da máquina segundo a indicação do fabricante. Posicionada a máquina ao pé do leito (Figuras 8 e 9).










RELATO DO CASO CLÍNICO

S.B.S., Registro/H.C. 1694547 – 1, 20 anos, sexo feminino, natural e procedente de Igarassu – PE, admitida no dia 17/03/2007 na Unidade de Obstetrícia, através da Central de Partos e imediatamente encaminhada para o Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da UFPE. Referiu que foi submetida à Cesariana há 03 dias em Vitória de Santo Antão – PE, desde então vem evoluindo com dor abdominal, queda do estado geral e hipotensão. Com estado geral grave, consciente, orientada, sonolenta, dispnéica (FR= 36 ipmin), taquicárdica (FC= 140 bat. p/min), hipotensa (PA= 70X40 mm Hg), febril, desidratada, hipocorada, acianótica, o abdome era globoso, flácido e doloroso difusamente à palpação profunda. Notava-se a presença de equimose, áreas de necrose estendendo-se da região umbilical ao púbis e bolhas com exsudato sanguinolento, no flanco esquerdo, útero subinvoluido, ao exame ginecológico com colo dilatado, e doloroso a mobilização. A vagina apresentava hipertermia de.....e estava aquecida eliminando exsudação serohemática e odor fétido. Com hipótese diagnóstica de choque séptico, infecção de sítio operatório, fasciíte necrotizante e peritonite. Submetida nesta data a desbridamento extenso de partes moles, histerectomia, anexectomia à esquerda e peritoniestomia com bolsa de Bogotá. O útero e anexo esquerdo apresentavam-se de cor escura, com deiscência completa da histerotomia e líquido, em grande quantidade, na cavidade peritonial. Encaminhada no pós operatório Imediato para a Unidade de Terapia Intensiva, em uso de drogas vasoativas e antibióticos (Imipenem e Penicilina Cristalina). Fez uso também de hiperalimentação parenteral, hidratação, sedativos, anticoagulante, protetor da mucosa gástrica, antihemético, analgésico e antitérmico.

Os dados da evolução das características da ferida, do volume de exsudato, do leucograma, de temperatura e o resultado das culturas são evidenciados nas tabelas 1 a 5.

EVOLUÇÃO DA LESÃO

A evolução das lesões está evidenciada nas figuras 10 a 21.


20/03/2007 – 3º dia de tratamento e 1º dia de aplicação do VAC – presença de tecidos necrosados em toda a borda da lesão, tecido desvitalizado de cor esverdeado, exposição de alças intestinais, edema e exsudação serosa em grande quantidade, mau odor. Submetida ao desbridamento cirúrgico e lavagem cavitária, retirada da bolsa de Bogotá, revisão da cavidade abdominal e aposição do VAC.

22/03/2007 – 5º dia de tratamento e 2ª aplicação do VAC – aparecimento de tecidos viáveis, algumas áreas de necrose nas bordas, tecido desvitalizado de cor esverdeado, exposição de alças intestinais, edema e exsudação serosa em grande quantidade, mau odor. Submetida à desbridamento cirúrgico e lavagem cavitária, com aposição do VAC – Vacuum Assisted Closure.

24/03/2007 – 7º dia de tratamento e 3º aplicação do VAC - lesão com tecidos viáveis, algumas áreas de necrose nas bordas, tecido desvitalizado de cor esverdeado em menor quantidade, exposição de alças intestinais, edema diminuído, exsudação serosa em grande quantidade, mau odor. Submetida à desbridamento cirúrgico e lavagem da ferida, com aposição do VAC – Vacuum Assisted Closure.

26/03/2007 – 9º dia de tratamento e 4º aplicação do VAC - presença de tecido de granulação, pequena área de necrose na borda do lado direito, tecido desvitalizado de cor esverdeado em menor quantidade, exposição de alças intestinais recobertas com fibrina, edema diminuído, exsudação serosa em quantidade moderada, mau odor. Submetida à desbridamento cirúrgico, lavagem da ferida, fixação de tela e aposição do VAC – Vacuum Assisted Closure.

30/03/2007 – 13º dia de tratamento e 5ª aplicação do VAC - lesão com presença de tecido de granulação nas bordas e sobre a tela de nylon, áreas de necrose na borda superior e inferior, tecido desvitalizado em pequena quantidade, edema diminuído, coleção de exsudato serohemático sob a tela em quantidade moderada, mau odor. Colhido material para cultura. Submetida à desbridamento cirúrgico, abertura parcial (inferior) da tela e recolocação, lavagem da ferida, e aposição do VAC – Vacuum Assisted Closure.

03/04/2007 - 17º dia de tratamento e 6º aplicação do VAC– curativo procedido com a paciente extubada, sob sedação, retirados o cateter da veia central e a sonda vesical de demora. Suspensa a NPT, iniciada a alimentação por via oral. Lesão com presença de tecido de granulação nas bordas e sobre a tela de nylon, pequena área de tecido desvitalizado do lado esquerdo, edema diminuído, retração das bordas, exsudação serohemática em quantidade moderada, odor diminuído. Submetida ao desbridamento cirúrgico, lavagem da ferida, e aposição do VAC – Vacuum Assisted Closure.

09/04/2007 - 23º dia de tratamento – paciente clinicamente estável, disposta, sem o uso de drogas e procedimentos invasivos, apenas apresentando um a dois picos febris (Temp. 38º), ao dia e discreta leucocitose. Lesão com tecido de granulação recobrindo todo o leito e a tela de nylon, formação de vascularização, edema diminuído, retração das bordas, exsudação serohemática em quantidade moderada, odor diminuído. Realizado curativo, retirado o VAC – Vacuum Assisted Closure, dado continuidade ao tratamento tópico com carvão ativado e bio-polímero da cana de açúcar. Deste modo, iniciado curativo tradicional pela equipe de enfermagem, com mudanças de curativo primário em dias alternados e o secundário, duas vezes ao dia.

09/05/2007 – 53º dia de tratamento - Abdome preparada para abdomenoplastia.

Resultado após abdomenoplastia.

Com esta experiência observamos que o VAC proporcionou condições para que o organismo abreviasse o processo inflamatório, contribuiu significativamente para a evolução da cicatrização. O sistema VAC – Vacuum Assisted Closure possibilitou o controle da infecção, com diminuição do edema e exsudação, acelerou consideravelmente o processo cicatricial e preparou em tempo hábil, a área lesionada para receber outra opção de terapia tópica. Diminuiu a permanência na UTI e Unidade de Internação, o número de operações, as realizações de curativos, a infusão de nutrição parenteral total, hemoderivados e a aplicação de antibioticoterapia. Na contabilização total dos custos/benefícios todos estes fatores devem ser levados em consideração (tabelas 6, 7 e 8), por se tratar de ferida extensa infectada, cujo tratamento é duradouro e de prognóstico reservado, quando não é adequadamente aplicado.

Recebido em 15/05/2007

Aceito para publicação em 10/07/2007

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas/UFPE.

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  • Endereço para correspondência:

    Av. Dom Sebastião Leme,171/2501 Graças
    52011-160 – Recife – PE
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      15 Maio 2007
    • Aceito
      10 Jul 2007
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