RESUMO
Objetivo:
comparar o uso de solução alcoólica de clorexidina 0,5% e de álcool 70% na antissepsia da pele para bloqueios do neuroeixo.
Método:
ensaio clínico randomizado de não inferioridade, com dois braços paralelos. Foram selecionados 70 pacientes candidatos à bloqueio do neuroeixo, randomicamente alocados para o grupo A (n=35), em que a antissepsia foi realizada com clorexidina alcoólica 0,5%, ou para o grupo B (n=35), em que se utilizou álcool etílico hidratado 70%. Foram coletadas, com swab, amostras para cultura em três momentos: antes da antissepsia, dois minutos após aplicação do antisséptico, e imediatamente após a punção. As amostras foram semeadas em três meios de cultura e foi contabilizado o número de unidades formadoras de colônias (UFC) por cm².
Resultados:
não houve diferença entre os grupos quanto à idade, ao sexo, ao índice de massa corporal, ao tempo para realização do bloqueio ou tipo de bloqueio. Também não houve diferenças entre os grupos na contagem de UFC/cm² antes da antissepsia. Constatou-se menor crescimento bacteriano no grupo B dois minutos após aplicação do antisséptico (p=0,048), mas não houve diferença entre os grupos quanto ao número de UFC/cm² ao final da punção.
Conclusão:
o álcool 70% mostrou-se mais efetivo em reduzir o número de UFC/cm² após dois minutos, e não houve diferença entre os dois grupos quanto à colonização da pele ao final do procedimento. Esses resultados sugerem que o álcool 70% pode ser opção para antissepsia da pele antes de bloqueios do neuroeixo. Registro ensaio clínico: ClinicalTrials.gov, NCT02833376.
Palavras chave:
Antissepsia; Clorexidina; Álcool Etílico; Raquianestesia; Anestesia Epidural
ABSTRACT
Objective:
to compare the use of 0.5% alcoholic chlorhexidine and 70% alcohol in skin antisepsis for neuraxial blocks.
Method:
this is a non-inferiority randomized clinical trial, with two parallel arms. Seventy patients who were candidates for neuraxial block were randomly allocated to group A (n = 35), in whom antisepsis was performed with 0.5% alcoholic chlorhexidine, or to group B (n = 35), in whom we used 70% hydrated ethyl alcohol. Swabs were harvested for culture at three times: before antisepsis, two minutes after application of the antiseptic, and immediately after puncture. The samples were sown in three culture media and the number of colony forming units (CFU) per cm² was counted.
Results:
there was no difference between the groups regarding age, sex, body mass index, time to perform the block or type of block. There were no differences between groups in the CFU/cm² counts before antisepsis. There was less bacterial growth in group B two minutes after application of the antiseptic (p = 0.048), but there was no difference between the groups regarding the number of CFU/cm² at the end of the puncture.
Conclusion:
70% alcohol was more effective in reducing the number of CFU/cm² after two minutes, and there was no difference between the two groups regarding skin colonization at the end of the procedure. These results suggest that 70% alcohol may be an option for skin antisepsis before neuraxial blocks. Trial registration: ClinicalTrials.gov, NCT02833376.
Keywords:
Antisepsis; Chlorhexidine; Ethanol; Anesthesia Spinal; Anestesia Epidural
INTRODUÇÃO
Os bloqueios do neuroeixo figuram entre as anestesias mais realizadas, mas não existem dados oficiais sobre o número de procedimentos realizados no mundo, e nem no Brasil. Muitas vezes é a primeira escolha de anestesia para procedimentos cirúrgicos, sendo a raquianestesia utilizada principalmente para procedimentos em membros inferiores, períneo e abdome11 Miller RD, Cohen NH, Eriksson LI, Fleisher LA, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 8ª Ed. Philadelphia, Churchill Livingstone: Atheneu; 2014. p. 1684-1720.. A anestesia peridural também pode ser utilizada, com a diferença do bloqueio poder ser feito por segmentos, como apenas tronco ou abdome. Este tipo de procedimento anestésico tem como principal vantagem a manutenção da ventilação espontânea do paciente e sua consciência11 Miller RD, Cohen NH, Eriksson LI, Fleisher LA, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 8ª Ed. Philadelphia, Churchill Livingstone: Atheneu; 2014. p. 1684-1720..
Como se trata de procedimento invasivo, para prevenção da contaminação bacteriana são necessárias medidas de antissepsia tanto da pele no local de punção como das mãos do anestesiologista, além de métodos de barreira, tais como o uso de luvas esterilizadas, gorro e máscara22 Fernandes CRF, Fonseca MN, Rosa DM, Simões CM, Duarte NMC. Recomendações da Sociedade Brasileira de Anestesiologia para Segurança em Anestesia Regional. Rev Bras Anestesiol. 2011;31(5):668-94.,33 Fahy CJ, Costi DA, Cyna AM. A survey of aseptic precautions and needle type for paediatric caudal block in Australia and New Zealand. Anaesth Intensive Care. 2013;41(1):102-7. https://doi.org/10.1177/0310057X1304100117
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A microbiota humana varia nos diferentes locais do corpo humano, apresentando maior concentração de bactérias em alguns locais, e isso pode influenciar a ação dos antissépticos sobre a microbiota bacteriana44 Reichel M, Heisig P, Kohlmann T, Kampf G. Alcohols for skin antisepsis at clinically relevant skin sites. Antimicrob Agents Chemother. 2009;53(11):4778-82. https://doi.org/10.1128/AAC.00582-09
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. A região lombar apresenta uma das menores concentrações de colônias bacterianas, comparada a outras áreas do corpo humano44 Reichel M, Heisig P, Kohlmann T, Kampf G. Alcohols for skin antisepsis at clinically relevant skin sites. Antimicrob Agents Chemother. 2009;53(11):4778-82. https://doi.org/10.1128/AAC.00582-09
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A antissepsia é o processo de destruição da forma vegetativa de micro-organismos (patogênicos ou não) presentes em tecidos vivos. Caracteriza-se por conjunto de medidas empregadas para destruir ou inibir o crescimento de micro-organismos existentes nas camadas superficiais (microbiota transitória) e profundas (microbiota residente) da pele e das mucosas. Tais medidas envolvem a aplicação de agentes germicidas, os antissépticos55 Neal JM, Bernards CM, Hadzic A, Hebl JR, Hogan QH, Horlocker TT, et al. ASRA Practice Advisory on Neurologic Complications in Regional Anesthesia and Pain Medicine. Reg Anesth Pain Med. 2008;33(5):404-15. https://doi.org/10.1016/j.rapm.2008.07.527
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. Os antissépticos devem ter ação antimicrobiana imediata, efeito residual persistente e não devem ser tóxicos, alergênicos ou irritantes. Diferentes antissépticos são usados na prática clínica, como álcool a 70%, solução alcóolica de clorexidina, polivinilpirrolidona (PVPI) e álcool iodado66 Kampf G, Kramer A. Epidemiologic background of hand hygiene and evaluation of the most important agents for scrubs and rubs. Clin Microbiol Rev. 2004;17(4):863-893. https://doi.org/10.1128/CMR.17.4.863-893.2004
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A atividade antisséptica do álcool etílico ocorre pela desnaturação de proteínas e remoção de lipídios, inclusive dos envelopes de alguns vírus. Para alcançar atividade germicida máxima, o álcool deve ser diluído em água, o que possibilita a desnaturação das proteínas. A concentração recomendada para atingir maior rapidez microbicida é de 70%66 Kampf G, Kramer A. Epidemiologic background of hand hygiene and evaluation of the most important agents for scrubs and rubs. Clin Microbiol Rev. 2004;17(4):863-893. https://doi.org/10.1128/CMR.17.4.863-893.2004
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A clorexidina é um germicida do grupo das biguanidas, que apresenta maior efetividade com pH entre 5 a 8, e age melhor contra bactérias gram-positivas do que gram-negativas e fungos. Apresenta ação imediata e efeito residual, além de baixo potencial de toxicidade e de fotossensibilidade ao contato, sendo pouco absorvida pela pele íntegra. O mecanismo de ação envolve o aumento da permeabilidade da parede celular, fazendo com que haja precipitação dos componentes intracelulares. Esta ação é potencializada pelo álcool, por isso a solução alcoólica é mais efetiva77 Sviggum HP, Jacob AK, Arendt KW, Mauermann ML, Horlocker TT, Hebl JR. Neurologic complications after chlorhexidine antisepsis for spinal anesthesia. Reg Anesth Pain Med. 2012;37(2):139-144. https://doi.org/10.1097/AAP.0b013e318244179a
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As infecções do neuroeixo após anestesia são raras, mas graves. Estas complicações geralmente são citadas como relato de casos. A incidência exata é desconhecida, mas podem resultar em devastadora morbidade e mortalidade, incluindo formação de abscesso, meningite ou compressão medular secundária à formação de abscesso88 Benhamou B, Mercier FJ, Dounas M. Hospital policy for prevention of infection after neuraxial blocks in obstetrics. Int J Obstet Anesth. 2002;11(4):265-9. https://doi.org/10.1054/ijoa.2002.0973
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9 Chojnowska E. Bacterial contamination of needles used for spinal and epidural anaesthesia. Br J Anaesth. 2000;84(2):295. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.bja.a013427
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10 Videira RL, Ruiz-Neto PP, Brandao Neto M. Post spinal meningitis and asepsis. Acta Anaesthesiol Scand. 2002;46(6):639-46. https://doi.org/10.1034/j.1399-6576.2002.460602.x
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11 Chan YC, Dasey N. Iatrogenic spinal epidural abscess. Acta Chir Belg. 2007;107(2):109-18. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17515258/
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-1212 Castilla-Guerra L, Fernández-Moreno MC, López-Chozas JM. Meningitis tras anestesia intradural y asepsia: dos cuestiones irreconciliables? [Meningitis following spinal anaesthesia and asepsis: two irreconcilable issues?]. Rev Neurol. 2005;40(1):62. Spanish. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15696429/
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. A Sociedade Brasileira de Anestesia recomenda o uso de solução alcoólica de clorexidina para antissepsia da pele para os bloqueios de neuroeixo22 Fernandes CRF, Fonseca MN, Rosa DM, Simões CM, Duarte NMC. Recomendações da Sociedade Brasileira de Anestesiologia para Segurança em Anestesia Regional. Rev Bras Anestesiol. 2011;31(5):668-94.. Em 2014, a Associação de Anestesistas do Reino Unido lançou diretrizes de segurança para a antissepsia da pele para bloqueios de neuroeixo. Estas diretrizes não recomendam a utilização de antisséptico específico. A sugestão é que seja utilizado um antisséptico de ação rápida, que apresente o mínimo de efeitos colaterais e sejam observados os cuidados para não contaminar a agulha com o antisséptico utilizado, aguardar o antisséptico secar na pele, evitando assim complicações da introdução do antisséptico no neuroeixo1313 Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland, Obstetric Anaesthetists' Association; Regional Anaesthesia UK; Association of Paediatric Anaesthetists of Great Britain and Ireland, Campbell JP, Plaat F, Checketts MR, Bogod D, Tighe S, Moriarty A, et. al. Koerner R. Safety guideline: skin antisepsis for central neuraxial blockade. Anaesthesia. 2014;69(11):1279-86. https://doi.org/10.1111/anae.12844
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,1414 Perry S, Barnes J, Allan A. Performing and interpreting a lumbar puncture. Br J Hosp Med (Lond). 2018;79(12):C183-C187. https://doi.org/10.12968/hmed.2018.79.12.C183
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Apesar das diretrizes incluírem vasta revisão da literatura, não foram descritos estudos específicos comparando antissépticos para antissepsia da pele em bloqueios do neuroeixo1313 Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland, Obstetric Anaesthetists' Association; Regional Anaesthesia UK; Association of Paediatric Anaesthetists of Great Britain and Ireland, Campbell JP, Plaat F, Checketts MR, Bogod D, Tighe S, Moriarty A, et. al. Koerner R. Safety guideline: skin antisepsis for central neuraxial blockade. Anaesthesia. 2014;69(11):1279-86. https://doi.org/10.1111/anae.12844
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. De fato, não foram encontradas evidências científicas que apoiem o uso de determinado antisséptico para este fim. Assim, o objetivo desse ensaio clínico foi comparar o efeito, sobre a colonização cutânea, do álcool etílico hidratado 70% e da solução alcoólica de clorexidina 0,5% utilizados para antissepsia da pele para bloqueios do neuroeixo.
MÉTODO
Trata-se de ensaio clínico randomizado de não inferioridade, com dois braços paralelos, mascarado para o microbiologista, em centro único. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Sapucaí - UNIVÁS (CAAE: 54214116.3.0000.5102), e foram seguidas todas as normativas contidas na declaração de Helsink. O estudo foi registrado na plataforma ClinicalTrials.gov, sob o número NCT02833376.
Para o cálculo do tamanho amostral foram utilizados dados do estudo de Sato et al. (1996)1515 Sato S, Sakuragi T, Dan K. Human skin flora as a potential source of epidural abscess. Anesthesiology. 1996;85(6):1276-82. https://anesthesiology.pubs.asahq.org/article.aspx?articleid=1949127
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, e foi utilizado o teste t de Student, monocaudal. Considerando-se nível de significância de 5% e poder do teste de 90%, o número calculado de pacientes, por grupo, foi de 35.
Foram selecionados pacientes que já iriam se submeter a procedimentos cirúrgicos no Hospital e Maternidade Santa Paula, em Pouso Alegre - MG. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade entre 18 e 65 anos, que tinham indicação de bloqueio do neuroeixo (raquianestesia ou anestesia peridural) pelo anestesiologista responsável. Não foram incluídos pacientes com índice de massa corporal (IMC) acima de 35Kg/m2, com diagnóstico de infecção em qualquer parte do corpo, os que fizeram uso de antibióticos nos últimos sete dias, e os que apresentavam lesões cutâneas no sítio de punção. Os pacientes que preencheram os critérios de elegibilidade foram esclarecidos sobre o estudo em uma visita pré-anestésica, e convidados a participar. Só foram incluídos os que aceitaram, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Os pacientes foram aleatoriamente alocados para o grupo A (n=35), em que foi realizada antissepsia com solução alcoólica de clorexidina 0,5% ou para o grupo B (n=35), em que foi utilizado álcool etílico hidratado a 70% para a antissepsia da pele. Para alocação dos pacientes nos grupos foi gerada sequência aleatória pelo software Bioestat 5.0 (Instituto Mamirauá, Brasil), e o sigilo de alocação foi garantido por envelopes numerados opacos e selados, abertos no centro cirúrgico, imediatamente antes da antissepsia para a punção.
Após antissepsia das mãos com clorexidina degermante a 2% e paramentação do anestesiologista com luvas esterilizadas, foram colocados, em cuba esterilizada, 30 mL do respectivo antisséptico, provenientes de almotolia lacrada e individualizada. O antisséptico foi aplicado sobre a pele, a partir do local da punção, em área com raio de 20cm. Este procedimento foi repetido duas vezes, e a punção foi realizada dois minutos após a aplicação.
A coleta de amostras para avaliação microbiológica foi realizada na sala cirúrgica, com swab esterilizado aplicado de forma padronizada sobre área de 5cm por 5cm, delimitada por campo fenestrado de papel filtro esterilizado colocado sobre o local da punção, em três momentos: antes da antissepsia, dois minutos após a aplicação do antisséptico, e imediatamente após a realização do bloqueio. Cada swab foi acondicionado em tubo esterilizado contendo 1mL de solução salina. As amostras foram mantidas refrigeradas, conduzidas ao laboratório e processadas em no máximo quatro horas.
Foram utilizados métodos microbiológicos padronizados1616 Trabulsi LR, Alterthum F. Microbiologia. 5a ed. São Paulo: Atheneu; 2008. 760 p.. O swab embebido em solução salina contendo material coletado foi processado em agitador e se extraiu 0,1mL desta solução, que foi semeada com alça em três placas, contendo os meios Plate Counter Agar (PCA), para crescimento de bactérias Gram positivas e Gram negativas; Ágar Manitol, seletivo para Gram positivos; e Ágar Teague, para isolar microorganismos Gram negativos. As placas foram incubadas em ambiente aeróbio a 37°C. Após 48 horas, a leitura do número de unidades formadoras de colônia (UFC) foi realizada por um microbiologista que desconhecia a alocação nos grupos.
Análise estatística
Dada a natureza das variáveis estudadas e a variabilidade dos valores encontrados, foram utilizados testes não paramétricos1717 Siegel S, Castellan NJ Jr. Estatística não paramétrica para ciências do comportamento. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. 448 p.. Para a análise, foi utilizado o programa Bioestat 5.3 (Instituto Mamirauá, Pará e Amazonas, Brasil), e o nível de rejeição da hipótese de nulidade foi fixado em 5% (α? 0,05).
Utilizou-se o teste de Mann-Whitney para comparar os dois grupos independentes (A e B) em relação a idade, IMC e tempo da punção. O teste do Qui-quadrado foi aplicado para comparar os dois grupos quanto à distribuição por sexo e tipo de bloqueio (raquianestesia ou peridural).
O teste de Mann-Whitney também foi usado para comparar os grupos A e B quanto à colonização da pele em cada momento (antes da antissepsia, após dois minutos, e imediatamente após a punção). Para a avaliação intragrupo foi utilizada a análise de variância por postos de Friedman para comparar o número de UFC nos três momentos de coleta (antes da antissepsia, após dois minutos, e imediatamente após a punção). Sempre que houve significância estatística, aplicou-se o teste de comparações múltiplas para determinar qual diferiu de forma significante dos demais. Estas análises foram realizadas de forma independente para cada meio de cultura.
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo 70 pacientes. A Figura 1 apresenta o fluxo de pacientes no estudo. Não houve exclusão de nenhum paciente. O resultado das culturas após a punção de um paciente, do Grupo B, foi excluído da análise por contaminação das amostras.
Diagrama CONSORT do fluxo de pacientes no estudo 18 18 Moher D, Hopewell S, Schulz KF, Montori V, Gøtzsche PC, Devereaux PJ, et al. CONSORT 2010 explanation and elaboration: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials. BMJ. 2010; 340: c86. https://doi.org/10.1136/bmj.c869
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Os dois grupos foram homogêneos quanto às principais características demográficas. O tempo mediano de punção foi de 3 minutos nos dois grupos, também sem diferença estatística, e o tipo de bloqueio mais frequente foi a raquianestesia, em mais de 90% dos pacientes nos dois grupos (Tabela 1).
As Tabelas 2 a 4 apresentam os resultados quanto à colonização cutânea nos grupos A e B, bem como a comparação estatística extraiu (antes da antissepsia, após dois minutos, e imediatamente após a punção), para os meios PCA, Ágar Manitol Gram + e Ágar Teague Gram, respectivamente.
DISCUSSÃO
A medicina baseada em evidências consiste no uso do método científico para obtenção de evidências que orientem as decisões sobre cuidados em saúde. Os relatos de especialistas não são confiáveis como os resultados de estudos bem conduzidos, que por sua vez também são inferiores aos resultados de conjunto de estudos bem conduzidos. Assim, os níveis de evidência devem ser classificados de acordo com a força, ou nível de confiabilidade. Evidências mais fortes terão mais peso na tomada de decisões clínicas1919 Tenny S, Gossman WG. Evidence Based Medicine (EBM). 2017 Dec 8. StatPearls[Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2017 Jun-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470182/ Acesso em: 20/05/2020..
Embora a literatura não seja específica em relação à ocorrência de complicações infecciosas decorrentes de bloqueios do neuroeixo, é sabido que existem fatores intrínsecos, como a transmissão hematogênica2020 Duncan A, Patel S. Neurological complications in obstetric regional anesthetic practice. J Obstet Anaesth Crit Care 2016;6:3-10. https://doi.org/10.4103/2249-4472.181055
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, e extrínsecos. Dentre os extrínsecos, salienta-se a condução bacteriana por meio de trajeto de agulha, seringas contaminadas, cateteres, injeção de anestésicos locais ou falhas nas técnicas de antissepsia, sendo que a migração das bactérias pelo trajeto de agulha é a principal fonte de infecção nos bloqueios do neuroeixo1414 Perry S, Barnes J, Allan A. Performing and interpreting a lumbar puncture. Br J Hosp Med (Lond). 2018;79(12):C183-C187. https://doi.org/10.12968/hmed.2018.79.12.C183
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,2121 Raedler C, Lass-Flörl C, Pühringer F, Kolbitsch C, Lingnau W, Benzer A. Bacterial contamination of needles used for spinal and epidural anaesthesia. Br J Anaesth. 1999;83(4):657-8. https://doi.org/10.1093/bja/83.4.657
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22 Whiteside J, Wildsmith JA. Bacterial contamination of needles used for spinal and epidural anaesthesia. Br J Anaesth. 2000;84(2):294-5. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.bja.a013426
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-2323 Hebl JR. The importance and implications of aseptic techniques during regional anesthesia. Reg Anesth Pain Med. 2006;31(4):311-23. https://doi.org/10.1016/j.rapm.2006.04.004
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A anestesia do neuroeixo é procedimento invasivo, e por tal são necessários cuidados específicos para prevenção de contaminação e medidas de antissepsia, tanto da pele, do local de punção e das mãos do anestesiologista, além do uso de métodos de barreira, como luvas esterilizadas, gorro e máscara2424 Yezli S, Barbut F, Otter JA. Surface contamination in operating rooms: a risk for transmission of pathogens? Surg Infect (Larchmt). 2014;15(6):694-9. https://doi.org/10.1089/sur.2014.011
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. No presente estudo todos os profissionais estavam utilizando métodos de barreira adequados.
A falta de adequada preparação da pele quando se realizam procedimentos invasivos propicia a ocorrência de infecção. Apesar do conhecimento generalizado da importância da antissepsia antes de se fazer um bloqueio neuroaxial, ainda não há consenso quanto à técnica mais adequada ou a solução antisséptica ideal para isso33 Fahy CJ, Costi DA, Cyna AM. A survey of aseptic precautions and needle type for paediatric caudal block in Australia and New Zealand. Anaesth Intensive Care. 2013;41(1):102-7. https://doi.org/10.1177/0310057X1304100117
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,2525 Krobbuaban B, Diregpoke S, Prasan S, Thanomsat M, Kumkeaw S. Alcohol-based chlorhexidine vs. povidone iodine in reducing skin colonization prior to regional anesthesia procedures. J Med Assoc Thai. 2011;94(7):807-12. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21774287/
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.
A região lombar apresenta densidade de microrganismos por cm2 menor que outras partes do corpo. Esse fato está relacionado a menor quantidade de glândulas sebáceas, e nessa região há predomínio de bactérias aeróbicas Gram positivas44 Reichel M, Heisig P, Kohlmann T, Kampf G. Alcohols for skin antisepsis at clinically relevant skin sites. Antimicrob Agents Chemother. 2009;53(11):4778-82. https://doi.org/10.1128/AAC.00582-09
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. Os resultados do presente estudo corroboram isso, já que foi evidenciado maior crescimento nos meios seletivos para microrganismos Gram positivos.
Existem bactérias que ficam localizadas profundamente na pele, em locais em que os antissépticos muitas vezes não penetram, devido às secreções lipofílicas no extrato córneo. Por esse motivo, é sempre indicado o uso de antissépticos a base de álcool, devido à ação desengordurante, que propicia maior capacidade de penetração e eficácia na erradicação das bactérias mais profundas2323 Hebl JR. The importance and implications of aseptic techniques during regional anesthesia. Reg Anesth Pain Med. 2006;31(4):311-23. https://doi.org/10.1016/j.rapm.2006.04.004
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,2626 Del Río-Carbajo L, Vidal-Cortés P. Types of antiseptics, presentations and rules of use. Med Intensiva. 2019;43 Suppl 1:7-12. https://doi.org/10.1016/j.medin.2018.09.013
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,2727 Clarke P, Craig JV, Wain J, Tremlett C, Linsell L, Bowler U, et al. Safety and efficacy of 2% chlorhexidine gluconate aqueous versus 2% chlorhexidine gluconate in 70% isopropyl alcohol for skin disinfection prior to percutaneous central venous catheter insertion in preterm neonates: the ARCTIC randomised-controlled feasibility trial protocol. BMJ Open. 2019;9:e028022. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-028022
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. Antissépticos à base de álcool apresentam ação rápida, agindo na desnaturação de proteínas e na remoção de lipídeos, com capacidade de penetrar no extrato córneo, folículos e orifícios das glândulas sebáceas, locais onde há maior concentração de bactérias66 Kampf G, Kramer A. Epidemiologic background of hand hygiene and evaluation of the most important agents for scrubs and rubs. Clin Microbiol Rev. 2004;17(4):863-893. https://doi.org/10.1128/CMR.17.4.863-893.2004
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,2323 Hebl JR. The importance and implications of aseptic techniques during regional anesthesia. Reg Anesth Pain Med. 2006;31(4):311-23. https://doi.org/10.1016/j.rapm.2006.04.004
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,2828 Hibbard JS, Mulberry GK, Brady AR. A clinical study comparing the skin antisepsis and safety of ChloraPrep, 70% isopropyl alcohol, and 2% aqueous chlorhexidine. J Infus Nurs. 2002;25(4):244-9. https://doi.org/10.1097/00129804-200207000-00007
https://doi.org/10.1097/00129804-2002070...
,2929 Lim KS, Kam PC. Chlorhexidine-pharmacology and clinical applications. Anaesth Intensive Care. 2008;36(4):502-12. https://doi.org/10.1177/0310057X0803600404
https://doi.org/10.1177/0310057X08036004...
.
Estudos demonstraram que é necessário aguardar um mínimo de dois minutos para ação do antisséptico após a aplicação88 Benhamou B, Mercier FJ, Dounas M. Hospital policy for prevention of infection after neuraxial blocks in obstetrics. Int J Obstet Anesth. 2002;11(4):265-9. https://doi.org/10.1054/ijoa.2002.0973
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,2323 Hebl JR. The importance and implications of aseptic techniques during regional anesthesia. Reg Anesth Pain Med. 2006;31(4):311-23. https://doi.org/10.1016/j.rapm.2006.04.004
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,3030 Nuvials Casals X. Antisepsia cutánea en los procedimientos invasivos. Med Intensiva. 2019;43(Suppl 1):35-8.. O protocolo do presente estudo levou em consideração este tempo mínimo de dois minutos entre a antissepsia e punção, o qual se mostrou suficiente para redução da microbiota cutânea. O tempo de punção variou entre 1 e 22 minutos, com mediana de 3 minutos, e mesmo após as punções mais demoradas não houve crescimento significante de bactérias, demonstrando que os dois antissépticos estudados apresentaram ação residual satisfatória para o procedimento em questão, que é rápido.
Outros autores também demonstraram a ação residual satisfatória desses dois antissépticos em curto prazo, compararam o efeito da clorexidina alcoólica e do álcool 70%. Coletaram amostras, com swab, de pele íntegra de diferentes regiões do corpo, 10 minutos, 6 horas e 24 horas após aplicação, e não observaram diferença estatística na colonização após 10 minutos ou 6 horas. Entretanto, constataram que após 24h a clorexidina mantinha o efeito residual, diferente do álcool, com significância estatística2828 Hibbard JS, Mulberry GK, Brady AR. A clinical study comparing the skin antisepsis and safety of ChloraPrep, 70% isopropyl alcohol, and 2% aqueous chlorhexidine. J Infus Nurs. 2002;25(4):244-9. https://doi.org/10.1097/00129804-200207000-00007
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.
O álcool 70% mostrou-se mais efetivo em reduzir o número de UFC/cm² após dois minutos, e não houve diferença entre os dois grupos quanto à colonização da pele ao final do procedimento. Esses resultados sugerem que o álcool 70% pode ser opção para antissepsia da pele antes de bloqueios do neuroeixo.
As limitações do presente estudo incluem o fato de ter sido realizado em centro único, com tamanho amostral reduzido. Por ocasião da realização do cálculo do tamanho amostral, não foram encontrados estudos comparando a utilização de álcool e clorexidina na antissepsia da pele para bloqueios do neuroeixo. Assim, o cálculo foi baseado na proporção de culturas positivas observadas no estudo de Sato et al. (1996)1515 Sato S, Sakuragi T, Dan K. Human skin flora as a potential source of epidural abscess. Anesthesiology. 1996;85(6):1276-82. https://anesthesiology.pubs.asahq.org/article.aspx?articleid=1949127
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, que compararam solução alcoólica de clorexidina 0,5% e povidone-iodine 10% para antissepsia da pele em cirurgias lombares (respectivamente 5,7% e 32,4% de culturas positivas). A realização de estudo multicêntrico, com número maior de pacientes, e eventualmente desenho de ensaio clinico pragmático, poderia fornecer evidências mais fortes para embasar a prática clínica de antissepsia para bloqueios do neuroeixo.
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Fonte de financiamento:
não.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jan 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
26 Maio 2020 -
Aceito
02 Jul 2020