RESUMO
Objetivo: avaliar o perfil epidemiológico do trauma por quedas de mesmo nível (QMN) e quedas de nível elevado (QNE) durante a pandemia da COVID-19, realizar a comparação dos dados entre os níveis de restrição (bandeiras) e comparar com dados prévios à pandemia.
Método: estudo transversal com amostragem probabilística de prontuários de pacientes com 18 anos ou mais admitidos na sala de emergência devido a quedas de junho de 2020 a maio de 2021. Foram avaliados dados epidemiológicos, como sexo, idade e lesões resultantes, além da bandeira vigente. Os três períodos de restrição foram comparados entre si e a proporção de atendimentos por quedas foi comparada com o período de dezembro de 2016 a fevereiro de 2018.
Resultados: avaliou-se 296 atendimentos, sendo 69,9% vítimas de QMN e 30,1% de QNE. A média de idade foi 57,6 anos, sendo que 45,6% apresentavam idade superior a 60 anos. Sexo masculino predominou e 40,2% dos pacientes necessitaram internamento hospitalar. Durante a bandeira vermelha proporcionalmente ocorreram mais lesões em cabeça e pescoço (p=0,016), trauma em extremidades (p=0,015) e neurológico (p<0,001). Obteve-se uma média de 6,1, 6,3 e 5,2 atendimentos/dia durante a bandeira amarela, laranja e vermelha respectivamente. Ocorreu um aumento significativo da ocorrência de quedas quando comparado ao período prévio à pandemia.
Conclusões: durante o período pandêmico, verificou-se uma redução absoluta de atendimentos de vítimas de quedas na bandeira mais restritiva. Porém, quando comparado ao período pré-pandêmico, verifica-se um aumento significativo das quedas.
Palavras-chave: Epidemiologia; Acidentes por Quedas; COVID-19; Centros de Traumatologia
ABSTRACT
Objective: to assess the epidemiological profile of trauma patients from fall from the same level (FSL) and fall from an elevated level (FEL) during the COVID-19 pandemic, and to compare it with data from different levels of restriction (flags) and data prior to the pandemic.
Method: a cross-sectional study with a probability sample of the medical records of patients aged 18 years or older admitted to the emergency room due to falls, from June 2020 to May 2021. Epidemiological data, such as sex, age and injuries were analyzed, as well the current level of restriction. The three restriction periods were compared between then and the proportion of admissions due to falls was compared with the period from December 2016 to February 2018.
Results: a total of 296 admissions were evaluated, 69.9% were victims of FSL and 30.1% of FEL. The mean age was 57.6 years, and 45.6% were over 60 years old. Admissions among men predominated, and 40.2% of patients required hospitalization. During the red flag period, there were proportionally more injuries to the head and neck (p=0.016), injuries to extremities (p=0.015) and neurological trauma (p<0.001). An average of 6.1, 6.3 and 5.2 admissions per day was obtained during the yellow, orange and red flag, respectively. There was a relative increase in falls when compared to the pre-pandemic period.
Conclusions: there was an absolute reduction in admissions of victims of falls in midst of the most restrictive period during the pandemic. However, when compared to pre-pandemic data, there was a relative increase in falls.
Keywords: Epidemiology; Accidental Falls; COVID-19; Trauma Centers
INTRODUÇÃO
A queda é um deslocamento não intencional do corpo para um mesmo nível ou nível inferior à posição inicial, provocado por circunstâncias multifatoriais, resultando ou não em dano1. No mundo, leva a óbito anualmente cerca de 640.000 indivíduos1 e no Brasil, entre 1998 a 2015, gerou o internamento de 1.192.829 idosos2.
Os mais suscetíveis a sofrer quedas que necessitem de internamento são trabalhadores, esportistas e, principalmente idosos, estes representando 37,3 milhões das quedas graves1,3. Como consequências, podem ocasionar tanto lesões (lacerações, fraturas e hemorragias intracranianas) como danos psicológicos (depressão e ansiedade). Além disso, geram impacto na mortalidade, nas taxas de internações e nos custos de assistência médica4.
Quanto a isso, outra doença gerou impactos semelhantes. A doença causada pelo SARS-CoV-2 (COVID-19), com primeiro caso relatado no final de 2019, possui espectro clínico amplo, desde um quadro assintomático até uma insuficiência respiratória aguda5. Por sua elevada transmissibilidade e pelo aumento exponencial no número de infectados, foi designada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pandemia global em março de 20205. A fim de conter a disseminação viral e evitar o colapso dos serviços de saúde, medidas de restrições foram adotadas em 190 países6. Uso de máscaras, higienização das mãos, restrição de circulação de pessoas e isolamento dos casos suspeitos e confirmados de COVID-19 foram algumas delas7,8.
Neste âmbito, a Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba (Brasil) estabeleceu em junho de 2020 o Protocolo de Responsabilidade Sanitária e Social. Tal medida é composta por diferentes níveis de restrição (bandeiras), implementados de acordo com indicadores epidemiológicos de velocidade de avanço da COVID-19, incidência sobre a população e a capacidade de atendimento dos serviços de saúde9. A bandeira amarela, sinalizando alerta, apresenta medidas restritivas mais brandas. A bandeira laranja, indicando risco moderado, aplica restrições de horários e lotação de serviços e eventos. Já a bandeira vermelha, que sinaliza alto risco, permite apenas o funcionamento de serviços essenciais e restrição da circulação de pessoas9.
Durante a pandemia, houve uma redução de atendimentos em centros de traumas pelo mundo associada à implementação de medidas semelhantes10-12. Com a redução de circulação de pessoas, observou-se também um aumento relativo dos acidentes em domicílio10,11, especialmente por quedas10,12,13 e em populações idosas10,12,13.
Tendo em vista a recorrência desse mecanismo de trauma e a importância do cuidado na saúde pública em qualquer contexto, incluindo situações emergenciais, torna-se essencial a atualização constante dos dados epidemiológicos deste evento. Portanto, o objetivo deste estudo é traçar o perfil epidemiológico do trauma por quedas em um hospital em Curitiba-PR no contexto pandêmico, avaliar sua apresentação nos diferentes níveis de restrição, assim como comparar com dados pré-pandêmicos da mesma instituição.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal com amostragem probabilística de prontuários de pacientes admitidos na sala de emergência de um hospital universitário em Curitiba-PR no período de junho de 2020 a maio de 2021. Foram incluídos pacientes com 18 anos ou mais que sofreram queda e foram admitidos pela sala de emergência por procura direta ou conduzidos por resgate médico. Foram excluídos os prontuários de pacientes em óbito na chegada ao hospital e com preenchimento incompleto.
O cálculo do tamanho amostral foi feito com base na amostra inicial de 100 atendimentos sucessivos ocorridos durante a pandemia e nos dados de um estudo prévio realizado na mesma instituição em um período prévio à pandemia (dezembro de 2016 a fevereiro de 2018)14, cujo desenho, variáveis e análise são semelhantes e cujos resultados serão utilizados como dados pré-pandêmicos. Para detectar diferença significativa entre as distribuições sobre as classificações do mecanismo de trauma (quedas, acidentes de trânsito e agressões), quando são comparados os períodos pré-pandemia e durante a pandemia, seriam necessários um total de 833 pacientes, considerando-se o nível de significância de 5% e poder do teste de 80%. Para a amostragem dos prontuários foi utilizado o programa computacional GraphPad. Selecionou-se dias alternados dentro do período do estudo e, em cada dia, foi sorteado um quinto dos prontuários conforme os critérios de inclusão.
As variáveis coletadas dos prontuários foram: idade; sexo; dia da semana ou feriado; tipo de serviço de resgate médico; mecanismo da queda, sendo queda de mesmo nível (QMN) e queda de nível elevado (QNE); valores resultantes da Escala de Coma de Glasgow (ECG), da pressão arterial sistólica (PAS) e da frequência respiratória (FR) para o cálculo do Revised Trauma Score (RTS); comorbidades do paciente; se foi acidente de trabalho; descrição de autorrelato de ingestão de bebida alcoólica antes do acidente; trauma de extremidades, trauma cranioencefálico (TCE); tentativa de suicídio; se o paciente precisou ser internado e o período da pandemia em que ocorreu, considerando os níveis de medidas restritivas implementados (bandeiras). Curitiba apresenta principalmente dois serviços de atendimento pré-hospitalar: o Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (SIATE) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). O SIATE atende, em conjunto com o corpo de bombeiros, vítimas de traumas exclusivamente15, enquanto o SAMU atende emergências clínicas e complementa o atendimento ao trauma14. O RTS é um escore fisiológico que avalia a morbimortalidade do politraumatizado. Seus valores variam entre 0 e 8 e quanto maior o valor final, melhor será o prognóstico do paciente16.
Os resultados da idade foram descritos por média, desvio padrão, mínimo e máximo, do RTS por mediana, valor mínimo e máximo e as variáveis categóricas descritas por frequência e porcentagem. Modelo de regressão logística binária com significância estatística avaliada pelo teste de Wald foram utilizados para avaliar o potencial explicativo da idade para a ocorrência de QMN, quando comparado à QNE e para avaliar a associação entre mecanismo de trauma com as lesões deles decorrentes e necessidade de internamento. Para os modelos que apresentaram significância estatística, foram expressos por Oddis Ratio (OR) e seu intervalo de confiança. Por meio de teste de Qui-quadrado, os três grupos estabelecidos pelas bandeiras amarela, laranja e vermelha foram comparados quanto ao mecanismo de trauma (QMN ou QNE), à presença de lesão em um dos seguimentos corporais, à necessidade de internamento e à ingestão de álcool previamente à queda. Para as análises que apresentaram significância estatística no teste qui-quadrado, foram realizadas comparações múltiplas entre os grupos, com nível de significância corrigido por Bonferroni. Oddis Ratio (OR) e seu intervalo de confiança também foram apresentados para essas comparações dois a dois que tiveram diferença significativa entre os grupos. O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis foi usado para comparar os escores RTS entre os grupos estabelecidos de acordo com as cores das bandeiras em vigência. A correlação entre o período definido pelas bandeiras e a incidência de assistência ao trauma com mecanismo de queda foi comparada dois a dois. O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar a proporção de atendimentos por quedas e por outros (acidentes automobilísticos e agressões) no período da pandemia com a dos atendimentos feitos no mesmo hospital durante o período pré-pandemia14. Para as análises que apresentaram significância estatística no teste qui-quadrado, foram analisados os resíduos, considerando que há associação entre as variáveis nas células que apresentam valor de resíduos padronizados ajustados maior que 1,96. Valores de p<0,05 apontam significância estatística. Os dados coletados foram organizados em planilha do Excel® e analisados por meio do programa de computador IBM SPSS Statistics v.20.0.Armonk, NY: IBM Corp.
Não foram adotadas estratégias para correção de dados ausentes.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética sob protocolo CAAE n° 40014320.2.0000.0020.
RESULTADOS
Foram incluídos 296 pacientes, 69,9% sofreram QMN e 30,1% tiveram QNE. Do total, 62,8% eram do sexo masculino e a média etária foi de 57,6 anos (± 20,4;18-98 anos), e 45,6% apresentavam idade superior a 60 anos (Tabela 1). Observou-se ainda que o incremento de idade aumenta significativamente o risco de sofrer QMN quando comparado à QNE (OR: 1,042 [IC de 95%, 1,028 - 1,057]) (Tabela 2).
Quanto ao serviço de resgate médico, 55,7% dos pacientes foram trazidos ao hospital pelo SAMU e 39,2% pelo SIATE (Tabela 1). Os dias da semana em que houve mais casos de quedas foram quintas, sextas e sábados, totalizando 49% (n=145) dos atendimentos.
Apenas 1,7% (n=5) dos casos foi por acidente de trabalho. Além disso, 20,3% (n=60) dos pacientes relatou ter ingerido bebidas alcoólicas antes da queda e 0,7% (n=2) tentaram cometer suicídio com esse evento. Em relação às comorbidades, a hipertensão arterial sistêmica foi a mais observada (30,4%), seguida por diabetes mellitus do tipo 2 (16,2%) (Tabela 1).
Quanto ao segmento corporal acometido, 34,5% (n=102) dos pacientes apresentaram trauma de extremidades, sendo que 5,9% (n=6) destes tiveram fratura exposta. Além disso, 69 (23,3%) sofreram TCE e 119 (40,2%) foram internados para intervenção cirúrgica. O Escore RTS mediano da amostra total foi de 7,84, variando de 5,97 a 7,84, sem diferença significativa nos valores destes escores entre pacientes atendidos na vigência das bandeiras: Amarela, Laranja e Vermelha (Tabela 3).
Na análise de associação entre mecanismo de trauma e a região acometida, verificou-se que, quando comparado à vítimas de QMN, as vítimas de QNE apresentam maior probabilidade de sofrerem lesão em membros superiores (OR: 2,53, [IC de 95% 1,39 - 4,63]), em tórax (OR: 4,82 [IC de 95%: 2,04 - 11,39]), em dorso (OR: 4,33 [IC de 95%: 2,04 - 9,16]) e em membros inferiores (OR: 1,70 [IC de 95%: 1,01 - 2,87]). Não houve diferença significativa na ocorrência de lesões específicas e na necessidade de internamento entre os tipos de quedas (Tabela 4).
Ao comparar cada uma das variáveis com a ocorrência nos diferentes níveis de restrição, observou-se diferença significativa quanto à ocorrência de lesão em cabeça e pescoço, lesão em superfícies externas, trauma de extremidades e TCE (Tabela 5). Nas comparações dois a dois, percebeu-se que, em comparação com a bandeira amarela, os atendidos na bandeira vermelha apresentaram uma proporção significativamente maior de lesão em cabeça e pescoço (OR: 3,529 [IC de 95%: 1,307 - 9,529]), trauma de extremidades (OR: 3,972 [IC de 95%: 1,506 - 10,477]) e TCE (OR: 13,333 [IC de 95%: 4,484 - 39,649]). A proporção de pacientes com TCE na bandeira vermelha também foi maior em relação à bandeira laranja (OR: 10,246 [IC de 95%: 3,755 - 27,958]) (Tabela 5).
Em relação à média diária de atendimentos de acordo com o nível de restrição, foram realizados durante as bandeiras amarela, laranja e vermelha 6,1, 6,3 e 5,2 atendimentos por dia, respectivamente. Houve diferença estatisticamente significativa na comparação entre as bandeiras laranja e vermelha (p=0,026), com diferença de 1,1 atendimento por dia. Não houve diferença significativa entre as bandeiras amarela e laranja (p=0,628) e amarela e vermelha (p=0,060).
Quanto à comparação com o período pré-pandêmico14, observou-se diferença estatisticamente significativa das proporções dos mecanismos de trauma entre os períodos de coleta de dados. Ao analisar os resíduos padronizados, verifica-se uma proporção significativamente maior de atendimentos a vítimas de quedas durante a pandemia (Tabela 6).
DISCUSSÃO
Os dados deste estudo mostram que, em comparação com o período pré-pandemia14, houve um aumento significativo na proporção de atendimentos por quedas. Além disso, observou-se uma predominância de ocorrência de QMN em relação à QNE. Por outro lado, um estudo francês observou que, dos 151 atendimentos por quedas no período de lockdown, 84,8% se deram por QNE e 15,2% por QMN17. Em relação à idade, a maioria dos atendimentos deste estudo foi em pacientes com mais de 60 anos e observou-se que, quanto maior a idade, maior o risco de QMN. Um estudo londrino12 encontrou maior frequência de casos de quedas na faixa etária acima dos 64 anos (52,35%) e observou que este evento foi o mecanismo de trauma mais comum durante a pandemia, representando 68,4% dos casos12. As quedas, em especial as QMN, foram os principais mecanismos de lesão entre idosos em diversos trabalhos18. A necessidade de isolamento de pacientes idosos neste contexto, devido à maior chance de desenvolvimento de quadros graves pela COVID-19, pode ter aumentado os riscos de sofrerem quedas por acidentes domésticos, o que justifica os resultados deste estudo.
Dentre os principais fatores de risco para quedas estão idade avançada, deficiência física, história de queda anterior e uso de medicamentos19. Além da prevalência de pacientes de meia-idade neste estudo, foi observada grande incidência de comorbidades, como Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus. Um estudo20 com 706 pacientes idosos observou proporções semelhantes, além de outras doenças como cardiopatia (6,66%), doença reumatológica (3,56%) e epilepsia (2,17%)20. Idosos hipertensos têm aproximadamente sete vezes mais risco de sofrer quedas quando comparados com aqueles que não a possuem, visto que alguns anti-hipertensivos tendem a causar hipotensão postural. Já os idosos diabéticos podem apresentar decréscimo da função sensório motora, déficits neuromusculares e musculoesqueléticos, que também aumentam a chance de quedas18.
A maioria dos pacientes deste estudo são homens, dado que diverge de outros estudos. No estudo pré-pandêmico da mesma instituição14, tanto em QMN como nas colisões automobilísticas, a predominância se deu no sexo feminino. Tiensoli et al.18, que avaliou quedas em idosos com idade superior a 60 anos, também observou predominância do sexo feminino (66,92%). Sabe-se que quedas não fatais são mais comuns em mulheres e as fraturas mais comuns acontecem em mulheres que sofrem esse mecanismo19. Contudo, a ocorrência de quedas em homens poderia ser explicada pelos níveis mais elevados de comportamentos de risco e perigos dentro das ocupações21, o que corrobora com o resultado encontrado.
A ingestão de bebida alcoólica prévia ao acidente se deu em 20,3% dos pacientes deste estudo, valor que se aproxima do encontrado em outros artigos22. Elevados níveis de álcool levam ao maior risco de quedas por desequilíbrio e à exposição a situações de risco pela redução do senso crítico23.
Com relação ao serviço de resgate médico, a proporção entre os atendimentos realizados pelo SAMU e SIATE nesse estudo seguiu o padrão encontrado nos anos anteriores14, mostrando a prevalência do primeiro. O SAMU, em geral, é mais associado ao atendimento clínico, e o SIATE é acionado pela população em acidentes considerados graves, como acidentes de trânsito. Além disso, alguns casos de quedas podem ter sido precedidos por situações clínicas, como epilepsia ou síncope, o que poderia explicar o maior acionamento do SAMU. Ainda, os atendimentos se deram majoritariamente nas quintas, sextas e sábados, o que também ocorreu no estudo pré-pandêmico (sextas e sábados, 14,4% e 17,87%, respectivamente)14. É importante ter conhecimento dos dias em que a maioria dos casos ocorrem, pois isso pode auxiliar no preparo da assistência médica.
Quanto às lesões resultantes, os traumas de extremidades ocorreram em menos da metade dos pacientes deste estudo. Também se evidenciou que lesões em membros superiores, inferiores, tórax e dorso são mais prováveis em vítimas de QNE, um evento de alta energia, o que condiz com a literatura24. Um estudo de 201725 observou que vítimas de queda tiveram maior frequência de fraturas de pelve e trauma raquimedular do que as que sofreram outros eventos. Além disso, 23,3% dos pacientes tiveram TCE no presente estudo. Nos Estados Unidos, contusões, fraturas de quadril ou traumatismo craniano, que são consideradas lesões moderadas ou graves, estão presentes em 20% a 30% das quedas em idosos. Ainda, é descrito que quanto maior a idade, maiores os riscos de gravidade das lesões intracranianas25 e a presença de ambientes não adaptados a eles pode ser um fator importante para o desencadeamento dos acidentes. Desse modo, têm se destacado, principalmente na pandemia, a necessidade de medidas de prevenção para acidentes domésticos, principalmente para idosos. Iluminação adequada, cuidado com pisos irregulares, organização ergonômica dos móveis e o uso de calçados antiderrapantes são algumas delas. Quanto às medicações, sugere-se o uso racional e espaçado, e o uso de drogas para insônia deve ser reduzido ou eliminado10.
Analisando as medidas de restrição, observou-se que a média diária de atendimentos na bandeira vermelha diminuiu 1,1 em relação à bandeira laranja. Outros estudos epidemiológicos mostraram reduções semelhantes em períodos de maior restrição26,27.
Uma das limitações deste estudo é ter sido realizado em um único centro, apesar deste ser um dos hospitais de referência no atendimento a traumas na capital do Paraná. Deste modo há limitação quanto à generalização externa. Além disso, o dado referente à ingesta de bebida alcoólica era a autodeclaração dos pacientes, o que pode ter sido omitido por eles durante o atendimento, ficando subestimado.
CONCLUSÃO
O perfil epidemiológico das vítimas de trauma por quedas durante a pandemia da COVID-19 foi de homens, idosos e vítimas de quedas de mesmo nível. Houve redução da média diária de atendimentos na bandeira mais restritiva e aumento da proporção de casos de quedas em relação ao período pré-pandemia.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos colegas Willian Augusto Guizzo, Barbara Seidinger de Souza, Viktoria Weihermann, André Barausse da Silva, Gabriel Ramos Jabur e Carla Martinez Menini Stahlschimidt pela forma ética, empenho e perseverança na condução do estudo “Trauma em Curitiba: avaliação multifatorial de vítimas admitidas em um hospital universitário”, cujos dados foram essenciais para a realização deste estudo.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
15 Jul 2022 -
Aceito
17 Out 2022